quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15705: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2ª versão, 2010, 99 pp.) - IV Parte: III - Metamorfose 1 (pp. 20-21)

Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [ Fitas Ralhete], o nosso querido camarada Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67, e cofundador e "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô.

Esta edição é uma segunda versão, reformulada, aumentada e melhorada, do livro "Putos, gandulos e guerra" (edição de autor, Estoril, Cascaiis, 2000). A sua pré-publicação, no nosso blogue, em formato digital, está devidamente autorizada pelo autor.


Texto e fotos: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados.


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra >
 III - Metamorfose 1 (pp. 20-21)

por Mário Vicente


O tempo continuava galopante na sua louca correria, transformando as coisas e as pessoas. Ângelo Roncalli, sargento do corpo médico e capelão militar, da primeira Guerra Mundial, em Outubro de 1958 entra no Vaticano, como Papa João XXIII.  As suas encíclicas Mater et Magistra e Pacem in Terris, o Vaticano II puseram a Igreja em polvorosa, e começam a delinear-se reflexos na Igreja em todo o Mundo, Portugal incluindo mesmo a ignota aldeia da Planície. Há mudança de padre e a igreja é devolvida ao Povo, onde começam a aparecer alguns homens. A própria Colónia, agora Instituto de Reeducação de Menores, sente os ventos da mudança e sofre transformações.

Calças de Palanco vai crescendo, acompanha este desen­volvimento e adere a esse movimento maravilhoso de Baden Powell. A 15 de Agosto de 1959, a Patrulha Estorninho faz a sua Promessa, sendo formada pelos Exploradores, Baté, Calças de Palanco, Torreca, Carcaça, Pouca Sorte, Bertinho, Peta e Pitórrela; este foi o embrião do futuro Agrupamento 137 do CNE a cuja chefia chegam Baté, Calças de Palanco, Bertinho, Manito e outros mais tarde.

Calças de Palanco lê a conclusão aprovada pela Conferência Internacional Escutista [CNE], e fica extasiado: «A Conferência Internacional do Escutismo declara que o Escutismo é obra de carácter Nacional, Internacional e Universal, e o seu objectivo é dotar cada uma das nações e todo o Mundo em geral, de jovens física, moral e espiritualmente fortes. É Nacional, porque visa por meio de organismos nacionais, dotar cada nação de cidadãos úteis e válidos. É internacional, visto que não reconhece fronteiras às boas relações entre escuteiros. Universal, porquanto procura insistentemente incutir o sentimento de fraternidade universal aos escuteiros de todas as nações, classes ou crenças. O escutismo não pretende de forma nenhuma enfraquecer, mas antes fortalecer, as crenças religiosas individuais. A Lei do escuteiro requer que este pratique real e sinceramente a sua religião, e a orientação da Obra proíbe toda a espécie de proselitismo em reuniões mistas.»

Para Calças de Palanco melhor, só de encomenda. Na última mensagem do Chefe, relê e encontra coisas maravilhosas tais como: "Creio que Deus nos colocou neste mundo encantador para sermos felizes e apreciarmos a vida. A felicidade não vem da riqueza, nem simplesmente do êxito de uma carreira, nem dos prazeres. Um passo para a felicidade é serdes saudáveis e fortes enquanto sois rapazes, para poderdes ser úteis e gozar a vida quando fordes homens. O estudo da natureza mostrar-vos-á as coisas belas e maravilhosas de que Deus encheu o mundo para vosso deleite. Contentai-vos com o que tendes e tirai dele o maior proveito que puderdes. Vede sempre o lado melhor das coisas e não o pior. Mas o melhor meio de alcançar a felicidade é contribuir para a felicidade dos outros."

Estas e outras palavras grandiosas de Badden Powell, ecoaram profundamente no coração de Calças de Palanco. Aparecem aqui novos putos candidatos a gandulos: Zé Sacristão, Vauna, Carmélia, ManeI Pires, Casado, Cesário, Ratinho, Toi, Ma­nito e outros entram no grupo.

Caminheiros também já temos, e criam-se os Lobitos que, mais tarde, seguirão a trilogia, "putos, gandulos e guerra". Alistam-se então, os putos Caldeirinha, Gri­lezas, Armando, Quim ManeI, os irmãos Saramago, Zé Carlos Chico Zé, Silvino, etc...

Vivem-se momentos eufóricos na aldeia da Planície.

Acampamentos não faltam e toma-se romaria a sua visita, por familiares e outros habitantes. Festas e teatros tornam-se elementos evolutivos da so­ciedade humana. Rafael de Oliveira volta à sua grande paixão e retoma o seu lugar de ensaiador, encenador e coreógrafo dos espectáculos da terra. Dramas, comédias e tragicomédias fazem rir e chorar as pedras da calçada. Gente humilde do povo torna­-se em verdadeiros artistas, e o próprio povo delira em rir. Mas por vezes, gosta também de aflorar os seus sentimentos e sentir a lágrima no cantinho do olho. Faça-se segundo a vossa vontade.

Calças de Palanco, já gandulo, vive intensamente estes tempos e tem o privilégio com Bertinho, de preparar o pequeno-almoço para Dom Manuel Trindade Salgueiro,  Arcebispo de Évora, durante um Jamboree na cidade Museu, na Quinta da Mitra.

Dedica-se ao desporto e ingressa no "O Elvas",  Clube Alentejano de Desportos, como júnior, treinado por Otto Lebre,  conhece grandes triunfos. De terra em terra envolvido com a "Malta do Atum", rapazes do movimento de Baden Powell divulgam a sua obra e colaboram activamente com a Igreja.

Malta do Atum?... Sim, meus amigos, ficou-vos a alcunha, por como ratos da noite, terdes mamado a lata do atum, o que deixou o cozinheiro Torreca apavorado, com as batatas cozidas para o almoço e nada para acompanhamento. Tinha das boas,  o nosso cozinheiro Torreca!... Lembram-se daquela sopa de feijão em que na panela entrou primeiro a massa?... Tudo bem! Era nestas experiências que se ia enriquecendo o saber da vida feito.

Os estudos de Calças de Palanco vão andando, devagar como bom alentejano, para não se cansar muito. Algumas gaze­tas às aulas fazem parte do curriculum, principalmente quando na linda amuralhada cidade, aparecem excursões com "guapas hermanas", dos Colégios do lado de lá da fronteira.

– Manel,  vai buscar a viola! Vamos cantar umas mala­guenhas! –  E seguiam direito ao jardim mandando as aulas e o "Fumachum" às ortigas.

– Também já lá está o ManeI! Foi tão novo não foi, Manela? E deixou tantas saudades! "Cest la vie!"

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