Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 22 de abril de 2007
Guiné 63/74 - P1686: Fichas de unidades (1): BCAÇ 3872, CCAÇ 3489, 3490 e 3491 (Sector L5, Galomaro, 1972/74) (José Martins)
Guiné-Bissau > Saltinho > Novembro de 2000 > Vestígios da CCAÇ 2701 (1970/72) , deixados na parede lateral de uma caserna em ruínas...
Foto: © Albano M. Costa (2006). Direitos reservados.
Guiné-Bissau > Saltinho > Pousada do Saltinho > Novembro de 2000 > Brasão da CCAÇ 2701 (1970/72) , unidade que foi substituída pela CCAÇ 2490 (1972/74).
Foto: © Albano M. Costa (2006). Direitos reservados.
Guiné-Bissau > Saltinho > Novembro de 2000 > Restos de uma pedra onde se lê a seguinte inscrição, gravada: ... cozinheiros da 3490. Esta unidade, a CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74) , era uma das unidades operacionais do BCAÇ 3872 (com sede em Galomaro).
Foto: © Albano M. Costa (2006). Direitos reservados.
BATALHÃO DE CAÇADORES Nº 3872 (Galomaro, 1972/74)
Mobilizado no Regimento de Infantaria nº 2 – Abrantes.
Divisa: O inimigo vos dirá quem somos.
Embarcou para a Guiné em 18 de Dezembro de 1971, desembarcando em Bissau em 24 de Dezembro de 1971.
Era composto pela CCS e pelas companhias operacionais nºs 3489, 3490 e 3491.
Realizou a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional no Centro de Instrução Militar, em Cumeré, entre 27 de Dezembro de 1971 e 22 de Janeiro de 1972.
Em 23 de Janeiro de 1972 deslocou-se para Galomaro, afim de efectuar o treino operacional e sobreposição com o BCAÇ 1912.
A 11 de Março de 1972, assumiu a responsabilidade do Sector L5, com sede em Galomaro, mantendo as suas subunidades integradas no seu dispositivo de manobra que abrangia os subsectores de:
(i) Cancolim - A CCAÇ 3489 iniciou em 24 de Janeiro de 1972 o treino operacional e sobreposição com a CCAÇ 2699, assumindo a responsabilidade do subsector em 11 de Março de 1974, destacando um pelotão para Anambé até 22 de Setembro de 1972. Foi rendida pela 2ª Companhia do BCAÇ 4518/72, em 08 de Março de 1974.
(ii) Saltinho - A CCAÇ 3490 (1) iniciou em 24 de Janeiro de 1972 o treino operacional e sobreposição com a CCAÇ 2701 (2), assumindo a responsabilidade do subsector em 11 de Março de 1972, deslocando um pelotão para guarnecer o destacamento de Cansamba, no subsector de Galomaro. Foi rendida pela 3ª Companhia do BCAÇ 4518/72, em 7 de Março de 1974.
(iii) Dulombi – A CCAÇ 3491 iniciou a 24 de Janeiro de 1971 o treino operacional e a sobreposição com a CCAÇ 2700 (3), assumindo a responsabilidade do subsector em 8 de Março de 1972. Em 9 de Março de 1972 é transferida para Galomaro, por extinção do subsector de Dolumbi, substituindo a CCS do seu batalhão e assumindo a responsabilidade do subsector.
(iv) Galomaro – Esta localidade foi guarnecida com a Companhia de Comando e Serviços do BCAÇ 3872 até a extinção do subsector de Dulombi, passando a CCAÇ 3491 a assumir a responsabilidade deste subsector em 9 de Março de 1973. A 4 de Março de 1973 cedeu um pelotão para reforço da guarnição de Piche. Foi rendida pela 1ª Companhia do BCAÇ 4518/72, em 8 de Março de 1974. Foi rendida pela 1ª Companhia do BCAÇ 4518/72, em 8 de Março de 1974.
O Batalhão de Caçadores nº 3872 foi rendido em 9 de Março de 1974 pelo Batalhão de Caçadores nº 4518/73 e embarcou de regresso à Metrópole em 28 de Março de 1974.
Pesquisa, adaptação e condensação:
José Martins
(ex-Fur´Mil Trms
CCAÇ 5 (Os Gatos Pretos)
Canjadude, 1968/70.
Material consultado:
Resenha Histórica Militar das Campanhas de Africa
Volume 7º - Tomo II – Fichas das Unidades
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Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1681: Efemérides (4): Lista dos mortos no Quirafo (José Martins)
10 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1265: Recordações do ex-Alf Rainha (Xaneco, para os amigos), da CCAÇ 3490 (Saltinho), morto há 20 anos (Maurício Vieira, CCS/3884)
27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1119: Um periquito no Saltinho, o ranger Eusébio (CCAÇ 3490, 1972/74)
22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1104: Homenagem ao Alf Mil Op Especiais Armandino, da CCAÇ 3490, morto na emboscada de Quirafo (Joaquim Mexia Alves)
28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)
25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)
23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)
21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)
(2) Vd. post de 13 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)
23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P981: Apresenta-se o Alf Mil Inf Martins Julião (CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72)
(3) Vd. posts de:
4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1494: Tertúlia: Apresenta-se o ex-Alf Mil Fernando Barata, CCAÇ 2700 / BCAÇ 2912
22 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1541: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (1): Introdução: a 'nossa Guiné'
26 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1550: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (2): A nossa gente
15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1595: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (3): minas, tornados, emboscadas, flagelações e acção... psicossocial
11 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1651: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (4): Historietas
Guiné 63/74 - P1685: O mistério da morte do soldado José Henriques Mateus, natural da Lourinhã (Benito Neves / Luís Graça / Jaime B. M. Silva)
Guiné-Conacri > Conacri > Masmorra do PAIGC > 1970 > Prisioneiros portugueses, fotografados pelo fotógrafo húngaro Bara István (nascido em 1942). Legenda em húngaro: "Bara István: Portugál foglyok a PAIGC börtönében, Guinea Bissau, 1970". (Pormenor, foto editada).
O Benito Neves, da CCAV 1484, admite a hipótese de o segundo prisioneiro, da fila de trás, a contar da esquerda - devidamente assinalado com um círculo a amarelo - possa ser o seu camarada José Henriques Mateus, natural da Lourinhã, dado como desaparecido no Rio Tombar, afluente do Rio Cumbijã, na sequência da Operação Pirilampo (1) (LG).
Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)
1. Mensagem do Benito Neves (ex-furriel mil da CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67).
Luís, bom dia:
Já estive em contacto com o ex-furriel Teles, comandante de Secção do Mateus, a quem recomendei a consulta do blogue. Sobre o Mateus, disse-me que lhe custa muito aceitar que o 2º. homem da fila de trás [ vd. foto acima] não seja o Mateus. É óbvio que já lá vão 40 anos. Mas penso que, tendo em conta as dúvidas levantadas e constantes, talvez só um contacto com vizinhos ou familiares nos possa ajudar. Vamos esperar e, entretanto, o meu muito obrigado pelo empenhamento e, confesso, muito sinceramente, gostaria muito de ver novamente substituída a pedra do monumento aos que, da tua terra, tombaram em terras de África. Um a menos era sempre bom!!!
Um abraço.
B.N.
2. Mensagem enviada a Jaime Bonifácio Marques da Silva, meu amigo e conterrâneo, ex-alferes miliciano paraquedista, que esteve em Angola sensivelmente na mesma época em que eu estive na Guiné (1969/71), e que fez parte da comissão organizadora que, na sua (e minha) terra, levou a cabo, em conjunto com a Câmara Municipal da Lourinhã, a iniciativa de monumentalizar a memória dos filhos da Lourinhã, caídos em terras de África, durante a guerra do Ultramar (1961/74). Entre esses bravos, conta-se o soldado José Henriques Mateus (1).
Jaime: Como vais tu, a Dina e o resto da família ? Lembrei-me de ti por causa de um camarada e conterrâneo nosso, o José Henriques Mateus, que faz parte do lote dos 20 mortos do Ultramar, naturais da Lourinhã, e constantes do monumento que lhes foi erigido em 2005, na nossa vila. Tu fizeste parte da Comissão Organizadora. Além disso, és vizinho do Mateus...
Originalmente até houve uma troca do apelido: na placa original, correspondente à Guiné, ele constava com o apelido Martins... No meu/nosso blogue – Luís Graça & Camaradas da Guiné – apareceu-me agora um camarada de Abrantes que era furriel na CCAV 1484, e que vem relatar os últimos momentos do Mateus... Terá desaparecido nas águas do Rio Tombar, mas a camisa será encontrada, dias depois, nas margens, com a identificação dele, uma imagem de N. Sra. de Fátima e uma nota de 50 pesos (escudos locais)... Há quem o tenha reconhecido mais tarde numa foto dos prisioneiros portugueses em Conacri... Há quem pense (a malta daquela unidade) que ele não morreu, e faça votos para que vocês – comissão organização e autarquia local – voltem a substituir a placa...
Sabes alguma coisa deste caso ? Ele era natural da Areia Branca, e devia ser quatro ou cinco anos mais velho do que nós... Por outro lado, é estranho que ele não consta da lista (oficial) dos mortos da Guiné... Sabes quem é a família ? Terá pais e irmãos vivos ou parentes próximos ?... É um estranho caso... Temos que apurar a verdade... Um abraço para ti.
3. Resposta do Jaime, que vive em Fafe e que esteve também por detrás da iniciativa deste município nortenho, de homenagear os seus 37 filhos, mortos no Ultramar (2).
Luís:
A notícia é estranha. Conheço o irmão. A última vez que falei com ele foi na Páscoa. Foi ele, também, que nos indicou que o nome do irmão não estava correcto. Aliás, estou a recolher elementos dos ex-combatentes da Lourinhã mortos na guerra.
Na próxima vez que me deslocar à Lourinhã irei procurá-lo e colocar-lhe esta questão. Logo que tiver novidades contactar-te-ei.
Até lá, um abraço para vós
Jaime
jbms@sapo.pt
_______
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1676: Vivo ou morto, procura-se o Soldado Mateus, da CCAV 1484, natural da Lourinhã (Benito Neves)
(2) Vd. post de 9 Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXII: Homenagem de Fafe aos seus 37 ex-combatentes, mortos na guerra do ultramar (Américo Marques)
(...) "Obrigado, Américo, em nome da nossa tertúlia. Julgo que, por detrás desta iniciativa do município de Fafe, está também o meu amigo Jaime Bonifácio Marques da Silva, professor de educação física, antigo vereador do desporto e cultura, natural da Lourinhã, ex-alferes miliciano paraquedista em Angola por volta de 1969/71" (...).
Guiné 63/74 - P1684: Sepultado em Cinfães e em Bissau: 1.º Cabo Enfermeiro Correia Vieira, da CCAÇ 1419 (Casimiro Vieira da Silva / A. Marques Lopes)
Cinfães > Espadanedo > Cemitério local > 2007 > Campa do José Maria Correia Vieira (1943-1966), cujos restos mortais foram oficialmente trasladados de Bissau, em 1971 ou 1972.
Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério militar > 1998 > Foto da campa do José Maria Correia Vieira. Segundo o livro da CECA, consultado pelo A. Marques Lopes (e de que se junta um extracto), o infortunado 1.º Cabo Enfermeiro Correia da Silva, da CCAÇ 1419, repousaria em paz na sua terra...
Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério militar > Campas de Abel Pereira da Silva e António Novais Esteves, mortos juntamente com o José Maria Correia Vieira, em 5 de Janeiro de 1966, na Ponte do Rio Blassar - Matar, Olossato.
Fotos: © Casimiro Vieira da Silva (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do A. Marques Lopes, enviada para a tertúlia:
Caros camaradas:
Este texto chegou-me às mãos e quem o escreveu pediu-me para o divulgar junto da tertúlia. A. Marques Lopes (1).
2. Texto do Casimiro Vieira da Silva:
Triste história, verdadeira, de um Cabo Enfermeiro da Companhia de Caçadores 1419, que morreu na Guiné ao serviço da Pátria na noite de 5 de Janeiro de 1966, na Ponte do Rio Blassar - Matar, Olossato [vd. carta de Bigene]. Morreram com ele, nessa mesma noite e no mesmo local, mais dois companheiros [, Abel Pereira da Silva e António Novais Esteves].
Vamos ao que interessa: eu, Casimiro Vieira da Silva, Cabo Enfermeiro, parti para a Guiné em 11 de Janeiro de 1967. Assim que lá cheguei fui visitar o meu amigo José Maria, colega de escola, ao cemitério de Bissau. Lá estavam as três campas, a dele e as dos outros dois companheiros mortos na mesma altura, com os nomes gravados. Fiquei chocado.
Escrevi à minha mãe e contei-lhe que o José estava no cemitério de Bissau, que ela dissesse aos pais dele. A mãe do meu amigo ficou muito chocada e acabou, depois, por morrer cedo demais com o desgosto da morte do filho querido. Quando me vim embora, em 1968, fui despedir-me dele ao cemitério, coloquei um ramo de flores e disse-lhe Descansa em paz.
Mal cheguei a Portugal, regressei à minha casa, em Espadanedo, Cinfães, onde a mãe do José me procurou logo e agarrou-se a mim a chorar, tanto que eu também chorei. O desgosto desta mãe que nunca mais largou o luto. Pediu a Salazar, ou alguém de direito, que lhe devolvessem o corpo do seu filho para junto dela, para o poder velar. Responderam-lhe que, para isso acontecer, era preciso pagar uma quantia de 15 ou 20 contos, não sei ao certo, ou, então, que esperasse cinco anos para devolverem o corpo do filho sem pagar nada.
Sim, senhor. Devolveram o corpo talvez em 1971 ou 1972, já não me lembro a data ao certo, e fizeram um funeral nunca visto na freguesia de Espadanedo, Cinfães, com um pelotão do Regimento de Artilharia Ligeira N.º 5, de Penafiel, a fazer a honra a este bravo militar.
Voltei à Guiné em 1998, e ao cemitério de Bissau, e qual não é o meu espanto quando vejo lá na mesma as três campas. Fui ter com os empregados do cemitério, já muito velhotes, e perguntei se estas campas tinham sido remexidas. Prontamente me responderam que não tinha sido levantado nenhum corpo daquelas campas. Se tivesse sido retirado algum, o respectivo mármore teria também sido retirado.
... E, assim, continua a mentira, já com 40 anos. E, agora, pergunto: só veio o caixão, sem nada? ou com alguma coisa lá dentro? O caixão terá vindo de Bissau ou de Lisboa? Não sei. Só me interrogo sobre quantos, como o meu amigo José Maria, estarão enterrados nos cemitérios de Portugal e da Guiné ao mesmo tempo. Como é possível isto acontecer? - Pergunto eu.
Junto envio fotografias para provar como o José Maria se encontra nos dois lugares, em Bissau e em Portugal.
3. Comentário do A. Marques Lopes:
A dúvida do Casimiro é legítima. Vão, em anexo, as fotografias que ele tirou no cemitério de Bissau com as campas dos três que morreram na mesma noite. O livro da CECA confirma (em baixo) que dois deles continuam lá e que o José Maria está em Espadanedo. Parece-me que seria lógico que a campa deste não estivesse em Bissau... não me parecendo que, em 1971 ou 1972, não tivessem tido a preocupação de varrer os vestígios dela, tendo havido, de facto, a trasladação. Evidentemente, aquela Comissão transmite as informações que colheu ou lhe foram fornecidas.
Disse-me o Casimiro que a Zélia Cardoso, mulher do Xico Allen, depois de ver o filme Monsanto, escreveu à SIC uma carta onde levantava esta questão concreta do José Maria, levantando a questão de, eventualmente, poder haver outras situações idênticas. Mas essa estação televisiva nunca respondeu nem deu sinais de se interessar por tal. Este é um caso concreto. A partir dele, era bom que se esclarecessem as dúvidas que pairam, ainda mais que não seja por respeito às famílias. Que a velha senhora não tenha feito isso, compreende-se. Mas, agora...
4. Comentário de L.G.:
Infelizmente, estas trocas e baldrocas foram mato. Até na morte, muitos dos nossos camaradas foram vítimas da burocracia e da incompetência. O mínimo que era exigível ao Estado Português era que tratasse com dignidade os seus soldados caídos em combate... Em tempos o Albano Costa trouxe à baila um caso parecido, o do Manuel Agostinho Oliveira Mendonça, natural da freguesia de Soutelo de Matos, concelho de Vila Pouca de Aguiar.
Vd. post de 25 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1112: Os mortos do Talhão do Ministério do Exército: o caso do Agostinho, da CCAÇ 4150, Guidaje (Albano Costa)
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)
Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério militar > 1998 > Foto da campa do José Maria Correia Vieira. Segundo o livro da CECA, consultado pelo A. Marques Lopes (e de que se junta um extracto), o infortunado 1.º Cabo Enfermeiro Correia da Silva, da CCAÇ 1419, repousaria em paz na sua terra...
Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério militar > Campas de Abel Pereira da Silva e António Novais Esteves, mortos juntamente com o José Maria Correia Vieira, em 5 de Janeiro de 1966, na Ponte do Rio Blassar - Matar, Olossato.
Fotos: © Casimiro Vieira da Silva (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do A. Marques Lopes, enviada para a tertúlia:
Caros camaradas:
Este texto chegou-me às mãos e quem o escreveu pediu-me para o divulgar junto da tertúlia. A. Marques Lopes (1).
2. Texto do Casimiro Vieira da Silva:
Triste história, verdadeira, de um Cabo Enfermeiro da Companhia de Caçadores 1419, que morreu na Guiné ao serviço da Pátria na noite de 5 de Janeiro de 1966, na Ponte do Rio Blassar - Matar, Olossato [vd. carta de Bigene]. Morreram com ele, nessa mesma noite e no mesmo local, mais dois companheiros [, Abel Pereira da Silva e António Novais Esteves].
Vamos ao que interessa: eu, Casimiro Vieira da Silva, Cabo Enfermeiro, parti para a Guiné em 11 de Janeiro de 1967. Assim que lá cheguei fui visitar o meu amigo José Maria, colega de escola, ao cemitério de Bissau. Lá estavam as três campas, a dele e as dos outros dois companheiros mortos na mesma altura, com os nomes gravados. Fiquei chocado.
Escrevi à minha mãe e contei-lhe que o José estava no cemitério de Bissau, que ela dissesse aos pais dele. A mãe do meu amigo ficou muito chocada e acabou, depois, por morrer cedo demais com o desgosto da morte do filho querido. Quando me vim embora, em 1968, fui despedir-me dele ao cemitério, coloquei um ramo de flores e disse-lhe Descansa em paz.
Mal cheguei a Portugal, regressei à minha casa, em Espadanedo, Cinfães, onde a mãe do José me procurou logo e agarrou-se a mim a chorar, tanto que eu também chorei. O desgosto desta mãe que nunca mais largou o luto. Pediu a Salazar, ou alguém de direito, que lhe devolvessem o corpo do seu filho para junto dela, para o poder velar. Responderam-lhe que, para isso acontecer, era preciso pagar uma quantia de 15 ou 20 contos, não sei ao certo, ou, então, que esperasse cinco anos para devolverem o corpo do filho sem pagar nada.
Sim, senhor. Devolveram o corpo talvez em 1971 ou 1972, já não me lembro a data ao certo, e fizeram um funeral nunca visto na freguesia de Espadanedo, Cinfães, com um pelotão do Regimento de Artilharia Ligeira N.º 5, de Penafiel, a fazer a honra a este bravo militar.
Voltei à Guiné em 1998, e ao cemitério de Bissau, e qual não é o meu espanto quando vejo lá na mesma as três campas. Fui ter com os empregados do cemitério, já muito velhotes, e perguntei se estas campas tinham sido remexidas. Prontamente me responderam que não tinha sido levantado nenhum corpo daquelas campas. Se tivesse sido retirado algum, o respectivo mármore teria também sido retirado.
... E, assim, continua a mentira, já com 40 anos. E, agora, pergunto: só veio o caixão, sem nada? ou com alguma coisa lá dentro? O caixão terá vindo de Bissau ou de Lisboa? Não sei. Só me interrogo sobre quantos, como o meu amigo José Maria, estarão enterrados nos cemitérios de Portugal e da Guiné ao mesmo tempo. Como é possível isto acontecer? - Pergunto eu.
Junto envio fotografias para provar como o José Maria se encontra nos dois lugares, em Bissau e em Portugal.
3. Comentário do A. Marques Lopes:
A dúvida do Casimiro é legítima. Vão, em anexo, as fotografias que ele tirou no cemitério de Bissau com as campas dos três que morreram na mesma noite. O livro da CECA confirma (em baixo) que dois deles continuam lá e que o José Maria está em Espadanedo. Parece-me que seria lógico que a campa deste não estivesse em Bissau... não me parecendo que, em 1971 ou 1972, não tivessem tido a preocupação de varrer os vestígios dela, tendo havido, de facto, a trasladação. Evidentemente, aquela Comissão transmite as informações que colheu ou lhe foram fornecidas.
Disse-me o Casimiro que a Zélia Cardoso, mulher do Xico Allen, depois de ver o filme Monsanto, escreveu à SIC uma carta onde levantava esta questão concreta do José Maria, levantando a questão de, eventualmente, poder haver outras situações idênticas. Mas essa estação televisiva nunca respondeu nem deu sinais de se interessar por tal. Este é um caso concreto. A partir dele, era bom que se esclarecessem as dúvidas que pairam, ainda mais que não seja por respeito às famílias. Que a velha senhora não tenha feito isso, compreende-se. Mas, agora...
4. Comentário de L.G.:
Infelizmente, estas trocas e baldrocas foram mato. Até na morte, muitos dos nossos camaradas foram vítimas da burocracia e da incompetência. O mínimo que era exigível ao Estado Português era que tratasse com dignidade os seus soldados caídos em combate... Em tempos o Albano Costa trouxe à baila um caso parecido, o do Manuel Agostinho Oliveira Mendonça, natural da freguesia de Soutelo de Matos, concelho de Vila Pouca de Aguiar.
Vd. post de 25 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1112: Os mortos do Talhão do Ministério do Exército: o caso do Agostinho, da CCAÇ 4150, Guidaje (Albano Costa)
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)
sábado, 21 de abril de 2007
Guiné 63/74 - P1683: Estórias do Gabu (3): Um capitão, amigo do seu escriturário (Tino Neves)
Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS do BCAÇ 2893 (1969/71) > Quartel Novo > 1971 > O 1º Cabo Escriturário Constantino Neves nas valas...
Foto: © Tino Neves (2006). Direitos reservados.
1. Texto do nosso camarada Tino Neves (1) a quem agradeço o envio periódico destas pequenas estórias ou croniquetas (2) que nos ajudam a reconstituir ou reconstruir o quotidiano das nossas vidas de caserna, no tempo da guerra da Guiné, há trinta e quarenta anos atrás:
Camarada Luís:
Vou contar um pequena estória passada comigo. Uma noite, estava eu na Vila de Nova Lamego, com a intenção de ir ao cinema. O Aquartelamento do Batalhão, o Quartel Novo, ficava a 1 Km da Vila. Chega junto de mim um jipe, conduzido pelo Soldado Condutor Loupas, pedindo para que o ajudasse a passar a palavra a todos os camaradas, que se juntassem todos junto da porta do cinema, que logo viria uma Berliet buscá-los a todos, porque tínhamos recebido uma mensagem de que vinha em nossa direcção um grupo de turras para nos atacar.
Assim foi. Após todos terem sido transportados para o quartel, o meu Comandante da CCS, o Sr. Capitão Miliciano Herlânder Loureiro Rodrigues, mandou todos irem-se equipar e armar, em seguida formar na parada, que ele os iria distribuir pelas valas e postos ao redor do quartel.
Estando quase todos distribuídos e faltando ainda eu, perguntei:
-Meu Capitão, então, aonde fico eu?
-Tu ficas aqui, porque os turras vêm daquele lado!
-OK, obrigado! - Agradeci.
Enquanto esperamos a chegada dos turras, tínhamos o hábito de, nas valas, estendermos umas tábuas por cima e deitarmo-nos sobre elas, com mostra a foto junto. Estávamos bastante descontraídos a ouvir o som da selva e vozes e palmas de bajudas a cantarolar, ali perto.
Pela minha parte, eu estava com muita atenção - como era hábito, diga-se de passagem, já que não brincava em serviço (quando estava de reforço), nem deixava que fumassem junto a mim e às claras (se o quisessem fumar, teriam que o fazer como eu, abaixar-se dentro da vala e cobrir o cigarro com o quico, para anular o clarão.
A um determinado momento, notei que as bajudas tinham deixado de cantar e que se podia ouvir... o som da selva, em silêncio, para além do ladrar de um cão. De imediato, alertei para esse pormenor o Furriel Miliciano Batista, que se encontrava a meu lado, respondendo-me ele logo de seguida:
- Tens razão, todos para baixo.
Dito isso, passa por cima de nós um roquete (que foi o sinal dos guerrilheiros para o início do ataque), e logo de seguida várias rajadas de balas tracejantes a rasparem a nossa posição, mas logo um soldado condutor que tinha ao seu dispor uma metralhadora Dryse (leia-se Draise), começou logo a disparar e nós, ao ver a sua coragem, de imediato também começámos a disparar as nossas G3. Em poucos segundos estávamos todos tão empolgados, só faltava saltar da vala e ir atrás deles.
Eles não esperavam a nossa reacção tão rápida e comtão grande potencial, pois perto de nós estava uma antiaérea de 4 canos, não me recordo o calibre, mas era um espectáculo de balas tracejantes, 4 canos a disparar ao mesmo tempo!
Acabado o ataque, ficámos todos parados e em silêncio, aguardando possível novo ataque, quando eu novamente reparo nuns vultos a passarem a correr à nossa frente, mas do lado de fora do arame farpado. Alertei novamente o Furriel Batista que de imediato grita:
- Lá vão eles outra vez! - e fizemos fogo e do outro lado ouvimos gritar. Entusiasmados, gritávamos:
-Tomem, seus cabrões...
Nisto aparece o nosso 2º Comandante aos gritos, para que nós não disparássemos, porque era tropa nossa que ia ao encalço dos turras. De imediato o Furriel Batista saltou da vala, todo irritado, quase à beira de um ataque de nervos, gritando:
- Não sabiam avisar, vocês, os profissionais!... Deixarem-nos disparar e atingir os nossos camaradas, que nós bem os ouvimos gritar!...
Graças a Deus que não acertámos em ninguém, eles gritavam a dizer para não dispararmos, que eram eles, tropa amiga.
Enfim, esta estória mostra duas vertentes: (i) a do Capitão, amigo do seu Cabo Escriturário, que escolheu aquele local, julgando que seria o melhor, quando o não foi, porque foi precisamente ali que se iniciou o ataque em grande potencial.; e (ii) e a do Comando, que teve uma grande falha ao não comunicar, via telefone de campanha que todos os postos tinham, para que não disparássemos porque iam sair grupos de combate no seu encalço.
Transcrevo o descrito em Ordem de Serviço:
GRUPO IN, ESTIMADO EM 100 ELEMENTOS, FLAGELOU NOVA LAMEGO DE OESTE (PISTAS E QUARTEL NOVO), COM RPGS 2 E 7 E ARMAS LIGEIRAS DURANTE 10 MINUTOS. AS NT REAGIRAM PELO FOGO E MANOBRA DE INTERCEPÇÃO, TENDO O IN RETIRADO PRECIPITADAMENTE. AS NT SOFRERAM 8 FERIDOS (4 GRAVES) E A POPULAÇÃO CIVIL 4 FERIDOS (1H-3M).
Dia 03/ABR/1971 (2)
Um AbraçoTino Neves
1º Cabo Escriturário
CCS/BCAÇ 2893
Nova Lamego (Gabú)
1969/71
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 3 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71).
(2) Vd. último post do Tino Neves > 5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1647: Estórias do Gabu (2): A Spinolândia (Tino Neves)
Foto: © Tino Neves (2006). Direitos reservados.
1. Texto do nosso camarada Tino Neves (1) a quem agradeço o envio periódico destas pequenas estórias ou croniquetas (2) que nos ajudam a reconstituir ou reconstruir o quotidiano das nossas vidas de caserna, no tempo da guerra da Guiné, há trinta e quarenta anos atrás:
Camarada Luís:
Vou contar um pequena estória passada comigo. Uma noite, estava eu na Vila de Nova Lamego, com a intenção de ir ao cinema. O Aquartelamento do Batalhão, o Quartel Novo, ficava a 1 Km da Vila. Chega junto de mim um jipe, conduzido pelo Soldado Condutor Loupas, pedindo para que o ajudasse a passar a palavra a todos os camaradas, que se juntassem todos junto da porta do cinema, que logo viria uma Berliet buscá-los a todos, porque tínhamos recebido uma mensagem de que vinha em nossa direcção um grupo de turras para nos atacar.
Assim foi. Após todos terem sido transportados para o quartel, o meu Comandante da CCS, o Sr. Capitão Miliciano Herlânder Loureiro Rodrigues, mandou todos irem-se equipar e armar, em seguida formar na parada, que ele os iria distribuir pelas valas e postos ao redor do quartel.
Estando quase todos distribuídos e faltando ainda eu, perguntei:
-Meu Capitão, então, aonde fico eu?
-Tu ficas aqui, porque os turras vêm daquele lado!
-OK, obrigado! - Agradeci.
Enquanto esperamos a chegada dos turras, tínhamos o hábito de, nas valas, estendermos umas tábuas por cima e deitarmo-nos sobre elas, com mostra a foto junto. Estávamos bastante descontraídos a ouvir o som da selva e vozes e palmas de bajudas a cantarolar, ali perto.
Pela minha parte, eu estava com muita atenção - como era hábito, diga-se de passagem, já que não brincava em serviço (quando estava de reforço), nem deixava que fumassem junto a mim e às claras (se o quisessem fumar, teriam que o fazer como eu, abaixar-se dentro da vala e cobrir o cigarro com o quico, para anular o clarão.
A um determinado momento, notei que as bajudas tinham deixado de cantar e que se podia ouvir... o som da selva, em silêncio, para além do ladrar de um cão. De imediato, alertei para esse pormenor o Furriel Miliciano Batista, que se encontrava a meu lado, respondendo-me ele logo de seguida:
- Tens razão, todos para baixo.
Dito isso, passa por cima de nós um roquete (que foi o sinal dos guerrilheiros para o início do ataque), e logo de seguida várias rajadas de balas tracejantes a rasparem a nossa posição, mas logo um soldado condutor que tinha ao seu dispor uma metralhadora Dryse (leia-se Draise), começou logo a disparar e nós, ao ver a sua coragem, de imediato também começámos a disparar as nossas G3. Em poucos segundos estávamos todos tão empolgados, só faltava saltar da vala e ir atrás deles.
Eles não esperavam a nossa reacção tão rápida e comtão grande potencial, pois perto de nós estava uma antiaérea de 4 canos, não me recordo o calibre, mas era um espectáculo de balas tracejantes, 4 canos a disparar ao mesmo tempo!
Acabado o ataque, ficámos todos parados e em silêncio, aguardando possível novo ataque, quando eu novamente reparo nuns vultos a passarem a correr à nossa frente, mas do lado de fora do arame farpado. Alertei novamente o Furriel Batista que de imediato grita:
- Lá vão eles outra vez! - e fizemos fogo e do outro lado ouvimos gritar. Entusiasmados, gritávamos:
-Tomem, seus cabrões...
Nisto aparece o nosso 2º Comandante aos gritos, para que nós não disparássemos, porque era tropa nossa que ia ao encalço dos turras. De imediato o Furriel Batista saltou da vala, todo irritado, quase à beira de um ataque de nervos, gritando:
- Não sabiam avisar, vocês, os profissionais!... Deixarem-nos disparar e atingir os nossos camaradas, que nós bem os ouvimos gritar!...
Graças a Deus que não acertámos em ninguém, eles gritavam a dizer para não dispararmos, que eram eles, tropa amiga.
Enfim, esta estória mostra duas vertentes: (i) a do Capitão, amigo do seu Cabo Escriturário, que escolheu aquele local, julgando que seria o melhor, quando o não foi, porque foi precisamente ali que se iniciou o ataque em grande potencial.; e (ii) e a do Comando, que teve uma grande falha ao não comunicar, via telefone de campanha que todos os postos tinham, para que não disparássemos porque iam sair grupos de combate no seu encalço.
Transcrevo o descrito em Ordem de Serviço:
GRUPO IN, ESTIMADO EM 100 ELEMENTOS, FLAGELOU NOVA LAMEGO DE OESTE (PISTAS E QUARTEL NOVO), COM RPGS 2 E 7 E ARMAS LIGEIRAS DURANTE 10 MINUTOS. AS NT REAGIRAM PELO FOGO E MANOBRA DE INTERCEPÇÃO, TENDO O IN RETIRADO PRECIPITADAMENTE. AS NT SOFRERAM 8 FERIDOS (4 GRAVES) E A POPULAÇÃO CIVIL 4 FERIDOS (1H-3M).
Dia 03/ABR/1971 (2)
Um AbraçoTino Neves
1º Cabo Escriturário
CCS/BCAÇ 2893
Nova Lamego (Gabú)
1969/71
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 3 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71).
(2) Vd. último post do Tino Neves > 5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1647: Estórias do Gabu (2): A Spinolândia (Tino Neves)
sexta-feira, 20 de abril de 2007
Guiné 63/74 - P1682: Estórias cabralianas (1): A mulher do Major e o castigo do Alferes (Jorge Cabral)
Guiné > Zona Leste > Sector L2 > Geba > CART 1690 > Destacamento de Banjara > 1968 > O abastecimento das NT era deficiente, pelo que se recorria aos produtos naturais da região...
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.
Este texto do Jorge Cabral foi originalmente publicada sob o post de 5 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum... (Luís Graça / Jorge Cabral).
Trata-se da primeira estória da série Estórias cabralianas. Reformula-se o título e passa a estar mais acessível, no presente blogue. O mesmo acontecerá com as estórias nºs. 2 e 3, que também não estavam identificadas como tal. Há, além disso, um duplicação: há duas estórias nº 5. Uma delas será republicada, com outra numeração.
Jorge Cabral foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. Era estudante universitário, em Lisboa, quando foi convocado para a tropa. Hoje é advogado e docente universitário. Ninguém melhor do que ele, no nosso blogue, para descrever, em traço grosso, numa frase, numa linha, uma situação-limite, um personagem de carne e osso, um ambiente de caserna, um episódio grotesco mas sempre humaníssimo, relativamente à nossa passagem pela Guiné...
Em tempos deixei-lhe este comentário do editor do blogue, do admirador, do camarada e do amigo (3):
É caso para dizer que ninguém podia invejar o lugar de comandante deste tipo de destacamentos, isolados, na linha de fronteira, na terra de ninguém, guarnecido por pelotões de caçadores nativos, mais uns tantos milícias com a família às costas e mais meia dúzia de quadros e especialistas de origem metropolitano, à beira do abismo, esquecidos e abandonados...
Amigos e camaradas da Guiné: não vejam
nestas estórias cabralianas qualquer propósito de ofender a instituição militar, mas tão apenas o relato das manifestações de uma saudável loucura, própria dos seres humanos que são postos à prova em situações-limite...
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.
Este texto do Jorge Cabral foi originalmente publicada sob o post de 5 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum... (Luís Graça / Jorge Cabral).
Trata-se da primeira estória da série Estórias cabralianas. Reformula-se o título e passa a estar mais acessível, no presente blogue. O mesmo acontecerá com as estórias nºs. 2 e 3, que também não estavam identificadas como tal. Há, além disso, um duplicação: há duas estórias nº 5. Uma delas será republicada, com outra numeração.
Jorge Cabral foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. Era estudante universitário, em Lisboa, quando foi convocado para a tropa. Hoje é advogado e docente universitário. Ninguém melhor do que ele, no nosso blogue, para descrever, em traço grosso, numa frase, numa linha, uma situação-limite, um personagem de carne e osso, um ambiente de caserna, um episódio grotesco mas sempre humaníssimo, relativamente à nossa passagem pela Guiné...
Em tempos deixei-lhe este comentário do editor do blogue, do admirador, do camarada e do amigo (3):
É caso para dizer que ninguém podia invejar o lugar de comandante deste tipo de destacamentos, isolados, na linha de fronteira, na terra de ninguém, guarnecido por pelotões de caçadores nativos, mais uns tantos milícias com a família às costas e mais meia dúzia de quadros e especialistas de origem metropolitano, à beira do abismo, esquecidos e abandonados...
Amigos e camaradas da Guiné: não vejam
nestas estórias cabralianas qualquer propósito de ofender a instituição militar, mas tão apenas o relato das manifestações de uma saudável loucura, própria dos seres humanos que são postos à prova em situações-limite...
Contrariamente a qualquer bestiário da guerra, as estórias cabralianas são um hino à idiossincrasia lusitana, à plasticidade comportamental dos nossos soldados, à enorme capacidade de resistência, de imaginação e de adaptação da nossa gente... Eu sei que as estórias do Jorge têm fãs e detractores... Eu, que estou do lado dos fãs, tiro-lhe o quico, e espero que ele não esgote este filão: ele é um grande observador da natureza humana e consegue também, em duas pinceladas, criar personagens e mostrar aquilo que é o único na espécie humana que é a compaixão (no seu sentido etimológico cum + passio > sofrimento comum, comunidade de sentimentos, partilha da dor).
Guiné > Zona Leste > Sector L2 > Geba > CART 1690 > Destacamento de Banjara > 1968 > Dia de rancho melhorado... A caça (e, muitas vezes, o roubo) era uma alternativa para as deficiências do abastecimento dos destacamentos isolados... "Este foi o melhor almoço", diz a legenda do fotógrafo.
Guiné > Zona Leste > Sector L2 > Geba > CART 1690 > Destacamento de Banjara > 1968 > Dia de rancho melhorado... A caça (e, muitas vezes, o roubo) era uma alternativa para as deficiências do abastecimento dos destacamentos isolados... "Este foi o melhor almoço", diz a legenda do fotógrafo.
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.
O Jorge, que enquanto estudante universitário devorou o Ionesco e o teatro do absurdo, não se coloca na situação, confortável, do marionetista... Ele faz parte, de alma e coração, da peça e do cenário...
Querido amigo e camarada: Não precisas de bagas do Sambaro no teu sapatinho para nos pores a sorrir e a pensar... Mas que o talento não te falte no Novo Ano que - dizem - aí vem, cheio de promessas, de ilusões e de ameaças como os todos os Novos Anos que já vivemos...
(LG)
_________________
O Jorge, que enquanto estudante universitário devorou o Ionesco e o teatro do absurdo, não se coloca na situação, confortável, do marionetista... Ele faz parte, de alma e coração, da peça e do cenário...
Querido amigo e camarada: Não precisas de bagas do Sambaro no teu sapatinho para nos pores a sorrir e a pensar... Mas que o talento não te falte no Novo Ano que - dizem - aí vem, cheio de promessas, de ilusões e de ameaças como os todos os Novos Anos que já vivemos...
(LG)
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Estórias cabralianas (1) - A mulher do Major e o castigo do Cabral
por Jorge Cabral
Quando de Missirá me deslocava a Bambadinca, seguia sempre a mesma rotina. Primeiro visitava o Bar do Soldado, até porque aí tinha que liquidar as despesas alcoólicas efectuadas pelo meu Soldado Ocamari Nanque, que se encontrava preso.
Desta personagem, que depois passou a ordenança do Polidoro Monteiro (1), papel gordo do Biombo, ex-soldado na Índia, falarei um dia (2).
Feitas as contas, bem acompanhadas de várias libações e seguindo uma hierarquia ascendente, passava ao Bar dos Sargentos, onde continuava a matar a sede e só por fim aterrava no Bar dos Oficiais.
Naquele dia quando entrei fiquei surpreendido. Além do simpático e solícito barman, apenas uma branca jovem senhora ali se encontrava. Desconhecendo em absoluto de quem se tratava, reparei que a mesma ficou espantada com a minha aparição. (Na verdade o meu aspecto não era muito civilizado. Enlameado até ao peito – havia atravessado a bolanha de Finete, ostentava um estrambólico bigode e amparava-me num pingalim-bengala prateado).
Logo da porta encomendei:
- Rapaz, uma sandes de chocolate e um whisky quádruplo - e, vendo pelo canto do olho a reacção da dama, iniciei um absurdo monólogo sobre a minha dieta alimentar:
- Ando cheio de fome, os presuntos de macaco não me sabem a nada, a sopa de formigas causa-me azia, até a vinagrada de orelhas de turra me provoca urticária...
O espanto da jovem dera lugar ao pânico, até que entrou o Major, que vendo a mulher pálida e aterrada, se afligiu:
– Que tens, querida? Estás mal disposta? Olha, apresento-te o Alferes Cabral, de Missirá.
Não me estendeu a mão, nada balbuciou, saiu quase a correr…
Logo nessa noite recebi uma mensagem:
- Alferes Cabral proibido de se deslocar a Bambadinca, durante sessenta dias.
Cumprido o castigo voltei, mas nunca mais vi a mulher do Major. Contaram-me que a avisavam logo que eu entrava no quartel...
_______
Notas de L.G.
(1) Tenente-coronel, spinolista, último comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) na altura em que os quadros metropolitanos da CCAÇ 12 foram rendidos individualmente (Fevereiro/Março de 1971). Já falecido.
(2) Vd. post de 3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro (Jorge Cabral)
(3) Vd. post de 14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa (Jorge Cabral)
por Jorge Cabral
Quando de Missirá me deslocava a Bambadinca, seguia sempre a mesma rotina. Primeiro visitava o Bar do Soldado, até porque aí tinha que liquidar as despesas alcoólicas efectuadas pelo meu Soldado Ocamari Nanque, que se encontrava preso.
Desta personagem, que depois passou a ordenança do Polidoro Monteiro (1), papel gordo do Biombo, ex-soldado na Índia, falarei um dia (2).
Feitas as contas, bem acompanhadas de várias libações e seguindo uma hierarquia ascendente, passava ao Bar dos Sargentos, onde continuava a matar a sede e só por fim aterrava no Bar dos Oficiais.
Naquele dia quando entrei fiquei surpreendido. Além do simpático e solícito barman, apenas uma branca jovem senhora ali se encontrava. Desconhecendo em absoluto de quem se tratava, reparei que a mesma ficou espantada com a minha aparição. (Na verdade o meu aspecto não era muito civilizado. Enlameado até ao peito – havia atravessado a bolanha de Finete, ostentava um estrambólico bigode e amparava-me num pingalim-bengala prateado).
Logo da porta encomendei:
- Rapaz, uma sandes de chocolate e um whisky quádruplo - e, vendo pelo canto do olho a reacção da dama, iniciei um absurdo monólogo sobre a minha dieta alimentar:
- Ando cheio de fome, os presuntos de macaco não me sabem a nada, a sopa de formigas causa-me azia, até a vinagrada de orelhas de turra me provoca urticária...
O espanto da jovem dera lugar ao pânico, até que entrou o Major, que vendo a mulher pálida e aterrada, se afligiu:
– Que tens, querida? Estás mal disposta? Olha, apresento-te o Alferes Cabral, de Missirá.
Não me estendeu a mão, nada balbuciou, saiu quase a correr…
Logo nessa noite recebi uma mensagem:
- Alferes Cabral proibido de se deslocar a Bambadinca, durante sessenta dias.
Cumprido o castigo voltei, mas nunca mais vi a mulher do Major. Contaram-me que a avisavam logo que eu entrava no quartel...
_______
Notas de L.G.
(1) Tenente-coronel, spinolista, último comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) na altura em que os quadros metropolitanos da CCAÇ 12 foram rendidos individualmente (Fevereiro/Março de 1971). Já falecido.
(2) Vd. post de 3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro (Jorge Cabral)
(3) Vd. post de 14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa (Jorge Cabral)
Guiné 63/74 - P1681: Efemérides (4): Lista dos mortos no Quirafo (José Martins)
1. Lista dos camaradas que tombaram na emboscada de Quirafo, em 17 de Abril de 1972, de acordo com a pesquisa feita pelo José Marcelino Martins, membro da nossa tertúlia. Todos eles pertenciam ao Exército, e eram oriundos do Regimento de Infantaria 2 (RI 2), com sede em Abrantes. Julgo que pertenciam todos à CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74).
Entre parênteses, indica-se o nome da terra de naturalidade (Infelizmente, falta a indicação do respectivo concelho). Repare-se que faltam os nomes de dois camaradas, já que o número de mortos terá de 11, entre o pessoal do exército, mais cinco milícias e um número indeterminado de civis.
Nome / Posto / Local de nascimento
ANTÓNIO DA SILVA BATISTA / Soldado / Moreira
ANTÓNIO DE MOURA MOREIRA / Soldado / São Cosme
ANTÓNIO FERREIRA / 1º Cabo / Cedofeita
ANTÓNIO MARQUES PEREIRA / Soldado / Fátima
ARMANDINO DA SILVA RIBEIRO / Alferes Mil / Magueija
BERNARDINO RAMOS DE OLIVEIRA / Soldado / Afonsim-Pedregoso
FRANCISCO OLIVEIRA DOS SANTOS / Furriel Mil / Marinha-Ovar
SÉRGIO DA COSTA PINTO REBELO / 1º Cabo / Samil-Vila Chã de S. Roque
ZÓZIMO DE AZEVEDO / Soldado / Alpendura [,provavelmente Alpendurada, Marco de Canaveses]
RIP (Descansem em Paz!)
2. Em data posterior, o José Martins efectuou, a meu pedido, uma pesquisa mais detallahada. Aqui vão os resultados, com os meus agradecimentos a este generoso e diligente camarada:
Em 17 de Abril de 1972, durante uma operação na picada entre Madina Bucô e Quirafo, a Companhia de Caçadores nº 3490, sofreu as seguintes baixas mortais:
(i) ANTÓNIO FERREIRA, 1º Cabo Radiotelegrafista número 08845271, natural da freguesia de Cedofeita, concelho do Porto, filho de Alexandrina dos Santos Ferreira e casado com Cidália Corina Pereira da Cunha. Foi inumado no Talhão Privativo para militares mortos no Ultramar, no Cemitério Paroquial de Águas Santas no concelho da Maia.
(ii) ANTÓNIO MARQUES PEREIRA, Soldado Atirador número 09334069, natural de Pedreira, freguesia de Fátima e concelho de Vila Nova de Ourém, filho de Edmundo de Jesus Pereira e Maria de Jesus Marques Pereira, solteiro. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Fátima.
(iii) ANTÓNIO DE MOURA MOREIRA, Soldado Atirador número 11117671, natural da freguesia de São Cosme e concelho de Gondomar, filho de Jerónimo Moreira e Ana Moreira de Moura, solteiro. Foi inumado no Cemitério Paroquial de São Cosme.
(iv) ANTÓNIO DA SILVA BATISTA, Soldado, natural da freguesia de Moreira e concelho da Maia. Nada mais consta.
(v) ARMANDINO DA SILVA RIBEIRO, Alferes Miliciano de Infantaria número 00788271, natural da freguesia de Magueija e concelho de Lamego, filho de Alexandrino Ribeiro e Deolinda da Silva Ribeiro, solteiro. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Magueija.
(vi) BERNARDINO RAMOS DE OLIVEIRA, Soldado Atirador número 10665171, natural da freguesia de Pedroso e concelho de Vila Nova de Gaia, filho de Fernando Rodrigues de Oliveira e Maria Carneiro Ramos, solteiro. Foi inumado no Cemitério do Olival – Vila Nova de Gaia.
(vii) FRANCISCO OLIVEIRA DOS SANTOS, Furriel Miliciano Atirador número 01142371, natural da freguesia e concelho de Ovar, filho de Bernardino Lopes dos Santos e Maria do Céu Oliveira, solteiro. Foi inumado no Cemitério Municipal de Ovar.
(viii) SÉRGIO DA COSTA PINTO REBELO, 1º Cabo Apontador de Metralhadora número 14964771, natural de Samil freguesia de Vila Chã de São Roque e concelho de Oliveira de Azemeis, filho de Augusto da Costa Pinto Rebelo e Maria Augusta Gomes da Costa, solteiro. Foi inumado no Cemitério de Vila Chã de São Roque.
(ix) ZÓZIMO DE AZEVEDO, Soldado Atirador número 10896771, natural da freguesia de Alpendurada e concelho de Marco de Canavezes, filho de Amélia Rosa da Silva, solteiro. Foi inumado no Cemitério de Agramonte, no Porto.
(x) DEMBU JAU, Sargento Milícia número 044665, natural de Sinchã Nhacomi freguesia de Nossa Senhora da Graça e concelho de Bafatá, filho de Samba Baldé e Nhaió Jau, casado com Nhima Balde, Dabel Balde e Ansato Baldé. Foi inumado em local não indicado.
(xi) SERIFO BALDÉ, Assalariado, natural da freguesia de Madina Bucô e concelho de Bafatá, filho de Mamadu Baldé e Cuba Baldé, casado com Taibo Baldé. Foi inumado em local não indicado.
(xii) TIJANE BALDÉ, Assalariado, natural de Casamangue freguesia de Xitole e concelho de Bafatá, casado com Cadijato Jamanca e Auá Embaló. Foi inumado em local não indicado.
José Marcelino Martins
Pesquisa, adaptação e condensação
Material consultado:
Resenha Histórica Militar das Campanhas de Africa
Volume 7º - Tomo II – Fichas das Unidades
Volume 8º – Tomo II – Livro 2 – Mortos em Campanha
20 de Abril de 2007
PS - No registo dos Mortos em Campanha referido, não aparece o nome de António da Silva Batista. Só aparece no site da Liga, donde retirei os elementos, poucos, que refiro. Dos milícias apenas aparece o nome de um, bem como de dois assalariados.
___________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1669: Efemérides (1): A tragédia do Quirafo, há 35 anos (Paulo Santiago / Vitor Junqueira / Luís Graça)
18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1674: Efemérides (3): A tragédia do Quirafo: rezar pelos mortos e perdoar aos vivos (Joaquim Mexia Alves)
22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1104: Homenagem ao Alf Mil Op Especiais Armandino, da CCAÇ 3490, morto na emboscada de Quirafo (Joaquim Mexia Alves)
Entre parênteses, indica-se o nome da terra de naturalidade (Infelizmente, falta a indicação do respectivo concelho). Repare-se que faltam os nomes de dois camaradas, já que o número de mortos terá de 11, entre o pessoal do exército, mais cinco milícias e um número indeterminado de civis.
Nome / Posto / Local de nascimento
ANTÓNIO DA SILVA BATISTA / Soldado / Moreira
ANTÓNIO DE MOURA MOREIRA / Soldado / São Cosme
ANTÓNIO FERREIRA / 1º Cabo / Cedofeita
ANTÓNIO MARQUES PEREIRA / Soldado / Fátima
ARMANDINO DA SILVA RIBEIRO / Alferes Mil / Magueija
BERNARDINO RAMOS DE OLIVEIRA / Soldado / Afonsim-Pedregoso
FRANCISCO OLIVEIRA DOS SANTOS / Furriel Mil / Marinha-Ovar
SÉRGIO DA COSTA PINTO REBELO / 1º Cabo / Samil-Vila Chã de S. Roque
ZÓZIMO DE AZEVEDO / Soldado / Alpendura [,provavelmente Alpendurada, Marco de Canaveses]
RIP (Descansem em Paz!)
2. Em data posterior, o José Martins efectuou, a meu pedido, uma pesquisa mais detallahada. Aqui vão os resultados, com os meus agradecimentos a este generoso e diligente camarada:
Em 17 de Abril de 1972, durante uma operação na picada entre Madina Bucô e Quirafo, a Companhia de Caçadores nº 3490, sofreu as seguintes baixas mortais:
(i) ANTÓNIO FERREIRA, 1º Cabo Radiotelegrafista número 08845271, natural da freguesia de Cedofeita, concelho do Porto, filho de Alexandrina dos Santos Ferreira e casado com Cidália Corina Pereira da Cunha. Foi inumado no Talhão Privativo para militares mortos no Ultramar, no Cemitério Paroquial de Águas Santas no concelho da Maia.
(ii) ANTÓNIO MARQUES PEREIRA, Soldado Atirador número 09334069, natural de Pedreira, freguesia de Fátima e concelho de Vila Nova de Ourém, filho de Edmundo de Jesus Pereira e Maria de Jesus Marques Pereira, solteiro. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Fátima.
(iii) ANTÓNIO DE MOURA MOREIRA, Soldado Atirador número 11117671, natural da freguesia de São Cosme e concelho de Gondomar, filho de Jerónimo Moreira e Ana Moreira de Moura, solteiro. Foi inumado no Cemitério Paroquial de São Cosme.
(iv) ANTÓNIO DA SILVA BATISTA, Soldado, natural da freguesia de Moreira e concelho da Maia. Nada mais consta.
(v) ARMANDINO DA SILVA RIBEIRO, Alferes Miliciano de Infantaria número 00788271, natural da freguesia de Magueija e concelho de Lamego, filho de Alexandrino Ribeiro e Deolinda da Silva Ribeiro, solteiro. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Magueija.
(vi) BERNARDINO RAMOS DE OLIVEIRA, Soldado Atirador número 10665171, natural da freguesia de Pedroso e concelho de Vila Nova de Gaia, filho de Fernando Rodrigues de Oliveira e Maria Carneiro Ramos, solteiro. Foi inumado no Cemitério do Olival – Vila Nova de Gaia.
(vii) FRANCISCO OLIVEIRA DOS SANTOS, Furriel Miliciano Atirador número 01142371, natural da freguesia e concelho de Ovar, filho de Bernardino Lopes dos Santos e Maria do Céu Oliveira, solteiro. Foi inumado no Cemitério Municipal de Ovar.
(viii) SÉRGIO DA COSTA PINTO REBELO, 1º Cabo Apontador de Metralhadora número 14964771, natural de Samil freguesia de Vila Chã de São Roque e concelho de Oliveira de Azemeis, filho de Augusto da Costa Pinto Rebelo e Maria Augusta Gomes da Costa, solteiro. Foi inumado no Cemitério de Vila Chã de São Roque.
(ix) ZÓZIMO DE AZEVEDO, Soldado Atirador número 10896771, natural da freguesia de Alpendurada e concelho de Marco de Canavezes, filho de Amélia Rosa da Silva, solteiro. Foi inumado no Cemitério de Agramonte, no Porto.
(x) DEMBU JAU, Sargento Milícia número 044665, natural de Sinchã Nhacomi freguesia de Nossa Senhora da Graça e concelho de Bafatá, filho de Samba Baldé e Nhaió Jau, casado com Nhima Balde, Dabel Balde e Ansato Baldé. Foi inumado em local não indicado.
(xi) SERIFO BALDÉ, Assalariado, natural da freguesia de Madina Bucô e concelho de Bafatá, filho de Mamadu Baldé e Cuba Baldé, casado com Taibo Baldé. Foi inumado em local não indicado.
(xii) TIJANE BALDÉ, Assalariado, natural de Casamangue freguesia de Xitole e concelho de Bafatá, casado com Cadijato Jamanca e Auá Embaló. Foi inumado em local não indicado.
José Marcelino Martins
Pesquisa, adaptação e condensação
Material consultado:
Resenha Histórica Militar das Campanhas de Africa
Volume 7º - Tomo II – Fichas das Unidades
Volume 8º – Tomo II – Livro 2 – Mortos em Campanha
20 de Abril de 2007
PS - No registo dos Mortos em Campanha referido, não aparece o nome de António da Silva Batista. Só aparece no site da Liga, donde retirei os elementos, poucos, que refiro. Dos milícias apenas aparece o nome de um, bem como de dois assalariados.
___________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1669: Efemérides (1): A tragédia do Quirafo, há 35 anos (Paulo Santiago / Vitor Junqueira / Luís Graça)
18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1674: Efemérides (3): A tragédia do Quirafo: rezar pelos mortos e perdoar aos vivos (Joaquim Mexia Alves)
22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1104: Homenagem ao Alf Mil Op Especiais Armandino, da CCAÇ 3490, morto na emboscada de Quirafo (Joaquim Mexia Alves)
Guiné 63/74 - P1680: Operação Macaréu á Vista (Beja Santos) (42): O Tigre de Missirá volta a rugir
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1968 > O Furriel Miliciano Luís Casanova, o fotógrafo em actividade. Em primeiro plano, uma das crianças de Missirá. "O Casanova é um dos meus mais agudos problemas de consciência. Chegou no final de Agosto [de 1968] a Missirá e, progressivamente, tornou-se o meu interino. Chegou muito triste, procurando estudar seres humanos e situações. Depois levantou voo, foi imaginativo e um grande colaborador. Distrai-me e não dei pela sua exaustão. Quando partiu com um colapso nervoso é que me apercebi do peso da sua ausência. Ele foi a minha rectaguarda, confiei-lhe as contas e a sorte dos aquartelamentos sempre que estava no mato" (BS).
Foto e legenda: © Beja Santos (2007). (Com a devida vénia ao Luís Casanova, que foi o fotógrafo, e que era furriel miliciano no Pel Caç Nat 52). Direitos reservados.
Belíssima capa do célebre livro policial de Agatha Christie, passado em África, no Nilo, no Egipto, O Barco da Morte. Lisboa: Livros do Brasil. s/d. (Colecção Vampiro, 4). A propósito deste tipo de literatura, escreve o nosso Beja Santos: "No torpor do cansaço, ainda remexo nos meus policiais de devoção, onde incluo Ellery Queen, Frank Gruber e Mickey Spillane. Um dia destes, falo-vos da companhia que estes autores consagrados de uma literatura injustamente classificada como entretenimento, me dão nos silêncios destas noites de Missirá, ainda poupadas às flagelações".
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
42ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado em 21 de Março de 2007.
Caro Luís, para além dos livros do costume que vêm citados neste texto, segue uma cartinha de um tal Bacari Cissé diz o seguinte:
"Meu querido alferes, faça-me o favor de arranjar um livro da 1ª classe que eu também andava na escola mas peço-te este livro pelo teu bom nome que ouço constantemente. Os teus amigos que me dizem sempre do teu bom nome. Eu chamo-me Bacari Cissé, o teu soldado Quebá Cissé mora na casa do meu irmão".
Não seria mau voltares a insistir na tertúlia com a revelação deste tipo de mensagens, pois seguramente todos nós recebemos milhares de pedidos, prova de confiança nestes militares que por acaso até faziam a guerra mas que contribuiam para moldar o quotidiano de uma sociedade em movimento. Sugiro como ilustrações duas fotografias de crianças que te enviei no conjunto de fotografias do Luís Casanova. Hoje retomamos a prosa habitual mas o formato epístolar reaparecerá em breve.
Um abraço do Mário.
___________
O Tigre volta a rugir
por Beja Santos
No fim de Abril [de 1969], enquanto se reconstroem a um excelente ritmo as cubatas e os abrigos estão de pé, prontos para nova flagelação, a burocracia tolhe-nos os patrulhamentos e as emboscadas. São os autos de abate, infindáveis, são os autos por ferimentos em combate, o Setúbal reclama peças do Unimog, o Alcino recorda que desapareceram mais dois cantis e seis carregadores, a população civil está novamente sem arroz devido à falta de barcos já que o Geba se transformou numa auto-estrada que transporta a toda hora novos contigentes militares.
O sector L1, no rescaldo da Lança Afiada (2), prepara-se para ir confirmar os resultados nas matas que envolvem Xitole, Mansambo e Xime. Começa a chuviscar quase todas as manhãs, felizmente os blocos de adobe estão prontos e protegidos por oleados, aproveitando-se todas as abertas para a conclusão das obras.
Com o auxílio do furriel Pires enviei para Bissau a resposta a novos quesitos sobre o recurso interposto da minha punição: voltei a explicar todas as medidas de segurança tomadas entre Agosto e o presente, as actividades de arrumação em função das infra-estruturas existentes, o meu relacionamento com a população civil nesta situação original do aquartelamento estar submetido ao funcionamento de uma tabanca mandinga onde pontifica a vontade do régulo. O meu abrigo está praticamente concluído, o Teixeira reboca, o Gibrilo põe esteiras no tecto, Tomani Sanhá e Ussumane Baldé consolidam as frestas por onde a Dreyse pode fazer fogo.
Eu trabalho no abrigo do Casanova, são 10h da noite, excepcionalmente recebo o chefe da tabanca Mussá Mané que reclama uma coluna para em desespero ir tentar encontrar arroz na região de Galomaro ou mesmo Bafatá. Estão presentes Quebá Soncó e Domingos Lopes da Costa que ajuda a interpretar as frases mais difíceis. É nisto que se ouve ao longe o vomitar de duas costureirinhas, o estrondo de uma explosão, silêncio e a seguir a cadência de tiros isolados que nos pareceram pistolas. Pergunto de onde vem este fogo e Quebá responde prontamente que é do outro lado do rio, em Mero ou proximidades.
Pimbas: amor com amor se paga...
Previa sair para Mato de Cão às 4h da tarde e de imediato altero a agenda da saída, tendo convocado 30 homens às 6h da manhã, com rações de combate e água para 24 horas. Mussá Mané, que de manhã sairá para Finete com civis armados de Mauser, leva uma carta para o Pimbas onde terei escrito o seguinte:
"Meu Comandante, há a registar fogo a noite passada na região de Mero. Ou foi gente da população a perseguir um grupo de Madina ou foram tropas de Bambadinca a emboscar grupos que vieram reabastecer-se. Vou de manhã cedo saber o que se passa do meu lado e depois sigo para Mato de Cão. Por favor, esclareça o que se passou e dentro de dois dias falamos".
Chuvisca teimosamente quando vamos directamente de Missirá pela estrada que leva à Aldeia de Cuor subindo para Undarael, contornando os palmares de Gambiel, subindo até Bucol, descendo até ao Geba em frente a Fá Mandinga e pela estrada da Aldeia de Cuor até Cansonco. Não há indícios de presença humana, com os binóculos vejo as populações a cultivar as bolanhas à volta de Mero e Fá Balanta. De Gã Joaquim descemos até Flaque Dulo, depois Boa Esperança e sempre a contornar a bolanha chegamos ao fim da manhã a Finete.
Reuno-me com Bacari e peço-lhe conselho. Para Bacari terá sido uma refrega entre balantas já que o tiroteio só envolveu armas soviéticas. Ao amanhecer, ele fora até junto ao rio, e os trabalhos agrícolas decorriam normalmente em Santa Helena e Ponta Nova. Aproveito para ver as obras em Finete e partimos para Mato de Cão. A estrada está visivelmente marcada pela presença humana e vestígios de vacas, a chuva ajuda-nos a interpretar o terreno molhado entre Gambaná e os palmares de Chicri. Curiosamente, o grupo que recentemente passou por aqui prosseguiu até junto dos palmares de Mato de Cão e junto do pontão de Saliquinhé subiu para Madina. Tomo nota, em breve vou esperá-los aqui, dentro do mato cerrado.
Voltámos ao fim da tarde e Mussá Mané entrega-me uma carta do Pimbas e um maço de correio. Diz o Pimbas:
"Não te preocupes, não fomos nós nem o pelotão de Fá. Dei instruções para esclarecer a situação. Não temos meios para controlar toda a margem do rio, vê se os emboscas e divides connosco as vacas que apanhares. Aparece, pois precisamos de ti numa operação. Por favor, não peças mais arame farpado, nem cimento, nem munições. Tens sido um privilegiado, se um dia fôssemos atacados tu terias a obrigação de nos vir cá trazer os cartuchos que nos fazem falta". Mal sabia o Pimbas que na noite de 28 de Maio iríamos cumprir a nossa obrigação com o BCAÇ 2852.
Pondo o correio em dia
Lavado e jantado, examinada a escala de reforços, tendo discutido a divisão de tarefas administrativas para a manhã seguinte, leio o meu correio . Tenho labaredas e queixumes de familiares. A Cristina fala na eventualidade de um casamento de procuração e vir dar aulas em Bissau. Recordo que nessa noite, quando responder à Cristina irei pedir-lhe uma certidão completa narrativa numa Conservatória do Registo Civil ali para S. Vicente de Flora, numa travessa íngreme que leva a Santa Apolónia. Também nessa noite irei pedir à minha mãe uma certidão de baptismo.
O Major Bispo, antigo 2º Comandante de Batalhão, escreve-me de Bissau onde está colocado, falando-me na eventualidade de, quando cessar a minha comissão em Missirá o ir ajudar no plano de reordenamentos de população, um pouco por toda a Guiné. Estranho a oferta, naquele tempo ainda se cumpriam 12 meses no teatro de operações e outros 12 em teatros de instrução ou secretaria, mas já se falava também que o comandante-chefe teria decidido que essas rotações iam findar.
Um tribunal militar em Bissau informa-me que vou ser chamado a depor no julgamento do nosso Ieró Djaló que adormecera na Anda Cá e deixara fugir o Aruma. É uma noite plácida, tenho o corpo entorpecido a reclamar na quietude uma ou duas horas de leitura.
As crianças de Missirá através da poesia de Ruy Cinatti
Começo pela Crónica Cabo-verdiana, um livro do Ruy Cinatti escrito com o pseudónimo de Júlio Celso Delgado, datado de 1967. Trata-se de um relato forjado de um furriel açoreano colocado no Mindelo. É uma reconstituição brilhante da cultura cabo-verdiana e inclui um dos mais belos poemas que até hoje vi dedicado ao sofrimento infantil:
Que vêem os meus olhos senão o que vêem?
Barriga de esfera
à espera.
As pernas, dois ossos
mais estreitos que os pés.
Bracinhos-gravetos
que tampouco servem
para acender o lume.
E olhos enormes sem fundo na febre
e os dedos ruídos que enganam a fome.
São estes os filhos de Cabo Verde,
gritando na noite angústias sem nome!?
Que vêem meus olhos senão o que vêem?
A culpa dos pais a cair de bêbedos,
das mães que se vendem...
A culpa de quem nem sempre tem culpa?
Que vêem os meus olhos senão o que vêem?
As crianças riem,
correm, pulam, cantam
e jogam à bola.
Volteiam nas ondas melhor que os delfins.
E quando anoitece
na calma das ilhas
dormem sonos livres
de sonhos malévolos
Que vêem meus olhos senão o que vêem?
Alguns atletas
por via da raça
e de alguma carne.
Que vêem os meus olhos senão o que vêem?
Todos sabem ler
e decoram versos!
Que vêem meus olhos além do que vêem?
Todas têm alma
que oferecem, de graça,
a quem lhe quer bem.
São estas crianças
(mas quantas não morrem...)
que correm os mares
e marcam o mundo
com a nossa presença!
As crianças de Missirá, tenho na consciência, não passam fome e os meus olhos vêem crianças que brincam e labutam, que auxiliam e querem aprender. É um tempo em que procuro conhecer os costumes dos mandingas. Por isso passo dos poemas de Cinatti para um clássico da antropologia social: Padrões de cultura, da Ruth Benedict.
A famosa antropóloga recorda neste ensaio que nós, ocidentais andamos polarizados pela crença na uniformidade da conduta humana. O branco, em contacto com outras culturas, está convencido que os seus padrões de cultura sairão vencedores. Estamos cegos perante outras culturas, agarrados ao mito de que com os instrumentos da nossa civilização subordinaremos os outros graças a padrões superiores. Daí a necessidade de estudarmos as heranças culturais, matriz da tolerância e do diálogo entre culturas, cimentando os valores da diversidade. Este precioso ensaio a três povos bem diferenciados é um ponto de partida para se entender a relatividade social, a doutrina da esperança e de confiança em padrões de vida coexistentes, pondo-se assim termo ao racismo, à exploração colonial às superioridades religiosas e a outras formas de fanatismo. É bom ler Ruth Benedict e depois os usos e os costumes dos mandingas, procurando conhecer melhor estes homens que se movem com andar garboso como se fossem filhos de reis.
Às vezes fazem-me falta, mesmo muita falta, muitos dos livros consumidos pelas chamas, é uma saudade do retorno aos clássicos, desde o Padre Vieira, a Cervantes, a Moliére. Paciência, os entes queridos estão a reenviar combustível, o meu padrinho já escreveu a dizer que um barco há-de chegar a Bissau com William Faulkner, Henry James e William Golding, entre outros. O Comandante Teixeira da Mota faz saber que há mais estudos guineenses a caminho. Imprevistamente, o Carlos Sampaio manda-me O Estrangeiro, de Albert Camus.
Sou um homem bafejado pela riqueza da amizade. No torpor do cansaço, ainda remexo nos meus policiais de devoção, onde incluo Ellery Queen, Frank Gruber e Mickey Spillane. Um dia destes, falo-vos da companhia que estes autores consagrados de uma literatura injustamente classificada como entretenimento, me dão nos silêncios destas noites de Missirá, ainda poupadas às flagelações.
Os ataques, grandes e pequenos, serão uma constante em Julho, Agosto, Setembro e Outubro. Convém deixar esclarecido o leitor que aquele tiroteio em Mero, segundo apurou a força que foi o local e falou com o chefe de tabanca, tinha a ver com dois balantas que vinham numa coluna de Madina e que fugiram aos rebeldes. Tinham-se apresentado em Bambadinca e confirmaram que Madina/Belel estava em fase de reequipamento, trabalhando com o bigrupo de Banir e de Sara-Sarauol, preparando-se para uma ofensiva no Cuor.
Maio, o mês que vai começar, exigirá constantes acompanhamentos a essa auto-estrada do Geba, todos os dias vemos passar militares que irão preencher posições em todo o Leste. Nessas manhãs frias, quando eu me perfilo à sua passagem e os saúdo com entusiasmo, interrogo-me se um dia eles se recordarão destes vigilantes obscuros, estes anos da guarda que descem dos palmares até ao terrafe para lhes desejar saúde e uma boa missão.
Este Maio que vai começar será acompanhado de muitos tiroteios e lá para o fim tudo irá mudar em Bambadinca com o fim da sua inexpugnabilidade. Vamos ver.
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 13 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1657: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (41): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (3)
(2) Sobre a Sobre a Operação Lança Afiada (que mobilizou cerca de 1100 homens, entre combatentes e carregadores, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, durante dez dias e dez noites, de 8 a 18 de Março de 1969), vd. os seguintes posts:
31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
Foto e legenda: © Beja Santos (2007). (Com a devida vénia ao Luís Casanova, que foi o fotógrafo, e que era furriel miliciano no Pel Caç Nat 52). Direitos reservados.
Belíssima capa do célebre livro policial de Agatha Christie, passado em África, no Nilo, no Egipto, O Barco da Morte. Lisboa: Livros do Brasil. s/d. (Colecção Vampiro, 4). A propósito deste tipo de literatura, escreve o nosso Beja Santos: "No torpor do cansaço, ainda remexo nos meus policiais de devoção, onde incluo Ellery Queen, Frank Gruber e Mickey Spillane. Um dia destes, falo-vos da companhia que estes autores consagrados de uma literatura injustamente classificada como entretenimento, me dão nos silêncios destas noites de Missirá, ainda poupadas às flagelações".
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
42ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado em 21 de Março de 2007.
Caro Luís, para além dos livros do costume que vêm citados neste texto, segue uma cartinha de um tal Bacari Cissé diz o seguinte:
"Meu querido alferes, faça-me o favor de arranjar um livro da 1ª classe que eu também andava na escola mas peço-te este livro pelo teu bom nome que ouço constantemente. Os teus amigos que me dizem sempre do teu bom nome. Eu chamo-me Bacari Cissé, o teu soldado Quebá Cissé mora na casa do meu irmão".
Não seria mau voltares a insistir na tertúlia com a revelação deste tipo de mensagens, pois seguramente todos nós recebemos milhares de pedidos, prova de confiança nestes militares que por acaso até faziam a guerra mas que contribuiam para moldar o quotidiano de uma sociedade em movimento. Sugiro como ilustrações duas fotografias de crianças que te enviei no conjunto de fotografias do Luís Casanova. Hoje retomamos a prosa habitual mas o formato epístolar reaparecerá em breve.
Um abraço do Mário.
___________
O Tigre volta a rugir
por Beja Santos
No fim de Abril [de 1969], enquanto se reconstroem a um excelente ritmo as cubatas e os abrigos estão de pé, prontos para nova flagelação, a burocracia tolhe-nos os patrulhamentos e as emboscadas. São os autos de abate, infindáveis, são os autos por ferimentos em combate, o Setúbal reclama peças do Unimog, o Alcino recorda que desapareceram mais dois cantis e seis carregadores, a população civil está novamente sem arroz devido à falta de barcos já que o Geba se transformou numa auto-estrada que transporta a toda hora novos contigentes militares.
O sector L1, no rescaldo da Lança Afiada (2), prepara-se para ir confirmar os resultados nas matas que envolvem Xitole, Mansambo e Xime. Começa a chuviscar quase todas as manhãs, felizmente os blocos de adobe estão prontos e protegidos por oleados, aproveitando-se todas as abertas para a conclusão das obras.
Com o auxílio do furriel Pires enviei para Bissau a resposta a novos quesitos sobre o recurso interposto da minha punição: voltei a explicar todas as medidas de segurança tomadas entre Agosto e o presente, as actividades de arrumação em função das infra-estruturas existentes, o meu relacionamento com a população civil nesta situação original do aquartelamento estar submetido ao funcionamento de uma tabanca mandinga onde pontifica a vontade do régulo. O meu abrigo está praticamente concluído, o Teixeira reboca, o Gibrilo põe esteiras no tecto, Tomani Sanhá e Ussumane Baldé consolidam as frestas por onde a Dreyse pode fazer fogo.
Eu trabalho no abrigo do Casanova, são 10h da noite, excepcionalmente recebo o chefe da tabanca Mussá Mané que reclama uma coluna para em desespero ir tentar encontrar arroz na região de Galomaro ou mesmo Bafatá. Estão presentes Quebá Soncó e Domingos Lopes da Costa que ajuda a interpretar as frases mais difíceis. É nisto que se ouve ao longe o vomitar de duas costureirinhas, o estrondo de uma explosão, silêncio e a seguir a cadência de tiros isolados que nos pareceram pistolas. Pergunto de onde vem este fogo e Quebá responde prontamente que é do outro lado do rio, em Mero ou proximidades.
Pimbas: amor com amor se paga...
Previa sair para Mato de Cão às 4h da tarde e de imediato altero a agenda da saída, tendo convocado 30 homens às 6h da manhã, com rações de combate e água para 24 horas. Mussá Mané, que de manhã sairá para Finete com civis armados de Mauser, leva uma carta para o Pimbas onde terei escrito o seguinte:
"Meu Comandante, há a registar fogo a noite passada na região de Mero. Ou foi gente da população a perseguir um grupo de Madina ou foram tropas de Bambadinca a emboscar grupos que vieram reabastecer-se. Vou de manhã cedo saber o que se passa do meu lado e depois sigo para Mato de Cão. Por favor, esclareça o que se passou e dentro de dois dias falamos".
Chuvisca teimosamente quando vamos directamente de Missirá pela estrada que leva à Aldeia de Cuor subindo para Undarael, contornando os palmares de Gambiel, subindo até Bucol, descendo até ao Geba em frente a Fá Mandinga e pela estrada da Aldeia de Cuor até Cansonco. Não há indícios de presença humana, com os binóculos vejo as populações a cultivar as bolanhas à volta de Mero e Fá Balanta. De Gã Joaquim descemos até Flaque Dulo, depois Boa Esperança e sempre a contornar a bolanha chegamos ao fim da manhã a Finete.
Reuno-me com Bacari e peço-lhe conselho. Para Bacari terá sido uma refrega entre balantas já que o tiroteio só envolveu armas soviéticas. Ao amanhecer, ele fora até junto ao rio, e os trabalhos agrícolas decorriam normalmente em Santa Helena e Ponta Nova. Aproveito para ver as obras em Finete e partimos para Mato de Cão. A estrada está visivelmente marcada pela presença humana e vestígios de vacas, a chuva ajuda-nos a interpretar o terreno molhado entre Gambaná e os palmares de Chicri. Curiosamente, o grupo que recentemente passou por aqui prosseguiu até junto dos palmares de Mato de Cão e junto do pontão de Saliquinhé subiu para Madina. Tomo nota, em breve vou esperá-los aqui, dentro do mato cerrado.
Voltámos ao fim da tarde e Mussá Mané entrega-me uma carta do Pimbas e um maço de correio. Diz o Pimbas:
"Não te preocupes, não fomos nós nem o pelotão de Fá. Dei instruções para esclarecer a situação. Não temos meios para controlar toda a margem do rio, vê se os emboscas e divides connosco as vacas que apanhares. Aparece, pois precisamos de ti numa operação. Por favor, não peças mais arame farpado, nem cimento, nem munições. Tens sido um privilegiado, se um dia fôssemos atacados tu terias a obrigação de nos vir cá trazer os cartuchos que nos fazem falta". Mal sabia o Pimbas que na noite de 28 de Maio iríamos cumprir a nossa obrigação com o BCAÇ 2852.
Pondo o correio em dia
Lavado e jantado, examinada a escala de reforços, tendo discutido a divisão de tarefas administrativas para a manhã seguinte, leio o meu correio . Tenho labaredas e queixumes de familiares. A Cristina fala na eventualidade de um casamento de procuração e vir dar aulas em Bissau. Recordo que nessa noite, quando responder à Cristina irei pedir-lhe uma certidão completa narrativa numa Conservatória do Registo Civil ali para S. Vicente de Flora, numa travessa íngreme que leva a Santa Apolónia. Também nessa noite irei pedir à minha mãe uma certidão de baptismo.
O Major Bispo, antigo 2º Comandante de Batalhão, escreve-me de Bissau onde está colocado, falando-me na eventualidade de, quando cessar a minha comissão em Missirá o ir ajudar no plano de reordenamentos de população, um pouco por toda a Guiné. Estranho a oferta, naquele tempo ainda se cumpriam 12 meses no teatro de operações e outros 12 em teatros de instrução ou secretaria, mas já se falava também que o comandante-chefe teria decidido que essas rotações iam findar.
Um tribunal militar em Bissau informa-me que vou ser chamado a depor no julgamento do nosso Ieró Djaló que adormecera na Anda Cá e deixara fugir o Aruma. É uma noite plácida, tenho o corpo entorpecido a reclamar na quietude uma ou duas horas de leitura.
As crianças de Missirá através da poesia de Ruy Cinatti
Começo pela Crónica Cabo-verdiana, um livro do Ruy Cinatti escrito com o pseudónimo de Júlio Celso Delgado, datado de 1967. Trata-se de um relato forjado de um furriel açoreano colocado no Mindelo. É uma reconstituição brilhante da cultura cabo-verdiana e inclui um dos mais belos poemas que até hoje vi dedicado ao sofrimento infantil:
Que vêem os meus olhos senão o que vêem?
Barriga de esfera
à espera.
As pernas, dois ossos
mais estreitos que os pés.
Bracinhos-gravetos
que tampouco servem
para acender o lume.
E olhos enormes sem fundo na febre
e os dedos ruídos que enganam a fome.
São estes os filhos de Cabo Verde,
gritando na noite angústias sem nome!?
Que vêem meus olhos senão o que vêem?
A culpa dos pais a cair de bêbedos,
das mães que se vendem...
A culpa de quem nem sempre tem culpa?
Que vêem os meus olhos senão o que vêem?
As crianças riem,
correm, pulam, cantam
e jogam à bola.
Volteiam nas ondas melhor que os delfins.
E quando anoitece
na calma das ilhas
dormem sonos livres
de sonhos malévolos
Que vêem meus olhos senão o que vêem?
Alguns atletas
por via da raça
e de alguma carne.
Que vêem os meus olhos senão o que vêem?
Todos sabem ler
e decoram versos!
Que vêem meus olhos além do que vêem?
Todas têm alma
que oferecem, de graça,
a quem lhe quer bem.
São estas crianças
(mas quantas não morrem...)
que correm os mares
e marcam o mundo
com a nossa presença!
As crianças de Missirá, tenho na consciência, não passam fome e os meus olhos vêem crianças que brincam e labutam, que auxiliam e querem aprender. É um tempo em que procuro conhecer os costumes dos mandingas. Por isso passo dos poemas de Cinatti para um clássico da antropologia social: Padrões de cultura, da Ruth Benedict.
A famosa antropóloga recorda neste ensaio que nós, ocidentais andamos polarizados pela crença na uniformidade da conduta humana. O branco, em contacto com outras culturas, está convencido que os seus padrões de cultura sairão vencedores. Estamos cegos perante outras culturas, agarrados ao mito de que com os instrumentos da nossa civilização subordinaremos os outros graças a padrões superiores. Daí a necessidade de estudarmos as heranças culturais, matriz da tolerância e do diálogo entre culturas, cimentando os valores da diversidade. Este precioso ensaio a três povos bem diferenciados é um ponto de partida para se entender a relatividade social, a doutrina da esperança e de confiança em padrões de vida coexistentes, pondo-se assim termo ao racismo, à exploração colonial às superioridades religiosas e a outras formas de fanatismo. É bom ler Ruth Benedict e depois os usos e os costumes dos mandingas, procurando conhecer melhor estes homens que se movem com andar garboso como se fossem filhos de reis.
Às vezes fazem-me falta, mesmo muita falta, muitos dos livros consumidos pelas chamas, é uma saudade do retorno aos clássicos, desde o Padre Vieira, a Cervantes, a Moliére. Paciência, os entes queridos estão a reenviar combustível, o meu padrinho já escreveu a dizer que um barco há-de chegar a Bissau com William Faulkner, Henry James e William Golding, entre outros. O Comandante Teixeira da Mota faz saber que há mais estudos guineenses a caminho. Imprevistamente, o Carlos Sampaio manda-me O Estrangeiro, de Albert Camus.
Sou um homem bafejado pela riqueza da amizade. No torpor do cansaço, ainda remexo nos meus policiais de devoção, onde incluo Ellery Queen, Frank Gruber e Mickey Spillane. Um dia destes, falo-vos da companhia que estes autores consagrados de uma literatura injustamente classificada como entretenimento, me dão nos silêncios destas noites de Missirá, ainda poupadas às flagelações.
Os ataques, grandes e pequenos, serão uma constante em Julho, Agosto, Setembro e Outubro. Convém deixar esclarecido o leitor que aquele tiroteio em Mero, segundo apurou a força que foi o local e falou com o chefe de tabanca, tinha a ver com dois balantas que vinham numa coluna de Madina e que fugiram aos rebeldes. Tinham-se apresentado em Bambadinca e confirmaram que Madina/Belel estava em fase de reequipamento, trabalhando com o bigrupo de Banir e de Sara-Sarauol, preparando-se para uma ofensiva no Cuor.
Maio, o mês que vai começar, exigirá constantes acompanhamentos a essa auto-estrada do Geba, todos os dias vemos passar militares que irão preencher posições em todo o Leste. Nessas manhãs frias, quando eu me perfilo à sua passagem e os saúdo com entusiasmo, interrogo-me se um dia eles se recordarão destes vigilantes obscuros, estes anos da guarda que descem dos palmares até ao terrafe para lhes desejar saúde e uma boa missão.
Este Maio que vai começar será acompanhado de muitos tiroteios e lá para o fim tudo irá mudar em Bambadinca com o fim da sua inexpugnabilidade. Vamos ver.
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 13 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1657: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (41): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (3)
(2) Sobre a Sobre a Operação Lança Afiada (que mobilizou cerca de 1100 homens, entre combatentes e carregadores, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, durante dez dias e dez noites, de 8 a 18 de Março de 1969), vd. os seguintes posts:
31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
Guiné 63/74 - P1679: Estórias cabralianas (20): Banquetes de Missirá: Porco turra e Vaca náufraga (Jorge Cabral)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > 1970 > A economia guineense dependia também da produção pecuária que por sua vez estava dependente da prática da transumância, prática essa que a guerra veio limitar ou inviar... As manadas de gado dos fulas, povo originalmente de pastores nómadas, eram um sinal exterior de riqueza e de status social do seu dono. Por essa razão, os fulas tinham tradicionalmente relutância em alienar esse património... Por morte do dono, os animais eram abatidos para alimentar o choro, uma festa que se prolongava por vários dias, dependendo da posição hierárquica do defunto na sociedade fula... Com a guerra, a entrada de dinheiro nas tabancas fulas fazia-se por duas vias: o pré dos soldados africanos e das milícias e as vendas de gado vacum aos militares portuguesas, compensando a quebra da produção da mancarra, devido à guerra... O porco era criado pelos povos animistas e ribeirinhos: balantas, manjacos, papéis... Havia por vezes conflitos com a população local, devido a abusos dos militares (que roubavam ou matavam vacas, porcos, cabritos ou galinhas)... Durante a Operação Lança Afiada (8 a 18 de Março de 1969), as populações sob controlo do PAIGC, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, sofreram grandes perdas de gado... (LG).
Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
1. Texto enviado em 10 do corrente.
20ª estória do Jorge Cabral (ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 ):
Amigo Luís,
Aí vai estória (1).
Não vou poder estar a tempo do almoço dia 28. Porém, vou fazer os possíveis para aparecer à hora do café.
Grande Abraço
Jorge
PS - Os meus contactos telefónicos são: 213.539.929 e 967.865.576. Já não utilizo o endereço claranet, que deve ser substituído pelo almacabral@gmail.com.
Estórias cabralianas (20) - Banquetes em Missirá: Porco turra e Vaca náufraga
por Jorge Cabral
Em Missirá comíamos, praticamente todos os dias, arroz acompanhado ora de pé de porco, ora de atum ou cavala, com muito pão e sempre altas doses do insípido vinho quarteleiro, o qual, segundo se dizia, era cortado com cânfora, para diminuir os ímpetos...
Frescos nunca, proibitiva a caça, experimentámos apimentar os peixinhos do Gambiel, que pescávamos à granada, mas continuaram intragáveis. Quando durante dois meses nos faltaram as batatas, devido às avarias simultâneas do Sintex e do Burrinho, avinagrámos as doces parentes das ditas, que cresciam bravas junto ao arame, mas não tivemos sucesso.
O nosso melhor pitéu era Punheta de Bacalhau que saboreávamos com prazer, petiscando do mesmo em enorme pratalhão. Aliás, quando um novo básico-cozinheiro se apresentava, eu costumava perguntar-lhe:
-Sabes fazer uma boa punheta? – Ainda me lembro de um que, corando como um tomate, quis logo fugir do Quartel, pensando que o Alferes...
Porém, apesar da sobriedade da dieta, todos os meses ficávamos devedores na CCS [de Bambadinca], porque ultrapassávamos as verbas respeitantes aos nove metropolitanos, pois os africanos [do Pel Caç Nat 63] eram desarranchados. A razão era simples: sendo poucos, não conseguíamos esgotar uma grande lata, por refeição, e porque não tínhamos frigorífico, uma parte era sempre desperdiçada.
Entrei eu, e entrou o Branquinho, com as quantias em falta. Talvez por isso, ainda devo às Agências de Bissau as minhas viagens de férias... Tivemos, sim, dois grandes Banquetes. Um foi porco no espeto. O outro foi vaca, de todas as maneiras. O porco foi achado no caminho para Mero. Era um porco turra que, ou desertou, ou foi deixado como oferta. Quanto à vaca, calculem, foi pescada no Geba. Tratou-se de uma operação complicada. Regressávamos de Bambadinca de Sintex, e mesmo no meio do rio, deparámos com a náufraga, debatendo-se.
Como iríamos salvá-la? Gorda, possante, pesada, afiançou o barqueiro, ser perigoso aproximarmo-nos, pois podia virar o barco. Sem cordas, nem vocação para cow-boys, a missão parecia impossível. Então, tomei o comando da Nau, e qual pirata jurei conquistar o carnívoro despojo, prometendo bifes para o jantar.
Manobrando o barco, encostei-o na traseira do Animal, e avancei, avancei até à margem, ainda longe do nosso destino. O certo é que a vaca chegou a terra, e nós, logo desembarcados, lhe tratámos da saúde.
Salva no rio, morta na praia, e ali desmanchada num ápice, pelo Alfa e pelo Django, bons soldados mas melhores magarefes, que mereceram avultado quinhão. Entrámos no Quartel carregados e foi noite de festa. Comemos, comemos, até de madrugada...
Hoje, quando algum Amigo pescador se gaba das suas proezas, costumo interrogar:
- Alguma vez pescaste uma Vaca?
Jorge Cabral
______________
Nota de L.G.:
(1) Vd. lista das estórias cabralianas:
5 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum... (inclui a estória a que deveria corresponder o nº 1 > A mulher do Major e o castigo do Cabral)
5 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXII: Rally turra ? (estórias cabralianas) (Estória que corresponderia o nº 2)
7 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXIX: O básico apaixonado (estórias cabralianas) (Estória a que corresponderia o nº 3)
18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVIII: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos.
23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra...
17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 -DXLVI: Estórias cabralianas (5): o Amoroso Bando das Quatro em Missirá (numeração repetida, por lapso do editor)
13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá
17 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba
13 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCC: Estórias cabralianas (8): Fá Mandinga no Conde Redondo ou o meu Amigo Travesti
20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXVII: Estórias cabralianas (9): Má chegada, pior partida
3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro
4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto
20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor
28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1128: Estórias cabralianas (13): A Micá ou o stresse aviário (Jorge Cabral)
24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1313: Estórias cabralianas (14): Missirá: o apanhado do alferes que deitou fogo ao quartel (Jorge Cabral)
14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)
14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa
10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1419: Estórias cabralianas (17): Tirem-me daqui, quero andar de comboio (Jorge Cabral)
26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1463: Estórias cabralianas (18): O Dia de São Mamadu (Jorge Cabral)
18 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)
quinta-feira, 19 de abril de 2007
Guiné 63/74 - P1678: Tertúlia: Presente em espírito no encontro de Pombal (2): Manuel Pereira (CCAÇ 3547, Contuboel e Bafatá)
Mensagem de Manuel Pereira (ex-furriel miliciano da CCAÇ 3547 / BCAÇ Contuboel, Bafatá, Sare Bacar, Nova Lamego, Galomaro, Mar. 1972/ Junho de 1974) (1):
Caros amigos,
Também eu e, com grande pena, não poderei estar presente no nosso encontro. Gostaria muito de continuar Ameira (2), mas este ano e neste dia, alguém que me é próximo completa 50 anos de casado e em cuja festa (para cima de 120 convivas), estou empenhado.
Acreditem que lamento. Esta seria a oportunidade de conhecer pessoalmente (dos muitos barcos/barcaças que acompanhei ao Xime e Bambadinca, eventualmente não seremos desconhecidos) o Sousa Castro, meu comtemporâneo na Guiné e minhoto como eu - sou Limiano.
Gostaria ainda de vos dizer, que apesar de não entrar nos últimos meses no nosso espaço cibernético (3), continuo a ser um leitor diário do mesmo. O Luís sabe as razões, ou seja, 30 anos depois lembrei-me de voltar aos bancos da faculdade, o que me ocupa muito tempo.
Um abraço para todos e não esqueçam de petiscar o feijão frade e o arroz de tomate do Manjar do Marquês.
Saudações tertulianas
e um jametuns (4).
Manuel Pereira
Técnico de Gestão – Área Produção
Tel. 21 392 62 53
Hospital CUF - Infante Santo
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 17 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLV: Notícias do BCAÇ 3884 (Bafatá, Contuboel, Geba e Fajonquito, 1972/74)
(2) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)
(3) Vd. último post > 26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P991: A tragédia do Quirafo e os 'básicos' que não tiveram 'cunha' para ficar na 'guerra do ar condicionado' (Manuel Pereira)
(4) Vd. post anterior desta série > 14 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1660: Tertúlia: Presente em espírito no encontro de Pombal (1): Martins Julião (CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72)
Caros amigos,
Também eu e, com grande pena, não poderei estar presente no nosso encontro. Gostaria muito de continuar Ameira (2), mas este ano e neste dia, alguém que me é próximo completa 50 anos de casado e em cuja festa (para cima de 120 convivas), estou empenhado.
Acreditem que lamento. Esta seria a oportunidade de conhecer pessoalmente (dos muitos barcos/barcaças que acompanhei ao Xime e Bambadinca, eventualmente não seremos desconhecidos) o Sousa Castro, meu comtemporâneo na Guiné e minhoto como eu - sou Limiano.
Gostaria ainda de vos dizer, que apesar de não entrar nos últimos meses no nosso espaço cibernético (3), continuo a ser um leitor diário do mesmo. O Luís sabe as razões, ou seja, 30 anos depois lembrei-me de voltar aos bancos da faculdade, o que me ocupa muito tempo.
Um abraço para todos e não esqueçam de petiscar o feijão frade e o arroz de tomate do Manjar do Marquês.
Saudações tertulianas
e um jametuns (4).
Manuel Pereira
Técnico de Gestão – Área Produção
Tel. 21 392 62 53
Hospital CUF - Infante Santo
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 17 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLV: Notícias do BCAÇ 3884 (Bafatá, Contuboel, Geba e Fajonquito, 1972/74)
(2) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)
(3) Vd. último post > 26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P991: A tragédia do Quirafo e os 'básicos' que não tiveram 'cunha' para ficar na 'guerra do ar condicionado' (Manuel Pereira)
(4) Vd. post anterior desta série > 14 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1660: Tertúlia: Presente em espírito no encontro de Pombal (1): Martins Julião (CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72)
Guiné 63/74 - P1677: Prisioneiro em Conacri: Francisco Monteiro, Soldado da CART 2339 (Carlos Marques dos Santos)
Guiné-Conacri > Conacri > Instalações do PAIGC > 1970 > Prisioneiros portugueses, cerca de uma vintena, fotografados pelo fotógrafo húngaro Bara István (Pormenor, foto editada). Pelo que se deduz na imagem, os prisioneirtos estão em formatura num páteo. Ao fundo vê-se uma parede, não muito alta, e numa das pontas uma guarita que tinha aspecto de ser uma retrete. O primeiro prisioneiro da 1ª fila, a contar da direita para a esquerda, parece ter uma bola a seus pés. Estes nossos camaradas foram libertados em 22 de Novembro de 1970, na sequência da Operação Mar Verde.
O Carlos Marques dos Santos e o Torcato Mendonça parecem ter identificado o homem, por nós assinalado com um círculo a verde, o 2º da 1ª fila, a contar da esquerda para a direita. Usava suiças grandes, cabelo comprido e bigode. Estes detalhes podem ser melhor aprecidados na foto a seguir, com o seu rosto em grande plano.
Guiné-Conacri > Conacri > Instalações do PAIGC > 1970 > Prisioneiro português. Trata-se do 2º indivíduo da 1ª fila, a contar da esquerda para a direita (foto acima). Para o Carlos Marques dos Santos e para o Torcato Mendonça, trata-se de um ex-camarada, o Soldado Monteiro, da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).
Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)
Luís: Em face da foto lançada hoje no Blogue (1), tenho quase 100% de certeza quanto à identidade do homem que aparece na 1ª fila, logo em 2º lugar, da esquerda para a direita: trata-se do Francisco M. Monteiro, Sold AP s10300467, do 4.º Grupo de Combate da CART 2339. A opinião do Torcato Mendonça veio reforçar a minha quase certeza.
Como já foi referido no nosso blogue (2), o Monteiro desapareu em 11 de Julho de 1968, na famigerada Fonte de Mansambo. Iniciada uma batida, o alferes de milícia do Pelotão de Milícia de Moricanhe accionou mina A/P e faleceu.
Este incidente não consta da História oficial da Companhia.
Carlos Marques dos Santos
Ex-Furril Mil
CART 2339
(Fá e Mansambo, 1968/69)
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1676: Vivo ou morto, procura-se o Soldado Mateus, da CCAV 1484, natural da Lourinhã (Benito Neves)
(2) Vd. post de 5 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1248: Monteiro: apanhado à unha na fonte de Mansambo em 1968, retido pelo IN em Conacri, libertado em 1970 (Torcato Mendonça)
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1676: Vivo ou morto, procura-se o Soldado Mateus, da CCAV 1484, natural da Lourinhã (Benito Neves)
(2) Vd. post de 5 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1248: Monteiro: apanhado à unha na fonte de Mansambo em 1968, retido pelo IN em Conacri, libertado em 1970 (Torcato Mendonça)
Guiné 63/74 - P1676: Vivo ou morto, procura-se o Soldado Mateus, da CCAV 1484, natural da Lourinhã (Benito Neves)
Através do Benito Neves, fiquei hoje a saber as circunstâncias, misteriosas, em que desapareceu num dos rios da Guiné, em 1966, o Soldado Mateus, da CCAV 1484, meu conterrâneo... É mais um dos nossos camaradas que não constam da lista oficiosa dos mortos da guerra do ultramar. A sua terra, Lourinhã, fez-lhe, porém, uma justa homenagem: é dos vinte que não regressaram... Mas será que ele não chegou a morrer, afogado, tendo sido feito prisioneiro pelo PAIGC?
Nascido à beira-mar, na Areia Branca, entre moinhos e dunas de areia, era muito provável que o Mateus soubesse nadar... É estranho o seu desaparecimento no Rio Tombar, no sul da Guiné (actual região de Tombali) e sobretudo, uns dias depois, a localização da sua camisa com uma imagem da Nossa Senhora de Fátima, uma nota de 50 pesos e a sua identificação... (LG).
Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.
Guiné-Conacri > Conacri > Instalações do PAIGC > 1970 > Prisioneiros portugueses, fotografados pelo fotógrafo húngaro Bara István (nascido em 1942). Legenda em húngaro: "Bara István: Portugál foglyok a PAIGC börtönében, Guinea Bissau, 1970".
1. São raras as fotos dos nossos camaradas em cativeiro, até à sua liberção em 22 de Novembro de 1970, na sequência da Operação Mar Verde. Estamos gratos a este conhecido grande fotógrafo magiar pelas imagens sobre a guerra colonial na Guiné-Bissau que disponibilizou na sua página.
Há tempos perguntei aos amigos e camaradas, se alguém era capaz de reconhecer estes rostos ? Boa parte deles faziam parte da CART 1690 (Geba, 1967/69), a que pertenceu o nosso camarada A. Marques Lopes, ex-alf mil e hoje coronel, DFA, na reforma. O Benito Neves, da CCAV 1484, admite a hipótese de o segundo prisioneiro, da fila de trás, a contar da esquerda - devidamente assinalado com um círculo a amarelo - poder ser o seu camarada José Henriques Mateus, dado como desaparecido no Rio Tombar, afluente do Rio Cumbijã, na sequência da Operação Pirilampo, e que por sinal era natural da Lourinhã, logo meu conterrâneo (LG).
Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)
2. Texto do Benito Neves, com data de 14 de Março de 2006
Luís, solicito e agradeço desde já a melhor colaboração, até porque se trata de um conterrâneo teu.
Benito Neves
Abrantes
Ex-Fur Mil At
CCAV 1484
(NNhacra e Catió, 1965/67).
OPERAÇÃO PIRILAMPO - 10 de Setembro de 1966
Com a finalidade de bater a mata de CABOLOL [vd. carta de Bedanda], de modo a detectar e a destruir o acampamento IN localizado em (1510.1120.A2) esta operação foi realizada pelas CCAV 1484, reforçada com 1 Gr Comb Mil 13 e CCAÇ 763 (-), reforçada com 2 Sec Mil 13.
Foi efectuada uma minuciosa batida à mata de CABOLOL no sentido E-W. Pelas 14H30, não obstante as dificuldades que surgiram pela densidade da vegetação, foi detectado o acampamento IN em (1510.1120A3.15), composto por 16 casas, que foi destruído com fraca resistência do IN. Foram capturados documentos diversos e munições para espingarda Mauser.
O IN, que deveria ter detectado as NT, havia evacuado grande parte do seu material para fora do acampamento.
Em continuação da acção, as NT seguiram em direcção a CABOLOL BALANTA.
Quando queimavam o seu primeiro núcleo de casas mais a sul, o IN, instalado na orla da mata, reagiu em força com fogo de morteiro, lança granadas-foguete, metralhadora pesada, pistolas metralhadora e espingardas, causando 6 feridos ligeiros às NT. Após reacção destas, o IN furtou-se ao contacto, sendo ainda queimados mais 3 núcleos de casas.
Pelas 17H00 as NT iniciaram o regresso, tendo sido flageladas com fogo de morteiro.
Quando as NT atravessavam o rio TOMPAR [, afluente do Rio Cumbijã, a sudoeste de Bedanda], afogou-se o soldado nº 711/65, José Henriques Mateus, da CCAV 1484, não tendo sido possível recuperar o seu corpo, apesar de todas as buscas efectuadas.
Pelas 22h30 as NT chegaram ao aquartelamento de Cufar, depois de uma marcha fatigante em terreno pantanoso.
O que acima se transcreve é o que consta do relatório da operação, extraído da história da Companhia, de que fui encarregado de escrever.
Um camisa com uma imagem de Nossa Senhora de Fátima
A travessia do Rio Tompar foi extremamente difícil. A maré estaria a encher ou a vasar, com forte corrente e foi decidida a colocação de uma corda de margem a margem, que serviu de suporte. O soldado Mateus, que transportava ou umas fitas para metralhadora ou umas granadas para morteiro ou para LGF, no meio da travessia, largou a corda e submergiu. Foram batidas as margens do rio sem que tivesse sido possível a recuperação do corpo.
Dias depois deste acidente, voltou a ser feita nova batida na zona, à procura do corpo ou outros indícios. Foi encontrada na margem a camisa que o Mateus envergava, tendo no bolso (i) a sua identificação, (ii) uma imagem da Virgem de Fátima e (iii) uma nota de 50 pesos. Mais nada.
Anteriormente havia quem alvitrasse a possibilidade do desaparecimanto ter sido causado por crocodilo mas, agora, seria fácil concluir que o ataque de qualquer animal, fosse ele qual fosse, não implicava o prévio despir da camisa.
A Companhia regressou [a Portugal] em 1967 e só em 2006 tivemos o primeiro reencontro, o primeiro almoço de confraternização. Foram muitos os anos que passaram, cerca de 40, porém, o Mateus nunca foi esquecido.
O Mateus era natural da Areia Branca, concelho de Lourinhã
Em Fevereiro de 2007 recebi um telefonema de um ex-cabo enfermeiro da CCAV 1484 que me transmitiu ter estado em Cadaval [, concelho do oeste, também do distrito de Lisboa], com um outro elemento da CCAV1484, que lhe disse que o Mateus estava vivo, que teria estado preso na Guiné Conakry, que inclusivamente alguns anos após o regresso da CCav 1484, terá estado na Lourinhã, em casa da mãe do Mateus e que a senhora lhe confirmou que o filho estava vivo.
O Mateus era oriundo do concelho da Lourinhã [, Estremadura, Oeste].
Por coincidência, no dia seguinte ao do telefonema do meu ex-cabo enfermeiro, foram publicadas no blogue algumas fotos tiradas a prisioneiros portugueses na prisão de Conakry (2). Decidi enviar a foto ao ex-Furriel Teles, residente na Madeira, que era o comandante de Secção do Mateus, pedindo-lhe para ver se, entre os presos, estaria o Mateus. Em resposta disse-me que sim e que era o 2º da fila de trás, a contar da esquerda.
Porém, conheci em Alter do Chão um ex-combatente - Jacinto Madeira Barradas - que esteve preso em Conakry e que foi um dos libertados pela operação Mar Verde. Diz-me que o prisioneiro que lhe indiquei não tinha o nome de Mateus, que não conheceu lá nenhum Mateus. Poderá haver aqui alguma mudança de identidade?
Na lista, organizada pelo José Martins, dos militares que tombaram em campanha na Guiné (1961/74), não consta o nome do José Henriques Mateus (3).
Posso afirmar que a notícia de que o Mateus está vivo (e Deus queira que esteja!) se espalhou entre os elementos da Companhia e não há quem não queira ter o Mateus connosco no nosso 2º. convívio, em Maio próximo.
Luís, és natural da Lourinhã, conterrâneo do José Mateus (ou pelo menos do mesmo concelho), saberás alguma coisa sobre este caso? O Mateus, a estar vivo, terá agora 62/63 anos. Valerá uma consulta às várias Juntas de Freguesia do concelho da Lourinhã?
Luís, desde já grato por toda a ajuda possível.
Um abraço.
Benito Neves.
Lourinhã > Aspecto parcial do Monumento aos Mortos do Ultramar. 2005. Arquitecto: Augusto Silva. Escultora: Andreia Couto... O meu primo, José António Canoa Nogueira, foi o primeiro soldado da Lourinhã a morrer, em terras da Guiné, em 1965, em Ganjolá, Catió... Lembro-me do seu impressionane funeral e quanto a palavra Guiné me marcou... Tinha eu 18 anos, já feitos... O Soldado Mateus terá sido o segundo, natural da Lourinhã, a tombar em terras da Guiné, também no sul... nas proximidades da mata de Cabolol Balanta, na margem direitra do Rio Cumbijã... (LG).
Lourinhã > Monumento aos mortos da Guerra do Ultramar > Guiné > 2005 > Quando o monumento foi inaugurado, em 2005, na placa relativa aos mortos na Guiné constava o nome de José Henriques Martins... As placas foram depois substituídas, já em 2007, segundo creio, e corrigido o erro... O nome correcto era José Henriques Mateus, natural de Areia Branca, morto em 9 de Setembro de 1966... Haverá também aqui um erro de data... O Benito Neves diz que a Operação Pirilampo foi a 10 de Setembro... (LG)
Fotos: © Luís Graça (2005). Direitos reservados.
3. Benito: O teu telefonema de ontem e o teu email (já de há um mês e que reli, com outra atenção) emocionaram-me. Este caso é espantoso e, no mínimo, intrigante. Fui vizinho do Mateus (ele é natural do lugar da Areia Branca, povoação que deu o nome à conhecida Praia da Areia Branca, concelho da Lourinhã). Eu saí da Lourinhã, há trinta e tal anos, e já não me lembro deste caso. Mas tenho lá casa e vou lá com regularidade. Tenho seguramente amigos e conhecidos da família Mateus, mas já não seria capaz de reconhecer, a não ser eventualmente por fotografia, o teu camarada José Henriques Mateus. E, no entanto, o seu nome consta da lista dos naturais da Lourinhã que tombaram na Guiné, o primeiros dos quais foi o meu primo - em 3º grau - José António Nogueira Canoa (4), morto em Ganjola, um ano antes (1965).
Já aqui dei notícia da homenagem que a minha terra, através da autarquia local, prestou aos seus filhos que tombaram na guerra do ultramar (5), com a inauguração, em 26 de Junho de 2005, de um monumento, obra do arquitecto Augusto Silva e da escultora Andreia Couto. Ao todo, foram vinte os mortos do concelho, incluindo seis na Guiné. A placa em bronze com os nomes dos nossos camaradas mortos em combate, em cada um das províncias, foi recentemente substituída. No caso da Guiné, havia um erro: O José Hemriques Mateus constava com um apelido trocado: José Henriques Martins. Por outro lado, faltava a data do falecimento e a localidade onde haviam nascido. Junto fotos das duas placas.
Benito: vou sentar saber mais pormenores sobre o Mateus, através da comissão organizadora desta iniciativa, onde tenho pelo menos amigos e conterrâneos, o João Delgado, o Jaime Bonifácio Marques da Silva e o José Picão de Oliveira: este último, foi furriel miliciano na zona leste da Guiné, mesmo na ponta nordeste, em Canquelifá, tendo regressado já em Setembro de 1974, enquanto o Jaime foi alferes miliciano paraquedista em Angola, sensivelmente na mesma época em que eu fui mobilizado para a Guiné (1969/71). O João Delgado, por sua vez, esteve em Angola, segundo creio.
De qualquer modo, obrigado pelas tuas diligências. Quem nos dera que o Mateus estivesse vivo algures, e nos pudesse contar a sua odisseia, e rever as dunas da sua praia. Em todo o caso, se ele efectivamente morreu ou desapareceu, é muito importante para os seus amigos, conterrâneos e familiares saber as circunstâncias em que ocorreu a sua morte ou o seu misterioso desaparecimento. Pagaste-lhe uma dívida de amizade, ao publicares parte do rekatório da Operação Pirilampo e o episódio do seu acidente... Estamos-te gratos por isso. Luís
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Notas de L.G.:
(1) Vd. pots de 18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1673: O blogue do nosso contentamento (Benito Neves, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)
(2) Vd. post de 28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1468: Mortos que o Império teceu e não contabilizou (A. Marques Lopes)
(3) Vd. Lista disponível, em formato pdf, no sítio do António Pires > Moçambique - Guerra Colonial, orgnaizada pelo nosso camarada e membro da nossa tertúlia José da Silva Marcelino Martins > Militares que Tombaram em Campanha (1961-1974) > Guiné
(4) Vd. posts de:
8 de Setembro 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXI: Antologia (18): Um domingo no mato, em Ganjolá (Luís Graça / José António Canoa Nogueira)
22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira
8 de Março de 2007 > Guiné 63/74 -P1574: Uma estória dos Gringos de Guileje (CCAÇ 3477): Estás f..., pá! (Amaro Samúdio)
(5) Vd. post de 24 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXV: Homenagem aos mortos da minha terra (Lourinhã, 2005)
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