Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 23 de novembro de 2020
Guiné 61/74 - P21572: Notas de leitura (1325): “Vozes Plurais, a comunicação das organizações da sociedade civil”, coordenação e organização de Carla Sequeira e Sónia Lamy; Documenta, Sistema Solar, 2017 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Março de 2018:
Queridos amigos,
O nosso blogue é uma entidade sem fins lucrativos, dedica-se a um interesse público, não está subordinado às leis do mercado, é uma associação de voluntários, pode dispor, à luz do seu estatuto, de várias dedicações, contribuir para a dignidade de antigos combatentes, abraçar fórmulas de solidariedade, de convivência.
Vejo pois com utilidade passar em revista o que sobre a comunicação escrevem autores com competência para dissecar como se comunica com os vários públicos no vastíssimo Terceiro Setor. Temos ponderosas razões para refletir sobre a nossa comunicação estratégica e como o nosso blogue se contextualiza nas mudanças sociais e no interesse público.
Somos um blogue de defesa de causas, de disseminação da cooperação e da solidariedade e do diálogo entre povos, com especial incidência no diálogo entre Portugal e a Guiné-Bissau. Refletir sobre este fenómeno da comunicação é refletir sobre o nosso futuro e a nossa visibilidade, no que temos a dar uns aos outros e para muitos mais.
Um abraço do
Mário
Não basta fazer o bem, é preciso dizê-lo bem
Beja Santos
A obra intitula-se “Vozes Plurais, a comunicação das organizações da sociedade civil”, coordenação e organização de Carla Sequeira e Sónia Lamy, Documenta, Sistema Solar, 2017. Abarca um conjunto de reflexões sobre as organizações da sociedade civil sempre carentes por estabelecer inovadoras e eficientes estratégias de comunicação, para associados e auditório externo. Elas fazem parte do que se chama o Terceiro Setor, abrangem uma miríade de entidades sem fins lucrativos, todas apostadas no serviço dos interesses coletivos e do bem comum. É uma vasta constelação onde cabem organizações não-governamentais, movimentos sociais, grupos de voluntariado, setores assistenciais de irmandades religiosas, fundações e algo mais. A fome de comunicação é permanente, precisam de sites atualizados que estampem atividades e eventos, legislação, publicações, links, artigos de opinião, o que fazem e com quem fazem, de quem precisam para que a causa abraçada tenha muitíssimo mais força e consistência. As diferentes intervenções interagem, complementam-se: a importância da comunicação organizacional e das relações públicas e como a comunicação estratégica muda comportamentos e impulsiona mudanças sociais; o retrato da sociedade civil organizada em Portugal: mais de 55 mil organizações que empregam cerca de 260 mil pessoas, com contributo para o PIB de 2,8% e representando 5,5% do emprego remunerado em Portugal (se se contabilizar o trabalho voluntário, o contributo da economia social para o PIB será da ordem dos 3,8%), num universo da atuação onde cabem cultura e lazer, educação e investigação, saúde, serviços sociais, ambiente, associações de direitos, de desenvolvimento e habitação, intermediários filantrópicos e promoção do voluntariado, organizações não-governamentais de cooperação para o desenvolvimento, entre outras; a profissionalização no Terceiro Setor; o valor que a comunicação acrescenta a estas organizações, visto a quatro níveis: simbólico, operativo, simplificador e sedutor; o estudo de caso da AMI – Assistência Médica Internacional; a proposta de um modelo que ilustre a sistematização dos fluxos de comunicação contributivos para a constituição e a criação destas organizações num processo contínuo através do tempo e do espaço.
As TIC têm tido um papel determinante na vida de grupos sociais, uns de denúncia a atropelos decorrentes de manipulação política, outros ligados à denúncia da crise económica, a revoltas populares como a Primavera Árabe, outros mais que têm levado ao fracionamento dos movimentos políticos, pense-se em Espanha com o Podemos e o Ciudadanos, que alteraram profundamente o espetro político espanhol. Como escreve um dos autores, “Este fenómeno tem sido acompanhado por um descentramento do discurso reivindicativo das organizações instituídas na sociedade, como partidos e sindicatos. Hoje em dia, há cada vez mais movimentos sociais a desenvolver a sua própria agenda de protesto, tornando por isso relevante analisar os modos de funcionamento deste tipo de organizações nos jogos de poder da esfera pública”. Portugal experienciou uma forte movimentação social nos anos 2011 e 2012, que se esvaziou depois, não terá tido continuidade por falta de bandeira e arregimentação de valores. Citando o importante pensador Manuel Castells, se a Internet é um espaço descentralizador e cidadão, urge entender quais os modelos de comunicação utilizados pelos interlocutores enquanto cidadãos participantes. É significativo o avanço do poder dos banqueiros, dos grandes investidores e dos controladores do capital em detrimento do poder político, que se exprime no aumento da influência dos mercadores financeiros nos mais variados aspetos da vida quotidiana, daí as redes sociais se agitarem na denúncia da corrupção de políticos e instituições capitalistas, questionando o aumento da concentração da riqueza e a gradual laceração das classes médias, estas são há séculos o esteio das democracias ocidentais. Daí a necessidade de procurar entender a utilização das TIC pelos movimentos sociais, como conseguem manifestações em cima da hora na Wall Street, na Turquia antes da atual ditadura, os protestos no Brasil, o que se está a passar na Catalunha, estas transformações avassaladoras que transfiguram e criam valores e emprestam novos significados simbólicos no intercâmbio cultural ganham visibilidade no computador, no tablet, no telemóvel, concretiza-se em blogs, newsletters, podcasts, wikis e e-mails, e assim interagem textos, sons e imagens, criam-se hipertextos, assim se dinamizam ou subvertem os processos de interação mediáticos – passámos todos a estar marcados pela intensificação das relações sociais baseadas na comunicação digital.
Daí a atenção que se deve dar ao bom uso das ferramentas digitais nos movimentos sociais. Recordem-se as questões éticas, os riscos de transgressão, a facilidade e a impunidade com que se propagam boatos, a criação e recriação da realidade, a digitalização de informação falsa e a virtualização da realidade, não se devendo esquecer um outro problema que é a tentativa de imposição cultural e informacional por parte de organizações e instituições privilegiadas.
Um dos autores analisa a comunicação da APSI – Associação para a Promoção da Segurança Infantil para fomentar a criação de ambientes e produtos seguros que garantam às crianças e jovens um crescimento saudável, mostra-se como uma organização sem fins lucrativos, tem imensos desafios na área comunicacional em que a falta de financiamentos reduz severamente educar para prevenir. A captação de financiamento é crucial para que as campanhas da APSI tenham visibilidade mediática, precisa ter uma boa página na Internet, tudo foi posto em causa com a crise económica que desmobilizou projetos de mecenato e de responsabilidade social.
Enfim, a obra elenca dilemas e desafios de comunicação, tais como a profissionalização da comunicação das ONG, a criação de canais de comunicação próprios, a importância das parcerias com profissionais e instituições mediáticas corporativas e as parcerias com outras organizações e atores sociais.
Obra de muito interesse para refletir sobre a forma como se interage com os vários públicos no contexto do Terceiro Setor.
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Nota do editor
Último poste da série de 21 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21563: Notas de leitura (1324): "A Armadilha da Guerra, Um exercício de ficção, em retrospetiva”, por António de Jesus Bispo; DG edições, 2017 (2) (Mário Beja Santos)
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