sexta-feira, 22 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19610: Notas de leitura (1161): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (78) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
No delineamento desta pesquisa, mandava o rigor que se procurasse apurar o que de mais relevante se passou no processo que se iniciou com a independência da Guiné-Bissau e a transferência do BNU para o Banco Nacional da Guiné-Bissau. Havia que proceder a uma leitura sistemática dos volumosos livros de atas da administração, não se podia hesitar, com paciência e meticulosidade, proceder-se a tal escrutínio. Deixou-se o registo devidamente datado na presunção de que se está a facilitar a vida a quem no futuro queira consultar toda esta documentação do último ato da vida da filial de Bissau.
Como se verá adiante, foi um processo com algumas tensões mas que decorreu de forma amistosa e onde o Dr. Victor Freire Monteiro, o primeiro governador do Banco da Guiné-Bissau, teve um desempenho fulcral.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (78)

Beja Santos

Chegámos a uma fase do trabalho em que se impõe um esclarecimento sobre o derradeiro levantamento, em torno de um conjunto de livros de atas do Conselho de Administração do BNU. Pelo que se pode ler logo na primeira ata da reunião de 24 de setembro, está para breve a independência, em Lisboa, o BNU manifesta disponibilidade para tratar todo o processo da transição patrimonial, que tinha as suas delicadezas, logo as escolhas do pessoal, os ativos, as dívidas, a carga fiscal, e muito mais. Com a preciosa colaboração, como sempre, dos técnicos do Arquivo Histórico do BNU, consultaram-se estes livros volumosos e bem encadernados, pinçando tudo o que respeitava a Guiné, desde esta data de setembro de 1974 até à conclusão do processo da transferência patrimonial para o Banco Nacional da Guiné-Bissau. Fez-se o possível por reter o essencial das nuances de todo este processo. Está aqui, em esquisso, o derradeiro ato da presença do BNU em Bissau. Cumpre explicar que se procurou com alguma minúcia deixar as referências essenciais para facilitar posteriores consultas a eventuais investigadores.


Livro de Actas do Conselho de Administração do BNU 1973 – 1974

Reunião de 24 de Setembro de 1974

Guiné – Independência
Face à carta confidencial n.º 199, de ontem, e ao telegrama, de hoje, da Filial de Bissau, o Conselho resolveu que se respondesse que deve a Gerência dar às novas autoridades da Guiné a colaboração que for necessária, aguardando as decisões da Comissão Governamental Portuguesa que em breve ali se deslocará para apreciação dos problemas relacionados com o processo da descolonização.
Mais foi decidido que, entretanto, o Director dos Serviços para o Ultramar, Sr. Abílio Dengucho, se deslocará à Guiné para prestar o apoio julgado indispensável na situação presente, mormente quanto à transmissão do departamento do Banco para o novo Estado.


Livro de Actas da Administração do BNU 1974-1975

Reunião de 14 de Novembro de 1974

Guiné – Descolonização
O Sr. Vice-Governador deu conhecimento ao Conselho de uma carta de 8 de Novembro dirigida pelo Encarregado da Filial de Bissau ao Director dos Serviços Sr. Abílio Dengucho, na qual relata que o Dr. Victor Freire Monteiro, indigitado Governador do futuro Banco Central da Guiné-Bissau manifestara a intenção de ocupar uma moradia do Bairro do Banco, de utilizar a residência do gerente para nela instalar a Caixa de Crédito da Guiné e de mobilizar pessoal da Filial com vista ao estudo da transferência do Banco, pedindo instruções sobre o procedimento a adoptar.
O Conselho deliberou instruir o Encarregado da Filial no sentido de manter uma atitude passiva quanto à utilização referida do edifício do Banco, tanto mais que estão em causa edifícios, em parte deles, desocupados; continuar a fornecer às autoridades locais todos os elementos respeitantes à actividade do Banco na Guiné; enviar a Bissau uma equipa de 2/3 elementos para ajudarem no fecho do balanço.


Livro de Actas da Administração do BNU 1974-1975

Guiné – Descolonização
O Sr. Governador informou de que havia recebido um telegrama datado de 20 do corrente mês do Dr. Victor Freire Monteiro solicitando em nome do Conselho de Comissários de Estado da República da Guiné-Bissau autorização para, com vista à preparação de quadros aptos, três pessoas efectuarem um estágio no BNU em Lisboa, que lhes prestaria apoio e orientação.
Deu-se concordância à solicitação formulada.


Livro de Actas da Administração do BNU 1974-1975

Reunião de 9 de Janeiro de 1975

Departamento do Banco na República da Guiné-Bissau:
Dando conhecimento ao Conselho da Informação da Direcção do Ultramar de 7 de Janeiro de 1975 sobre uma carta do Gerente da Filial do Banco em Bissau onde se focam os seguintes pontos:
1) A suposição de que o Governo da República da Guiné-Bissau pretende resolver o problema da transferência até ao fim do mês em curso;
2) O pedido feito à Filial pelo Governador do futuro Banco Central da Guiné-Bissau de um mapa com as indemnizações a pagar a todo o pessoal;
3) O convite que lhe foi feito para trabalhar no futuro Banco Central, com lugar de Inspector-Geral sem quebra de vencimentos que actualmente aufere;
4) Não desejar tomar qualquer resolução acerca de tal convite sem saber qual a opinião do BNU, salientando que tem 26 anos de serviço efectivo;
5) Ter sido convocada para 30 de Dezembro de 1974 uma reunião de pessoal com a seguinte OT: discussão de alguns pontos do caderno reivindicativo; discussão da situação dos empregados do BNU face à transferência do BNU para novo Banco;
6) Que continua proibida no exterior a troca de notas da Guiné-Bissau;
7) Brevemente apresentará orçamento de obras a efectuar no edifício do Banco.


Livro de Actas da Administração do BNU de Janeiro a Maio de 1975

Reunião de 23 de Janeiro de 1975

O Sr. Governador deu conhecimento da carta do Dr. Victor Freire Monteiro, em nome do Conselho de Comissários da República da Guiné-Bissau agradecendo todo o apoio concedido aos seus colaboradores durante o estágio feito no BNU.
Haverá nova referência a este assunto na acta de 30 de Janeiro de 1975.
Na mesma reunião, com o título
Guiné – Propriedades do Banco
Dação de 28 prédios de Aly Souleiman & Cª.

Reunião de 4 de Fevereiro de 1975

Refere-se que a Companhia de Pesca e Conservas da Guiné não pagou a 1.ª prestação do empréstimo.
A República da Guiné-Bissau solicita um empréstimo de 50.000 contos, o Conselho pede esclarecimentos quanto às condições (prazo, juro, etc.).
O Dr. Victor Freire Monteiro considera fundamental consultar a documentação do BNU, o Conselho delibera que não há qualquer óbice.

Reunião de 27 de Fevereiro de 1975

Banco Nacional da Guiné-Bissau
O Dr. Victor Freire Monteiro, Governador do Banco, com vista à arrumação dos valores selados, já mandados emitir pelo Governo do território, solicitou a colocação de prateleiras na casa-forte instalada no Pavilhão n.º 2, cujas obras, a cargo da firma Construções, Lda., não estão ainda concluídas por força da ausência dos sócios desta firma.
Dada a urgência posta no assunto pelo Sr. Governador, o Gerente da Filial do BNU confiou a execução do trabalho a outra empresa pelo custo de 66 contos e veio pedir rectificação ao seu procedimento. O Conselho deu a sua sanção.

Reunião de 6 de Março de 1975

Anuncia-se a falência da Companhia de Pescas e Conservas da Guiné, o BNU comprou um navio.
Rubrica do Banco Nacional da Guiné-Bissau. Informação de que foi criado o Banco Nacional, passando, de imediato, esta instituição a exercer naquele país as funções de Banco emissor e comercial e de Caixa de Tesouro, sendo revogadas todas as disposições contrárias ao estatuto do novo Banco.

Reunião de 20 de Março de 1975

Transferência da Filial do BNU – desejo do Governo da Guiné-Bissau de serem iniciadas, a partir de 18 de Abril próximo, conversações com vista à transferência daquela Filial do BNU para o novo Estado.
Foi deliberado comunicar ao Governo Português a disposição do Governo de Bissau.

Reunião de 24 de Abril de 1975

Depósitos das entidades militares portuguesas
Telefonema da Gerência da Filial de Bissau informando que as autoridades da República da Guiné-Bissau desejavam utilizar com urgência os depósitos deixados no BNU pelas entidades militares portuguesas, para o que teriam sido já autorizados pelo General Carlos Fabião. O Governador informou que desconhecia totalmente essa autorização. Efectuaram-se diligências infrutíferas em contactar o Sr. General Carlos Fabião. Foram contactados os Srs. Secretários de Estado da Cooperação Externa e do Tesouro, tendo ambos, embora ignorando tal autorização, mas tendo em vista a alegada urgência na mobilização de fundos, concordado que foram dadas instruções à Filial do BNU autorizando-a a conceder um descoberto em conta do valor igual às importâncias daqueles depósitos, independentemente da solução de fundo a tomar.


Livro de Actas da Administração do BNU Junho de 1975 em diante

Reunião de 19 de Junho de 1975

Sociedade Industrial Ultramarina. A dissolução da empresa foi decidida em conselho, determina-se que a Sociedade aplique de imediato a sua carteira de depósitos na liquidação dos seus débitos para com o BNU.

Reunião de 10 de Julho de 1975

Transferência do Departamento do BNU na Guiné-Bissau. Os trabalhadores invocaram ter direito a uma satisfação de 6 mil contos. O Conselho entendeu não ser legítima a hipótese de uma indemnização e ser arbitrário o seu cômputo à luz do contrato colectivo.

Reunião de 12 de Agosto de 1975

Guiné-Bissau – Projeto de bases para acordo de transferência do departamento.
Os trabalhadores da Filial que adquirem nacionalidade guineense pretendem ser ressarcidos pelo tempo de serviço prestado. O Conselho entende que não é legítima a hipótese de suportar tal pretensão. Entende o Conselho que essa responsabilidade deve transitar para o Banco Nacional da Guiné-Bissau, cumprindo ao BNU resolver apenas os problemas dos trabalhadores que não querendo adquirir a nacionalidade guineense regressam a Portugal. Quanto aos valores patrimoniais, entende o Conselho que se deve insistir na transferência de todo o activo e passivo. A CICER será transaccionada como crédito. Quanto à Companhia de Pescas e Conservas da Guiné, a sua responsabilidade deverá ser assumida pelo Estado da Guiné-Bissau.
Informava-se o Conselho que o Governo da Guiné-Bissau se recusava a pagar empréstimos contraídos pela Colónia.

(Continua)


Imagens retiradas do “Anuário da Guiné Portuguesa”, 1946.

O segundo desenho é assinado por Stuart Carvalhais, um grande desenhador de humor e artista gráfico. Tudo leva a crer, tendo em atenção o traço, que o primeiro desenho é também da autoria de Stuart.

Antigo posto militar da Ilha das Galinhas, fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
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Nota do editor

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Último poste da série de 18 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19599: Notas de leitura (1160): “Bijagós, Património Arquitetónico", por Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade, Fotografia de Francisco Nogueira (Mário Beja Santos)

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