República Popular da China > Pequim > s/d > O António Graça de Abreu na praça Tianamen [ou Praça da Paz Celestial]
Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2008). Todos os direitos reservados.
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem de António Graça de Abreu, com data de ontem, às 18h20:
Obrigado, Luís, pela publicação dos textozinhos do meu Diário de Pequim. Este, novo, sobre o Camões 1980, parece-me sempre actual e tem a ver com todos nós.(*)
Abraço, António Graça de Abreu
2. Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito", escrito na China, entre 1977 e 1983 (*)
por António Graça de Abreu
[ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), é membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 230 referências.]
Pequim, 12 de Setembro de 1980
No número de Setembro de 1980, a revista China em Construção, edição em português, a propaganda de divulgação oficial de tudo o que é China, elaborada aqui nas Edições de Pequim -- onde, com a Adélia Goulart, trabalho há mais de um ano --, saiu um extenso texto meu.
4º. Centenário de Luís de Camões comemorado na China
Nos últimos dias de Junho passado tive a honra de participar numa pequena reunião e convívio luso-chinês realizado na Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim que teve como motivo da comemoração o 4º. Centenário da morte do maior poeta português, Luís de Camões (1524-1580).
Foi um encontro muito simples, mas cujo significado e importância merecem destaque no contexo das relações culturais entre Portugal e a China. Quatro alunos dos cursos de Língua e Cultura Portuguesas da Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim disseram um soneto e uma redondilha de Camões, Alma minha gentil que te partiste e Descalça vai para a fonte, em português e numa bonita tradução para chinês.
Vieram a esta Faculdade, o embaixador de Portugal na China, Dr. António Ressano Garcia, o conselheiro da Embaixada, Dr. João de Deus Ramos, a profª. Conceição Afonso, eu próprio, o vice-director da Faculdade e decano dos cursos de Estudos Ibero-Americanos, prof. Liu Zhengquan e, fundamental, as quase quatro dezenas de chineses que na capital da China estudam a língua portuguesa. Sob a égide de Camões, as pessoas encontraram-se, conversaram, deram conteúdo a uma das mais bonitas palavras da língua chinesa, youyi 友 谊,que significa "amizade."
O Embaixador de Portugal na China referiu a satisfação que sentia, por, a propósito de Luís de Camões, se poder encontrar com tantos jovens chineses que estudam português e que no futuro desempenharão um papel importante nas relações não só entre Portugal e a China, mas entre a China e o vasto mundo da língua portuguesa.
Que interesse poderá ter hoje recordar, na República Popular da China, o grande poeta português quando este país se procura projectar no futuro através das "quatro modernizações" ?
Os maiores poetas -- na China um Qu Yuan, um Li Bai, um Du Fu, em Portugal um Camões ou um Fernando Pessoa – estes, os maiores poetas não morrem, são passado, presente e futuro e continuam, século após século, a ser a voz de todo um povo.
Entender Camões é, quatrocentos anos depois da sua morte, conhecermo-nos melhor, como cidadãos à deriva, ou de pés bem assentes na terra, no embate, no diluir pelo mundo. Vamos ver porquê.
Luís de Camões, fidalgo pobre, valdevinos, desregrado e brigão, apanhado pela engrenagem complexa da sociedade do seu tempo, participou activamente, até à exaustão, na grande aventura dos Descobrimentos Portugueses. Antes de quaisquer outros povos, os homens do Douro e do Tejo chegariam por mar, às costas de África, América, Índia e também China.
Aqui em Pequim encontrei alguns amigos que eram de opinião que Camões teria sido um precursor do colonialismo português. É verdade que durante o longo governo dos reaccionários Salazar e Caetano, derrubado em 1974, o poeta foi transformado numa espécie de arauto do expansionismo português. De facto, em Os Lusíadas, o grande poema épico da nossa língua, Camões cantou "o ilustre peito lusitano" e os que "entre gente remota edificaram / Novo Reino que tanto sublimaram." Mas Camões também reconhece, nas últimas estrofes dos mesmos Lusíadas, que o Portugal que cantava estava metido "no gosto da cobiça e da rudeza / duma austera, apagada e vil tristeza". Camões, profundamente humano, nunca rejeitou, antes assumiu plenamente, a contradição das palavras e da vida.
Camões é o português de corpo inteiro, aventureiro, apaixonado e triste, cavaleiro andante errando pelas mais estranhas paragens do mundo, contraditório, lapidarmente humano. É o poeta que traduz, em versos maravilha, o que de bom e de mau se conjugam no génio português. Homem do Renascimento, Camões buscou uma sociedade mais justa. Um campeão dos humildes, "um socialista antes do tempo", como lhe chamou, talvez com um certo exagero, o camonista brasileiro Afrânio Peixoto. Teve perfeito conhecimento dos males do mundo, porque os viveu, estudou e sofreu e diz:
Não me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado…
Como afirmou o prof. Rodrigues Lapa, "Camões inseriu corajosamente em Os Lusíadas alguns versos que nos asseguram uma posição político-social de cidadão vigilante:
Vejamos no canto VII de Os Lusíadas:
Também não cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei no ofício novo
A despir e roubar o próprio povo!
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do rei, severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente.
Camões, um colonialista? Se participou na grande expansão portuguesa pelo mundo, que de resto abriu caminhos ao desenvolvimento da Humanidade, isso deveu-se à dinâmica do período histórico em que viveu. Se é verdade que os Portugueses oprimiram outros povos na sequência dos Descobrimentos, Camões assumiu uma atitude crítica e não foi um elemento passivo capaz de assistir, impávido e sereno, às muitas injustiças cometidas. Se tal não tivesse acontecido, o poeta não teria morrido pobre e miserável, vivendo praticamente de esmolas, de caridade, de amigos.
Como homem do Renascimento, Camões foi o poeta de um mundo novo e diferente, mais amplo, mais vasto, que então começava, se abria todos os homens.
Na sua obra lírica, foi também o grande poeta do Amor, e da negação do Amor. Ninguém como ele, na língua portuguesa, cantou o Amor, a complexidade de quem ama e é amado, as desilusões, o sofrimento, as "memórias da alegria", essa pura paixão tão portuguesa de amar e não amar.
O jovem Friedrich Engels, companheiro de Marx, numa carta escrita a 30 de Abril de 1839 ao seu amigo Wilhelm Graeber, diz que está a estudar a língua portuguesa que "é como ondas do mar sobre flores e prados" e depois confessa-lhe que gosta de "se sentar num jardim com o o sol batendo-lhe nas costas lendo os Lusíadas." O que levaria Engels a gostar de Camões e de Os Lusíadas ?
Um grande historiador português deste século, Jaime Cortesão, dá uma das muitas respostas possíveis:
"O português de Camões foi moldadado pelas águas e pelos ventos, foi enriquecido pelas verdades de outras gentes e alumiado pelas estrelas de todos os céus. É o português-tritão que se misturou a todas as ondas e a amargo sargaço dos oceanos; é o português suave que se diria respirar como as velas, ao sopro perene dos alisados; é o português amoroso que lançou os fundamentos do Império no sangue de outras raças; é o português para quem o perigo é o sal da vida e todos s homens são camaradas; e a Pátria, na própria frase do poeta, é toda a Terra."
Em Pequim, Junho de 1980, quatrocentos anos depois da morte de Luís de Camões, portugueses e chineses recordaram o grande poeta que soube moldar o génio de todo um povo nessa língua que, como escreveu Engels, "é como as ondas do mar sobre flores e prados."
___________
1. Mensagem de António Graça de Abreu, com data de ontem, às 18h20:
Obrigado, Luís, pela publicação dos textozinhos do meu Diário de Pequim. Este, novo, sobre o Camões 1980, parece-me sempre actual e tem a ver com todos nós.(*)
Abraço, António Graça de Abreu
2. Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito", escrito na China, entre 1977 e 1983 (*)
por António Graça de Abreu
Pequim, 12 de Setembro de 1980
No número de Setembro de 1980, a revista China em Construção, edição em português, a propaganda de divulgação oficial de tudo o que é China, elaborada aqui nas Edições de Pequim -- onde, com a Adélia Goulart, trabalho há mais de um ano --, saiu um extenso texto meu.
Antes da publicação, o que escrevi e passo a transcrever, foi traduzido para chinês e levado à consideração, ou censura, dos nossos chefes. Não me cortaram uma só palavra, não limparam uma vírgula, passou tudo pelos dentes e entendimento do pente feio da censura chinesa. Aí vai o que escrevi:
4º. Centenário de Luís de Camões comemorado na China
Nos últimos dias de Junho passado tive a honra de participar numa pequena reunião e convívio luso-chinês realizado na Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim que teve como motivo da comemoração o 4º. Centenário da morte do maior poeta português, Luís de Camões (1524-1580).
Foi um encontro muito simples, mas cujo significado e importância merecem destaque no contexo das relações culturais entre Portugal e a China. Quatro alunos dos cursos de Língua e Cultura Portuguesas da Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim disseram um soneto e uma redondilha de Camões, Alma minha gentil que te partiste e Descalça vai para a fonte, em português e numa bonita tradução para chinês.
Vieram a esta Faculdade, o embaixador de Portugal na China, Dr. António Ressano Garcia, o conselheiro da Embaixada, Dr. João de Deus Ramos, a profª. Conceição Afonso, eu próprio, o vice-director da Faculdade e decano dos cursos de Estudos Ibero-Americanos, prof. Liu Zhengquan e, fundamental, as quase quatro dezenas de chineses que na capital da China estudam a língua portuguesa. Sob a égide de Camões, as pessoas encontraram-se, conversaram, deram conteúdo a uma das mais bonitas palavras da língua chinesa, youyi 友 谊,que significa "amizade."
O Embaixador de Portugal na China referiu a satisfação que sentia, por, a propósito de Luís de Camões, se poder encontrar com tantos jovens chineses que estudam português e que no futuro desempenharão um papel importante nas relações não só entre Portugal e a China, mas entre a China e o vasto mundo da língua portuguesa.
Que interesse poderá ter hoje recordar, na República Popular da China, o grande poeta português quando este país se procura projectar no futuro através das "quatro modernizações" ?
Os maiores poetas -- na China um Qu Yuan, um Li Bai, um Du Fu, em Portugal um Camões ou um Fernando Pessoa – estes, os maiores poetas não morrem, são passado, presente e futuro e continuam, século após século, a ser a voz de todo um povo.
Entender Camões é, quatrocentos anos depois da sua morte, conhecermo-nos melhor, como cidadãos à deriva, ou de pés bem assentes na terra, no embate, no diluir pelo mundo. Vamos ver porquê.
Luís de Camões, fidalgo pobre, valdevinos, desregrado e brigão, apanhado pela engrenagem complexa da sociedade do seu tempo, participou activamente, até à exaustão, na grande aventura dos Descobrimentos Portugueses. Antes de quaisquer outros povos, os homens do Douro e do Tejo chegariam por mar, às costas de África, América, Índia e também China.
Aqui em Pequim encontrei alguns amigos que eram de opinião que Camões teria sido um precursor do colonialismo português. É verdade que durante o longo governo dos reaccionários Salazar e Caetano, derrubado em 1974, o poeta foi transformado numa espécie de arauto do expansionismo português. De facto, em Os Lusíadas, o grande poema épico da nossa língua, Camões cantou "o ilustre peito lusitano" e os que "entre gente remota edificaram / Novo Reino que tanto sublimaram." Mas Camões também reconhece, nas últimas estrofes dos mesmos Lusíadas, que o Portugal que cantava estava metido "no gosto da cobiça e da rudeza / duma austera, apagada e vil tristeza". Camões, profundamente humano, nunca rejeitou, antes assumiu plenamente, a contradição das palavras e da vida.
Camões é o português de corpo inteiro, aventureiro, apaixonado e triste, cavaleiro andante errando pelas mais estranhas paragens do mundo, contraditório, lapidarmente humano. É o poeta que traduz, em versos maravilha, o que de bom e de mau se conjugam no génio português. Homem do Renascimento, Camões buscou uma sociedade mais justa. Um campeão dos humildes, "um socialista antes do tempo", como lhe chamou, talvez com um certo exagero, o camonista brasileiro Afrânio Peixoto. Teve perfeito conhecimento dos males do mundo, porque os viveu, estudou e sofreu e diz:
Não me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado…
Como afirmou o prof. Rodrigues Lapa, "Camões inseriu corajosamente em Os Lusíadas alguns versos que nos asseguram uma posição político-social de cidadão vigilante:
Vejamos no canto VII de Os Lusíadas:
Também não cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei no ofício novo
A despir e roubar o próprio povo!
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do rei, severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente.
Camões, um colonialista? Se participou na grande expansão portuguesa pelo mundo, que de resto abriu caminhos ao desenvolvimento da Humanidade, isso deveu-se à dinâmica do período histórico em que viveu. Se é verdade que os Portugueses oprimiram outros povos na sequência dos Descobrimentos, Camões assumiu uma atitude crítica e não foi um elemento passivo capaz de assistir, impávido e sereno, às muitas injustiças cometidas. Se tal não tivesse acontecido, o poeta não teria morrido pobre e miserável, vivendo praticamente de esmolas, de caridade, de amigos.
Como homem do Renascimento, Camões foi o poeta de um mundo novo e diferente, mais amplo, mais vasto, que então começava, se abria todos os homens.
Na sua obra lírica, foi também o grande poeta do Amor, e da negação do Amor. Ninguém como ele, na língua portuguesa, cantou o Amor, a complexidade de quem ama e é amado, as desilusões, o sofrimento, as "memórias da alegria", essa pura paixão tão portuguesa de amar e não amar.
O jovem Friedrich Engels, companheiro de Marx, numa carta escrita a 30 de Abril de 1839 ao seu amigo Wilhelm Graeber, diz que está a estudar a língua portuguesa que "é como ondas do mar sobre flores e prados" e depois confessa-lhe que gosta de "se sentar num jardim com o o sol batendo-lhe nas costas lendo os Lusíadas." O que levaria Engels a gostar de Camões e de Os Lusíadas ?
Um grande historiador português deste século, Jaime Cortesão, dá uma das muitas respostas possíveis:
"O português de Camões foi moldadado pelas águas e pelos ventos, foi enriquecido pelas verdades de outras gentes e alumiado pelas estrelas de todos os céus. É o português-tritão que se misturou a todas as ondas e a amargo sargaço dos oceanos; é o português suave que se diria respirar como as velas, ao sopro perene dos alisados; é o português amoroso que lançou os fundamentos do Império no sangue de outras raças; é o português para quem o perigo é o sal da vida e todos s homens são camaradas; e a Pátria, na própria frase do poeta, é toda a Terra."
Em Pequim, Junho de 1980, quatrocentos anos depois da morte de Luís de Camões, portugueses e chineses recordaram o grande poeta que soube moldar o génio de todo um povo nessa língua que, como escreveu Engels, "é como as ondas do mar sobre flores e prados."
Nota do editor:
(*) Último poste da série > 18 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19693: Os nossos seres, saberes e lazeres (316): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte I: janeiro de 1980
(*) Último poste da série > 18 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19693: Os nossos seres, saberes e lazeres (316): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte I: janeiro de 1980
8 comentários:
António, acho que fizeste o que devias como bom português, na China da pós-revolução cultural, que foi defender o "bom nome" e o "génio poético" do nosso maior poeta de todos os tempos...
Os poetas, os cantores, os artistas podem ser ser, à sua revelia, "usados e abusados" pelos regimes políticos... Foi o caso de Camões, como tu próprio o reconheces, no Estado Novo...
Recorde-se , citando o Jornal i, que "o 10 de junho tal como hoje o conhecemos só foi criado em 1977, sob o nome 'Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas'. Foi comemorado oficialmente na cidade da Guarda, com as presenças do então Presidente da República Ramalho Eanes e do primeiro-ministro Mário Soares. Jorge de Sena, o escritor radicado há muito tempo nos Estados Unidos, fez um discurso extraordinário em defesa de Camões – incluindo a justificação de que não se poderia chamar a Camões 'fascista'." [Ana Sá Lopes, Jornal i, 9/6/2017]
https://ionline.sapo.pt/567152
Nem de fascista nem de colonialista, "avant la lettre", acrescento eu... O mesmo se podia dizer do grande Fernando Pessoa e dos seus heterónimos... Acho que os grandes poetas não devem ser utilizados como "arma de arremesso político"... De resto, o autor da "Mensagem" foi, tal como Camões, maltratado e incmpreendido pelos seus contemporâneos... Neste país, só se é "grande" depois da morte e do reconhecimento externo...
09/06/2017 09:52
Uma duvida que tenho já há algum tempo.
António Graça Abreu, segundo a apresentação, trata-se de um ex-alf, miliciano SGE!
Ora SGE, segundo o dicionário da Tabanca, é um oficial do Serviço Geral do Exército, oriundo dos quadros de Sargentos do quadro.
Como pode ser ex-Alferes Miliciano?
Ou Ten SGE?
Obrigado pelo esclarecimento.
Virgilio Teixeira
Boa questão, Virgílio. Mas eu tenho ideia que também havia milicianos. O António foi reclassificado, tinha um problema de saúde, qualquer, creio que do foro músculo-esquelético. Estava destinado a atirador, de uma companhia de quadrícula. Acabou por, para sorte dele, por ser um alferes mil de "secretaria", no CAOP1... Mas ele pode-te explicar melhor...
Virgílio, lê aqui um excerto do seu Diário da Guiné:
4 DE JANEIRO DE 2012
Guiné 63/74 - P9308: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (3): Começar o ano novo com medo de levar uma porrada
(...) Com seis meses de Guiné, ele estava no princípio do ano de 1973 ainda em chão manjaco, no Canchungo (Teixeira Pinto), no CAOP1, servindo sob as ordens do Cor Cav Pára Rafael Durão (que ele nunca identifica, a não ser pela incial do apelido, D.). Recorde-se que o António Graça de Abreu era Alf Mil, com a especialidade de Secretariado, Serviço de Pessoal:
" [Sou] chefe de secretaria, chefe de pessoal, controlador das limpezas, secretário dos majores, responsável pelas obras, encarregado dos correios, pequeno oficial na ligação diária com os meios aéreos" (...).
Virgílio, se calhar a designação da especialidade não está correta, SGE - Serviço Geral do Exército... Mas ele nunca protestou... E quem cala, consente...
Um abraço, Luís Graça
Ainda bem que peguei na questão, para dar resposta levaria ainda algum tempo, terei de fazer um texto no word e depois passar para o blogue, senão apaga-se.
Uma coisa já é certa, pois já li tudo o que estava no link. Vejamos, o AGA não era nada do SGE - apenas para oficiais oriundos do quadro de sargentos e profissionais, nunca milicianos.
O meu Chefe de secretaria, Ten AG, era do SGE, um bom homem. As funções do AGA confundem-se com o Chefe de Secretaria, e com o oficial do pessoal e abastecimentos. Estou a falar numa unidade tipo Batalhão. Ele estava a contar estas histórias, que nunca assisti na minha comissão, nunca ninguém me ofereceu uma porrada, eu tinha uma autonomia invejável, já expliquei isso, muitos não querem acreditar, por razões que desconheço. O meu único inimigo como já disseram aqui, era realmente o Major GH, que eu o mandei àquela parte em frente de uma plateia de oficiais e praças. Mas não vou falar de mim, a minha missão era de uma importância insubstituível, e ponto final, e assim levei a minha vidinha.
O CAOP em Nova Lamego, julgo que era o Comando de Agrupamento da zona Leste, em Bafatá, da qual o nosso sector L3 e o de Bambadinca estavam subordinados, era assim até sairmos de lá.
Daí as muitas viagens que em 5 meses fiz pelas estradas de NL-Bafata-Bambadinca, a maioria feitas por minha iniciativa, e quase nunca por uma ordem superior, até acho que não tinha superiores nenhuns, tal era a minha autonomia. Eu ia para fora, para fugir à rotina, e para ver como era a Guiné e a guerra, que nunca conheci na sua brutalidade animalesca.
Em São Domingos já estavamos subordinados ao Agrupamento do Cacheu, e aqui estão as muitas viagens que fiz no meu Sintex, para ir tratar de assuntos, que não era verdade, eu dizia que era preciso e ponto final. Eu queria era sair daquela pasmaceira, é esse o termo, e mais uma vez conheci mais um pouco da Guiné. Colegas meus, nunca sairam do seu gabinete nem dos seus 100 m2 de espaço util, entre a secretaria, messe e quarto. Enfim, maneiras de estar na vida.
... Continua ...
Virgilio Teixeira (1)
...
Portanto o AGA tinha um papel confuso, que não existia num Batalhão operacional, isto deve ser num Estado Maior, o tal Agrupamento, que já era comandado por Coronéis e que recebiam as ordens do comandante chefe de Bissau, e faziam de correia de transmissões.
Ao ler as histórias do AGA, eu fico apalermado, estou a imaginar que isso me acontecesse a mim, com as minas 'pancas' o que faria? Não posso imaginar este cenário, pois eu nunca fui dado a receber ordens de ninguém, desde tenra idade, já no colégio primário das freiras.
Nem do meu pai, militar, nem da minha mãe, nunca dos meus patrões, muito menos dos outros empregados, tinha histórias que davam um livro - aliás é isso que estou a tentar fazer - mas que nunca acabo, cada dia é mais uma história para contar.
O AGA devia passar um terror na sua missão, muito pior do que a maioria dos seus camaradas os ditos operacionais, os durões! As suas funções eram muito complexas, não tive nada de parecido nas minhas unidades e locais por onde passei. Teixeira Pinto era outro agrupamento, tal como o de Cacheu, nós poderiamos ter pertencido ao CAOP de Canchungo, mas não, era o Cacheu e muito bem. Passei por cima de Teixeira Pinto muitas vezes nas minhas idas e vindas de Bissau, porque ficava alinhado com Sao Domingos. Acho que o meu comandante TCSaraiva, consta na HU que visitou também TP, li isso mas não confirmo.
O AGA era sim um oficial de Secretaria como ele diz, sem menosprezar era o tipo de ir a todas, fazia um pouco de tudo, e sempre com aquele imenso medo da porrada, que tinha o único inconveniente de baixar de posto e receber muito menos e ter depois muita mais gente a mandar nele, isso devia ser uma paranoia para ele, segundo me parece pela leitura dos seus textos. Ele é um homem, gentleman, até tem pruridos em dar o nome das pessoas, quando eu escrevo sem nenhuma relutância os nomes completos dos ditos superiores.
O nosso Tenente Godinho, Chefe de secretaria, era oriundo da classe de sargentos, e já tinha pelo menos mais uns 10 anos do que eu, e era um braço direito do comandante, ele dava-se muito bem com ele, pois ia 'a despacho' todos os dias com o comando.
o AGA, não tinha essas funções, segundo ele próprio escreve e que não conheço uma figura semelhante no meu Batalhão. Fazia como ele diz, 'Serviço Geral no Exército' mas era um oficial miliciano de Secretariado, uma das especialidades que eram feitas na EPAM, e que fizeram juntamente comigo esse curso, junto com os do SAM e os de Intendência, mas tudo diferentes, funções que não se ligavam, eram de serviços.
Portanto para mim, ele foi um alferes miliciano de Secretariado, que pelos vistos tinha funções das mais variadas, como ele próprio diz.
Não queria estar no papel dele, pois teria um fim à vista muito diferente do dele. Também eu era muito mais indisciplinado, não ligava muito às coisas, fiz o meu trabalho, e acho que fui dos únicos que trabalhou a sério, e teve de prestar contas para se vir embora.
Virgilio Teixeira
Após este longo comentário, só espero e peço mais uma vez, que não me interpretem mal, eu escrevo sempre aquilo que me vem à cabeça no momento, não estou a pensar nos outros, é o meu defeito de fabrico.
Eu já desconfiava, quando comecei a ver as longas descrições e muitas fotos no TO da boa vida do século XXI, que aquela cara que aparecia nos Postes, não me parecia um ex-alferes do SGE, pois esses eram sempre bem mais velhos, 10 anos no mínimo, mas nunca mais disse nada.
Agora analisando bem cheguei a esta conclusão bem mais realista.
Virgilio Teixeira
Simples, eu fui asp.of.mil. atirador de infantaria,mobibilizado para a Guiné na companhia 3460 que foi parar ao Cacheu, com o cap. mil. Morgado.Fiz a recruta e a especialidade na EPI,Mafra,
e tinha um problema no ombro direito, a ressaca de uma luxação crómio-clavicular a que fui operado quando desconjuntei o ombro todo num arraial de pancadaria em que me meti. Consegui passar aos serviços auxiliares e fui reclassificado em Secretariado, SP, Serviço de Pessoal, (nunca em SGE,Serviço Geral do Exército, isso era só para outro pessoal, vindo de sargento.)Fui desmobilizado e um ano depois, novamente mobilizado para a Guiné, para o CAOP 1. Era de facto chefe da secretaria do CAOP 1, mas como o trabalho era pouco, os majores e o coronel Rafael Durão que sabiam que eu era atirador de infantaria, de formação,iam-me dando outras pequenas tarefas na não muita logística do CAOP 1. E até acabei por ir parar a a Mansoa e a Cufar. Está tudo explicado, creio.
Abraço,
António Graça de Abreu
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