sábado, 15 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7618: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (14): Aquele domingo de festa no Bambadincazinho

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
Sei muito bem que partilham comigo a alegria daquele domingo de festa.
Segue-se a homenagem àqueles camaradas da Guiné que em Bambadinca partilharam angústias, mágoas e esperanças nos dias melhores.
Agora vou de viagem numa romagem de saudade.
Fiquem atentos.

Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (14)

Beja Santos

Aquele domingo de festa no Bambadincazinho

1. Na véspera, depois da visita à Ponta do Inglês, faz-se um alto em Amedalai, há sempre saudades de Mamadu Djau, há sempre nostalgia em virar à direita e visitar de surpresa Taibatá, Demba Taco e Moricanhe, há vínculos que nunca morrem. Eis senão quando, enquanto se espera a chegada de Mamadu Djau e família, chega com placidez mas com gestos determinados José Carlos Suleimane Baldé, 1.º Cabo da CCaç 12, já aqui apresentado, e a quem o Tangomau pedira uma lista dos soldados ali residentes para divulgar junto dos camaradas portugueses. José Carlos entrega ao Tangomau uma folha e este lê: “Os soldados africanos ainda com vida, para além de mim próprio, que vivo em Amedalai são Sori Modjo Baldé, Suleiman Baldé, Cherno Baldé e Bobo Gomó de Taibatá; de Amedalai temos Djambalo Baldé e Totala Baldé; de Demba Taco o Mamadu Sori Baldé; há um Califo Baldé do Cossé e outro Califo Baldé de Galomaro; e Dembra Djau de Bambadinca. Estes, tenho a certeza que estão vivos, mas a maioria já morreu”. E terminava com um apelo: “Furriel Reis, não te esqueças de mim, tu sabes que a crise aqui é permanente”.

O Tangomau lê e guarda a missiva destinada a quem em Portugal fez parte da CCaç 12. O cansaço é quase extremo, sente ânsias em percorrer com os olhos as bolanhas a partir do Bairro Joli, é para ali que Lânsana Sori o conduz. Irá presenciar um prodigioso lusco-fusco, tem na mão uma leitura falsamente ligeira “Maigret e o Cliente do Sábado”, desta feita o mais famoso comissário da polícia judiciária francesa é visitado aos sábados por alguém que chega e parte discretamente, um dia segue o comissário até casa e faz-lhe confissões dolorosas sobre a vontade que tem em matar a mulher. Léonard Planchon, tímido, titubeante, pesaroso, derrotado, pequeno industrial, foi escorraçado pela mulher, sujeita-se em viver na sua própria casa com o amante dela, seu colaborador. Se dúvidas houvesse quanto ao talento inconfundível, a arquitectura magistral dos diálogos, a descrição dos ambientes, a carga de ódio vivida em silêncio dos executores do crime, este livro de Georges Simenon dissipa as últimas reticências. Anoiteceu, o Tangomau vai descrever ao jantar, à Dada e ao Mio, enquanto bebe sumo de papaia, o que viu na estrada para a Ponta do Inglês e como gostaria de ter calcorreado pelos seus próprios meios a extensa bolanha do Poidom, entre Ponta Varela até à Ponta Luís Dias. Daquele fim de tarde ressuscita-se uma imagem em Amedalai, José Carlos está sentado entre Samba Gebo e Madiu Colubali. Repare-se na firmeza do olhar, a pose séria, importa não esquecer que ele quer dar um sinal de vida aos camaradas da CCaç 12 que ele não esqueceu, até porque ele sabe que os seus SOS têm chegado a bom porto. E continuarão a chegar.



2. O Tangomau já prevê, antegoza, as alegrias da festa deste domingo, 28 de Novembro. De manhã à tarde, sem subterfúgios, ele pertence a quem viaja de longe ou de perto, é um dia para matar saudades, para estar sentado e recordar vivos e mortos, pedir ao Deus misericordioso que lhes dê mais esperança, a começar pela esperança de vida, pois mesmo com artroses, os corpos esquálidos, os olhos doentes, não há nada de mais lindo do que ir ao encontro de quem nos estima e não nos esqueceu – o Tangomau aprendeu com esta voz silenciosa que os sinais da esperança são como os do amor, intempestivos, imprevisíveis e que impactam uma extrema doçura, dá mesmo vontade que se repitam pela vontade desse mesmo Deus misericordioso. Chegou Calilo Dahaba, primeiro as vitualhas para o Bairro Joli, a seguir as azafama do foleré, a saber a carne de vaca que já se encomendou àquele energúmeno Rachide, o mesmo que teve audácia em mandar carne pode para o Bairro Joli, desta vez faz-se a encomenda na presença de vários latagões de olhar frio, avisa-se mesmo que se a carne tiver vício oculto ele a comerá toda, incluindo os ossos; segue-se a ida à praça, à procura de batata inglesa, batata-doce, candja, orégãos e djacatu; o resto é comprado nas lojas dos mauritanos e dá pelo nome de alho, calda de tomate, óleo, sal e cebola. Parecem detalhes insignificantes, não é? Pois não são, comprar é uma epopeia, parece um rally paper, de uns sítios somos atirados para outros, há faltas aparentes que acabam por ser supridas graças a uma informação benfazeja. Faltam as bebidas frescas, álcool é impensável, seria tomado como gesto afrontoso, estamos entre fulas, mandinga e beafadas, aqui prevalece o Corão. É nisto, de comprar e levar os carregamentos até Aidjá, a sacerdotisa da cozinha que surge M’Fon Na Bra, comandante de bi-grupo em Ponta Varela, também já referenciado. Vem por dois motivos: tirar fotografia, pois agora somos amigos, nada de bazucadas nas embarcações do Geba, como há 40 anos atrás; e vem mortinho de curiosidade, nunca acreditou naquela festa, confessa-se surpreendido com gente que chega de vários regulados. “Tira fotografia, branco!”. E branco tira fotografia, pois.



3. Não vale a pena esconder as afinidades afectivas, Mamadu Djau merece sempre um retrato à parte. De manhã ao entardecer, o Tangomau não se cansará de recordar o que lhe deve, no fundo o que todos lhe devem, o que ele não esqueceu e até já registou em dois livros, e sempre comovido. O que ele gostava mesmo era que o Mamadu tivesse um telemóvel, para haver uma conectividade permanente, nos dias bons e nos dias maus, nos dois sentidos. O pretexto hoje para a conversa foi a Ponta do Inglês, o que ali se sofreu. Mal sabe o Mamadu que alguém vai estar atento ao apelo do Tangomau lá no blogue. Trata-se do camarada Manuel Bastos, que viu nascer o destacamento da Ponta do Inglês e quer prestar declarações pormenorizadas. Como vai acontecer. Mamadu olha a câmara, está pimpão, sente-se bem, vai falar pelos cotovelos com aquela discrição habitual dos valorosos genuínos.



4. Depois das efusões chegam as petições, inexoravelmente. Quem vive à míngua, tem sempre coisas a pedir: dinheiro, um visto, um bem de consumo, por exemplo. O Tangomau bem se esforça por considerar estes pedidos dentro da esfera da lógica, não é fácil. Estes camaradas vêm à espera de um milagre, foi dito uma vez, mil vezes se escrevesse e tudo continuaria incompreensível: se ele veio é porque recebeu mandato do presidente da República ou do primeiro-ministro para nos dar uma pensão; se não pode dar uma pensão, compete-lhe dar-nos um jeito à vida, não se viaja de um Eldorado até este vulcão de precisões só para dar abraços e falar na dignidade e na admiração, coisas assim, o que nós precisamos é de comer, ter uma bicicleta, ir ao médico ou fazer operação, confiarmos no futuro, não vivermos entre a vida e a morte sem lhe conhecer a fronteira. O Tangomau enquanto ouve estas petições lembra-se do dia em que lhe apareceu Abudu Cassamá, que era um menino com as costas retalhadas devido à deflagração de uma granada incendiária, eventos vividos em Finete, corria o ano de 1967. Pois voltou a vê-lo em 1991, apareceu-lhe bem crescido e com uma cabeleira de juba de leão. Abraçou-o mas Abudu vinha exigente na petição: um rádio, um relógio e um saco de arroz. O Tangomau sentiu-se amargado, demorou a digerir o que considerou um encontro interesseiro, esquecido que há diferenças substanciais nas relações entre as pessoas que têm acesso aos bens e as que tudo lhes é negado. É esta a realidade, mas dói muito todos estes encontros com petições possíveis e impossíveis. Por isso o Tangomau chora, rendido, vergado pela força do destino. E assim começou a festa, com toda aquela gente a cirandar, aproveitando as sombras dos alpendres. O Tangomau está esfuziante com a alegria de todos.



5. O foleré parece bem apetitoso, é uma da tarde, as bajudas trazem cântaros de água refrescada, mais tarde virão os gelados, depois a fruta. O Tangomau não pára, vagabundeia, pede opiniões, faz perguntas insólitas a Djiné Baldé, a Sadjo Seidi, ao Príncipe Samba, dá-se ao cúmulo de misturar o passado com o presente, de exigir que todos fiquem com trabalho de casa, uns haverão de encontrar Quebá Sissé, Adulai Djaló, Jobo Baldé, Tomani Sanhá, Sadibi Camará, entre outros. Hoje não aceita que lhe revelem mais mortos, os vivos serão procurados e em tal convocatória referir-se-á, assim pede a todos os mensageiros, que se deixam abraços sem fim, votos de felicidade e longa vida.



6. Os estômagos estão saciados, todos recusam estar mais tempo vergados sobre as caçarolas da bianda. O Príncipe Samba informa que vai fazer um discurso, tem coisas importantes a dizer. Mas é Fodé quem abre as hostilidades, como se estivesse a gritar para que toda a vizinhança ouvisse até ao porto de Bambadinca, esclarece que recebera uma carta do Tangomau a pedir-lhe suporte para uma viagem/romagem, ele fez o que pôde, justifica-se, pôs os carros de combate ao serviço da missão, telefonou e enviou mensagens. Queria que todos soubessem que este encontro nada tinha a ver com a guerra do passado, eram saudades entre camaradas. É nesta vociferação que Fodé se comove, embarga-se-lhe o discurso, chora corajosamente, lembra o acidente que o vitimou, lembra o Cuor, diz que lamenta estar cego e não poder ver todos aqueles com quem esteve na picada. O Príncipe Samba toma a palavra, o Tangomau sente a pele de galinha, Albino Amadu Baldé parece um profeta, inicia a sua oração dizendo: “Em nome do Deus misericordioso a quem devemos a existência, aqui estamos a prestar contas desta amizade imorredoira, pedi vezes sem conta para rever este inesquecível amigo, é bom rever quem já tinha esquecido, quer que todos saibam que vou guardar lealdade a este amigo até Deus me subtrair a existência. Aqui estou a responder à chamada. Daqui não partirei sem orar a Deus por todos nós, que tenhamos paz e que se cumpra a justiça”. Como se tivesse passado ali um trovão, mal se calou cavou-se um silêncio profundo. Foi então que o Tangomau se levantou, pediu a todos que se formasse um círculo, como em Missirá ou em Finete, pois ia falar e pedia ao Príncipe Samba para traduzir em crioulo. Estava tão exaltado, sentia uma tal beatitude que quando mais tarde alinhavou as notas do evento esqueceu o essencial da prosódia. Terá dito coisas como isto: estou a viver um dos mais belos momentos da minha vida, sim, Deus é misericordioso ao dar-me esta oportunidade, chegar a Madina de Gambiel e ser reconhecido sem me apresentar, ter batido à porta desta casa Manco Cotou, aquela mulher que ficou ferida na explosão da granada incendiária que também feriu o Abudu Cassamá, com um sorriso nos lábios disse nunca me ter esquecido, olho para todos vós e recordo as atribulações vividas, agradeço-vos terem vindo, amo-vos muito e quero exprimir a gratidão que sinto por tudo quanto me deram em dedicação. E sentou-se prostrado pelo peso da declaração. É nisto que vê Zeca Braima Sama que tudo grava e fotografa e que também pede a palavra para dizer que é uma das mais lindas cerimónias de toda a sua vida. Os que vão para mais longe anunciam que chegou a hora da partida, vão fazer oração e de bicicleta ou toca-toca regressarão a suas tabancas. Dispara-se uma fotografia e é neste entremês que o Tangomau começa a soluçar, temeroso pela despedida. Atenda-se à solenidade dos rostos, ninguém acredita que é um encontro de antigos combatentes, parece uma reunião de antigos alunos, um grupo excursionista, coisa que o valha. Mas não, estes são alguns dos homens que acompanharam o Tangomau até à quinta dos infernos. Que esta imagem consagre essa lealdade e essa dedicação.



7. Agora reina a confusão, os que partem querem tirar fotografia com os que ficam, o Tangomau deixa seguir, que se misturem, que se divirtam, que acamaradem. Siga a festa!



8. O Príncipe Samba anuncia a oração. O Tangomau pede licença para captar o momento, está autorizado. É a oração da tarde, Deus seja mil vezes louvado por tudo quanto criou e que os homens o louvem com o coração brando, imaculado. O Tangomau não sabe se é exactamente isto que se está a passar, Albino avisou que ia rezar por todos. Então, que haja louvor por todos estes homens que até durante a guerra foram sinceramente louvados.



9. A glorificação está praticamente no fim. Quem vai para o Corubal ou para os fundos dos Cuor, até mesmo para o Enxalé, abraça quem fica. Há muitos olhos líquidos, vozes embargadas, compreende-se. Faz parte das leis da vida que não se pode brincar ou apoucar o irrepetível. E partem. Ainda há mais conversa, naquela cálida tarde. É nisto que se ouve o ribombar da motocicleta do Lânsana Sori, está marcada para agora a última viagem desta peregrinação nos arrabaldes de Bambadinca. É uma homenagem ao Luís Graça e à CCaç 12, vamos a locais inesquecíveis, que a todos marcou. O motociclo arranca, pela estrada diz-se adeus a quem prossegue até casa. Adeus e até ao meu regresso. É no meio destes acenos que o Tangomau indica o último destino deste último dia deste local onde viveu e combateu qualquer coisa como dois anos.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7590: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (13): Os mistérios da estrada da Ponta do Inglês

Guiné 63/74 - P7617: Blogpoesia (108): HERÓIS e heróis (Manuel Maia)

1. Mensagem de Manuel Maia* (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), com data de  13 de Janeiro de 2011:

Carlos,
Com um grande abraço de amizade, envio daqui mais umas cinco sextilhas subordinadas ao tempo acima referenciado.


HERÓIS e "heróis"

A todos, "camarigos" meus, guinéus,
aos vivos e aos mortos lá nos céus(?)
HERÓIS que fostes, sempre tão sofridos...
Aqui vos agradeço a amizade,
Se a uns evoco só como saudade,
abraço os outros pelos tempos idos...

Mandantes e mandados fomos todos,
sob outros mandos, muitos, sempre a rodos,
em guerra desse nome só p`ra alguns...
Proporcionalidade inversa aos p`rigos,
tem o militar posto ante inimigos,
de capitão p`ra cima, são nenhuns...

E capitães, insisto, milicianos,
que os outros nessa guerra eram "paisanos"
perdidos entre REPS de Bissau...
Nas guerras de alecrim e manjerona,
dos pionais, marcando zona a zona,
na capital havia a dar com pau...

No mato, onde elas cantam é que contam,
soldados, carne e osso, se amedrontam
perante a emboscada ou flagelação...
No ar condicionado, os soldadinhos,
de chumbo tal qual lindos brinquedinhos,
"heróis" os manuseiam, pois então...
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7613: Blogpoesia (107): A liberdade é inata no poeta (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P7616: Efemérides (60): 17º Aniversário do Monumento Nacional aos Combatentes da Guerra do Ultramar



17º Aniversário da inauguração do Monumento Nacional aos Combatentes da Guerra do Ultramar

Hoje dia 15 de Janeiro de 2011, decorrem 17 anos sobre a data da inauguração oficial do Monumento Nacional aos Combatentes da Guerra do Ultramar, localizado na margem direita do Rio Tejo, junto ao belíssimo Forte do Bom Sucesso, em Belém, Lisboa.
Sugere-se a todos os ex-Combatentes, seus familiares e Amigos, que o possam fazer, se desloquem até junto deste nosso Memorial Nacional e ali coloquem flores homenageando assim aqueles cerca de 10.000 portugueses que, pela Pátria, faleceram em África.
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Nota de M.R.:
Vd. o poste anterior desta série em:
9 de Dezembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7412: Efemérides (58): 1.º aniversário do lançamento do livro História de Portugal em Sextilhas, de Manuel Maia

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7615: (De)Caras (6): A emboscada às NT na estrada Galomaro-Bangacia (Duas Fontes), em 1/10/1971: o relim do comandante do PAIGC Constantino dos Santos Teixeira, Tchutchu



Guiné > PAIGC > Comando da Frente Bafatá > Gabu Sul > 1971 > Comunicado, assinado por Constantino dos Santos Teixeira (Tchutchu), sobre os resultados da emboscada montada pela guerrilha  a 2 secções  da CCS/ BCAÇ 2912 (Bafatá, 1970/72) e 1 secção da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72), na estrada Galomaro - Bangacia (ou Duas Fontes), em 1 de Outubro de 1971 (vd. poste P7604)(*)


Cópia de documento do Arquivo de Amílcar Cabral / Fundação Mário Soares, reproduzido, na página 67, no catálogo da exposição de fotografia do Américo Estanqueiro. É um notável documento, objectivo, sucinto, escrito em português, e revelador dos valores, da organização e da disciplina  dos combatentes do PAIGC (**)...

Reprodução do documento, segundo leitura, revisão e fixação de texto de LG:


Comando Frente Bafatá. Gabu Sul, 7/10/71

Comunicado

Dia 10/1/71, os nossos combatentes numa emboscada feita na estrada Galomaro-Bangacia conseguiram destruir dois camiões militar[es], [sendo a] maioria dos ocupantes liquidados; deixaram no terreno 6 mortos confirmado[s] pelo nosso c/ [camarada ?], e apanharam 5 espingardas G-3 e alguns carregadores da mesma arma, e apanharam 2 relógios, trezentos e dois escudos e cinquenta centavos  (302$50) , [mais ] nove (9) vacas onde mandaram 5 para Quembera [ou Kambera], e ficaram com 4 no interior do país.


O c/ [comarada ?] Paulo Maló (***) mandou-me dizer para pedir à direcção do Partido, para que o c/ [camarada ?], M’ Font Tchuda (?) N’ Lona estava sem relógio[;], resolveram deixá-lo com um dos dois relógios apanhados durante a acção. Também trouxeram um prisioneiro, ele encontra-se con[n]osco.
Durante a operação tivemos dois feridos não grave[s], são eles Canseira Sambu, N’ Dankena (?) N’Hada.

Segue[m] com o portador as 5 espingardas G-3 apanhadas ao inimigo, e os outros objectos.

Saudações combativa[s].

[Assinatura:] Constantino dos Santos Teixeira (Tchutchu) [,foto a seguir]



Guiné > PAIGC > Fevereiro de 1968 > Constantino dos Santos Teixeira, Tchutchu, um comandante que se distinguiu na Frente Sul, mas que em finais de 1971 liderava a Frente Bafatá / Gabu Sul. Foi camarada de recruta, em Bissau, em 1959, do nosso camarigo, hoje sargento comando reformado e compositor musical, Mário Dias.

Foto de John Sheppard / Granada TV, publicada  no livro de Basil Davidson,   The liberation of Guine: aspects of an African revolution, (Middlessex, Penguin Books, 1971) (Reproduzida aqui, com a devida vénia aos autores e editora...)



2. Informação adicional introduzida em comentários ao Poste 7604 (*) pelo Paulo Santiago (2.1.), Abreu Santos (2.2.) e Luís Dias (2.3):

2.1. Paulo Santiago (ex-Alf Mil At Inf, Cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72):

(...) "Não foi emboscada a uma coluna, tratava-se de um patrulhamento... E agora reparem nas horas, 20.30... Fazer um patrulhamento nocturno, montado em viaturas, deu em tragédia.

"Culpados? Octávio Pimentel, comandante do BCAÇ 2912 (Galomaro) (****) que mandou executar, e o Cap Santos, comandante da CCS, que executou sem normas de segurança, acabando por abandonar os mortos e os feridos, regressando a pé ao quartel, com a desculpa de vir em busca de ajuda.


"Não estive lá, mas estava uma secção do meu Pel Caç Nat 53, comandada pelo Fur Mil Martins, e o Sold Iero Seidi foi ferido com alguma gravidade, sendo evacuado para o HM 241. Também o 1º Cabo Mamadú Sanhá foi ferido ligeiramente". (...) 

2.2. Abreu dos Santos [, nosso leitor, camarada de armas em Angola, e estudioso da guerra do ultramar, a quem agradeço a precisão e oportunidade da informação]:

(...) "Informação sobre as 8 (oito) baixas mortais nas NT, resultantes de emboscada IN lançada  mais ou menos às 20:30 de 1 de Outubro de 1971 no sítio das Duas Fontes (itinerário Bangacia > Cansamba), a duas secções do Exército compostas por militares do BCaç 2912 (Pel Rec/CCS, 4º Gr Comb/CCaç 2700 e Pel Mil 288 / CCaç 2700):

(i) falecidos no local: Alfredo Tomás Laranjinmha (CCS); José Guedes Monteiro (CCaç 2700);  José Peralta de Oliveira (CCS);  Leonel José da Conceição Barrreto (CCS); Rogério António Soares (CCaç 2700).

(ii)  feridos graves, evacuados e falecidos no HM241: Luís Vasco Fernandes (CCaç 2700, em 5Out71) José Ferreira (CCS,  em 6Out71) e Iderissa Candé (Pel Mil 288, em 20Out71)" (...)


2.3. Luís Dias (ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74):

(...) Sou amigo pessoal de um dos intervenientes nessa emboscada, o ex-furriel Mário Bordaleiro, que me contou o que aconteceu e que o Paulo Santiago reproduz aqui muito bem. Uma desgraça, patrulhas nocturnas em viaturas de luzes acesas, em que muitos dos intervenientes não eram atiradores! (...)

[Revisão / fixação de texto: L.G.] (*****)
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 13 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7604: Facebook...ando (7): A terrível emboscada sofrida por uma coluna da CCS/BCAÇ 2912 (Bafatá) e CCAÇ 2700 (Dulombi) em 1 de Outubro de 1971, às 20h30, na estrada Galomaro - Duas Fontes (Bangacia)... (António Tavares / Carlos Filipe / Juvenal Amado / Américo Estanqueiro)



(***) Deve tratar-se de Paulo Malú, hoje coronel [reformado ?] do Exército da República da Guiné-Bissau, e quadro superior das alfândegas, em Bissau [, foto à esquerda, na sede da AD - Acção para o Desenvolvimento, 2007, quando entrevistado pelo nosso amigo Pepito]; na altura, em 1971/72,  ele era o comandante ou chefe do bigrupo que emboscou, no Quirafo, forças da CART 3490 (Saltinho, 1972/74), causando mais de duas dezenas de mortos e um prisioneiro (o nosso António da Silva Batista, só libertado em depois do 25 de Abril de 1974)

Vd. poste de 12 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago).

(****) BCAÇ 2912, mobilizado pelo RI2, partiu para a Guiné em 17/5/1970, e regressou `sa Metrópole em 23/3/1972. Esteve sediado em Galomaro (Zona Leste). Cmdt: Ten Cor Inf  Octávio Hugo de Almeida e Vasconcelos Pimentel.  Subunidades de quadrícula: CCAÇ 2699 (Bissau, Cancolim, Cap  Mil Art  João Fernandes Rosa Caetano);  CCAÇ 2700 (Dulombi,  Cap Inf Clos Alberto Maurício Gomes);  CCAÇ 2701 (Saltinho, Cap Inf  Carlos Trindade Clemente).

(***** ) Último poste desta série > 21 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7154: (De) Caras (5): Silate Indjai, um dos primeiros guerrilheiros do PAIGC a entrar em Guileje, dirige agora os trabalhos de detecção e limpeza de UXO (Pepito)


Guiné 63/74 - P7614: Notas de leitura (188): Lugares de Passagem, de José Brás (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
Ainda me assaltou uma réstia de pudor, andei a apresentar o livro e agora venho a terreiro mostrá-lo dentro da tabanca. Importa esclarecer que é um belíssimo testemunho, implicitamente convoco todos a lê-lo e a reflectir se não devíamos seguir-lhe as pisadas…

Um abraço do
Mário



Numa sala de espelhos estilhaçados, lembranças de partidas e chegadas

Beja Santos

José Brás ganhou notoriedade no campo das letras, em 1987 com um livro cheio de verdor, originalidade e comoção: “Vindimas no Capim” (Publicações Europa-América, 1987). Escudando-se num alter-ego, Filipe Bento, um homem com mais de 40 anos, nascido na Estremadura, entre vinhedos, rememora a Guiné e outras coisas mais.

Acompanhamo-lo nos preparativos bélicos, este Filipe escreve numa linguagem de caserna, desabafa, é pletórico, não esconde as zangas e até raivas bem direccionadas. A sua circunstância na Guiné andou à volta do mais áspero que havia no Sul, mas sempre a propósito (e sempre que lhe deu na gana a despropósito) veio matar saudades até Alenquer, Vila Franca de Xira e praças afins. Deixou-nos algumas águas fortes indispensáveis para juntar ao puzzle que um dia alguém irá urdir sobre as muitas guerras daquele teatro de operações, já que na guerra colonial qualquer descrição, cruenta, pungente ou até emocional, tem que ser vista à lupa do local, do ano e de algumas contingências fortuitas já que qualquer um daqueles combatentes poderia ter dito sobre a sua guerra o que Ortega y Gasset tinha dito mais de 50 anos antes: “Eu sou eu e a minha circunstância”. Para o caso, José Brás deixou-nos páginas admiráveis da sua infância, da sua vivência em meio telúrico, de uma guerra que começou pelas sortes, pelas escolas de sargentos e culminou nos arredores de Guileje. Depois, José Brás remeteu-se ao silêncio.

Ressurge agora com “Lugares de Passagem”. Não regressa à Guiné, na plenitude, mas não esconde as memórias bem sulcadas. “Não é um livro de contos, não é um romance, não sei se é o que quer que seja, a tal viagem de partidas e chegadas aparentemente desligadas umas das outras mas que o leitor ligará por invisível fio paralelo e exterior, segundo a leitura de cada um, como se insinua nas apresentações iniciais”. Assim se refere a este regresso de Filipe Bento que desta feita até se disfarça de outros nomes só para apoquentar e muitas vezes desorientar o leitor incauto: “Lugares de Passagem”, por José Brás, Chiado Editora, 2010. É uma narrativa caudalosa, se houvesse que encontrar enquadramento literário chamar-se-ia “roman fleuve”, é uma torrente líquida de visões, de memórias, viaja-se por dentro da gente, um sexagenário disfarçado de diferentes múltiplos tem muito que contar sobre tantos lugares e até não lugares por onde cada um de nós passa. Algumas das páginas mais admiráveis ficam condicionadas à experiência da guerra da Guiné. Não é por acaso que o livro é dedicado ao Luís Graça, criador do mais importante blogue sobre a guerra da Guiné, “Luís Graça & Camaradas da Guiné”. Como é inevitável nestes relatos, homenageiam-se camaradas e feitos tidos por improváveis, naturalmente imprevisíveis. Oiçamo-lo, logo no arranque de tanta rememoração:
“Era um tipo de bom talhe físico, exuberante em trejeitos e maneiras de falar, assim como… como costumamos chamar de femininas, esquecendo que dentro de cada homem, mais nuns que noutros, existe sempre, também, uma parte da mãe que nos pariu.
Os soldados logo ali se reuniam em cochichos e olhares de lado, risinhos abafados, e tal.

Aí a meia viagem, sei lá, a uns cinquenta metros, se tanto, de uma ligeira curva à esquerda, as rajadas estoiraram no coração de cada um.

O Unimog da frente, directamente atingido por fogo feito a poucos metros, chupa com uma rajada em cheio, começa a travar, sai da estrada e mobiliza-se logo ali, ligeiramente atravessado, ligeiramente inclinado em pranchamento à direita mas ainda com parte da carroçaria na estrada.

Dos ocupantes da cabine, um alferes apanhou com três balas na perna, um soldado negro da Aldeia Formosa que havia apanhado boleia no DO só para vir matar saudades que tinha da malta, leva também a sua conta, dois soldados mortos na carroçaria, um que nem chegou a levantar-se, tendo caído de imediato sobre umas baterias que viajavam connosco para substituições, outro que se levanta, é atingido e malha no pó ainda antes da paragem da viatura.

O Cabo Calçada é apanhado já em pleno salto. Uma rajada nas costas que lhe há-de levar a maior parte de um pulmão, deixa-o também fora de combate.

Isto tudo passa-se em menos de um ai, por assim dizer, que nestas cenas, soldados sentados no duplo banco corrido da carroçaria de um Unimog, têm molas nas pernas e não iriam esperar que a viatura parasse para comodamente dela descerem. O fundamental é que aquele Cabo Enfermeiro mostrou a serenidade devida, o arrojo inesperado. E quem dele cochichava passou a admirá-lo.

São lugares de tensão e emoção, voltamos à Estremadura depois até temos uma profissão, no caso em apreço o antigo combatente passa a comissário de bordo, percorre mundo, torna-se sindicalista, até foi dinamizador cultural, fez teatro, andou por actividades autárquicas, e por aí anda, activo, depois de ter sido instrutor de voo, lá para o Alentejo, onde está radicado. Com a idade, lança-se mais as contas à vida, há raivas que não se digerem, há injustiças que não se silenciam, há choros que não se querem conter. Comparativamente às “Vindimas no Capim”, o estilo é mais enxuto mas não menos retórico, é profundamente lírico, e, coisa curiosa, as dores da Guiné ali estão todas, nos rigores da cartografia, dos nomes dos camaradas, dos dias e das horas da provação. No outono, o autor recorda-nos aquele princípio inabalável que vem no ditado popular: “eu sou devedor à Terra/ a Terra me está devendo/ a Terra paga-me em vida/ eu pago à Terra em morrendo”. É um comentário sereno, em jeito de balanço. Porque se a ficção existe ela é menos contagiosa, muito menos exaltante que todos os lugares de passagem que deram fermento à nossa infância, à nossa guerra, aos nossos amores, a todos os aviões por onde viajámos, entre todos os aeroportos do mundo. José Brás fez bem em regressar. Há mais mundo depois da guerra da Guiné. Mas é tocante que ela não tenha perdido lugar na circunstância de todos os lugares de passagem deste autor.
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Notas de CV:

Vd. poste de 12 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7596: Lugares de passagem, de José Brás (2): Amigos e camarigos presentes na sessão de lançamento, em Loures, 6 de Janeiro de 2011

Vd. último poste da série de 13 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7607: Notas de leitura (187): Os Portugueses na Guiné, de Mário Matos e Lemos (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7613: Blogpoesia (107): A liberdade é inata no poeta (Manuel Maia)

1. Mensagem de Manuel Maia* (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), com data de  12 de Janeiro de 2011:

Carlos,
Aqui vão mais quatro sextilhas reportadas ao título acima referenciado.

Um grande abraço
manuelmaia


LIBERDADE

A liberdade é inata no poeta.
Se a autoridade a mata co`a grilheta,
renasce num sem fim, com mais pujança...
A liberdade é um hino à criação,
tranquilidade, paz, fascinação,
e tenho cá p`ra mim... última esperança...


Se o pensamento faz dum fraco forte,
não há tormento que homem não suporte,
se a cara à luta não virar de vez...
O abatimento repudia, a mente,
humilde sim, mas não subserviente,
o homem vertical, assim se fez...

Grilhões da tirania, opressores,
travões à fantasia, castradores,
em vão tentam suster o pensamento...
Sejamos pois poetas, verticais,
ousemos outras metas, ideais,
de sociedade nova, qual fermento...

Se poetando sigo em liberdade,
e vou rimando a vida co`a verdade
buscando meu caminho verdadeiro...
Rimemos de mãos dadas procurando,
a solução que a Pátria está buscando,
p`ra fuga ao lodaçal, ao atoleiro...
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7599: Blogpoesia (106): Homenagem (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P7612: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (41): Na Kontra Ka Kontra: 5.º episódio




1. Quinto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 13 de Janeiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA



5º EPISÓDIO

Chega a hora do jantar e a refeição já ia ser servida à mesa, então improvisada. Aqui, o Alferes Magalhães, devido ao seu estado de alma, a pairar nos ares como jagudi à procura de comida, comete uma imprudência que lhe podia ter ficado muito cara, no mínimo impedindo-o que à noite, no “bentem”, pudesse conduzir a conversa no sentido de obter informações sobre o fanado praticado na tabanca, sobre a idade de casar das bajudas, sobre cabaços e duma forma geral sobre tudo que o aproximasse da bajuda Asmau. Obsessão, efeitos do clima, ou muito simplesmente amor à primeira vista?

Ao lusco-fusco, verdadeira hora H do mosquito, vão jantar ou como é costume dizer-se, meter os pés debaixo da mesa. O nosso Alferes, que pairava noutro planeta, é o único que vai jantar de calções. Confraterniza-se verdadeiramente pela primeira vez. A conversa prolonga-se até porque tinham trazido uma garrafa de bagaceira e se beberica um pouco. Ao levantar-se o Alferes dá um ai. Tinha sentido, detrás dos joelhos logo acima da barriga das pernas uma sensação como que de queimado. Veio a verificar-se que tinha sido picado por centenas de mosquitos. O elemento que tem as funções de enfermeiro apressa-se a besuntar os inchaços com uma pomada apropriada.

O nosso Alferes não se livra de ter alguma febre e tem que se ir deitar por lhe custar a andar. A conversa que tanto queria ter com o João Sanhá tinha que ficar adiada.

No dia seguinte bem cedo, já meio recomposto, dirige-se à fonte com a intenção de orientar a construção de um resguardo, à base de folhas de palmeira, para os militares poderem tomar banho resguardados das lavadeiras. Vai tomar o seu banho, mas sobretudo ver se aparece por lá novamente a bajuda Asmau. Tem esperança que, por ser filha do Chefe de Tabanca, saiba falar algo de português. Não é a falar que a gente se entende?


O resguardo para a tropa tomar banho e o Alferes Magalhães observando a nascente.

O resto da manhã, “com o Sol encoberto” passa-o a posicionar o abrigo do morteiro. Um grupo de milícias encarrega-se de ir buscar troncos de palmeira para a cobertura do abrigo da população civil. Como havia canas secas de milho em grande quantidade foram espalhadas junto ao arame farpado, nos locais mais problemáticos, para se sentir qualquer aproximação ao arame farpado por parte de guerrilheiros, durante um possível ataque.

Depois do almoço e da sesta, que mais uma vez não aconteceu pois a cabeça do nosso Alferes era um turbilhão de ideias não contraditórias como costumava acontecer, mas centradas na Asmau sua ideia frontal. Foi pois orientar os trabalhos. À noite não deixaria de ter a conversa com o João para tirar tudo a limpo. Puro engano.

O radiotelegrafista tinha montado uma antena dipolo orientada para Galomaro, tendo logo nessa tarde chegado a primeira mensagem do Comando, ordenando que se fizesse no dia seguinte uma operação de reconhecimento, na zona da antiga tabanca de Padada.

Lá se ia, novamente, por água abaixo a conversa com o João.

Havia que combinar tudo: Pessoal que ia, armamento que se levava e sobretudo deixar instruções bem definidas ao pessoal que ficava na tabanca. Caso ouvissem rebentamentos para o lado de Padada pediriam apoio aéreo, pois não há meios rádio móveis. Adiada a conversa resta a esperança. Seria no dia seguinte? Provavelmente não. Iriam ser percorridos uns 25 ou 30 quilómetros carregados com armas, carregadores e granadas, debaixo de uma temperatura a rondar os 40 graus com uma humidade de cem por cento e, portanto, iriam todos chegar exaustos.

Fim deste episódio

Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd.último poste da série de Guiné 63/74 - P7605: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (40): Na Kontra Ka Kontra: 4.º episódio

Guiné 63/74 - P7611: (Ex)citações (125): Os prazeres do blogue: reconhecer caras de pessoas que conheci numa outra vida: CCAÇ 6 (Bedanda, 1972/73)

1. Comentário de José Vermelho (aqui na foto, ladeado à direita pelo camarigo Vasco Santos) (*):

OS PRAZERES DO BLOGUE!


Mais uma vez tenho o grato prazer de rever caras de pessoas que conheci numa..."outra vida".


Acontece de novo com estas fotos de camaradas da CCAÇ 6, Bedanda, onde estive de Maio/Junho de 1972 a Fev/Março de 1973.



E começo logo por destacar na 1ª foto [, à esquerda,] o  Alf Carvalho (de patilhas e bigode) que, por acaso, até era o comandante do 2º Grupo de Combate, do qual eu fazia parte.
a 2ª foto (equipa de futebol), está o Alf Mil Carvalho em pé, à esquerda. 

Também em pé, mas à direita, está o Fur Mil Cabeças. Em baixo, à direita está o Fur Mil Enf Dias.

[O Mário Bravo é o segundo da primeira fila, a contar da direita].

Na 3ª foto, o Alf Mil Carvalho, de camisola escura, a dar uns toques.

[O Mário Bravo, em segundo plano, de camisola branca].
Na 4ª foto [ , à direita,], o Carvalho, de perfil, [, de patilhas,] à direita.
Na foto da Farra [ em baixo], lá estão o [Fur Enf Mil ] Dias, o [ Alf Med Mil] Mário Bravo, o  [, 1º Cabo Cripto] Vasco Santos.

É claro que, nas várias fotos, estão outras caras que reconheço mas a que já não consigo associar os nomes.
Curiosamente, não me lembro se eu e o Dr. Mário Bravo ainda chegámos a ser contemporâneos em Bedanda.

É um prazer ver aqui a foto actual do Pinto Carvalho uma vez que palmilhámos juntos trilhos, mata e bolanhas da zona de actuação de Bedanda.
Também é um prazer ver o Dr. Mário Bravo e o Carlos Azevedo actuais.

Propositadamente, deixei o Vasco Santos para o fim. É que, através do Blogue e com uns mails, reencontrámo-nos 37 anos depois. O que foi um grande prazer.

Um grande abraço para os nomeados
Extensivo a todos os outros

José Vermelho
Ex-Fur Mil
CCAÇ 3520 - Cacine
CCAÇ 6 - Bedanda
CIM - Bolama

2. Comentário de L.G.:

José Vermelho, sem mais demoras, vais direito (e directo) para a nossa lista de tabanqueiros, depois de me teres manifestado há dias, em Loures, no lançamento do livro do Zé Brás, o desejo de formalizar, mais uma vez,  a tua entrada no nosso blogue.

Já temos fotos tuas, actuais, falta-nos apenas um (ou mais) do tempo de militar da tropa em Cacine, Bedanda ou Bolama...

Devo dizer-te que gostei de conhecer-te pessoalmente, apreciei a tua frontalidade e boa disposição como bom alentejano que és. Sê bem vindo à nossa Tabanca Grande, senta-te aí num lugar vago (o nº 471), debaixo do nosso poilão e continua a puxar por essa memória...

Quando eu estiver com o nosso camarigo Pinto Carvalho (que ainda não conhece o nosso blogue...), vou-lhe mostrar a tua chapa actual e dizer-lhe quanto o Mundo é Pequeno e a Tabanca... é Grande!... Espero que tenhas tido no dia 6 uma festa de anos da filha, já que ias a correr para o jantar... Muita saúde e longa vida para ela, para ti, e para o resto da família.
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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7610: Grupo dos Amigos da Capela de Guileje (14): Em busca de uma imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres para Guiledje

Capelinha de Guiledje



Imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres no Convento de Nossa Senhora da Esperança, em Ponta Delgada, Ilha de S. Miguel.

Foto de CV

1. Da troca de mensagens que publicamos mais abaixo, podemos concluir que a recuperação da Capelinha de Guiledje está terminada, assim como a reconstrução de um oratório que ao tempo incluía uma imagem da Nossa Senhora e outra do Senhor Santo Cristo dos Milagres que o tempo fez desaparecer.

O nosso camarada e tertuliano Carlos Cordeiro, ex-combatente em Angola, mas muito ligado ao nosso Blogue e às coisas da Guiné, por intermédio de sua esposa, está a envidar esforços no sentido de encontrar uma imagem do Senhor Santo Cristo, alternativa à de então, já que quem as fazia já terá morrido.

Assim, graças a esforços conjuntos, se vai levando a efeito a reposição destes símbolos religiosos muito importantes para os Gringos de Guileje [os açorianos da CCAÇ 3477, que estuveram lá entre Nov 1971 e Dezembro de 1972, comandada pelo mais novo de sempre dos Capitães Milicianos, o nosso camarigo Abílio Delgado],  e demais Companhias açorianas que demandaram a Guiné durante a guerra colonial.








Fotos de Carlos Schwarz (Pepito) do oratório reconstruído no Guiledje


i. Mensagem de Pepito dirigida a Luís Graça, com data de 9 de Janeiro de 2011:

Assunto: Oratório reconstruído

Amigo Luís
O ano 2011 começa bem para Guiledje.
Com a ajuda do Grupo de Amigos da Capelinha de Guiledje, através do Manuel Reis, que doou em Agosto à AD os fundos necessários (590 euros) para a recuperação do Oratório, terminámos agora esse trabalho, procurando ao máximo conservar a sua forma original. Para isso muito contribuiu o Patrício Ribeiro que assegurou a construção do novo oratório e a sua montagem em Guiledje. Faltam apenas os retoques finais.
O mais satisfeito de todos nós foi o Domingos Fonseca que descobriu a imagem da Santa na véspera da chegada a Guiledje dos participantes no Simpósio. Fica a faltar a outra imagem que, pelos vistos, só existe nos Açores. Quem a vai doar?

Um grande obrigado aos Amigos de Guiledje.
abraços
pepito


ii. Dia 10 de Janeiro de 2011. Mensagem de Luís Graça para Manuel Reis

Cc: Amaro Samúdio; Carlos Cordeiro; ad bissau; Patrício Ribeiro
Assunto: Fwd: Oratório reconstruido

Grande Manel Reis:
Para teu conhecimento, em 1º lugar...
Depois publicamos e agradecemos de novos aos nossos "contribuintes"...
Os nossos parabéns aos nossos "tabanqueiros" Domingos, Pepito e Patrício pela obra realizada...
Atenção às questões de segurança...

Agora falta uma imagem do Santo Cristo dos Milagres...
Temos que mobilizar os Gringos de Guileje e demais amigos e camaradas açorianos... LG


iii. Mensagem de Pepito dirigida no dia 10 de Janeiro a Carlos Cordeiro

Cc: Luís Graça; Manuel Reis; Amaro Samúdio; Patrício Ribeiro
Assunto: Re: Oratório reconstruído

Caro Carlos Cordeiro
Da nossa parte, acho que vale bem a pena esperar mais um tempo. O que for necessário.
abraço
pepito


iv. Resposta de Carlos Cordeiro ainda no mesmo dia 10 de Janeiro

Óptimo, caros amigos.
Minha mulher já percorreu todos os antiquários e não há oratórios do Senhor Santo Cristo como o que lá estava. Era um senhor do Continente que os fazia, morreu e mais ninguém os faz naquele estilo. Há, naturalmente, imagens à venda com redomas de vidro ou sem elas. Não será a mesma coisa, mas, se aceitarem, podemos combinar o modo de conseguir fazer com que chegue a Guileje.
Podemos também aguardar mais algum tempo a ver se consigo por cá alguma como a que existia. Mas será sempre duvidoso conseguir-se.
Que me dizem? Tento durante mais algum tempo ou vejo uma outra solução?
E já agora: como a fazer chegar ao Pepito?
Um grande abraço,
Carlos Cordeiro


v. Mensagem de Luís Graça para Carlos Cordeiro

Cc: ad bissau; Patrício Ribeiro; Amaro Samúdio
Assunto: Re: Oratório reconstruído

Obrigado, Carlos, 

És um grande camarada e um grande açoriano... 
Vamos publicar as fotos e as estas trocas de mensagens.... 
Podem surgir outras ideias e sugestões... 
LG


vi. Resposta de Carlos Cordeiro a Luís Graça

Assunto: RE: Oratório reconstruído

Pois é, Luís, um grande camarada e um grande açoriano... com artrose da anca!!!
Um abraço amigo do
Carlos
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6893: Grupo dos Amigos da Capela de Guileje (13): Relação dos donativos recebidos até 26 de Junho de 2010 (Manuel Reis)

Guiné 63/74 - P7609: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (6): O Valente era mesmo valente

1. Mensagem José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 12 de Janeiro de 2011, com mais uma das suas boas memórias da guerra.


Outras memórias da minha guerra (6)

O Valente era mesmo valente

Foi dos últimos a integrar a nossa Companhia. Chegou a Viana do Castelo antes duas ou três semanas de partirmos para a Guiné. Era muito franzino, branquito e sem barba. Não pesava mais de 50 quilos e teria uns 155 centímetros de altura. Até metia pena, pensar que aquele imberbe, também iria para a guerra. Porém, conforme se veio a verificar, a aparência não condizia com a realidade. Curiosamente, alguns dias depois, já ele tinha “presa pela beiça”, uma adolescente que trabalhava na nossa Pensão. Todavia, ele demarcou-se logo e fez questão de nos comunicar que era casado e que já tinha dois gémeos, (acabados de nascer). Inicialmente não acreditámos, mas viemos a confirmar que era verdade.

Pois o Furriel Valente, oriundo de Oliveira de Azeméis, foi um militar de primeira. Cumpridor, corajoso e abnegado, ele, temerariamente, surgia na frente de combate sempre que “elas” começavam a cantar. Foram vários os combates em que ele se destacou. Por isso era muito respeitado na Cart 1689, especialmente pelos seus soldados que o seguiriam até ao inferno, caso fosse preciso.

Silva, Valente, Faria e Jaime - Passeando na Av. de Bissau

Valente também era dançarino

Em Bissau, vindos de férias, O Valente triste no regresso a Catió

Em zona de combate era normal distribuírem-se rações de reforço, para as refeições. Eram diferentes das rações normais. Dizia-se que na contabilidade da Companhia as rações normais eram pagas como refeição normal e as outras não. Ora isto dava azo a um lucro jeitoso, mas isso não era tão mau para os militares que, como eu, até preferia as rações de reforço. O problema maior surgia quando, estando fora do quartel, tínhamos a percepção de que não regressaríamos mais cedo, para não reivindicarmos a refeição quente. Alguns barafustavam, em surdina, mas isso era perigoso.

Estávamos instalados no cruzamento de Camaiupa, perto de Cufar. A coluna auto de abastecimento a este quartel já havia terminado há mais de duas horas e, portanto, a segurança ao itinerário já não era necessária. Nós aguardávamos ali o regresso das viaturas que nos transportariam para Catió. Elas só sairiam ao nosso encontro, depois da ordem do nosso capitão, que estava ali sentado, segundo se suponha, a empatar o tempo. Era o período mais quente do dia e já passava das 14 horas. O Valente, como o alferes estava ausente, reclamava junto do capitão que estava muito calor e que deveríamos regressar. Porém, o capitão aconselhava a esperarmos mais um bocado.

- Meu capitão, saímos de madrugada, estamos cansados e o que queremos é ir embora, para tomar banho, refrescar e descansar – reclamava o Valente. – Pois todos nós também – refutava o capitão. E pouco tempo depois, voltava o Valente: - Mas, ó meu capitão, nós não queremos comer, porque já nem temos fome e não estamos aqui a fazer nada. Isto é que não tem jeito nenhum.

O capitão apercebeu-se, pelo apoio geral, de que o Valente estaria a mexer numa ferida sensível e não deixou agravar mais a situação. Virou-se para o Valente e disse-lhe num tom mais elevado: - Se Você está assim com tanta pressa, não quer ir andando? - pensando que o Valente se calaria.

- Pensa que temos medo, meu capitão? - Atenção à minha Secção – gritou logo o Valente - Formem aqui imediatamente. – E continuou: - Firme, Sê..ooope. Meu capitão dá licença? O capitão já estava de boca aberta ao ver a reacção, parecia não ter outra alternativa, e respondeu: - Sim. E o Valente ordena: - Esquerda, aaarche… E lá seguiram.

Do cruzamento de Camaiupa até ao quartel de Catió eram cerca de oito quilómetros, com perigo de emboscadas.

O capitão, já preocupado, accionou logo a mensagem para as viaturas começarem o movimento.
Todos nós ficámos também preocupados com a situação, embora existissem militares emboscados, ao longo da estrada, em alguns locais estratégicos e mais perigosos, para protecção à passagem das colunas auto.

Quando alcançámos o Valente já ele estava às portas de Priame, a povoação dos milícias comandados pelo João Bacar Jaló, encostada a Catió.

E quando os carros pararam junto deles para entrarem, tiveram a resposta: - Agora? F...-se!

Silva da Cart 1689
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7555: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (9): Piteira - O Rânger do Alentejo

Vd. último poste da série de 22 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7159: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (5): Até beber urina

Guiné 63/74 - P7608: Contraponto (Alberto Branquinho) (21): Ensinar/Aprender a ler


1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 11 de Janeiro de 2011:

Caro Carlos Vinhal
Junto mais um texto para a série Contraponto, que, como se vê, não sendo "fora de série", tem o n.º 21.

Abraço
Alberto Branquinho




CONTRAPONTO (21)

ENSINAR/APRENDER A LER

Catió

O alferes conversava com um soldado milícia fula à porta da casa onde estavam instalados o capitão e os quatro alferes. A casa ficava próxima do cavalo de frisa que cortava o caminho que levava a Príame.
O soldado era um dos dois ou três preferidos do João Bácar Jaló. Era um homem magro, temerário debaixo de fogo, condecorado.

O alferes pediu ao soldado que contasse até vinte em fula e ele começou imediatamente com a lenga-lenga da contagem.

- Espera aí.

O alferes retirou uma agenda pequena do bolso da camisa e uma esferográfica.

- Diz lá outra vez, mas devagar.

O soldado começou e o alferes já escrevia. O soldado acelerou de novo.

- Pára! Diz lá – um, dois, três… Devagar.

E ia escrevendo.
Daí resultaram notas manuscritas, passando os sons a grafia corrente.

Acabada a cantilena da contagem e acabado o escrito, o alferes começou a ler. Ainda ia a meio de contar de um a vinte (em fonia fula) e já o soldado olhava o alferes, dando gritos de espanto: -Hi! Hi! Hi! Hi!

Chegado aos vinte, o soldado milícia afastou-se três ou quatro passos, olhando espantado o alferes, ao mesmo tempo que, no meio de gargalhadas, ia dizendo:

- Quê?! Alfero têm manga di cabeça dirêta!!!

Arrancou a agenda das mãos do alferes e, depois de observar as letras, tomou um aspecto sério e perguntou:

- Noss’alfero, bô ensina mim a ler? A mim faz essame, pass’á cabo e ganha manga di patacão. Suma Paulo.

Ficou combinado. Quando não houvesse saídas ou operações – todas as manhãs ali, no alpendre da casa.

Começou com o ensino das vogais. O alferes escreveu-as várias vezes no papel – a, e, i, o, u.

- Este é o “a”. Diz lá “a”. Então?

O soldado não entendia aquela “história” de ter que dizer “a”, depois”e”…, mas lá ia repetindo.

O alferes passou aos ditongos, tentando estimular o aluno.

- O “a” com o “i” – “a…i! - “ai”. Ora, diz lá: “a…com “i”-“ai”, “ai”.

Depois de olhar o alferes, meio desconfiado, lá veio o “ai”.

- Porreiro. Para escrever “ai”, junta-se o “a” com o”i”; “ai”. Diz lá: “ai”. Ele olhava o alferes, com ar relutante, parecendo estar a pensar: - Está a gozar comigo.

- E juntando o “a” ao “u”? Lê-se “a…u”, “au”. Diz lá “a…u”, “au”.

O alferes ia escrevendo as vogais e juntando os ditongos “ai” e “au”, ao mesmo tempo que os lia: “ai”, “au”, “ai”, “au”…

O soldado milícia olhava para o papel e depois para o alferes, com ar desconfiado e incrédulo.

- Diz lá.

- Quê, noss’alfero?

- “a…u” – “au”.

Olhava o alferes nos olhos, interrogativo.

- “ai”, “au” – pronunciava o alferes, apontando as letras com a esferográfica.

E ele, embora renitente:

- “ai”… “au”.

Levou como trabalho de casa escrever cinco vezes as vogais por baixo daquelas que o alferes escreveu no papel. No dia seguinte voltou com o trabalho feito. As cinco vogais estavam relativamente bem desenhadas.

O alferes continuou com o som das vogais, a escrita das vogais, a construção dos ditongos – ai, au, ei, ou…, mas o soldado milícia não dava mostras de satisfação.

Levou como trabalho de casa copiar cinco vezes os ditongos, por baixo dos que o alferes escrevera.

No terceiro dia apareceu sem… a folha dos ditongos.

- Noss’alfero… A mim cá pude… a mim cá tem

E afastou-se coçando o alto da cabeça, com a mão por debaixo do quico.

O relacionamento entre os dois nunca mais foi o mesmo. O soldado milícia passou a evitar o alferes.

Nunca mais conversaram como conversavam antes. A culpa foi daquelas brincadêra di minino com… vogais e ditongos.

Alberto Branquinho
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7409: Contraponto (Alberto Branquinho) (20): A granada de morteiro que veio jantar

Guiné 63/74 - P7607: Notas de leitura (187): Os Portugueses na Guiné, de Mário Matos e Lemos (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de11 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
Estes apontamentos para uma síntese remete-nos obrigatoriamente para a questão da necessidade de termos uma actualizada história da Guiné Portuguesa, depois de René Pélissier não há nada no mercado que garanta uma boa visão de conjunto.A questão é tanto mais grave quanto a Guiné-Bissau, tirando apontamentos propagandísticos, na sua maior parte, não apresenta contributos suficientemente válidos que permitam a justaposição de olhares.
À consideração de quem direito (que devemos ser todos nós).
Um abraço do
Mário


Os portugueses na Guiné: uma boa síntese para o grande público

Beja Santos

Há várias histórias da Guiné bem como monografias, infelizmente o olhar do historiador tem-se orientado para outras preocupações e o grande público, na actualidade, não tem oportunidade de uma visão abreviada do que foi a história da Guiné entre os séculos XV e XX. Os apontamentos para uma síntese de Mário Matos e Lemos são, nessa perspectiva, uma obra de referência digna de atenção e merecedora de actualização (“Os Portugueses na Guiné, Apontamentos para uma Síntese”, por Mário Matos e Lemos, Crédito Predial Português, 1996).

O autor interessa-nos pelo essencial, a saber: o que era de facto a Guiné dos portugueses; que tipo de ocupação do território se exerceu nas costas da Guiné e o papel desempenhado pelos lançados e tangomaos; a Guiné, a escravatura e o comércio, a economia depois da abolição da escravatura; as lutas pela ocupação efectiva do território, com destaque para as campanhas de Teixeira Pinto; a economia da Guiné durante o período republicano; a Guiné o e Estado Novo; e a luta pela independência. Vejamos os dados mais salientes desta sinopse.

Primeiro, no Portugal do século XV o termo Guiné tinha um sentido mais amplo que hoje: designava a Terra dos Negros, por oposição à Terra dos Mouros. A Guiné dos portugueses era uma vasta extensão de costa que se estendia do Cabo Bojador para o Sul e conheceu várias designações – Costa dos Escravos, Costa do Ouro, Costa da Malagueta, Costa do Marfim. No século XVII, esta Costa da Guiné era toda a terra que se estendia do Cabo Verde (região do Senegal) até perto da Serra Leoa. Ainda no século XV começaram as viagens de particulares e está comprovado que em 1445 ou 1446 largou de Lagos uma caravela comandada por Álvaro Fernandes terá chegado à enseada de Varela, próxima do Cabo Roxo, onde os portugueses foram atacados. O interesse comercial da costa africana era um facto. Em 1469, o rei deu o monopólio do comércio africano a Fernão Gomes, concedendo-lhe toda a exploração de toda a costa da Guiné.

Segundo, a exploração da terra firme defronte das ilhas de Cabo Verde tornou-se uma realidade a partir do século XVII. Os lançados e tangomaos eram homens lançados no interior da costa descoberta, em busca de informações ou de contactos que permitissem estabelecer relações comerciais. Tangomao passou a ser sinónimo daqueles que eram enviados para obter informações sobre povos, lugares e rotas comerciais, incluíam aventureiros e renegados, fugidos à justiça. Tiveram um papel importante à volta dos portos e feitorias. Ainda no século XIX se falava dos lançados para os distinguir dos grumetes, estes últimos vão ter um papel preponderante a partir do século XIX sobretudo na praça de Bissau. Eles eram filhos da terra, eram mestiços, vivam seja ao lado dos portugueses, seja ao lado das suas etnias de origem. E o autor clarifica: “No século XIX, com o desaparecimento da escravatura, o sistema económico da Guiné modifica-se e intensifica-se a exploração agrícola – particularmente das oleaginosas, que tinham bom mercado na Europa – em propriedades que parecem ter surgido primeiro ao longo do rio Grande de Buba e cujos proprietários, nesta região, eram geralmente luso-africanos ou franco-africanos. São os Gans, unidades agro-comerciais e também unidades unifamiliares, mas uma família alargada, constituída pelo pai, pela mãe e pelos filhos que, quando rapazes, iam sempre que possível estudar para o estrangeiro, pelos trabalhadores e pelos meninos de criação, que eram crianças recebidas no Gam para serem educadas e provinham de outras famílias menos abastadas das praças ou das povoações em redor. Cada Gam, ou Gã, era conhecida pelo nome do seu proprietário: Gam-Turé, Gam-Sampaio, Gam-Teixeira, etc. Ainda hoje, na Guiné-Bissau, mas esvaziadas do seu conteúdo, se encontram povoações com esta designação, ou, até, simples lugares dentro de uma povoação.

Terceiro, a partir do século XVII a importância económica de Bissau passou a ser preponderante: foi criada a Companhia de Bissau, tendo sido confiada à Companhia de Cacheu e Cabo Verde a construção da fortaleza. Navios de vários países passaram a frequentar estas paragens. No século XVIII, o governador de Cabo Verde recebeu instruções para enviar soldados para Bissau, gente corrécia, como se comprovou. Passa a ser frequente remeter para Bissau todos os condenados de delito comum, vadios e desertores. A soberania portuguesa estava limitada na região a Ziguinchor, Farim, Cacheu, Bissau e Geba, mesmo com as fortificações em péssimo estado. As descrições do povoamento e ocupação de que dispomos são pouco abonatórias: militares poucos escrupulosos, tropas constituídas por degredados. Entretanto Bolama entra na história da Guiné, no século XVIII os ingleses interessaram-se pela posição, a questão da soberania da ilha vai arrastar-se por bastante tempo até regressar efectivamente à administração portuguesa no século XIX, depois da arbitragem do presidente Ulisses Grant, dos Estados Unidos.

Quarto, após a abolição da escravatura, a economia da região mudou de rumo mas as dificuldades pareciam insuperáveis não só devido aos constantes incidentes com os papéis de Bissau como as revoltas de outras etnias. Dá-se a separação administrativa de Guiné e Cabo Verde, a cobiça estrangeira é permanente, ocorrem vários desastres militares, fulas e mandingas sublevados acabam por chegar a um compromisso com as autoridades portuguesas. A convenção luso-francesa de Maio de 1886 define as fronteiras com as colónias francesas limítrofes. Perdeu-se definitivamente a região de Ziguinchor para os franceses que deram em contrapartida, o reconhecimento do protectorado português sobre uma larga faixa de território entre Angola e Moçambique. As lutas travadas na Guiné, tanto no século XIX como no século XX, espelham a fraca ocupação do território o mesmo é dizer a falta de soberania portuguesa. É verdadeiramente no dobrar do século que se desencadeiam acções contra os povos bijagós, os papéis, os grumetes de Bissau, os povos do Oio, etc., até 1936 foi um penoso tempo de campanhas, acordos, compassos de espera e ruptura de tréguas. Inegavelmente, as campanhas de Teixeira Pinto constituíram o momento alto da pacificação e da deposição de armas, mas só se pode falar de pacificação em todo o território a partir de 1936.

Quinto, o comércio evoluiu positivamente da Monarquia para a República aumentou o número de propriedades agrícolas, beneficiaram sobretudo os cabo-verdianos, os sírios e os libaneses; abriram-se vias no interior e a actividade comercial teve surtos de alento. No decurso da primeira guerra mundial aumentou a produção de arroz na Guiné e intensificou-se a exportação das oleaginosas. A Guiné irá ficar com uma das referências das revoltas republicanas durante o Estado Novo pelo seu levantamento de 1931. Entretanto a capital transfere de Bolama para Bissau, em 1941, segue-se um período em que a Guiné se transforma numa colónia modelo, no tempo do governador Sarmento Rodrigues.

O caminho para as independências teve natural reflexo na Guiné depois das independências da Guiné-Conacri e do Senegal. É uma história já bem conhecida que irá desembocar na proclamação unilateral da independência, em 24 de Setembro de 1973. Em 10 de Setembro de 1974, o governo português procedeu ao reconhecimento solene e formal da independência guineense. Em 14 de Outubro desse ano, o PAIGC entrou em Bissau. À frente, o tanque de Nino Vieira.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7575: Notas de leitura (186): Uma História de Regressos, de Margarida Calafate Ribeiro (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7606: Blogoterapia (173): Preciso de todos vós, velhos combatentes, que participam neste blogue, escrevendo ou simplesmente lendo-o (Manuel Joaquim)

1. Mensagem de Manuel Joaquim, ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67, com data de 12 de Janeiro de 2011:

Meu caro camarada, meu caro Carlos
Para já, a informação de que a mensagem de parabéns da Tabanca, com o maravilhoso cunho emocional do Miguel Pessoa, foi direcionada para o aniversariante, através do e-mail da filha mais velha (o JM não tem e-mail pessoal). Fiquei emocionado e acho que ele o irá ficar também.

Preciso de apresentar um pedido de desculpas a todos os camaradas, a começar pelo Luís Graça, que tomaram conta da "estória" do JM (ADILAN), pelo meu silêncio no seguimento da sua publicação. Não merecem este silêncio. Fiz mal não reagir de imediato e a intenção de responder "pifou"! Alguém da família "tomou posse" do computador durante algum, bastante, tempo (candidatura a um projeto europeu "oblige") e, só hoje, esta maquineta voltou para as minhas mãos, a sério. E, maravilha, voltou no momento preciso para o JM poder receber os parabéns da Tabanca Grande. Garanto que darei notícias dele e da passagem do seu 50º aniversário. Como sempre, a família irá reunir-se, em dia compatível, para festejar o seu dia de anos. Não será hoje, por impossibilidade prática.

Agora, esperam-me longas horas a pôr a comunicação em dia (e-mail, "luis graça e cam...", facebook, etc). Adivinha-se uma "direta". Para quem, eu há dois anos, não sabia "abrir" um computador, é obra. Quem é, quem é, o principal responsável por este progresso? Ora, quem há-de ser? - O blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné! Que me "obrigou" a aprender alguma coisa para poder comunicar com os meus queridos camaradas "tabanqueiros". Ainda sei pouco mas...

Por falar em "tabanqueiros", gosto das opiniões duns, não gosto das de outros, gosto assim assim das de alguns mas são-me todos muito queridos. Sinto em mim esta amorosa camaradagem cimentada na comunhão de vivências, na similitude de momentos críticos passados, nas emoções facilmente repartidas porque também fáceis de identificar na origem. Camaradagem cimentada, ainda, nas memórias dos nossos "vinte" anos passados numa guerra em que o "impossível" era possível, muitas vezes o foi, em que o lado pícaro da vida se misturava com a heroicidade pensada e organizada. Vivemos profundamente imersos no turbilhão de emoções gerado por estarmos vivos naquele meio, muitas vezes sem disso darmos conta, em que cada dia que passava era uma peça na ponte que era preciso construir para voltarmos ao ponto de partida, ao seio dos nossos entes queridos. Fomos heróis no palco da guerra, intérpretes de comédias, farsas e tragédias, fomos heróis na solidão dolorida de cada um, na angústia da sobrevivência como animal armado, sim, mas também como ser humano digno e solidário, fomos heróis na resistência ao infortúnio, fomos Heróis, pronto!!!

Não preciso de vos conhecer pessoalmente, amigos e camaradas, mas não o recuso e, por vezes, desejo-o. Basta-me saber que estão vivos e ter o prazer de vos sentir "vivos". Preciso de todos vós, velhos combatentes, que participam neste blogue, escrevendo ou simplesmente lendo-o. Há por aqui algumas "guerritas" que me divertem, a sério! Quanto às de caráter ideológico, cada um come do que gosta, o que é que se há-de fazer? - É lê-las e tomar partido (ou não). Um militante político, como eu, estaria "lixado da vida" se não respeitasse as ideias dos meus adversários. Quanto às de caráter pessoal, para lá de que não deviam vir para aqui, é lá com eles, os "beligerantes". Quanto às que surgem por contradições de memória, oh meus camaradas, admitamos que todos somos enganados por esta "danada". Está provado que a memória de um acontecimento não é igual para todos os que a ele assistem, no limite raramente é igual. Na minha vida de professor fazia este teste:

Levava a turma a presenciar determinado facto, escolhia alguns alunos para olharem com atenção de modo a relatarem, mais tarde, o que viram. Um de cada vez, sem a presença dos outros testados, contava à turma o que tinha visto. Não me lembro de, alguma vez, os seus relatos terem coincidido ou não terem sido emendados ou acrescentados por alguém da turma.

É por isso que eu não confio totalmente nas minhas memórias, principalmente se estiveram "arquivadas" durante muito tempo. É por isso que eu adoro este blogue que tem muitas chaves das minhas gavetas da memória. E tenho pena que a minha CCaç 1419 não tenha aqui mais representantes que terão, de certeza, algumas das minhas chaves perdidas.

Para ti, Carlos, querido "mansabeano" como eu (mais do que eu, só estive seis meses em Mansabá), um grande abraço. Para todos os "atabancados", eu incluído, que estejamos muito "vivos", seja em que área for da nossa vida! Saudações amigas.
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Notas de CV:

Vd. poste de Guiné 63/74 - P7597: Parabéns a você (201): Adilan, o menino que Manuel Joaquim trouxe da Guiné (Miguel Pessoa)

Vd. último poste da série de 12 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7600: Blogoterapia (172): Obrigado, camarigos, os melhores anos da minha vida são os que estão para vir porque os outros jamais voltam... (Rui Alexandrino Ferreira)