Portugal > Estremadura > A8 > Torres Vedras-Lisboa > 17 de dezembro de 2016 > O pôr do sol... Onde estão os moinhos de vento da minha infância e dos meus Natais ? E o vento soprando nas velas e nas cabaças dos moinhos ? E o mar? E os heróis do mar ?
Foto (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]
à
luz do candeeiro a petróleo,
a
lição do livro da primeira classe
onde terra rimava com chão.
onde terra rimava com chão.
Ainda
não havia televisão,
havia
o hino nacional,
na rádio, que era um luxo,
havia Deus,
havia a Pátria,
havia a Família,
e pouco mais,
na rádio, que era um luxo,
havia Deus,
havia a Pátria,
havia a Família,
e pouco mais,
e chegava,
essa tríade sagrada.
Afinal, o mundo acabava ao fundo
da rua grande da tua aldeia.
Afinal, o mundo acabava ao fundo
da rua grande da tua aldeia.
E, no
Natal,
quando
ainda o Pai Natal
não
tinha sequestrado e morto o Menino Jesus,
ia-se
à missa do Galo,
à
meia noite em ponto,
na
igreja do Castelo,
e só
depois,
a
tiritar de frio,
de
regresso a casa,
pela rua escura e medonha dos Valados,
rente ao muro branco do cemitério,
é
que se bebia o cacau quente
e se
comiam os coscorões,
o
arroz doce
e as
filhós de sangue de galinha!
De manhã, junto ao fogão a petróleo
ou ao fogareiro a carvão,
a mãe tinha alinhado os sapatinhos
onde por um golpe de magia haviam florido
meias e lenços,
e uma ou outra, rara, guloseima...
e, com sorte, talvez um carrinho de lata para ti
ou uma boneca de cartão para a mana,
comprados às escondidas na feira de setembro.
e uma ou outra, rara, guloseima...
e, com sorte, talvez um carrinho de lata para ti
ou uma boneca de cartão para a mana,
comprados às escondidas na feira de setembro.
Havia uma noite do ano
em que os meninos da tua rua
eram inconscientemente felizes,
os mais inconscientemente felizes do mundo!
os mais inconscientemente felizes do mundo!
Havia
o ouro, a mirra,
os
três reis magos,
e um
deles era o pretinho da Guiné,
havia
o presépio,
o burro,
a vaca,
a vaca,
a esterqueira,
havia
o incenso,
ligeiramente
enjoativo das missas,
havia,
enfim, o sagrado
e o
pagão,
e a tudo isto, ou a só isto,
se
resumia o acanhado palco da vida
que
te coubera em sorte.
E, claro, havia o mar,
os moinhos nos cabeços,
e o vento uivando nas velas e nas cabaças dos moinhos,
e, por detrás dos cabeços e dos moinhos,
e das velas e das cabaças dos moinhos,
havia o mar,
o grande oceano.
e o apelo irresistível
do(s) que estava(m) para além do mar.
E, claro, havia o mar,
os moinhos nos cabeços,
e o vento uivando nas velas e nas cabaças dos moinhos,
e, por detrás dos cabeços e dos moinhos,
e das velas e das cabaças dos moinhos,
havia o mar,
o grande oceano.
e o apelo irresistível
do(s) que estava(m) para além do mar.
Excerto de:
Luís Graça - Autobiografia: com Brughel domingo à tarde
(poema, inédito, 2005, c. 40 pp)
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Nota do editor:
Último poste da série > 17 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16848: Manuscrito(s) (Luís Graça) (104): uma boa oferta de Natal o livro do José Ferreira da Silva, "Memórias Boas da Minha Guerra" (Chiado Editora, 2016, 216 pp.)... Um bom antídoto contra o stress natalício e a tristeza que nos invade ao cair da última folha do calendário...
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