Lourinhã > 10 de dezembro de 2016 > "Boneco" de Natal > Há muito que a economia "mercantilizou" o Natal dos cristãos... Não há terra nem terrinha que escape à ideologia do consumo e e à compulsão do "shopping" natalício...
Foto (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Comentário, ao poste P16841 (*), pelo nosso camarada,
gã-tabanqueiro e escritor Alberto Branquinho [ex-alf mil op esp, CART 1689, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69); ver aqui algumas das suas obras publicadas]
Pois é, Zé Teixeira!
Ou, melhor, FOI.
E veio, também, essa espécie de "coisa" a que chamam "árvore de Natal". E anda toda a gente excitada neste tempo de Natal, não pela ideia de "nascer" qualquer coisa de novo (ou renovada), mas por causa das compras, compras, compras... prendinhas, prendas e prendonas...
No poema "Dia de Natal" do António Gedeão está lá isso TUDO! Só tem que se substituir o "relógio de pulso anti-magnético" pelos mais recentes "gadgets" das novas tecnologias (?) inúteis ou fúteis.
Abraços
Alberto Branquinho
P.S. - Isto lido por muita gente que a gente sabe, será seguido por um pensamento ou uma afirmação:- Velhada!Cotas! (**)
Abraços
Alberto Branquinho
P.S. - Isto lido por muita gente que a gente sabe, será seguido por um pensamento ou uma afirmação:- Velhada!Cotas! (**)
2. Dia de Natal
por António Gedeão [1910-1997]
Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
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Notas do editor:
18 de dezembro 2016 > Guiné 63/74 - P16843: O nosso querido mês de Natal de 2016 e Ano Novo de 2017 (3): Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes (...um núcleo, formidável, ativo e solidário, mas também com preocupações culturais, seguramente um dos melhores que integram a Liga; um alfabravo também para eles, seus associados e dirigentes, por parte da nossa Tabanca Grande)
4 comentários:
Camarada Branquinho, ninguém te deu os parabéns , mas eu dou-tos pela oportuna escolha deste poema de Natal do Rómulo de Carvalho /António Gedeão...
Não admira que fosse incómodo, em 1967, quando o regime estava a cair de podre como a cadeira de Salazar... Mas continua a ser ainda mais atual pela crítica (mordaz, corrosiva...) do nosso consumismo irresponsável, gerado por uma economia predadora, agora cada vez maia globalizada... O lixo, o plástico, a desperdício, as substâncias tóxicas... chegam a todo o lado, dos corais de recife às florestas do Cantanhez...
Em Bambadinca gostávamos de cantar em coro, na messe de sargentos, a "Pedra Filosofal" da dupla António Gedeão / Manuel Freire...
Um Natal "despoluído" para ti e para os teus... LG
Luís
Eu não escolhi o poema "Dia de Natal", como dizes. Limitei-me a citar uma pequena passagem porque me pareceu enquadrar-se na ideia que norteou o texto do Zé Teixeira.
Aliás, quando vi, no cabeçalho do Post, o meu nome ao lado do António Gedeão, senti um aperto no peito. É demais! O meu nome ao lado do grande António Gedeão/Rómulo de Carvalho?!
O poema não buliu só com o aspecto político, questionou a estrutura SOCIAL em vivemos e que transformou o Natal, deturpou a ideia de renovação contínua, o renascer contínuo do Homem, afastando o seu semelhante. E, ao longo dos anos, foi esquecido o Menino, surgiu a "árvore", o "pai natal" (Santa ou Santa Claus, na marca de origem...) Em vez disso, implantou-se neste período, de forma exacerbada, o TER em vez do SER. E isso causa ainda mais infelicidade naqueles que, ao longo do ano, não podem TER o estritamente necessário para o dia-a-dia e, agora, não podem, como os outros, COMPRAR!!!.
Um bom Natal para ti e todos os Teus.
Abraço
Alberto Branquinho
P.S. Há uma gralha na transcrição do poema "Dia de Natal": no verso 37, em vez "comprado", deve ser escrito "comprar". (Mais uma vez COMPRAR!)
Obrigado pelo belo poema de António Gedeão/Rómulo de Carvalho que trazes a este espaço nesta altura.
Talvez não saiba ou não queira ser "bonzinho", daí gostar deste poema.
Um abraço de Boas Festas.
BS
Olá Camaradas
Espero que todos nós estejamos a "tirar apontamentos" a fim de aprendermos como se faz um bom poema.
É o conteúdo, a ideia, o que se quer dizer e diz.
Mas a forma é fundamental e só da junção da forma com o conteúdo se faz boa poesia.
Reparem no rimo, na rima e na certeza de cada verso e até numa certa musicalidade.
Escrever em texto corrido e pôr os "versos" uns por cima dos outros, como se fosse uma resma de grupos de palavras pode ser uma boa ideia e transmitir uma mensagem importante e que acerta e atinge o leitor, mas não é poesia. É só dispor as palavras de uma forma "original". Podemos chamar-lhe literatura poética e será muito útil e até gratificante, mas não é poesia.
Quem escreve empilhando, pode ser bom (óptimo) a escrever, mas não é poeta.
Às vezes, vale mais um bom naco de prosa, assumido como tal, do que uma tentativa presunçosa, mas falhada de poesia.
Eu sei que rimar é difícil, mas só tenta quem quer...
Um Ab.
António J. P. Costa
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