quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4973: Tabanca Grande (175): Carlos Sousa, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 1801, Ingoré/Bissum-Naga/S. Domingos/Cacheu/Antotinha, 1967/69



1. Carlos Fernando da Conceição Sousa, ex-Alf Mil de Operações Especiais/RANGER (quando veio da Guiné foi promovido a tenente), da CCAÇ 1801 - Ingoré, Bissum-Naga, S. Domingos, Cacheu e Antotinha (destacamento de Ingoré) 1968/69.

Camaradas,

Apresento-me como novo Camarada nesta “nossa” Tabanca Grande, chamo-me Carlos Fernando da Conceição Sousa, fui Alferes Miliciano de Operações Especiais/RANGER (quando vim da Guiné fui promovido a tenente), na CCAÇ 1801, e estive em: Ingoré, Barro (em operação), Ponta do Inglês (em operação), Bissum-Naga, S. Domingos, Elia (em operação), Cacheu e Antotinha (destacamento de Ingoré).



Envio a minha foto actual e outra onde estou com o General Spínola. Foi no dia 31 de Dezembro de 1968, quando eu e os meus soldados estávamos a jogar futebol, um helicóptero pousou ali no meio do campo.



Os jogos, para que as equipas se distinguissem, faziam-se com uns de camisola contra outros em tronco nu.
Como se pode ver na foto eu jogava na equipa dos tronco nu.

O Gen. Spínola caminhava para próximo de onde estavam os nativos, onde foi dar-lhes umas palavras.
Hoje queria que publicassem esta minha primeira mensagem:

16 de Setembro de 2009, acabei de ver na RTP1 um programa onde se mostrou a dramática situação de jovens que nasceram em Portugal e que não são considerados portugueses. Fiquei abismado com o que vi!

Mais abismado fico quando sabemos que aconteceu um 25 de Abril que nós saudamos (eu já tinha 30 anos quando aconteceu), que é o dia da Liberdade!

Combati na Guiné por uma Pátria que então estava definida como multirracial, e as terras de além-mar eram conhecidas e tratadas como províncias ultramarinas. No norte da Guiné, entre S. Domingos e Ingoré, a população desde felupes, a balantas, passando por fulas e mandingas, era maioritária nossa amiga. No destacamento de Antotinha, a 6 km do porto de S. Vicente, no rio Geba, havia cerca de cem balantas armados em auto-defesa que defendiam mais de 3000 pessoas, pois que, como os próprios nativos diziam, tinham que se defender dos bandidos.

Na altura todos lhes dissemos que eles eram portugueses ultramarinos. Alguns deles ficaram extremamente felizes quando obtiveram bilhete de identidade de cidadão português. Não há revolução que possa colocar por terra todas as expectativas que tínhamos alimentado nas populações.

Não venho aqui levantar a validade histórica dos movimentos de libertação, que terão libertado populações do jugo português para os entregar a oligarquias corruptas e prepotentes. É claro que temos a vantagem de conhecer a evolução (ou involução?) que se deu. Hoje sinto que a minha missão era nobre – proteger um povo de falsos libertadores.

Mas o que quero hoje reflectir é sobre os jovens apátridas nascidos em Portugal.

Os pais deles foram de algum modo induzidos na ideia de que eram portugueses. Muitos deles tiveram que procurar refúgio fora da terra onde nasceram e vieram para Portugal, como terra mítica idealizada como justa e civilizada. Nós deveríamos tê-los mantido como portugueses, tal como sempre lhe dissemos que eram. Mas não; deixámo-los esquecidos, assobiando para o ar, sem que houvesse um governante que lhes fizesse justiça e aos filhos daqueles que enganámos.

Reforço a ideia de que a vinda para Portugal era, para muitos, a única saída. Lembremo-nos dos fuzilamentos que os libertadores fizeram com aqueles que tinham colaborado com os portugueses – e os que connosco colaboraram eram muitos milhares.

Façamos barulho para que imediatamente se legalizem os filhos de africanos portugueses até ao 25 de Abril. Acabemos com mais esta vergonha nacional.

Um abraço para todos os Camaradas da Tabanca Grande,

Carlos Sousa
Alf Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1801

Foto: © Carlos Sousa (2009). Direitos reservados.
Emblema: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.

2. Comentários de MR

Amigo e Camarada Carlos Sousa, bem-vindo ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Muito obrigado por aceitares o convite para integrares esta grande Tertúlia Bloguista, cuja "formatura" é composta por cerca de 350 ex-Combatentes da Guiné, que pouco a pouco, mas decidida e inabalavelmente, aqui vão prestando os seus fabulosos depoimentos, contribuindo para a tão necessária e desejada catarse da guerra que a nossa geração viveu Além-mar, no Ultramar africano.

São histórias/memórias de morte, sangue, dor e sofrimento, umas… e outras… de pequenas e grandes coisas do dia-a-dia, que íamos cortando no velho calendário, contadas, quase todas elas, no presente do indicativo.

Fazêmo-lo consciente e patrioticamente, não por impulsos masoquistas, ou maquiavelistas, mas como testemunhos escritos e fotográficos, para as gerações presentes e vindoiras.

Ficamos à espera que nos contes histórias sobre a comissão e actividade operacional da tua CCAÇ 1801 e de ti na Guiné. Tudo será bem-vindo (textos, documentos e fotos), para ampliar este nosso espólio virtual.

No lado esquerdo da página inicial do blogue, tens tudo o que é importante saber sobre o blogue: O que nós (não) somos e as normas de conduta a seguir pelos tertulianos. São simples e normais regras de boa cidadania, que se resumem ao respeito mútuo inter-bloguista e a aceitação das diferenças de conceitos e opiniões.

Quanto à tua CCAÇ 1801, apenas existe no blogue um pequena referência, com data de 14 de Outubro de 2008, no poste: Guiné 63/74 - P3312: Unidades que passaram por Sedengal (José Martins), da autoria do nosso camarada José Martins, que foi Fur Mil Trms da CCAÇ 5, que muito colabora com o pessoal no blogue através de valiosos trabalhos de pesquisa sobre as diversas unidades que passaram pela Guiné, que só a sua carolice lhe permite concretizar, e que é a seguinte:

«CCaç 1801 [mobilizada no BC 10 – Chaves - embarque em 26 de Outubro de 1967 e regresso em 20 de Agosto de 1969], regressa a Ingoré para reforçar o BCaç 1894, para actuação nas operações realizadas, e depois integrado no dispositiva de manobra do BCaç 1913 [mobilizada no RI 15 – Tomar - embarque em 27 de Setembro de 1967 e regresso em 16 de Maio de 1969], quando em 23 de Abril de 1968 assume a responsabilidade do subsector de Ingoré, destacando um pelotão para Sedengal.»

Todos ficamos à espera da tua melhor colaboração e, entretanto, recebe de toda a tertúlia “atabancada” um abraço de boas-vindas.

Nota: O nosso Camarada Carlos Sousa, é licenciado em Engenharia Mecânica. É professor no I.S.E.P. (instituto Superior de Engenharia do Porto). Reformou-se muito recentemente, como Chefe do Departamento de Formação do C.A.T.I.M. (Centro de Apoio Tecnológico à Indústria Metalomecânica) da cidade do Porto.

Magalhães Ribeiro
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4972: Convívios (164): Ex-combatentes da Guiné do Concelho de Gondomar, no dia 5 de Outubro (António Carvalho / Carlos Silva)


1.º Convívio de ex-Combatentes na Guiné [1961-1974] do Concelho de Gondomar

Vai ter lugar, no próximo dia 05 de Outubro, o 1.º Encontro de ex-combatentes de Gondomar que participaram no período de 1961/1974, na guerra colonial da Guiné.


Programa:

10H00: Deposição de coroa de flores no Monumento aos Combatentes do Ultramar em Fânzeres.

11H30: Início da concentração no Campo de Futebol do Medense Futebol Clube, em Medas-Gondomar, dos gondomarenses ex-combatentes, familiares e amigos.
12h00: Almoço no local [porco no espeto] oferecido pelo nosso camarada António Carvalho, seguido de confraternização.

Preço mínimo: 5 euros

A confraternização é extensiva aos ex-combatentes residentes em Gondomar, seus familiares e amigos.

Convém confirmar a participação até ao dia 2 de Outubro, a fim de arranjar tacho suficiente, na medida em que, o convívio não se realiza em nenhum Restaurante.

Contactos:


António Carvalho – Ex-Fur Mil CArt 6250 – Mampatá, 72/74
Telm: 919 401 036
E-mail: ascarvalho1972@iol.pt
Medas


Carlos Silva – Ex-Fur Mil CCaç 2548/BCaç 2879 – Farim, 69/71
Telm: 966 651820
E-mail: carsilva.advogado@sapo.pt
Massamá - Queluz

Medas, 5 de Setembro de 2009
A Comissão Organizadora
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4956: Convívios (161): 14.º Almoço de confraternização de ex-militares da Guiné, dia 26 de Setembro em Ponte de Sor (J.M. Félix Dias)

Guiné 63/74 - P4971: (Ex)citações (45): O que fazer com este Blogue? (Luís Graça)

1. Comentário de Luís Graça, ex-Fur Mil da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71, fundador, administrador e editor do blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné", no dia 17 de Setembro de 2009, ao poste Guiné 63/74 - P4969: Banalidades do Mondego (Vasco da Gama) (V): Os Novos Pelotões de Fuzilamento, os do Abandono, Esquecimento e Desprezo


O que fazer com este blogue?

É a pergunta, indirecta, subtil, que está subjacente ao comentário do António Matos a propósito dos pelotões do esquecimento, do desprezo e do abandono que todos os dias fuzilam os homens da nossa geração que fizeram a guerra colonial, que foram usados e deitados fora...

Recorda o António que "é lema deste blog não se fazer política o que é difícil, pois viver é em si mesmo um acto político!" para logo a seguir observar e sugerir o seguinte: "mas ao cairmos na tentação de o fazer, estejamos atentos pois os tais pelotões de fuzilamento actuam como verdadeiros snipers"...

De facto, não é preciso recordar as regras do jogo, ou seja, a nossa orientação editorial:

"Somos independentes do Estado, dos partidos políticos e das associações da sociedade civil que de uma maneira ou de outra possam representar e defender os direitos e os interesses dos ex-combatentes portugueses (ou guineenses).

(...) "Somos sensíveis aos problemas (de saúde, de reparação legal, de reconhecimento público, de dignidade, etc.) dos nossos camaradas e amigos, incluindo os guineenses que combateram, de um lado e de outro. Mas enquanto comunidade (virtual) não temos nenhum compromisso para com esta ou aquela causa por muita justa ou legítima que ela seja.

(...) "Em todo o caso, a solidariedade, a amizade e a camaradagem são valores que procuramos cultivar todos os dias".


Amigos e camaradas:
Não fazemos política, no sentido restrito do termo, mas podemos e devemos fazer lobbying, podemos actuar como um lóbi... São duas coisas distintas, a política directa e o lobbying: infelizmente as associações de veteranos ainda não perceberam as potencialidades do lobbying, uma actividade de grande sucesso e de impacto na política e nos negócios em países como os Estados Unidos e que chega à Europa: a Alemanha, por exemplo, tem 5000 lobistas reconhecidos pelo Parlamento Europeu, a Espanha umas centenas, Portugal tem apenas um...

Casos como o do Corvacho, do Pisco e do Baptista, aqui denunciados no blogue, são indignos, envergonham este país e a nossa democracia... O Estado Português não pode brincar mais com a saúde e a dignidade dos antigos combatentes... E nós temos que começar a fazer algo mais do que escrever as nossas histórias e as nossas memórias, temos que nos organizar como grupo de pressão, junto do Estado e da sociedade civil... E, claro, precisamos de pensar globalmente e agir localmente...

O blogue serve para tudo menos para fazer política partidária, por razões óbvias... Agora o blogue é já (e pode ser também mais no futuro) uma ferramenta numa estratégia de lobbying (de influência, moral e legal, na tomada de decisão do poder político, nomeadamente legislativo e executivo)...

Luís Graça
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4513: Comentários que merecem ser postes (7): Encontros imprevistos... na latrina (António G. Matos)

Guiné 63/74 - P4970: Tabanca Grande (174): Osvaldo Colaço Pimenta, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3566 (Empada e Catió, 1973/74)

1. Mensagem de Osvaldo Colaço Pimenta, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3566, Empada e Catió, 1973/74, com data de 17 de Setembro de 2009:

Boa tarde camaradas:
Tive conhecimento do site através dum camarada comum.

Sou: Osvaldo Colaço Pimenta
Ex-Furriel Miliciano de Infantaria
Fiz comissão na Guiné entre 1973 e 1974 em Empada e Catió na CCAÇ 3566, "Metralhas".

Tenho algum espólio fotográfico que tive oportunidade de trazer da Guiné.
Algumas histórias, como todos os camaradas, também fazem parte do meu espólio pessoal.

Quero partilhar convosco tudo aquilo que todos merecemos!

Actualmente sou Quadro Técnico na Saint-Gobain Mondego, empresa líder na produção de embalagens de vidro, situada na margem direita do Mondego, junto à foz, na Figueira da Foz.

Um abraço
Viva a Guiné


2. Comentário de CV

Caro Pimenta (para não confundir com o José Colaço), bem-vindo ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Muito obrigado por quereres vir fazer parte desta Tabanca, Caserna Virtual de ex-combatentes da Guiné, que querem fazer alguma catarse, escrevendo as suas memórias, deixando ao mesmo tempo algo para os nossos vindouros, daquilo que foi a guerra naquele pequeno território, hoje Guiné-Bissau.

Tudo o que tiveres sobre a estadia e actividade da CCAÇ 3566 e de ti na Guiné, será bem-vindo ao nosso espólio. As fotos também, a começar por uma tua fardado, na época, em formato tipo passe, de preferência, para fazer parte dos nossos arquivos e encabeçar os teus textos futuramente.
Fotos que queiras enviar, devem vir sempre acompanhadas de legendas para melhor compreensão das situações representadas.

No lado esquerdo da nossa página tens tudo o que podes e deves saber de nós. O que (não) somos e as normas de conduta a seguir pelos tertulianos. Afinal regras normais de boa cidadania que se resumem ao respeito mútuo e à aceitação das diferenças de opinião.

Para tua informação, caso não saibas, temos três tertulianos da tua Companhia, a saber: Antero Santos que vive em Avintes, Joaquim Pinheiro da Silva que vive no Brasil e Xico Allen que vive em Vila Nova de Gaia.

Esperando de ti a melhor colaboração, ficamos à espera que comeces a dar-nos trabalho. Entretanto recebe de toda a tertúlia um abraço de boas-vindas.

C. Vinhal
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4957: Tabanca Grande (173): Manuel Marinho, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Farim e Binta (1972/74)

Guiné 63/74 - P4969: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (VI): Os Novos Pelotões de Fuzilamento, os do Abandono, Esquecimento e Desprezo


1. Mensagem do nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, enviada em 14 de Setembro de 2009:


BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - VI

Os Pelotões de Fuzilamento

O Coronel sr. Eurico de Deus Corvacho

O soldado sr. Carlos Gonçalves de Freitas


Quando o nosso Pira de Mansoa, veio, de certeza com a melhor das intenções, eu conheço-o bem pois já convivi com ele em circunstâncias várias para lhe reconhecer a nobreza do seu carácter, a sua disponibilidade para com o próximo, a sua dedicação ao nosso Blogue após as suas oito horas de trabalho de assalariado e a sua preocupação com terceiros, dizia eu, quando o Pira para justificar certas atitudes tentou pôr água na fervura com a troca de prendinhas e com os Pelotões Virtuais de Fuzilamento, pensei logo em contactá-lo para lhe manifestar a minha não concordância com tantos paninhos quentes.


Não foi necessário, pois, acabado de chegar de Coimbra dirigi-me de imediato ao nosso Blogue (Oh Vasco que vício… já fizeste aquilo, já trataste daqueloutro… vai perguntar a minha mulher quando dentro de uma hora chegar a casa... ) e tive o grato prazer de ler o texto do nosso Camarigo Mexia Alves, bem como os comentários que se lhe seguiram e onde , também eu, deixei uma papaia, que constituem no seu conjunto o somatório de reacções irmãs dos verdadeiros Combatentes da Guiné, mostrando a todos qual o significado de um espaço de fraternidade, de amor e também de saber perdoar, muitas vezes não perdoando.


Então qual a razão de trazer até vós, camaradas e amigos, os Pelotões de Fuzilamento?

É que eles existem e continuam a matar!

São pelotões que matam em silêncio sem utilizarem o barulho da metralha. Não usam G3, nem Kalashnikov nem morteiros nem obuses. Usam armas mais sofisticadas que causam uma morte mais lenta, mais prolongada, de muito maior sofrimento.

Usam o desprezo!

Usam o abandono!

Usam o esquecimento!

Ignoram os combatentes da Guiné!

Nem sequer nas suas campanh
as eleitorais se dignam por um segundo que seja, falar dos nossos mortos em combate, dos males que a guerra promoveu, desfazendo famílias, provocando em muitos de nós distúrbios de tal ordem graves que transformaram, alguns de nós, Homens sãos, íntegros e vigorosos em pedintes de mão estendida, esmolando pelas ruas das cidades.

Todos nós conhecemos inúmeros companheiros nossos que passam ou passaram por situações destas.

O poste respeitante ao coronel Corvacho, que todos nós conhecemos no mínimo como combatente da Guiné, encheu-me de tristeza e pode bem ser um exemplo do que acabo de dizer.

Ler, nas palavras do seu filho sr. Eurico Corvacho que o seu pai esteve numa casa de saúde ao abandono, falar em lar de idosos, em assistentes sociais, em ver se consegue o seu internamento no Hospital militar, é mostrar à evidência a existência dos silenciosos pelotões de fuzilamento.

Quantos Corvachos existirão por esse país fora? Quem não conhece camaradas que sofrem e vivem no mais completo isolamento desprezados pelos nossos “grandes homens” da política?
Eu conheço gente da minha Companhia com grandes dificuldades, que a solidariedade dos mais próximos tenta de alguma forma minorar.

Conheci de muito perto um conterrâneo meu de seu nome Carlos Gonçalves Freitas, que foi soldado condutor na minha Companhia de Cavalaria 8351 “Os Tigres”.

No dia 12 de Maio de 1973 conduzia uma das viaturas no regresso da coluna Aldeia Formosa - Cumbijã que sofreu uma violenta emboscada, da qual resultou um morto, o meu camarada António Bento Bôa e dois feridos graves; todos eles seguiam no seu Unimog.

O Freitas nunca mais foi o mesmo!

Os tiques nervosos que lhe valeram a alcunha de PISCA, aumentavam diariamente.

Os olhos não paravam de abrir e fechar, a cabeça abanava continuamente, o nariz fazia ruídos esquisitos e o consumo da cerveja aumentava exponencialmente.

Natal de 1972 em Aldeia Formosa. O FREITAS ou PISCA, é o soldado que está por trás de um capitão a puxar para o gordo (tem bigode, SEM BARBA).

Conversava com ele quase diariamente sobre assuntos da Figueira dos quais ele rapidamente fugia. Vinha em consulta externa para Bissau de onde regressava rapidamente; não aguentava estar onde não conhecia ninguém. A asa protectora dos seus camaradas, mesmo nas profundezas do mato, merecia-lhe mais que a paz da capital.

Acompanhei-o o melhor que consegui.

Quando chegámos a Portugal, trouxe-o de táxi de Lisboa até casa. Procurava-me duas, três vezes por semana. Estava com dificuldades em dar-se com a mulher e com as filhas. Tinha dias em que me aparecia com sinais evidentes de embriaguez e o seu olhar era cada vez mais duro.

Deixou de aparecer! Eu fui para o Porto e depois para Coimbra, onde por mero acaso o encontrei no hospital. Desleixado no vestir e tresandando a álcool. Tivemos uma grande conversa e lembro-me de lhe ter dado o montante que me pediu, a título de qualquer desculpa.

Dei-lhe o meu telefone e a morada em Coimbra de que ele jamais se serviu. Sabia notícias dele pelo Fernando Lopes, outro Tigre da Figueira de quem fui padrinho de casamento. A situação familiar degradava-se, a separação aconteceu até que há uns tempos atrás o Lopes ligou-me: Capitão , morreu o Pisca! Assim, de rajada.

Atirara-se para debaixo do comboio junto à estação das Alhadas.

Fui ao seu funeral onde estavam meia dúzia de pessoas.

Quebrando o silêncio de circunstância, dirigi-me às filhas e naquele momento só eu sei quanta verdade existiu quando lhes expressei o respeito e a dor pelo meu camarada que havia, finalmente, encontrado solução para o seu sofrimento.

O silencioso pelotão de fuzilamento dera mais uma vez sinal.!

Nos encontros da minha Companhia já contamos vinte mortos, fora os camaradas que nunca apareceram ou que não estão por nós referenciados que tornarão a lista, porventura, mais extensa. Um destes dias, mais ano menos ano, já não há nenhum Tigre do Cumbijã para morder as canelas dos rapazes…

Chega de lamentações e de olhar para trás.

Só peço aos meus Camaradas, a todos os Camaradas da Guiné que NÃO DEIXEMOS QUE ESTES PELOTÕES DE FUZILAMENTO NOS CONTINUEM A MATAR.

Um abraço para todos os meus Camaradas da Tabanca Grande.
Vasco A. R. da Gama
Foto: © Vasco da Gama (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:


Guiné 63/74 - P4968: In Memoriam (32): Cap Mil Art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, CART 1613, morto pelo Sold Cavaco, na véspera do Natal de 1966

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Iemberem > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > Em primeiro palno, ao meio, o Dr. Francisco Silva, madeirense, ortopedista no Hospital Fernando da Fonseca, Amadora-Sintra, médico do nosso camarada Hugo Guerra. À sua esquerda, a Maria Alice e à direita Salifo Camará, 87 anos, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria. Foto tirada por ocasião da visita ao centro de saúde materno-infantil de Iemberem.

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados


O Francisco Silva, que viajou de jipe, com mais camaradas, na viagem à Guiné, de ida e volta, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008), foi Alferes Miliciano, tendo pertencido à CART 3492, que esteve no Xitole (com o Joaquim Mexia Alves).

O Francisco Silva revelou-me na altura ter saído da CART 3492 para substituir um alferes morto na parada, pelos seus homens, africanos, do seu Pel Caç Nat 51. Segundo o Francisco Silva, o alferes terá sido morto por que era um tipo bom de mais, com problemas para impor a sua autoridade ao pelotão (que era etnicamente heterogéneo, e tinha um historial de problemas de disciplina).

Desconheço a data e o local onde ocorreu esta tragédia. Não sei inclusive o nome do infeliz alferes. Também não sei quantos casos destes, de oficiais portugueses, milicianos ou do quadro (mas também de sargentos, furriéis e cabos), poderão ter ocorrido durante a guerra colonial na Guiné (1963/74). Mas presumo que tenham sido poucos.

Outro caso de homicídio ocorreu com a CART 1613 (1966/68), a companhia que esteve em Guileje (de Junho de 1967 a Maio de 1968). Nos registos oficiais diz-se que Cap Mil Art com o nº mecanográfico 1036/C, pertencente à CART 1613/BART 1896, mobilizada no RAP2, Vila Nova de Gaia, de seu nome FAUSTO MANTEIGAS DA FONSECA FERRAZ, foi vítima mortal de acidente com arma de fogo (sic), ocorrido no aquartelamento de S. João, vindo a morrer a 24 de Dezembro de 1966 no Hospital Militar 241, em Bissau.

O malogrado Cap Ferraz foi inumado no Cemitério da Conchada, em Coimbra. Era casado com Maria Fernanda Ferreira da Costa, filho de Manuel Fonseca Ferraz e Ana Rosa Manteigas, sendo natural da freguesia de Pousafoles do Bispo, concelho de Sabugal.

O Cap José Neto (1929-2007) contou-me, antes de morrer (e eu creio que isso está publicado algures no blogue), que o autor dos disparos foi o Soldado Condutor Auto Rodas José Manuel Vieira Cavaco. Era madeirense (creio eu), tendo recebido na véspera de Natal provisões remetidas pela família, entre elas uma garrafa de aguardente de cana ou de poncha (se não me engano). A companhia tinha chegado à Guiné há cerca de um mês, e estava em S. João, frente a Bolama, em treino operacional.

As saudades da terra, as recordações do Natal e a poncha fizeram uma mistura explosiva. Sob o efeito do álcool, e sem motivo aparente, o Cavaco abateu a tiro o comandante da companhia, Alferes de Artilharia, graduado em Capitão, Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, na noite de 24 para 25 de Dezembro de 1966. Creio que feriu mais militares. O Zé Neto teve que o esconder para ele não ser linchado. Eis um excerto do seu relato sobre o julgamento do Cavaco, um ano depois em Bissau. (O Cap Corvacho ficará depois a substituir o Cap Ferraz).


O Cavaco (*)


(...) No final do ano [1967], eu, o Furriel Martins e o 1º Cabo Santos fomos chamados a Bissau para depor no julgamento do Soldado Cavaco .

O Tribunal Militar funcionou nas salas do tribunal civil e, em duas sessões, ficou tudo resolvido.

O Cavaco deu-se como culpado e o seu defensor, um tenente miliciano de Administração Militar que era advogado, apenas se deu ao trabalho de procurar provar atenuantes para reduzir a pena.

Tanto eu como o Furriel e o Cabo respondemos apenas às perguntas que nos foram formuladas. O Tenente, a certa altura, perguntou-me qual era a minha opinião sobre o comportamento do réu, anterior aos factos.

Gerou-se uma pequena quezília processual entre o promotor e o advogado que acabou com o Juiz Auditor (civil) a intrometer-se e declarar que aquele Tribunal tinha a obrigação de conhecer o carácter do réu e, naquele momento, ninguém mais conhecedor do que o depoente (eu) podia responder a perguntas que levassem a fazer um juízo acertado.

Fiquei sob o fogo cerrado, ora de um, ora de outro, com respostas curtas, quase sim e não. O coronel Presidente acabou por me interpelar dizendo-me que, por palavras minhas, classificasse a qualidade de soldado do réu. Respondi com convicção:
-Um excelente e infeliz soldado.

A pena foi de vinte e três anos de prisão maior, a cumprir em estabelecimento penal adequado na Metrópole.

Nunca mais o vi, mas tive notícias de que o rapaz não cumpriu nem metade da pena. (...)

___________


Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXI: Memórias de Guileje (Zé Neto, 1967/68) (7): Francesinho e Cavaco, o belo e o monstro


Vd. também poste de 31 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2493: Estórias de Guileje (6): Eurico de Deus Corvacho, meu capitão (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

Guiné 63/74 - P4967: Agenda Cultural (26): Museu Militar do Porto (Jorge Teixeira/Portojo)





1. Mensagem/Reportagem de Jorge Teixeira (Portojo), ex-Fur Mil do Pelotão deCanhões S/R 2054, Catió, 1968/70, com data de 15 de Setembro de 2009:







Museu Militar do Porto

(Antigo edifício da P.I.D.E.)


Sabem o que era a PIDE?


Quási que poderei dizer que acompanhei o nascimento e crescimento deste Museu. Hoje visitei-o e vieram-me as lágrimas aos olhos.

Lembrei-me do meu amigo, do meu médico, do meu cliente, do Director e grande impulsionador deste Museu, o Senhor Major Médico, Dr. Figueira. Está lá a placa – 1993 -, no Grande Hangar com o nome dele.

Emocionei-me de tal maneira que não me lembro o que ela diz. Também me esqueci de a fotografar.


Perguntei por ele, mas ninguém o conhece - ou conhecia.

Também já lá vão tantos anos.

Fiz muitas reproduções fotográficas a seu pedido. Muitas delas estavam em tão mau estado que só a arte de homens desenhadores, que comigo trabalhavam, foram capazes de disfarçar o que estava mau, para fazerem parecer coisas bem "limpas".

E não haviam ainda PCs nem “Photoshops”. Refiro-me aos a
nos 80 do século passado.

Bom mas a que me queria referir neste poste é a lembrança da malta do Ultramar.

A colecção de "soldadinhos de chumbo", nossa lembrança da juventude, é uma coisa tão maravilhosa, tão grandiosa, tão completa, que ficamos horas olhando os milhares daquelas figurinhas.

Algumas delas, são cópias das que meu pai me coleccionava e que vinham nas embalagens de uns chocolates, acho que eram da Regina. E eram de lata.


Mas também lá está uma colecção de "soldados do ultramar".

A foto não está nada boa, mas dá para perceber.

Depois tem uma estátua, com a nossa ex-figura. Não há nada que referencie o autor dela. E tem um "boneco" fardado como nós fomos, de camuflado, mosquiteiro e essas cenas. Tem um acréscimo que só os oficiais usavam.

Mas porra, pareço eu, o raio do boneco. Parecemos todos, os que vestimos e usamos aquelas coisas.

Mas o mais interessante, e julgo que já houve um camarada que se referiu a eles, são os nossos pré-históricos rádios de transmissões.

















Não fui forte em fixar nomes, mas os camaradas que se lembram desses pormenores (Alô Victor, Alô Teixeira, Alô a todos os outros TRMS) ponham neles tanto o apelido como o nome real desses estranhos objectos que usávamos e que normalmente só nos complicavam a vida pelo seu peso, pois nunca funcionavam.


Imaginem os soldados dos USA a trabalhar com estas coisas. Imagino que davam em malucos.

Tema proposto para novas postagens: Os nossos aparelhos de telecomunicações no teatro de operações.

Um abraço para a Tabanca. E desculpem qualquer coisita.

Jorge Teixeira/Portojo
Fur Mil At Art




2. O nosso Camarada Jorge Teixeira (Portojo), tem os seguintes blogues de consulta obrigatória, riquíssimos em fotografia e pormenor de diversos lugares, para quem gosta de saber e conhecer:


Meus espaços:
Outros espaços:
A musica na minha rádio:


3. Quando recebi esta matéria do Portojo, enviei-lhe o seguinte e-mail:


Boa noite Amigo & Camarada J. Teixeira,

Não sei se sabes que o camuflado, que está no boneco, apresentado na penúltima foto é meu, bem como todo o restante equipamento.

Um dia emprestei tudo para a exposição itinerante "Testemunhos da Guerra do Ultramar/Colonial - 1962-1974" e uma vez acabada a exposição doei tudo ao Museu.

O Museu tem uma “Liga dos Amigos do Museu Militar do Porto”, que colabora com todas as actividades internas, tais como colóquios, seminários, exposições, etc.

Todos podem ser Associados da Liga, que está aberta principalmente àqueles que gostem de História Militar e relacionados, e da História de Portugal.

Cumprimentos Amigos do,
Magalhães Ribeiro


Fotos: © Jorge Teixeira (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:


quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4966: História da CCAÇ 2679 (26): Passeio fronteiriço e, A GMC e o coelho na coluna ao Gabú (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 12 de Setembro de 2009:

Carlos, camarada,

Mais dois nacos de prosa a ver se consigo dizer alguma coisa.
Como habitualmente espero que tenhas a paciência necessária, que antecipadamente agradeço.

Para ti e para a Tabanca vai um abraço fraterno.
José Dinis


Passeio fronteiriço

Entranhámo-nos no mato que adensava. Curiosamente o trilho desaparecera, mas, segundo a minha orientação, seguia numa direcção paralela à linha de fronteira, no sentido de Oeste para Leste. Se por um lado a caminhada era dificultada pela falta de caminho aberto, por outro, a sombra quase constante reconfortava do sol impiedoso. O patrulhamento prosseguia. Tínhamos que andar até outro trilho de ligação ao Senegal, observar eventuais sinais de actividade do IN, e interrogar algum paisano que circulasse entre aldeias de cá e de lá, na medida em que havia ligações familiares de cada lado dos marcos fronteiriços.

Depois de algumas horas de passeio inclemente, abancámos na orla de uma mata para o magnífico repasto proporcionado pela ração de combate proveniente da Manutenção Militar, marca exigente que contratava com os melhores fornecedores, devidamente acompanhado por casqueiro da Companhia e água da bolanha. Ninguém levava cerveja porque com tanto calor tornava-se quase indigesta.
Comia-se por obrigação, sem prazer, fartos do paladar do chouriço, da espécie de paté, da marmelada espremida de um tubo. Mas era o que dispúnhamos, e o que tem que ser, tem muita força. Da ração de combate só o leite achocolatado era geralmente incontestado.

Era um dia seco e quente no fim da época das chuvas. O pessoal descontraía-se na medida do possível, já que o IN também não se deslocava àquela hora. Dormiam alguns, galhofavam outros, e havia quem se isolasse com o pensamento no belo sexo da namorada.

Em certa ocasião, porém, já com o pessoal desperto, aproveitei qualquer alusão a acontecimentos fatais em consequência da guerra, para voltar ao assunto e, através da conversa, apurar a evolução do grupo, no que respeitava às capacidades lúcidas em situação de combate, e ao determinismo de cada um.

Ainda houve quem me respondesse que faria fogo de rajada, com intenção de intimidar o IN e mantê-lo à distância. Voltei a advertir que essa reacção era típica dos cobardes, tonta e perturbadora do grupo. Referi que cada tiro dado devia corresponder a uma intenção objectiva para eliminar o adversário. Que ninguém devia iniciar uma acção de fogo sem o meu consentimento. Que não perdoaria, se fosse nossa a iniciativa. Em caso de reacção, a cada tiro disparado teria que corresponder um inimigo abatido, e disso também não abria mão.

No geral, porém, a lição estava sabida, apenas notei que dois ou três nunca teriam a iniciativa de disparar, limitar-se-iam a fazer o que vissem fazer, nem imagino com que resultados. Repisei a ideia de que em situação extrema de guerra, em combate, o nosso êxito dependeria essencialmente da acção coordenada do grupo, e que a comunicação entre nós era primordial. Acrescentei que em caso de sermos atacados, devíamo-nos dispersar um bocadinho, sempre com a maior cautela, para garantirmos um espaçamento de segurança, e aparentar maior capacidade de resposta; e afastarmo-nos das viaturas e das árvores para evitar estilhaços de eventuais rebentamentos. Somente nos extremos do Pelotão deveriam estar pelo menos dois elementos, para melhor controle da situação. E devíamos ser tão calmos quanto possível para permitir a comunicação oral, gestual e visual.

Volta e meia era um chato, mas as noções parecia terem sido apreendidas e não houve sinais de enfado.

O pessoal agora brincava, que uns seriam nabos à vista do inimigo, e estes ripostavam que não lhes pedissem ajuda pelas aflições. Era bom o espírito e sedimentava a organização do Foxtrot. Intimamente só desejava que não houvesse necessidade de praticar estas teorias. Entre nós não havia vocações para heroísmos. Se esses actos acontecessem, que fosse pela melhor intuição para salvarmos a pele. Mesmo assim ainda deixaram uma critica velada, que alinhávamos demais, que tínhamos mais mato que os outros Pelotões, que parecia que eu gostava daquelas andanças.

Levantámos ferro de regresso a Bajocunda. No local deixámos as embalagens da M.M. como prova de que nos deslocávamos em toda a ZO da Companhia, mas em desacordo com as emergentes teorias ambientais.


A GMC e o coelho na coluna ao Gabú

Como periodicamente acontecia, calhou ao Foxtrot fazer a coluna a Nova Lamego. Todos os dias era garantida a picagem de Tabassi para Bajocunda pelo Pelotão que ali se deslocava para passar a noite. Entre Tabassi e Pirada competia a esta garantir a picagem. No sentido de Pirada para Nova Lamego não sei como se processava, mas não tive conhecimento de qualquer engenho ou acção do IN naquele percurso que, para nós, era da maior confiança, relativamente à ligação directa de Bajocunda para Gabu, menos quilómetros, mas piso mais difícil e segurança menos fiável. Acresce referir, que em Pirada morava o comerciante com melhores relações, quer com as autoridades senegalesas, quer com o IN, segundo alguma especulação. Por isso, só raramente nos deslocávamos pela estrada Bajocunda/Nova Lamego.

Como de costume, ao aproximar-me das viaturas, apesar do secretismo da organização, já se alojava nas carrocerias uma quantidade indeterminada de civis, principalmente mulheres, crianças e velhos, com animais domésticos para negócio ou oferta, mais sacos de milho ou mancarra. Como de costume, também, dirigi-me ao Capitão questionando-o se se responsabilizava pela segurança dos civis, ao que, repetidamente, ele respondia que era comigo levá-los ou não.

Devo referir que a minha atitude derivava de um auto de corpo-delito levantado a um alferes da anterior Companhia de Artilharia em Bajocunda, que ficou em Bissau a aguardar a decisão da Justiça Militar, em resultado da responsabilização pela morte de um civil a quem dava boleia, que se finou por ter dado uma cabeçada numa árvore durante a deslocação da coluna que ele comandava. Nestes considerandos eu não autorizava boleias a civis, era o único a proceder assim, e havia toda uma reacção daquela gente que, primeiro faziam-se desentendidos das minhas indicações, depois saíam das viaturas com a tralha e um argumentário pesaroso.

Ora, em primeiro lugar eu estava ao serviço do Exército Português, não ao serviço da população; em segundo lugar, se o Capitão se demitia de alguma acção social, não seria eu quem iria arvorar-se em bom samaritano, e correr riscos desnecessários. Naturalmente atraía o odioso da questão, mas não era relevante para mim.

A coluna deslocava-se como habitualmente, até que, no cruzamento de Sónaco, fizeram-me sinal para parar. Uma GMC estava no limite da temperatura do motor. Aberto o capot foi com surpresa que vi a cabeça do motor com a cor do fogo, dir-se-ia que prestes a fundir. Causou a admiração de todos, e logo aquela viatura que se destinava a carregar mercadoria. A razão era simples: fizera cerca de quarenta quilómetros sem correia de ventoinha, o que era absolutamente fantástico.

A coluna prosseguiu rebocando a velha GMC que, depois de passar pela oficina, regressou a Bajocunda cumprindo a função.

No Gabu, o pessoal precedeu às diligências do costume, carregavam a importante cerveja e demais mercadoria, alguém ia ao correio levar e trazer a correspondência, enquanto eu me apresentava ao Major que não me ligava peva.

Depois estávamos livres para almoçar.

Tinha por costume passar por um bar em frente ao Comando, lugar centralíssimo, onde o pessoal de diversas proveniências costumava afluir. Por vezes encontrava malta conhecida, trocávamos dois dedos de conversa, tomávamos cerveja ou aperitivo, martini ou gin, até abalarmos para comer.

Não sei como nem porquê, em Nova Lamego gostava de me encher com o coelho guisado, acompanhado por duas ou três cervejas, que amainavam o calor acentuado pelo guisado picante. Era a especialidade do último restaurante à direita, no inicio da estrada para Sónaco, no limite da localidade. O clima da Guiné não parece apropriado à criação de coelhos, e o negócio dos produtos congelados, naquele tempo, não estaria tão desenvolvido que fizesse chegar coelhos ao leste da Guiné. Tudo o indica, e cochichava-se, que comíamos gato por coelho. Mas era bom.

Pelas duas, duas e meia, uma viatura dava a volta pela localidade, recolhia o pessoal e regressávamos a casa, cerca de duas horas de viagem. Era quando o calor mais abafava. Depois do cruzamento para Pirada, e um pouco de andamento, chegávamos a uma fonte, e uma espécie de tanque, onde as lavadeiras exerciam o seu mister. Sobre a viatura eu transpirava abundantemente, em resultado da digestão, combinada com o calor ambiente.

Nesse lugar havia paragem obrigatória. Eu descia, cumprimentava as mulheres, e servia-me daquela sabonária enriquecida com insectos e outros pequenos organismos. Bebia uma cabaça daquela água. Não morria de sede, mas podia lerpar da aleivosia.
Depois disso era acelerar até Bajocunda.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4908: História da CCAÇ 2679 (25): Conversa com o Januário (José Manuel M. Dinis)