Esta edição é uma segunda versão, reformulada, aumentada e melhorada, do livro "Putos, gandulos e guerra" (edição de autor, Estoril, Cascaiis, 2000). A sua pré-publicação, no nosso blogue, em formato digital, está devidamente autorizada pelo autor.
Texto e fotos: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados.
Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > III - Metamorfose 1 (pp. 20-21)
por Mário Vicente
O tempo continuava galopante na sua louca correria, transformando as coisas e as pessoas. Ângelo Roncalli, sargento do corpo médico e capelão militar, da primeira Guerra Mundial, em Outubro de 1958 entra no Vaticano, como Papa João XXIII. As suas encíclicas Mater et Magistra e Pacem in Terris, o Vaticano II puseram a Igreja em polvorosa, e começam a delinear-se reflexos na Igreja em todo o Mundo, Portugal incluindo mesmo a ignota aldeia da Planície. Há mudança de padre e a igreja é devolvida ao Povo, onde começam a aparecer alguns homens. A própria Colónia, agora Instituto de Reeducação de Menores, sente os ventos da mudança e sofre transformações.
Calças de Palanco vai crescendo, acompanha este desenvolvimento e adere a esse movimento maravilhoso de Baden Powell. A 15 de Agosto de 1959, a Patrulha Estorninho faz a sua Promessa, sendo formada pelos Exploradores, Baté, Calças de Palanco, Torreca, Carcaça, Pouca Sorte, Bertinho, Peta e Pitórrela; este foi o embrião do futuro Agrupamento 137 do CNE a cuja chefia chegam Baté, Calças de Palanco, Bertinho, Manito e outros mais tarde.
Calças de Palanco lê a conclusão aprovada pela Conferência Internacional Escutista [CNE], e fica extasiado: «A Conferência Internacional do Escutismo declara que o Escutismo é obra de carácter Nacional, Internacional e Universal, e o seu objectivo é dotar cada uma das nações e todo o Mundo em geral, de jovens física, moral e espiritualmente fortes. É Nacional, porque visa por meio de organismos nacionais, dotar cada nação de cidadãos úteis e válidos. É internacional, visto que não reconhece fronteiras às boas relações entre escuteiros. Universal, porquanto procura insistentemente incutir o sentimento de fraternidade universal aos escuteiros de todas as nações, classes ou crenças. O escutismo não pretende de forma nenhuma enfraquecer, mas antes fortalecer, as crenças religiosas individuais. A Lei do escuteiro requer que este pratique real e sinceramente a sua religião, e a orientação da Obra proíbe toda a espécie de proselitismo em reuniões mistas.»
Para Calças de Palanco melhor, só de encomenda. Na última mensagem do Chefe, relê e encontra coisas maravilhosas tais como: "Creio que Deus nos colocou neste mundo encantador para sermos felizes e apreciarmos a vida. A felicidade não vem da riqueza, nem simplesmente do êxito de uma carreira, nem dos prazeres. Um passo para a felicidade é serdes saudáveis e fortes enquanto sois rapazes, para poderdes ser úteis e gozar a vida quando fordes homens. O estudo da natureza mostrar-vos-á as coisas belas e maravilhosas de que Deus encheu o mundo para vosso deleite. Contentai-vos com o que tendes e tirai dele o maior proveito que puderdes. Vede sempre o lado melhor das coisas e não o pior. Mas o melhor meio de alcançar a felicidade é contribuir para a felicidade dos outros."
Estas e outras palavras grandiosas de Badden Powell, ecoaram profundamente no coração de Calças de Palanco. Aparecem aqui novos putos candidatos a gandulos: Zé Sacristão, Vauna, Carmélia, ManeI Pires, Casado, Cesário, Ratinho, Toi, Manito e outros entram no grupo.
Caminheiros também já temos, e criam-se os Lobitos que, mais tarde, seguirão a trilogia, "putos, gandulos e guerra". Alistam-se então, os putos Caldeirinha, Grilezas, Armando, Quim ManeI, os irmãos Saramago, Zé Carlos Chico Zé, Silvino, etc...
Vivem-se momentos eufóricos na aldeia da Planície.
Acampamentos não faltam e toma-se romaria a sua visita, por familiares e outros habitantes. Festas e teatros tornam-se elementos evolutivos da sociedade humana. Rafael de Oliveira volta à sua grande paixão e retoma o seu lugar de ensaiador, encenador e coreógrafo dos espectáculos da terra. Dramas, comédias e tragicomédias fazem rir e chorar as pedras da calçada. Gente humilde do povo torna-se em verdadeiros artistas, e o próprio povo delira em rir. Mas por vezes, gosta também de aflorar os seus sentimentos e sentir a lágrima no cantinho do olho. Faça-se segundo a vossa vontade.
Calças de Palanco, já gandulo, vive intensamente estes tempos e tem o privilégio com Bertinho, de preparar o pequeno-almoço para Dom Manuel Trindade Salgueiro, Arcebispo de Évora, durante um Jamboree na cidade Museu, na Quinta da Mitra.
Dedica-se ao desporto e ingressa no "O Elvas", Clube Alentejano de Desportos, como júnior, treinado por Otto Lebre, conhece grandes triunfos. De terra em terra envolvido com a "Malta do Atum", rapazes do movimento de Baden Powell divulgam a sua obra e colaboram activamente com a Igreja.
Malta do Atum?... Sim, meus amigos, ficou-vos a alcunha, por como ratos da noite, terdes mamado a lata do atum, o que deixou o cozinheiro Torreca apavorado, com as batatas cozidas para o almoço e nada para acompanhamento. Tinha das boas, o nosso cozinheiro Torreca!... Lembram-se daquela sopa de feijão em que na panela entrou primeiro a massa?... Tudo bem! Era nestas experiências que se ia enriquecendo o saber da vida feito.
Os estudos de Calças de Palanco vão andando, devagar como bom alentejano, para não se cansar muito. Algumas gazetas às aulas fazem parte do curriculum, principalmente quando na linda amuralhada cidade, aparecem excursões com "guapas hermanas", dos Colégios do lado de lá da fronteira.
– Manel, vai buscar a viola! Vamos cantar umas malaguenhas! – E seguiam direito ao jardim mandando as aulas e o "Fumachum" às ortigas.
– Também já lá está o ManeI! Foi tão novo não foi, Manela? E deixou tantas saudades! "Cest la vie!"
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Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > III - Metamorfose 1 (pp. 20-21)
por Mário Vicente
O tempo continuava galopante na sua louca correria, transformando as coisas e as pessoas. Ângelo Roncalli, sargento do corpo médico e capelão militar, da primeira Guerra Mundial, em Outubro de 1958 entra no Vaticano, como Papa João XXIII. As suas encíclicas Mater et Magistra e Pacem in Terris, o Vaticano II puseram a Igreja em polvorosa, e começam a delinear-se reflexos na Igreja em todo o Mundo, Portugal incluindo mesmo a ignota aldeia da Planície. Há mudança de padre e a igreja é devolvida ao Povo, onde começam a aparecer alguns homens. A própria Colónia, agora Instituto de Reeducação de Menores, sente os ventos da mudança e sofre transformações.
Calças de Palanco vai crescendo, acompanha este desenvolvimento e adere a esse movimento maravilhoso de Baden Powell. A 15 de Agosto de 1959, a Patrulha Estorninho faz a sua Promessa, sendo formada pelos Exploradores, Baté, Calças de Palanco, Torreca, Carcaça, Pouca Sorte, Bertinho, Peta e Pitórrela; este foi o embrião do futuro Agrupamento 137 do CNE a cuja chefia chegam Baté, Calças de Palanco, Bertinho, Manito e outros mais tarde.
Calças de Palanco lê a conclusão aprovada pela Conferência Internacional Escutista [CNE], e fica extasiado: «A Conferência Internacional do Escutismo declara que o Escutismo é obra de carácter Nacional, Internacional e Universal, e o seu objectivo é dotar cada uma das nações e todo o Mundo em geral, de jovens física, moral e espiritualmente fortes. É Nacional, porque visa por meio de organismos nacionais, dotar cada nação de cidadãos úteis e válidos. É internacional, visto que não reconhece fronteiras às boas relações entre escuteiros. Universal, porquanto procura insistentemente incutir o sentimento de fraternidade universal aos escuteiros de todas as nações, classes ou crenças. O escutismo não pretende de forma nenhuma enfraquecer, mas antes fortalecer, as crenças religiosas individuais. A Lei do escuteiro requer que este pratique real e sinceramente a sua religião, e a orientação da Obra proíbe toda a espécie de proselitismo em reuniões mistas.»
Para Calças de Palanco melhor, só de encomenda. Na última mensagem do Chefe, relê e encontra coisas maravilhosas tais como: "Creio que Deus nos colocou neste mundo encantador para sermos felizes e apreciarmos a vida. A felicidade não vem da riqueza, nem simplesmente do êxito de uma carreira, nem dos prazeres. Um passo para a felicidade é serdes saudáveis e fortes enquanto sois rapazes, para poderdes ser úteis e gozar a vida quando fordes homens. O estudo da natureza mostrar-vos-á as coisas belas e maravilhosas de que Deus encheu o mundo para vosso deleite. Contentai-vos com o que tendes e tirai dele o maior proveito que puderdes. Vede sempre o lado melhor das coisas e não o pior. Mas o melhor meio de alcançar a felicidade é contribuir para a felicidade dos outros."
Estas e outras palavras grandiosas de Badden Powell, ecoaram profundamente no coração de Calças de Palanco. Aparecem aqui novos putos candidatos a gandulos: Zé Sacristão, Vauna, Carmélia, ManeI Pires, Casado, Cesário, Ratinho, Toi, Manito e outros entram no grupo.
Caminheiros também já temos, e criam-se os Lobitos que, mais tarde, seguirão a trilogia, "putos, gandulos e guerra". Alistam-se então, os putos Caldeirinha, Grilezas, Armando, Quim ManeI, os irmãos Saramago, Zé Carlos Chico Zé, Silvino, etc...
Vivem-se momentos eufóricos na aldeia da Planície.
Acampamentos não faltam e toma-se romaria a sua visita, por familiares e outros habitantes. Festas e teatros tornam-se elementos evolutivos da sociedade humana. Rafael de Oliveira volta à sua grande paixão e retoma o seu lugar de ensaiador, encenador e coreógrafo dos espectáculos da terra. Dramas, comédias e tragicomédias fazem rir e chorar as pedras da calçada. Gente humilde do povo torna-se em verdadeiros artistas, e o próprio povo delira em rir. Mas por vezes, gosta também de aflorar os seus sentimentos e sentir a lágrima no cantinho do olho. Faça-se segundo a vossa vontade.
Calças de Palanco, já gandulo, vive intensamente estes tempos e tem o privilégio com Bertinho, de preparar o pequeno-almoço para Dom Manuel Trindade Salgueiro, Arcebispo de Évora, durante um Jamboree na cidade Museu, na Quinta da Mitra.
Dedica-se ao desporto e ingressa no "O Elvas", Clube Alentejano de Desportos, como júnior, treinado por Otto Lebre, conhece grandes triunfos. De terra em terra envolvido com a "Malta do Atum", rapazes do movimento de Baden Powell divulgam a sua obra e colaboram activamente com a Igreja.
Malta do Atum?... Sim, meus amigos, ficou-vos a alcunha, por como ratos da noite, terdes mamado a lata do atum, o que deixou o cozinheiro Torreca apavorado, com as batatas cozidas para o almoço e nada para acompanhamento. Tinha das boas, o nosso cozinheiro Torreca!... Lembram-se daquela sopa de feijão em que na panela entrou primeiro a massa?... Tudo bem! Era nestas experiências que se ia enriquecendo o saber da vida feito.
Os estudos de Calças de Palanco vão andando, devagar como bom alentejano, para não se cansar muito. Algumas gazetas às aulas fazem parte do curriculum, principalmente quando na linda amuralhada cidade, aparecem excursões com "guapas hermanas", dos Colégios do lado de lá da fronteira.
– Manel, vai buscar a viola! Vamos cantar umas malaguenhas! – E seguiam direito ao jardim mandando as aulas e o "Fumachum" às ortigas.
– Também já lá está o ManeI! Foi tão novo não foi, Manela? E deixou tantas saudades! "Cest la vie!"
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Nota do editor:
Último poste da série > 26 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15670: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2ª versão, 2010, 99 pp.) - III Parte: II - Putos, gandulos e o Padre (pp. 17-19)
Último poste da série > 26 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15670: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2ª versão, 2010, 99 pp.) - III Parte: II - Putos, gandulos e o Padre (pp. 17-19)
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