1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Novembro de 2016:
Queridos amigos,
Encontrei este calhamaço na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, e foi um regalo conferir o que já sabíamos sobre o espírito da época: a atração de negócios naquele ponto de África, a criação de companhias na maior dos casos não saíram do papel; a preponderância do funcionário colonial de proveniência cabo-verdiana; mesmo depois da pacificação de Teixeira Pinto temia-se as hostilidades da população local, mesmo à beira de Bissau; travam-se discussões sobre a autonomia das colónias e não se esconde que a Sociedade das Nações questiona o governo português sobre o uso de mão-de-obra indígena, havia situações escandalosas que eram denunciadas e não se podiam camuflar.
A Gazeta das Colonias morre com o Estado-Novo, a Agência-Geral das Colónias passou a ocupar todo o espaço e iniciativa.
Um abraço do
Mário
A Guiné na “Gazeta das Colonias” (1924-1926)
Beja Santos
Em 1924 a Empreza de Publicidade Colonial dá à estampa, em 19 de Junho, o n.º 1 de Gazeta das Colónias, justificando que o novo seminário procurará dar à discussão dos variados e complexos problemas coloniais a maior largueza e de originar fortes correntes de opinião favoráveis aos altos interesses. A plêiade de colaboradores era impressionante, desde investigadores, administradores coloniais a empresários. Junto algumas observações.
A primeira relaciona-se com o facto de que a I República entrara em derrisão mas, paradoxalmente, o interesse pelas coisas africanas despertava, como negócio e acicate cultural. Constituem-se empresas, debatem-se infraestruturas, o termo colónias é na época equivalente de províncias ultramarinas.
A segunda tem a ver com o facto de nos primeiros números a Guiné merecer deferências de tratamento e depois apaga-se, completamente. Tenhamos em conta o que de significativo é versado no noticiário guineense. O destaque vai para os artigos assinados por Armando Cortezão. Aquele que virá a ser um dos mais eminentes cartógrafos mundiais, anda pela Guiné, urdiu a Sociedade Agrícola do Gambiel, eu próprio vim a beneficiar da sua presença no Cuor, a cama de ferro que o régulo Malam Soncó me ofereceu era a cama onde ele dormia em Missirá. Deixou na Gazeta vários artigos históricos e elucidativos das grandes potencialidades agrícolas. Aspeto curioso, ninguém falará das potencialidades píscolas. E há tópicos que nos levam a pensar. A propósito de um artigo intitulado “Os cabo-verdianos na colonização portuguesa”, assinado por Carlos de Vasconcelos, pode ler-se: “Tem actos de desinteressado devotamento a história da colonização cabo-verdiana na Guiné. Falha-me agora a memória nos nomes de meia dúzia de cabo-verdianos que acudiram ao apelo de um governador, deram todo o dinheiro necessário para a reconstrução da fortaleza que a ausência de recursos financeiros deixou desmantelada, colocando a colónia nascente sob o domínio ultrajante do gentio…”. Na edição de Outubro de 1924 destacam-se alguns parágrafos transcritos do jornal “Pró-Guiné”: “Causa dó, e ao mesmo tempo vergonha, espraiar a vista pelas vastas planícies da Guiné, sem ver algum melhoramento que ateste trabalho e progresso nos serviços agrícolas. Alguns milhares de hectares de terreno que não representam a centésima parte de tudo o que é próprio para a cultura. Processos de agricultura, os mais rudimentares. Concessões de terrenos, muitíssimas mas inexploradas, por que os concessionários limitam-se a estabelecer nelas mercados para compra de mancarra e arroz, de onde tiram fabulosos lucros sem valorizar as propriedades e nem ao menos pagarem ao Estado a parte proporcional a esses lucros”.
A terceira prende-se com a possibilidade de lermos nas entrelinhas o contexto internacional e nacional, e o que de local mais se salienta. A Guiné guarda ainda o impulso de um governador dinâmico, Vellez Caroço, em 1925 surge o primeiro Anuário da Província da Guiné, um género de roteiro com um pouco de história e uma gama de dados que pode entusiasmar investidores. E vamos ficando a saber que a Sociedade das Nações vai interpelando o governo português com redobrada insistência sobre o uso da mão-de-obra indígena. Há curiosidades nesta informação guineense que não se vê explorada em estudos e investigações. Por exemplo, em Dezembro de 1924, escreve o engenheiro A. Xavier da Fonseca: “A nossa riqueza em minérios metálicos não é tanta que nos permita pôr de parte a pesquisa de um território a dois passos da metrópole onde a existência das pesadas pulseiras de ouro de fabrico indígena não é da lenda, visto que se vêem e se lhes sente o peso”. Outro dado importante na troca de discussões na Gazeta tem a ver com a autonomia das colónias, essa discussão estender-se-á ao Estado-Novo, o modelo republicano será rejeitado, vão desaparecer os altos-comissários, a centralização será um modelo escolhido para gerir o Império Colonial.
Uma explicação quanto às ilustrações. Não deixa de ser curiosa a que mostra os territórios portugueses, o equívoco sobre a Madeira e os Açores, Bolama como capital da Guiné, o império tem uma superfície que excede os 2 milhões de quilómetros quadrados. Atenda-se ao anúncio da Companhia Estrela-Farim. Diz possuir uma superfície de 25 mil hectares de terreno, com cerca de 2 milhões de palmeiras, árvores de excelente madeira, sobretudo mogno e pau-rosa. A propriedade é marginada pelo rio Cacheu, admitem-se explorações de cana-de-açúcar, tabaco e gergelim. O Presidente do Conselho de Administração era o Professor Costa Lobo e na Assembleia-Geral estavam o Visconde de Santarém e Vieira Machado, futuro ministro das Colónias. Muitos serão os monumentos e edifícios coloniais exibidos na capa da Gazeta. A Guiné só teve direito à velha fortaleza de Cacheu. E não resisti a publicar a notícia sobre o atleta Armando Cortezão, envergando a camisola do CIF, correndo a final dos 800 metros.
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Nota do editor
Último poste da série de 13 de Março de 2019 > Guiné 61/74 - P19580: Historiografia da presença portuguesa em África (153): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (6) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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