sábado, 27 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19721: Estórias avulsas (95): Evacuado com 'um tiro no cu'... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)



Guiné >  Região de Gabu > Nova Lamego > 15 de junho de 1970 > Foto tirada no nosso Quartel, com o 'ferido', convalescente, amarelinho e magricelas, que, não fora ser vista a vala e os abrigos dos cunhetes de munições, parecia uma estância de férias.

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mais uma pequena  história, bem humorada,  do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 /CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70], que nos chegou ontem com a lacónica mensagem: "Já há tempos tive para contar este 'ferimento em combate', lembrei-me agora."




Estórias avulsas > Evacuado com ‘um tiro no cu’ 

por Valdemar Queiroz
Desde criança que sofro com problemas de frúnculos [ou furúnculos, frunchos, fruncos...]. 

Começaram por aparecer em sítios complicados: na dobra das pernas, nas axilas dos braços e na barriga. Os mais complicados, por terem sido dolorosos, foram os na dobra das pernas, que me dificultavam o andar e terem aparecido na idade 8-9 anos. Não me recordo como estes foram tratados, mas tenho grandes cicatrizes por detrás dos joelhos que sinalizam o sofrimento.

Com o tempo, houve um período sem grande ‘erupção cutâneo’, aparecendo apenas o vulgar pelo encravado da barba no pescoço, mas, no meu caso, sempre com necessidade de uma intervenção muito para além da pinça-saca-pelos: cheguei a sacar pelos encravados com mais de três cms.

Na Guiné, também, apareceu um frúnculo, e que frúnculo. Apareceu numa nádega, localizado na parte interior perto do recto. Tentei rebentá-lo espremendo, mas ou por isso ou por outra razão criou uma grande inflamação. Não foi possível tratá-lo com pomadas ou injeções contra inflamações e o oficial médico de Nova Lamego foi de opinião da evacuação para intervenção cirúrgica em Bissau. 

O fur mil enf Edmond,   da minha CART 11,  tratou de toda a papelada e lá fui evacuado em DO 27 para o Hospital Militar de Bissau [HM 241,], com um grande hematoma e 40 graus de febre.

Não me lembro de mais pormenores, só me lembro de, depois da intervenção cirúrgica, acordar na Enfermaria Geral,  rodeado de vários doentes carentes de saber o meu nome, em que sítio foi o ataque e como tinha sido ferido. 

Depois, apareceu um Sargento Enfermeiro a perguntar quem era o Queiroz. "É este aqui que foi evacuado com um tiro no cu", disseram uns que já tinham ‘arranjado’ uma história, daquelas idealizadas à ‘5ª. Rep’[, o Café Bento].

Tive que mudar para o piso superior do Hospital, para uma das Enfermarias de Oficiais e Sargentosk  ficando num quarto com mais quatro doentes, que eram todos Oficiais, um deles tinha a cara toda ferida de estilhaços e outro muito magricelas e já tinham recebido a habitual visita do Spínola.

Uma semana depois, lá regressei a Nova Lamego, com o ‘assunto’ tratado, mas com o aviso do médico cirurgião de que, mais mês menos mês, voltaria a infetar/rebentar outra vez.

E assim aconteceu, o ‘tiro no cu’ deu-me grandes chatices depois de sair da tropa, com infeções, hematomas, rebentamentos, melhoras/pioras durante mais de dois anos, só ficando totalmente curado em Maio de 1973 com uma operação na Clínica St. António, na Amadora.

Ainda agora, quando calha em conversa sobre mortos e feridos na guerra na Guiné, eu comento que, pessoalmente, a não ser ter sido evacuado com um problema dum frúnculo numa nádega, não tive problemas, há sempre alguém que diz: pois, tabém, desculpas de quem foi evacuado com um tiro no cu.

Anexo uma foto tirada no nosso Quartel, em Nova Lamego, com o 'ferido', convalescente, amarelinho e magricelas, que, não fora ser vista a vala e os abrigos dos cunhetes de munições, parecia uma estância de férias.

Valdemar Queiroz
______________

13 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Bolas, era o tiro mais "vergonhoso" que podias apanhar, no cu ou nas costas... É o tiro do fugitivo... Adorei a estória... Ft j a

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É uma arte, saber contar uma estória em três ou quatro parágrafos. Eu não sei... O nosso mestre aqui é o alfero cuCabral, que infelizmente anda com a musa desinspirada...

Abilio Duarte disse...

Tinhas que ser tu...histórias de alfacinhas. Desconhecia. Abraço.

Valdemar Silva disse...

Duarte
Julgo que o teu Pelotão estaria em Pirada ou já em Paunca.
...se mais leste houvesse, por lá passávamos…

Foram uns dias lixados, até na DO tive de fazer a viagem em pé ou sentado de esguelha até Bissau.
Abraço e saúde da boa
Queiroz

Valdemar Silva disse...

Luis, quem é o alfero cuCabral??
É que o meu alfero, Cmdt, do meu Pelotão, era o alf.mil. Pina Cabral.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Peço desculpa, ao alfero Cabral, e não cuCabral... Falar de "cus", era para ele m atentado do pudor. Não me lembro de usar o palavrão"... Sim, porque cu é calão... LG

Juvenal Amado disse...

Queiroz outra bela história, ela fez-me lembrar o facto de em Galomaro os furúnculos se terem tornado uma impedimia pois a certa altura atacou alguns soldados de tal forma que tinham vários espalhados pelo corpo todo. O nosso médico dr Manuel Pereira Coelho chegou a enviar amostras de pus para fazerem vacina para o efeito. A título informativo o Lourenço teve vários na cova do braço e o estofador sete todos com a mesma saída por cima da omoplata. Bem o teu e mais quisto e volta sempre a rebentar até que consigam estripar o que causa a infecção

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Citando o dr. Pedro Ponte, coordenador da Unidade de Dermatologia do Hospital Lusíadas Lisboa:

(...) O furúnculo é uma infeção cutânea provocada por uma bactéria que surge junto da raiz de um pelo — além do folículo piloso, envolve a glândula sebácea e o tecido subcutâneo em redor.

Sintomas
O furúnculo tem um aspeto semelhante a uma borbulha ou espinha mas com uma base avermelhada e rígida e um ponto central de pus amarelado. Dói ao toque. Ao contrário da foliculite, que é uma infeção localizada e restrita ao folículo piloso, o furúnculo surge porque a infeção se alastra pelo tecido subcutâneo em redor do folículo, formando um abcesso. Quando se desenvolvem múltiplos furúnculos ou quando são recorrentes, chama-se furunculose. Em caso de febre, consulte de imediato um médico.

Causas
É provocado normalmente pela bactéria Staphylococcus aureus, que é comum existir na pele e nas fossas nasais de pessoas saudáveis. Qualquer lesão da pele pode servir de porta de entrada para a bactéria, como feridas, picadas de insetos, cortes com lâminas ou lesões semelhantes. É uma doença distinta da acne, mas é preciso estar atento pois a acne pode facilitar a entrada da bactéria para o tecido subcutâneo.

Áreas mais vulneráveis
Surge com mais frequência em áreas de pelos, húmidas e mais expostas a atrito, como as nádegas, virilhas, axilas, coxas, face e pescoço.

Cuidados a ter
Nunca esprema um furúnculo, pois corre o risco de espalhar as bactérias e aumentar a área infetada. Reforce os cuidados de higiene para não espalhar a infeção a outras zonas e não contagiar ninguém (ainda que este risco seja reduzido). Limpe com uma toalha específica para esse fim e lave-a de seguida-

Tratamento
Lave a zona afetada com água e um sabão neutro. De um modo geral, basta usar compressas húmidas com água quente, três vezes por dia, para acelerar a drenagem espontânea (saída do pus). Quando isso suceder, limpe de imediato a área afetada para reduzir a hipótese de a infeção se espalhar.
Se não passar ao fim de dez dias, procure um médico para este avaliar a necessidade de forçar a drenagem, assegurando um processo assético (para não espalhar a infeção) e de modo a reduzir o risco de uma cicatriz. Em certos casos, é necessário tomar antibiótico – que só deve ser tomado exclusivamente por recomendação médica.

Prevenção
As pessoas que tendem a ter furúnculos com frequência devem adotar cuidados extra de higiene como limpar a pele com substâncias antisséticas, lavar as mãos com frequência, usar toalhas limpas e trocar com frequência a roupa da cama. (...)


https://rotasaude.lusiadas.pt/o-que-e-furunculo/





Tabanca Grande Luís Graça disse...

Na Guiné, sofremos muito com as inúemras doenças do foro dermatológico... A "flor do Congo" era uma micose que afetava a malta que andava no malto, sobretudo nas "partes baixas", era um horror,dava uma comichão danada... Quem ainda se lembra ?

Era provocada pelas longas caminhadas no mato e a falta de higiene... O nosso "pastilhas" , tanto quanto me lembro, pintava-nos o cu e o resto das "partes baixas" com um maldito soluto 1214, do LM - Laboratório Militar... Como ardia muito, a malta achava que curava... Sofríamos horrores com esta e outras micoses... LG

Anónimo disse...

Não sei se era a flor do Congo, sei que tive uma 'zipela' qualquer na perna esquerda, a comichão era insuportável, o nosso pastilhas à falta de melhor pintou-me a perna com tintura de iodo ou qualquer coisa daquela cor, fiquei com uma dores do c.... os pelos e eram muitos foram-se todos, e fiquei quase sem pele na perna. Curou-se, não vejo agora resquicios.
Mas antes de embarcar, apareceu outra no pé direito, não liguei, ou pensei que não era bonito vir pintado à Indio no pé. Resultado, ainda cá está, 50 anos depois, e após levar 'toneladas de pomadas' para minorar as comichões, nunca me passou.
Agora há meses ando com a ponta dos dedos com outra 'zipela' que me obriga a andar de luvas, pois tenho dores nos dedos. Vou ao especialista mais uma vez, para me receitar mais outra pomada qualquer, das dezenas que já lá apliquei.
Será isto uma parte do PDI?
Virgilio Teixeira

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Virgílio, isso faz parte das das "medalhas" que trouxemos da Guiné, umas visíveis (no corpo) outras invisíveis (na alma).

O teu "pastilha" deve-te ter aplicado uma solução à base de mercurocromo, que hoje está proibido... devido á presença de "mercúrio" na sua composição...

A "flor do Congo" apanhava-nos o traseiro todo, parecia um chapéu de chuva!...

Valdemar Silva disse...

Pois, das 'medalhas' mais usadas nas 'condecorações' era a LICA.
A LICA, não sei a origem deste nome, era a micose de milhares de borbulhinhas vermelhas que aparecia entre as pernas, na barriga, debaixo dos braços e na testa.
A mais dolorosa era a de entre as pernas, que se tratava com a solução de mercurocromo uff. c'um caraças.
Dizia-se que só apanhava a doença, quem bebia muita cerveja, suava e não tomava banho, mas o Cunha ('Cor.Mil. Lucas Tytio') tomada banho de 10 em 10 minutos, que até levou uma porrada, averbada na sua caderneta militar, por ir tomar banho ao rio, e não bebia cerveja também apanhou a LICA.
Evidentemente, estas 'condecorações' não eram ………..(respeito as normas do blogue)

Valdemar Queiroz

p.s. Julgo que LICA é nome dado a um conjunto de doenças de pele.

Anónimo disse...

Confirmo:

Eu levei camadas de 'tintura de iodo' era muito escura, não se confunde com o mercuro cromo, pois aquilo ardia que até saltava, e arrancou pelos e pele, e o mercurio não faz isso, que eu saiba.
Outro tipo de zipelas também havia, mas não tão chata como esta.

«Zipela» = nome que usamos aqui em casa, para todo o tipo de mazelas na pele, mesmo sabendo o nome delas, herdei isto da minha sogra, que chamava zipela a tudo.
Acho este nome nem existe.
Virgilio Teixeira