sábado, 24 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16520: (Ex)citações (318): Ponte Balana e/ou Porto Balana (Idálio Reis, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana, Nova Lamego, 1968/69)

1. Mensagem do nosso camarada Idálio Reis (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835 Gandembel e Ponte Balana, Nova Lamego, 1968/69), com data de 22 de Setembro de 2016:


Ponte Balana e/ou Porto Balana 

O nosso grande camarigo Miguel Pessoa, deu-nos a conhecer um relato do T.Gen. Pil.Av. José Nico, que se refere ao abate de um Fiat G-91 a 28 de Julho, sob o comando do então T.Cor. Costa Gomes, e que titularia de “Marte, saia a Força Aérea, o Pirata ejectou-se em Gandembel”[1].

E porque assisti pessoalmente a este desastre, já tive a oportunidade de o transmitir no nosso Blogue, ínsito no P1864, de 21 de Junho de 2007, subtitulado “28 de Julho de 1968: é abatido um dos Fiat G-91 que bombardeavam Salancaur”[2].

Ambas opiniões de há muito formuladas, de um mesmo significado, obviamente convergentes, ainda que as situações de detalhe sejam um pouco diferenciadas: José Nico sobrevoava os céus de Nova Lamego, e toma conhecimento via rádio, enquanto eu, militar da Companhia de Gandembel, fui sua testemunha visual e procurei ajudar a trazer o piloto ejectado para o aquartelamento, libertando-o das amarras de um incontido pesadelo.

No meu livro "A C.CAÇ. 2317 na guerra da Guiné. Gandembel/Ponte Balana" dou a devida relevância a este facto, mas de todo o modo, faço transcrever o que o “Luís Graça & Camaradas da Guiné” absorveu.

28 de Julho de 1968: é abatido um dos Fiat G-91 que bombardeavam Salancaur

"Mas já há muito tempo, e quase todos os dias, pela tarde, vinham 2 Fiats G-91 a descarregarem bombas sobre a zona de Salancaur, de que se dizia terem abrigos inexpugnáveis. E destas tentativas intimidantes da aviação militar, surge a 28 de Julho mais um dos casos inesperados, e que seria o primeiro a acontecer na Província nestas circunstâncias.
Neste dia, parte da Companhia tinha ido montar protecção a uma coluna de reabastecimentos, de modo que em Gandembel restavam apenas 2 grupos – o meu e o Pelotão de Caçadores Nativos. Ouve-se, vindo de longe e dos lados da fronteira, uns estampidos de metralhadora pesada. E passados alguns momentos, um soldado chama-me a atenção que se notava uma chama na cauda de um dos Fiats. Prontamente, via rádio, deu-se conhecimento ao piloto. E vejo nos céus, o avião a fazer uma curva acentuada, direccionando-se para o lado da fronteira. E quando a aeronave, já com chamas bem visíveis, passava sobre Gandembel, distingue-se um pára-quedas que se ejecta do mesmo, e que vem a cair cerca de 3 a 4 centenas de metros a sul do aquartelamento, com o Fiat a despedaçar-se em parte incerta, mas muito próximo da fronteira. Um documento oficial, refere que o piloto era um tenente-coronel, de nome Costa Gomes.

Aparentemente, o local da queda, não oferecia perigos para o seu resgate, desde que se conhecessem os locais das armadilhas em volta do cercado do arame farpado.

Procurei de imediato arranjar um grupo com metade dos efectivos disponíveis, e então fomos ao encontro do piloto. Escondido num arbusto, estava o homem sem distinção da sua patente, e despojado da sua pistola de cintura [mais tarde foi encontrada, e julgo que era uma Walther].
Já vínhamos a caminho do aquartelamento, e algumas aeronaves com helicópteros e T-6 o sobrevoava, pelo que, franqueada a entrada, logo um dos helicópteros aterrava para o levar rumo a Bissau.

Perícia e sangue-frio do piloto do Fiat abatido

O abate desta aeronave teve uma certa repercussão a nível da Província, e muito certamente reforçou os ânimos dos combatentes locais do PAIGC. Contudo, não deixarei de notar, que a probabilidade de uma bala anti-aérea, em acertar num desses supersónicos Fiats, era ínfima. Mas, o que é inegável, é que o avião se perdeu, e a perícia do piloto também foi notável para a integridade da sua própria pessoa, pois se tivesse caído em local fora do nosso horizonte de referência (não mais de 2 km), não dispunha de condições para ir à sua procura. E muito provavelmente, o piloto seria capturado pelo inimigo".

Quer, José Nico ou Costa Gomes, haveriam de nos cumprimentar amiudadas vezes, pois os Fiats eram fundamentais para o baloiço da nossa vivência colectiva em Gandembel/Ponte Balana, em constante perigo, porquanto só a 28 de Janeiro de 1969, é que aqueles sítios ficam sem a presença em permanência de qualquer militar, pois que na alvorada desse dia, o armamento pesado é desactivado, a bandeira nacional é arriada, o gerador é colocado num Unimog, e eis que partimos em definitivo de Gandembel, passámos por Ponte Balana (ali ao lado) a buscar o grupo que aí estava e seguimos para Aldeia Formosa.

Em definitivo, Spínola resolvera arquivar o dossiê de Gandembel/Ponte Balana. Mas, que razões o terão levado a tomar este propósito, de mandar evacuar estes postos militares, quando a situação geral tinha melhorado substancialmente nos últimos tempos?

Tento entrevê-las, ler-lhes o significado para poder emitir o meu juízo, obviamente muito subjectivo. Spínola sempre julgou que a construção daquele aquartelamento, naquele tempo e naquelas condições, fora um colossal erro estratégico. Gandembel, fora o grande palco da guerra a que a Guiné no ano de 1968 esteve sujeita, e sempre na lista negra das más notícias.

Não se conseguiu travar ou mesmo minimizar as acções que o PAIGC mantinha no interior da Província, mesmo nas regiões do Oeste, o que comprova que o abastecimento oriundo da Guiné-Conacri, continuou a processar-se sem grandes constrangimentos.

Fez acirrar ódios nas zonas envolventes a Aldeia Formosa, levando o PAIGC a agir de forma violenta e brutal, semeando o pavor nas populações indígenas que povoavam esses chãos. E, para tornar estas áreas mais sossegadas, é obrigado a fazer uso de tropa de elite, um bem demasiado escasso e tão necessário na vastidão da Província.

Em suma, Spínola julga que, de todo, Gandembel/Ponte Balana, não são garantes para a estratégia que urdira para a Guiné. De modo, que aproveita-se um pouco da situação de maior alívio, conquistada recentemente, e prefere sair sem o amargo travo da humilhação, mas com uma pequena dose de honra e glória. 

Utilizou os estratagemas que estavam à sua mão. E decidiu, porventura angustiado, por que não desejava que houvesse outros maus exemplos, apesar de sentir que a evolução da guerra crescia de forma exponencial.

Foi uma decisão acertada? Se se atender aos factos que ocorreram posteriormente, claramente julgo que não. O PAIGC fica quase inteiramente livre, e amplifica seu arco de actuação, de modo retumbante, com uma forte actuação nas zonas de Buba, Aldeia Formosa e Guileje. Os casos mais conhecidos nos tempos imediatos, como o brutal desastre de Madina do Boé, a morte dos 3 majores, o aprisionamento do capitão cubano Peralta, a odisseia que foi a construção da estrada Buba-Aldeia Formosa, são bastante paradigmáticos.

Spínola, ao aperceber-se da situação de desastre a que a Companhia estava votada, do forte poder bélico que o PAIGC demonstrava possuir, seria mais ousado na antecipação da retirada. E evitaria as perdas sofridas de mais alguns militares.

Na qualidade de ex-militar que viveu todos os dias de Gandembel/Ponte Balana, sinto que, os homens desta Companhia, foram uns meros joguetes de uma estratégia macabra, hedionda, vergonhosa. Jamais teve, até à chegada dos paraquedistas, o apoio que merecia E tenho de reconhecer em Spínola, um militar de uma enorme dimensão, pois que se não fora a sua persuasão, talvez poucos homens desta Companhia restariam. 

E talvez por isso, reconheço que havia felicidade estampada nos nossos rostos quando deixámos Gandembel, não o nego. Mas, para trás, ficava definitivamente um palco infernal, e já bastava de tanto castigo.

Mas o abandono não foi da nossa laia. E hoje, ao escrever estas linhas, perpassa algum frémito de emoção, porquanto os momentos dramáticos foram tantos e tão intensos quanto as marcas profundas de sofrimento ou as incontornáveis mazelas taciturnas e dolentes. As violências pessoais, só contaram para o inventário de nós mesmos.

Resistimos sem vacilações ou soçobros, mas tudo parece ter-se volatilizado num ápice, quando o que ocorreu, se prolongou por quase 11 meses. E talvez por isto, porque não sabemos descrever de outro modo, por lá restaram as nossas sombras ou mesmo os fantasmas que tantas vezes nos assolam.

De todo, a odisseia de Gandembel/Ponte Balana ficava encerrada, e cabe-vos agora a vez de lerem a transcrição de uma parte da reportagem do Diário Popular:

A fixação em Gandembel não foi, de modo algum, obra fácil. Pelo contrário, exigiu esforços e sacrifícios indizíveis. Para que o leitor possa fazer uma ideia aproximada, dir-lhe-emos apenas o seguinte: Gandembel tem a superfície de 40 decâmetros quadrados e está toda minada de valas e cercada de arame farpado com espaços armadilhados; os soldados vivem em abrigos fortificados, construídos com milhares de toneladas de toros de árvores, pedra e terra removida. Pois tudo isso foi feito a braços, visto que os nossos rapazes só dispunham de uma moto-serra e duas viaturas. No gigantesco trabalho participaram todos os soldados, com a respectiva arma numa das mãos e, na outra, uma pá, um machado, uma picareta ou, simplesmente, nada! Trabalharam continuamente, de dia e de noite, mas apenas nos intervalos dos combates que eram obrigados a travar ou que eles procuravam por força das circunstâncias, pois Gandembel nunca deixou de constituir alvo permanente para o inimigo, que contra ele ainda hoje dirige brutais ataques, quase sempre apoiados por armas pesadas.

No conjunto das fotografias que consegui obter, e que vou enviando, faço ressair uma que efectivamente é bastante elucidativa do que intentei dar-vos nota: Gandembel, entre pequenos e grandes, de maior ou menor duração, mais ou menos sofridos, sofreu 372 ataques.

O ano de 1969 tinha-se iniciado. E o Cor. PilAv. Miguel Pessoa, também um piloto dos Fiats abatido não muito longe destes poisos, talvez na ordem das 2 dezenas de quilómetros, cumpre a sua comissão de serviço muito mais tardiamente, mais de 5 anos após, e o rio Balana lá permanecia, mas muito provavelmente diferente na sua utilização pela guerrilha do PAIGC, onde viria a localizar pontos de apoio, e entre eles um de maior visibilidade, que requeria a aviação tomar a necessária atenção, e daí o surgimento de Porto Balana. E a localização deste, era bem distinta do nosso destacamento de Ponte Balana.

Contudo, de referir, que o rio Balana era uma linha de água sujeita intensamente ao período das chuvas, já que durante um largo período não viabilizava utilização de um qualquer tipo de navegação, já que apresentava uma acentuada variabilidade dos seus caudais, pois que na parte final da época seca, os débitos são nulos.

Eis pois o Corredor de Guileje e o rio Balana como um dos fortes suportes logísticos de ambas as partes. E por toda a Guiné, a guerrilha em determinada zona, alterava-se substancialmente.

Caloroso abraço do Idálio Reis
____________

Notas do editor

[1] - Vd. postes de:

16 de Setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16494: FAP (98): "Pedaços das nossas vidas" - "Marte, saia a Força Aérea, o Pirata ejetou-se em Gandembel", por TGeneral PilAv José Nico - I Parte (Miguel Pessoa)
e
16 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16496: FAP (98): "Pedaços das nossas vidas" - "Marte, saia a Força Aérea, o Pirata ejetou-se em Gandembel", por TGeneral PilAv José Nico - II Parte (Miguel Pessoa)

[2] - Vd. poste de 21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28

Último poste da série de 18 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16500: (Ex)citações (317): Porto Balana era uma designação da Força Aérea, julgo que o Exército nunca lá terá ido (Miguel Pessoa, Coronel PilAv Reformado)

1 comentário:

Anónimo disse...

Carlos Vinhal

Há um lapso no 1º link, pois o post em referência é o 16494 I Parte e não o 16296
Convém rectificar, pois os menos cautelosos poderão clicar no link e este de facto vai para o 16494 o que está certo e não para o 16296 que trata de outro assunto.
Um abraço
Carlos Silva