segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8737: Agenda Cultural (148): Lançamento do livro A Mulher nas Malhas da Guerra Colonial, de Ana Bela Vinagre, dia 10 de Setembro de 2011, em Leiria

LANÇAMENTO DO LIVRO "A MULHER NAS MALHAS DA GUERRA COLONIAL", DE ANA BELA VINAGRE, DIA 10 DE SETEMBRO DE 2011, ÀS 18 HORAS NA LIVRARIA ARQUIVO, EM LEIRIA



EXCERTO DO TEXTO:
«Quando o conflito armado eclodiu e à medida que os meses se sucediam, crescia nas mães que tinham filhos pequenos, a esperança de que, chegada a hora de os verem envergar a farda para cumprir o servi ço militar, a guerra já tivesse terminado
Quantas se enganaram!...
Nos bastidores duma guerra colonial sem fim à vista, ficavam mães, esposas, namoradas, irmãs, que depois de um doloroso adeus, a que o Tejo já se habituara, à vista de imensos lenços brancos de despedida, na metrópole lutavam, diariamente, contra uma saudade imensurável e o medo do espectro da morte, que a qualquer momento lhes poderia bater à porta. Em silêncio, engoliam as próprias lágri mas, calavam a revolta, escondiam a sua indignação. O sofrimento era atroz.
As namoradas e esposas, povoadas de projectos e de sonhos, vi ram-se traídas e defraudadas na sua juventude, esperando o fim de um pesadelo, que a cada dia, parecia mais distante.»


Ana Bela da Silva Vinagre nasceu no Bombarral a 16 de Maio de 1954, residente em Leiria. Licenciada em História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, possui o Curso de Especialização em Ciências Documentais – Arquivo. Directora do Arquivo Distrital de Leiria, em regime de substituição, teve a seu cargo a organização dos seus fundos documentais.
Trabalhos e publicações: Registos Paroquiais do Concelho de Bombarral – Sua análise arquivológica. Leiria, 1991; Manuscritos de Capas de Pergaminho de Livros Paroquiais e Notariais do séc. XII a XIX- Inventário Preliminar. Leiria, 1989, publicado no II vol. De Actas do II Colóquio sobre História de Leiria e a sua Região. Leiria, Câmara Municipal de Leiria, 1995; Guia de Fundos do Arquivo Distrital de Leiria – colaboração técnica. Leiria Arquivo Distrital de Leiria, 1997, Tito Larcher: A Luta do Filantropo Austero e Erudito, co-autora. Leiria, Arquivo Distrital de Leiria, 1997; Relatório Preliminar sobre o Cartório Notarial de Antão de Sá Sotomaior. Batalha 1741-1747 publicado no II vol. De Actas do III Colóquio sobre História de Leiria e a sua Região. Leiria, Câmara Municipal de Leiria, 1999; Dicionário dos Autores do Distrito de Leiria – co-cordenadora. Leiria, Magno Editora, 2004; A Casa do Distrito de Leiria (em Lisboa) publicado nas Actas do IV Colóquio sobre História e a sua Região – História Contemporânea. Leiria, Câmara Municipal de Leiria, 2005; Lar do Soldado Açoriano em Leiria (1970-1975). Açores, Ponta Delgada, Publiçor, 2006; A Casa do Distrito de Leiria em Lisboa. Leiria, Folheto Edições & Design, 2008; A Cruzada das Mulheres Portuguesas de Leiria. Leiria, Folheto Edições & Design, 2008.

|Entrada Livre|
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8613: Agenda Cultural (147): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974: história e memória(s) (Carlos Cordeiro) (5): Apontamento e fotos do dia 22 de Julho de 2011

Guiné 63/74 - P8736: Convívios (371): 8.º Encontro do pessoal da CCAÇ 4540/72, dia 17 de Setembro de 2011 no Marco de Canaveses (Vasco Ferreira)

1. Mensagem do nosso camarada Vasco Ferreira, ex-Alf Mil da CCÇ 4540, Cadique e Nhacra, 1972/74:



Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8722: Convívios (364): Encontro da CART 2412, ocorrido no passado dia 14 de Maio de 2011 em Castelo Branco (Jorge Teixeira)

Guiné 63/74 - P8735: Blogoterapia (188): Encontros, ou como abrir o tal Capítulo da Vida (Torcato Mendonça)

1. Mensagem de Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), com data de 1 de Setembro de 2011:


ENCONTROS

Foi-me dado a conhecer o Blogue, LG & Camaradas da Guiné.
Li e, passado algum tempo, fiz um comentário. Não sei porquê, após esse comentário, comecei a escrever com alguma assiduidade. Porquê? …A guerra para mim acabou há muito tempo… dizia ou pensava eu…

Sobre a vida militar e a guerra pensava, há muito tempo, ter essa parte de minha memória envolvida por denso nevoeiro. Recordava, em pequenos “flashes”, um assunto ou outro. Certo, isso sim, era ter considerado encerrado esse Capítulo. Não tenho o hábito,  após considerar encerrado um “Capítulo de Vida”, voltar a abri-lo. Erro meu este, erro meu.

Hoje pouco, muito pouco mesmo, escrevo para o Blogue. Agravado por estes períodos de ausência que vieram reforçar a pouca vontade de “contador de estórias” e etecéteras desse meu passado.

Aborreço-me ler certos escritos. Não são só aqueles geradores de “desavença” ou polémica. Esses são naturais e salutares em espaço de opinião que se quer plural. Refiro-me mais a certos abusos,  não reprimidos.

Muitos deles são aberrações, produto de mentes com algum problema ou intenções destrutivas. Como tal deviam, de imediato, entrar na trituradora do papel. Também certo modo de juntar demasiado as NT e o IN (leia-se Nossas Tropas e o Inimigo). Cada um no seu lugar. Misturas,  não. Claro que a guerra já terminou.

Então falemos abertamente, com o respeito tido outrora ou hoje sem contenda. Diga? Quem? Eu? Só nós? Pois, e assim não, não.

Contudo, o que começo a tolerar menos, detesto, são certas “vaidades”. Chamo-lhe assim e coloco entre aspas para poder continuar.

Volto ao inicio, à abertura de um Capítulo já encerrado, ao erro da sua abertura.

Queria eu dizer então:
- Há muitos anos, muitos mesmo, tendo tanto trabalho, tanta vida a galgar, tanta preocupação, como iria ter tempo para recordações militares?

Fechei então esse “Capítulo” e ponto final. Os anos passaram velozes.

Um dia o telefone tocou.
- É um senhor com um assunto pessoal.
- Quem?
- Diz ter estado na Guiné…
- Passe então… Guiné!?

Estabeleceu-se uma conversa que me levantou algumas dúvidas. Não a recordo bem. Queria o meu endereço para tratar, ele e outros, do primeiro almoço da Companhia, a CART 2339. Disse-lhe o número do apartado.

Dias depois aí estavam notícias. Falei com alguém da Companhia. Não tenho a certeza com quem. Como não recordo o ano. Talvez 90 ou 91. Localidade escolhida para esse primeiro encontro, Aveiro.
Fui. O ponto de encontro foi junto a um hipermercado. Depois fomos para um restaurante da cidade.
Ali estávamos novamente junto,  cerca de vinte anos depois.

Olhava e queria ver o impossível, os mesmos rostos, os mesmos gestos e sorrisos e, confesso, além de não recordar a maioria ou confundir os nomes, estava muito emocionado. O desgaste do tempo, o nosso afastamento, aquela inesperada reunião - planeada,  é certo – a emoção que provocava, a saudade dos que ali não estavam e sentiam-se, tudo junto levava-me a só parte de mim ali estar. Além disso quem ali estava pouco, muito pouco, tinha a ver com o militar que outrora estivera com aqueles camaradas. Era outro muito diferente e não vestia o camuflado. Era passado. Só que nunca se apaga totalmente o passado e algo ainda ali permanecia, algo começava a aparecer. Sentia-o naturalmente.

Além disso apercebia-se, pela forma de estar, de conversar, de rir que alguns ainda por lá andavam. Muito deles pertenciam ainda a esse passado. Viviam o hoje como se fosse o ontem, contavam certas vivências como fossem quase o presente.

Eu reagia, fortemente, a uma palavra se pronunciada – Mansambo. Preferi ir na onda e ouvir mais do que falar. Hoje sinto uma recordação tão longínqua, tão afastada desse encontro, talvez, mesmo mais afastada do que os tempos vividos na Guiné.

Ali estava gente feliz com risos, gargalhadas, falando alto em alegria e, talvez, procurando apagar aquele afastamento de duas décadas. Seria? Não sei.


Do “meu” Grupo estava, como é lógico, mais próximo. Sentia uma maior emoção ao vê-los, sentia-os todos, os presentes e os ausentes. Com alegria ia conhecendo a sua vida de hoje, o seu estar na vida, a família, os filhos e as mulheres. Era uma alegria fortemente emotiva.
- Tens dez filhos?
- Dez…

O tempo voou rápido e saí. Como? Quando? Não sei, não recordo. Rumei a Coimbra. Apetecia-me beber em silêncio, estar só. Vinha-me uma palavra ao pensamento, uma recordação mais forte. Porque abrira aquilo? Porque abrira aquele “Capítulo de Vida”? Era um misto de sim e não. Era o aceitar e o querer afastar. Não as pessoas, não os camaradas ou a Guiné. Então o quê? O meu eu de outrora? Era uma luta entre o passado, aquele passado, e o presente. Mas o presente não podia viver amputando dessa parte do passado.

Aquele encontro é possível que tenha condicionado mais fortemente o novo encerramento. Tanto assim que foram sucedendo, ano após ano, os almoços anuais dos encontros e fui, ano após ano, adiando a minha comparência. No fundo sempre os senti perto. Estavam todos, todos, mas em Mansambo. Eram os eternos camaradas e amigos. Difícil de explicar. Tanto assim que certo acontecimento marcou o regresso.

Ano de 2005, ano difícil para mim. Esperava ser ano de paragem, ano em fim de linha. Regressei, quinze anos depois, ao Encontro,  para uma despedida silenciosa. Era uma necessidade voltarmos a encontrar-nos em Évora onde, trinta e oito anos antes, tudo começara.

Falamos, rimos, revivemos, voltei a entreabrir o tal “Capitulo de Vida”, qual pisca-pisca ou abre e fecha.
Senti-me desgastar mais cedo do que esperava e, a meio da tarde, pedi a meu filho para regressarmos.

Ele, que não foi militar e da Guiné pouco sabia, regressou a contra-gosto. Um regresso cheio de perguntas. Estava deslumbrado e não entendia bem aquele convívio, o modo como as pessoas estavam, a maneira como se relacionavam umas com as outras, a amizade e camaradagem. Tentei explicar. Devia ter explicado há mais tempo.

Poucos dias depois o mais novo disse-me:
- Pai, se para o ano fores ao Encontro, eu quero ir contigo.

O irmão contara-lhe. Talvez um dia isso aconteça, talvez um dia regresse.

Agora tenho ido aos Encontros do Blogue – LG & Camaradas da Guiné. É diferente. São antigos militares, camaradas e amigos, muitos a só se conhecerem nesses encontros, mas com algo em comum. A Guiné, a guerra, as situações de perigo vividas e algo que só eles, só eles compreendem e eu não sei definir.

Há uma palavra que diz algo: - camarigo. Sim camarigo, a contracção de camarada e amigo. Para alguns a palavra camarada é pouco agradável, mas o afecto, a amizade, a partilha de toda uma vivência naquela Terra une-os e continuam camaradas e amigos.

Os encontros de Companhia têm tudo isso e mais a cumplicidade vivida e sentida. Para o ano, parece ser em Maio de 2012, há mais um encontro da Companhia e porque não ir? Estamos, temporalmente, a uma eternidade de meses de distância e vivo um dia de cada vez. Um dia…

Terei que pensar, com tempo, tanto tempo para esse Encontro.

Tenho, sinceramente que tenho, vontade de encerrar mesmo. Ainda hoje consegui ouvir um minuto, talvez dois, do fim da conversa de três Camaradas numa TV. São do Blogue, membros do Blogue. Não deu para ter uma opinião. Certo é que me deu para pensar um pouco, para juntar estas letras e me interrogar sobre alguns porquês.

Até sempre Camaradas ou Camarigos…
TM
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8676: Fotos à procura de... uma legenda (6): Mansanbo, CART 2339 (1968/69)...O pingue-pongue...da vida undergound (Torcato Mendonça)

Vd. último poste da série de 24 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8703: Blogoterapia (187): Devaneios literários? (José Marcelino Martins)

Guiné 63/74 - P8734: Parabéns a você (313): José Marcelino Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5 - Gatos Pretos (Canjadude, 1968/70)

Para o José Martins um abraço de parabéns do camarada Miguel Pessoa, dos Editores e da restante Tertúlia
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Notas de CV:

José Marcelino Martins foi Fur Mil Trms na CCAÇ 5, Gatos Pretos que esteve em  Canjadude nos anos de 1968 a 1970.

Vd. último poste da série de Guiné 63/74 - P8732: Parabéns a você (312): José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, e Torcato Mendonça, ex-Alf Mil da CART 2339

domingo, 4 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8733: In Memoriam (89): A Enfermeira Pára-quedista Piedade Gouveia faleceu hoje, dia 4 de Setembro de 2011

FALECEU, HOJE, DIA 4 DE SETEMBRO DE 2011 A EX-ENFERMEIRA PÁRA-QUEDISTA 
MARIA DA PIEDADE GOUVEIA




1. Mensagem de hoje, dia 4 de Setembro de 2011, do nosso camarada Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado:

Caro Carlos,

Depois do contacto telefónico de há pouco, em que te informei do falecimento da Enfª Pára Piedade Gouveia, dei-me conta do facto de ela não ter chegado a ser tertuliana da Tabanca Grande. Não deixa no entanto de pertencer ao grupo dos que naquele tempo deram o seu melhor em terras da Guiné. Penso por isso que deve ser dado conhecimento desta notícia aos outros tertulianos.

A Enfermeira Maria da Piedade Gouveia era colega de curso (1970) da Giselda e da malograda Celeste, falecida em 1973 num acidente na Guiné e ali prestou serviço em 1972/1973.

O velório da Piedade inicia-se às 16H00 de hoje, na Igreja da Póvoa de Sta. Iria, perto de Lisboa. Haverá Missa de Corpo Presente no mesmo local, amanhã pelas 10H45.

O corpo será depois transportado para o cemitério local, onde será cremado.

À vossa consideração deixo algumas fotos que poderão eventualmente querer publicar.
Miguel Pessoa


Recordações fotográficas de mais uma das nossas camaradas Enfermeiras Pára-quedistas que nos deixa.
Na foto de baixo, Maria da Piedade à esquerda e Giselda Antunes à direita.

Fotos: Miguel e Giselda Pessoa (2011)

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2. Mensagem de hoje do nosso camarada Hélder Sousa, ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72:

Caros amigos,
Recebi este mail onde é referido o falecimento da Enf.ª Pára Piedade Gouveia

É um poema de homenagem saído neste Blogue que é de um camarada nosso (não sei ao certo quem).
Talvez o Miguel saiba e/ou possa confirmar.

Abraço
Hélder










Homenagem à Piedade Gouveia, 2.º Srgt Enf.ª Pára-quedista, acabada de Falecer

A Piedade subiu
Ao Céu de onde descia...
Resplandecente, vestiu
Roupagens de Anjo Bom
Como a tantos se mostrou.
...Anseios do coração
De quem espera o alento
De um sorriso e sustento
Nas horas, que nada é bom,
Que duram quanto durou.


Com a devida vénia ao Blogue Acordar Sonhando

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3. Também do nosso camarada Carlos Cordeiro, ex-Fur Mil At Inf CIC, Angola, 1969/71, recebemos esta mensagem:

Carlos,
Uma má notícia. Acabo de receber um e-mail do blogue http://acordarsonhando.blogspot.com/ (não sei a razão de receber notícias deste blogue) que dá conta da morte da 2.º Sargento Enf.ª Pára-quedista Piedade Gouveia. Deve também ter andado pela Guiné.

Talvez vocês queiram fazer-lhe uma pequena homenagem ou pelo menos dar a notícia.
Vamos desaparecendo. É a lei da vida.

Um grande abraço amigo,
Carlos

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4. À família e amigos da nossa malograda camarada Maria da Piedade Gouveia, os editores, em nome da  tertúlia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, deixam as mais sentidas condolências.

Nesta hora tão difícil em que a dor é quase insuportável, não faltarão palavras de conforto pelo reconhecimento de uma vida dedicada ao próximo.
Na guerra, foi a Enf.ª Maria da Piedade um dos Anjos descidos dos céus que nunca evitou perigos para que os seus conhecimentos e as suas palavras meigas contribuissem para minorar o sofrimento de anónimos militares nas bolanhas da Guiné.

Para ela o nosso reconhecimento eterno e o desejo de que, onde quer que se encontre, continue a velar por nós.

Os editores deixam aqui um agradecimento especial ao nosso camarada Miguel Pessoa que a tempo e horas deu conhecimento desta triste notícia, via telefone, ao Blogue. Por impedimento dos editores só agora foi possível publicar este poste In Memoriam em homenagem à nossa camarada Piedade Gouveia.

Aos camaradas Hélder Sousa e Carlos Cordeiro também o nosso muito obrigado pelos mails enviados dando conta desta triste ocorrência.
CV

PS - A Piedade Gouveia esteve presente no 4º Encontro da Tabanca do Centro, em 2010, conforme poste de 27 de Maio de 2010, do blogue da Tabanca do Centro (que, como se sabe, é gerida pelo nosso camarigo J. Mexia Alves).  Por outro lado, há um belo texto da Maria da Piedade Gouveia no blogue nos nossos camaradas Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74, com data de 22 de Setembro de 2009, cuja leitura se recomenda. Clicar aqui.

5. O nosso camarada Manuel Bastos, autor do blogue Cacimbo, evocou, em tom emocionado, "a enfermeira que vinha do céu" e que o trouxe, gravemente ferido, para o hospital de Mueda, em Moçambique. Reproduzimos aqui, com a devida vénia, as suas palavras:


Custam-me a sair as palavras. Era assim que acontecia sempre que morria um dos nossos. Uma coisa sem sossego no peito e nós todos calados de os olhos postos no chão. Mas se nos calarmos, que seja por pouco tempo, o minuto cerimonial e mais nada, depois falemos, contemos a toda a gente quem foi a enfermeira pára-quedista Piedade Gouveia. Ela merece ser recordada de cabeça levantada e em continência, como só os verdadeiros heróis merecem. 

Chamei-lhe "A enfermeira que vinha do céu" e todos os soldados que um dia combateram perceberam logo porquê.  Um dia foi-lhe confiada a minha vida, e na meia hora mais dramática que vivi até hoje, a Piedade cuidou dela com desvelo. 

Eram dias dramáticos, tinha-se um sentimento de vida à beira do abismo, de experiência limite, e todos nós, os que combatíamos, obrigados ou não, sentíamos, pelo menos durante algum tempo, que cumpríamos um dever inelutável. 

Outros momentos dramáticos se sucederam neste país limítrofe, sempre à beira de um abismo qualquer; mas ser combatente não é só ter capacidade para pegar em armas, e o exemplo das enfermeiras pára-quedistas, as únicas mulheres combatentes na guerra colonial, são exemplo de como a coragem para enfrentar o perigo e o medo, e a generosidade e a disponibilidade para com os outros podem salvar-nos a todos do recorrente abismo. Nós que as conhecemos, não deixemos que os portugueses se esqueçam disso.

Hoje partiu a enfermeira que vinha do céu. Vai só.  O héli que a leva não regressará com ela para nos salvar quando tombarmos de novo. Ficámos mais sós também.

 Fonte: Cacimbo, blogue de Manuel Bastos > 4.9.11 > A enfermeira que vinha do céu - Final.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8636: In Memoriam (88): Na morte de um Cavaleiro do Gabu (2)

Guiné 63/74 - P8732: Parabéns a você (312): José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, e Torcato Mendonça, ex-Alf Mil da CART 2339

Para o José Câmara um abraço de parabéns do camarada Miguel Pessoa, restante tertúlia e editores


Para o Torcato Mendonça um abraço de parabéns do camarada Miguel Pessoa, restante tertúlia e editores
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Notas de CV:

- José Câmara foi Fur Mil na CCAÇ 3327 e no Pel Caç Nat 56 e esteve na Guiné nos anos de 1971 a 1973.

- Torcato Mendonça foi Alf Mil na CART 2339 que esteve em Mansambo nos anos de 1968 e 1969.

Vd. último poste da série de 3 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8730: Parabéns a você (311): Agradecimento à tertúlia de José Corceiro, ex-1º Cabo TRMS da CCaç 5 - Gatos Pretos (Canjadude, 1969/71)

sábado, 3 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8731: Fotos à procura de... uma legenda (13): Auto-retrato do fotógrafo com cão ao fundo... (Luís Graça)


 Foto nº 1

 Foto nº 2



Foto nº 3

Tabanca de Candoz > 31 de Agosto de 2011 > Último dia do meu/nosso querido mês de Agosto... Deu-me saudades do sol, do sal, do sul,  a que também pertenço... Fui revisitar um poema escrito há 3 anos, no bar da Peralta, no bar Victor, quase a 400 quilómetros a sul desta minha Tabanca nortenha (onde também sou querido e mimado)... Parto daqui a umas horas, rumo ao sul, de regresso a casa, depois de ter participado na nossa vindima (que é sempre azáfama e festa) e de ter feito muitas fotos e vídeos... Segunda feira, 5, entra-se nas calhas da (a)normalidade... Até lá, apetece-me agradecer à vida... a movida!... E a todos os amigos com quem estive  nestas férias que já não são tão grandes como antigamente... E em homenagem ao meu pai, meu velho, meu camarada, que fez 91 anos no passado dia 19 de Agosto... E ainda a todos os demais aniversariantes do mês de Agosto... E, por fim, a todos os leitores do nosso blogue (amigos, camaradas, camarigos...) que tiveram a benevolência e a pachorra de alinhar neste passatempo das Fotos à procura de... uma legenda. Espero que se tenham divertido tanto quanto eu... (LG)

Fotos: © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados

Gracias à la (mo)vida 
por Luís Graça

A vida é la movida.
É Sagres.
É Boémia.
E choco frito.
Tudo o que a gente gosta.
Uma esplanada à beira-mar.
O sol.
A maresia.
A boa vida.
A sorna.
O fado.
A morna.
O dolce far niente.
Com a gente de quem se gosta.
Muito, pouco ou nada.
Mais a Nossa Senhora dos Milagres

Que te acode,
Quando aflito.
Enquanto a maré sobe.
E a noite espreita.
E a morte não pré-avisa.

Olha a moreia da costa,

Que é a melhor do mundo.
A vida é pregão.
A vida é merda.
A vida é Sagres, é Boémia.
A vida é hipoglissémia.
A vida é adrenalina.
A vida é prego a fundo.
A vida é stresse.

Sexta-feira à tarde,

Ao fim da tarde,
Uma hora antes do pôr do sol.
A vida é festa.
La fiesta, amigo.
Vengo de la altiva Castilla.

No TGVê espanhol

Que não paga imposto 
Único 
De circulação.
Que o futuro não paga imposto,
Nuestro hermano.
Pressupuesto, amigo.
Que viva la siesta!
Que viva la vida!


Mas agora que vem aí a crise,

Como é que eu chego à ponta mais 
Acidental
Da Europa ?
Para comer o meu choco frito,

No bar da Peralta,
A las cinco de la tarde.
Com navios negreiros, 

Fantasmagóricos,
Na linha do horizonte, 
A quinze milhas.
Com os jacobinos do Junot

Na película da memória.
E o Vimeiro aqui tão perto.
 

Com autos de fé, 
Mouros, judeus, corsários,
No meu ADN de português
Sem história,
Maçarico, maltrapilho, errante.
No mar onde naufragam
Todas as boas consciências
E se afinam as ciências,
As ditas duras mais as ditas moles.

Um homem sorri com meia-cara
O sorriso amarelo do cinismo.
Aqui,
No cabo da terra,
Onde se proclama a ditadura do sucesso.
E do novo riquismo.
Com o isco
Da vã glória de ganhar
A medalha olímpica.
A vida eterna.
O Nobel.
Um lugar no paraíso.
O Olimpo,
Condomínio fechado dos deuses.
Que dos perdedores não reza a História.

A vida é la movida
No Peralta Bar,

no Bar do Victor,
Que não vem na lista do Expresso
Da Boa Cama, Boa Mesa  & Roupa Lavada.
Haja lugar à mesa, 

Comprida,
E valha-nos Baco, velho compincha.
Viva o Portugal do petisco!
Viva o mês de Agosto,

O meu querido mês de Agosto!

Deixei os meus velhos
Institucionalizados
Nacionalizados
Alegaliados
Sedados
Securizados
Acorrentados
À árvore do Welfare State.
Na Atalaia,
A caminho do Porto das Barcas.
Ficaram aos cuidados de uma ucraniana
Que era enfermeira na sua terra,
E da santa padroeira 

Dos pescadores,
A Nossa Senhora da Guia.
Que há sempre uma santa para todas as aflições,
Das dores do parto
À agonia da morte.
Que às vezes, mais vale a morte
Que tal sorte.

Tenho insónias às cinco da manhã,
Mesmo sabendo que da janela
Do quarto dos meus velhos
Há uma linda vista para as Berlengas.
E que a associação é
Cultural,
Social,
Artística,
Desportiva
e Humanitária.

Minha mãe, minha avozinha,
Tens a graça até no nome,
Não é por seres mais velhinha
Que de amor passarás fome.


Passo pela loja do chinês,
Fugido de Tianamen,
E compro um prato
De Alcobaça, pintado à mão,
De contrafação.
Com quadras pimbas
Ao amor de mãe…

Brilhas como uma estrela,
No teu quarto, lá no lar,
Tens uma linda janela,
Com vista de céu e mar.


Quem disse que a vida é bela,
E que as mães é que dão cabo dela ?
Desligo o botão da televisão,
Puxo o reposteiro da janela
Donde vejo o mundo a cor de rosa,
Arrumo o cavalete
E as tintas do arco-íris.
E peço uma posta de moreia frita
E um copo de tinto.
É a hora da doce melancolia
E do leve sentimento de culpa
E da idiota reflexão sobre a idiossincrasia
De se ser velho, europeu e português,
Na ponta de uma navalha
Da economia
Da política
Da demografia
E da geografia.

Não escolhi nascer.
Não escolhi pai e mãe.
Não escolhi o pedaço de chão onde fui parido.
E não sei o que farei com este poema,
Que não vale um algoritmo
Nem um simples teorema.
E que não é de protesto
Nem é manifesto.
Entre a ciência da morte
E a fé da ressurreição,
Haverá sempre uma santa
Que me valha.
Ou uma azinheira ou uma carvalha
Onde possa pôr uma Santa Aparecida
Que me salve da má consciência
De la movida.

Lourinhã, Praia da Peralta, Agosto de 2008  (revisto hoje)
  
Luís Graça > Blogpoesia > 1 de Setembro de 2008 >  Blogantologia(s) II - (68): Gracias à la (mo)vida 
______________

Nota do editor: 

Último poste da série > 1 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8720: Fotos à procura de... uma legenda (12): Mais uma foto-mistério da Tabanca de Candoz (Luis Graça)

Guiné 63/74 - P8730: Parabéns a você (311): Agradecimento à tertúlia de José Corceiro, ex-1º Cabo TRMS da CCaç 5 - Gatos Pretos (Canjadude, 1969/71)

1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 2 de Setembro de 2011:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães.
Desde Março, p.p., que não tem sido nada profícua a minha actividade no Blogue, embora o visite com regularidade, sinto, com mágoa, que há um débito da minha parte, que a seu tempo desejo saldar…

Estou a enviar estas simples palavras, para manifestar o regozijo que senti, por me terem vindo a felicitar no dia dos meus anos. Quero pois agradecer a todos essa manifestação de carinho... Bem-haja e muita saúde!

Deixo ao vosso critério a publicação, ou não, do texto que segue, assim como a inclusão das fotos, que vão em anexo, onde acharem apropriado.

Um Abraço
José Corceiro

Ex-militares de Transmissões, que cumpriram serviço militar em Canjadude. Tive a honra de os juntar no almoço-convívio, nos Três Pinheiros.


Agradecimento Pelas Felicitações no Dia do Meu Aniversário

Estimados Amigos, regressei ontem de férias (31-08) e ao abrir a página da Tabanca Grande fiquei completamente subjugado por uma onda de consolação emocional, que me provocou algum constrangimento. Há emoções que assarapantam o homem, embora este seja por primazia racional, mas, no acto de tomar uma decisão é quase sempre a emoção/sentimento que se sobrepõe ao racional. Vem isto a propósito do gesto de manifestação de carinho e lembrança, que os editores e Tertulianos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné tiveram para comigo, ao não esquecer o dia do meu aniversário e virem a terreiro parabenizar-me e desejar felicidade. Embora ache que não sou merecedor desta deferência, é sempre muito reanimante e consolante, constatar que a nossa pessoa está presente nos bons sentimentos dos nossos semelhantes… É uma prova de que não somos esquecidos.

Porventura, sentir-me-ei embaraçado porque reconheço que não terei administrado equilibrada/racionalmente a emoção de dar continuidade à série “Casos de Azar e Sorte”, (na guerra) tarefa que assumi levar em frente e me comprometi perante vós a escrever algum artigo! A matéria que tenho em potencial não é escassa, mas não me tem sobrado tempo para articular a ideia e enviar mais trabalho, pois tenho andado embrenhado noutras contendas e projectos, deixando-me dominar pelas emoções… Mas a seu tempo continuarei com a série!

A circunstância do momento não é para eloquências e não devo deixar-me desviar do rumo da razão desta emoção, que quero que seja de gratidão, agradecimento e estima, e que contribua para consolidar a empatia que partilho convosco…

Desejo manifestar a minha gratidão para com o Luís Graça, que como pai fundador, em bela hora teve a ideia luminosa de gerar um filho, (Blogue) que tem sido acarinhado e alimentado por todos nós, onde por vezes se fomentam momentos de redobradas e ambíguas emoções, que nos obrigam a desentorpecer os dedos das mãos, ao exercitarem-se a teclar as letras, frenética e desembaraçadamente, para articular as frases que dão corpo às ideias, que são elaboradas nos neurónios e que circulam através das sinapses, entre os centros cerebrais da emoção e do racional, processando argumentações, lembranças e decisões, que são sinónimo de que não estamos a cair no imobilismo. Gratidão também, para com os incansáveis e sempre amistosos editores, que não se poupam a trabalho abnegado, timbrando-o de empenho e observação, para que cada artigo recebido seja editado na perfeição, reflexo da devoção aplicada com mestria e afeição …

Agradecimento ao Miguel Pessoa, “Cartoonista” de apurada sensibilidade, que elaborou com toque brilhante, um postal com fotos minhas, extraídas de distintos postes. Agradeço ainda, ao José Martins, que conheci há 42 anos, no dia 13 de Junho de 1969, nas “Termas de Canjadude” (Guiné). Reencontrámo-nos passados 41 anos após a separação, e serviu essa ocasião, aliada à permanente disponibilidade do “Zé”, para estabelecer um elo de ligação gerador dum florescimento de continuados encontros, com amigos do passado.

Enfatizo a estima que tenho para cada um dos membros do Bloge, que são a razão e motivação desta gratidão e agradecimento. Para todos vós, o meu humilde obrigado por se terem lembrado de mim no dia do meu Aniversário. A todos desejo muita saúde e mando um abraço emocionado! Brindo à continuidade do Blogue e à união de todos nós.

Um abraço
José Corceiro
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8711: Parabéns a você (309): António Barbosa, ex-Fur Mil Cav, Pel Rec Panhard 1106 (Bula, 1966/68) e José Corceiro, ex-1º Cabo TRMS da CCaç 5 - Gatos Pretos (Canjadude, 1969/71)

Vd. último poste da série de 1 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8715: Parabéns a você (310): Manuel Joaquim, ex-Fur Mil da CCAÇ 1419 (Guiné, 1965/67)

Guiné 63/74 - P8729: Notas de leitura (270): A Pele dos Séculos, por Joana Ruas (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Agosto de 2011:

Queridos amigos,
Se alguém ainda tem ilusões que acabaram os livros misteriosos esta “A Pele dos Séculos” irá trazer algum desengano e surpresa. É, do princípio ao fim, um equilíbrio instável de uma escritora inequivocamente fascinada por aquela África onde vivemos e o uso exuberante de um português antigo, manifestamente não convivente com o objecto amado. Daí alguns equívocos que poderá suscitar, mormente se se trata de literatura comprometida (mas será que toda a literatura não é ela própria, em si, comprometida?), qual a mensagem que pretende fazer passar sobre os desastres da guerra.
Trata-se de um livro esgotado e estranhamente esquecido. Talvez na recensão se possam encontrar essas razões.

Um abraço do
Mário


Os desastres da guerra
(ou quando a literatura torna real o que a História deixa no olvido)

Beja Santos

O livro “A Pele dos Séculos”, de Joana Ruas (Editorial Caminho, 2001) é um romance a vários títulos inqualificável: envereda pela dissertação histórica, faz constantes apelos à exaltação etnográfica, etnológica e antropológica; mescla vários discursos entre o português antigo e os linguajares contemporâneos; recorre abundantemente a histórias entrecruzadas em que os protagonistas vagueiam por labirintos, encontram-se e desencontram-se, iludem-se e desiludem-se, entusiasmam-se com a gesta dos combates ou rapidamente prevêem os infortúnios das falsas mudanças. É uma história da Guiné a partir de muitos sonhos africanos, um olhar para dentro do movimento independentista, apercebendo-se das contradições, traições e o fim dos sonhos que alimentaram a luta armada. Joana Ruas culmina com este romance uma experiência guineense prolífica e versátil, conforme consta dos seus dados curriculares: “Na Guiné com o PAIGC”, reportagem escrita nas zonas libertadas da Guiné em 1974; no jornal da Guiné-Bissau, Nô Pintcha, redige, em 1975, a página de literatura africana de língua portuguesa; traduz textos inéditos de Amílcar Cabral escritos em língua francesa e recolhe na aldeia de Eticoga (ilha de Orangozinho, arquipélago dos bijagós), a lenda da origem das saias de palha; escreve o romance “Corpo Colonial” publicado em 1981; é autor de uma comunicação intitulada “A Guerra Colonial e a Guerra do Futuro”, apresentada no Congresso Internacional sobre a Guerra Colonial, organizada pela Universidade Aberta em 2000.

A obra tem uma trama complexa: meninas que se encontram em Angola nos anos 50 e que ciciam dentro de um mosquiteiro; no final do romance, uma delas escreverá que foi à procura da outra na Guiné-Bissau, desencontraram-se, mas a que foi procurar encontrou os elementos para escrever este romance. O romance é caleidoscópico: emerge através de uma dessas histórias de encantar e sabemos que a guerrilheira que é procurada pela autora se chama Julieta; ela sujeita-se a toda a iniciação em que se mistura o animismo e o islamismo, é um mero pretexto para entrarmos no palco da guerra mas também para conhecermos as lendas e a épica dos povos africanos.

Poucas serão as circunstâncias em que Joana Ruas irá detalhar em corpo-inteiro os seus protagonistas. Uma dessas excepções tem elevado recorte literário, como se transcreve: “Dimingo, o engraxador, entrou pelas traseiras e guardou a um canto a caixa com as escovas e as latas de pomada de graxa; esticou o pano de lustrar, uma flanela polida que fazia, ao roçar pela sola das botas dos soldados aquele sonante estalo tá… tátá tão bem feito que era como a sua assinatura bem rabiscada. A verdade é que era bastante procurado pois gostavam do som e ainda daquela carícia prolongada da tira da flanela no calcanhar da bota, fazendo, zuztruz, zuztruz. E quase sempre, de gorjeta, lhe atiravam uma moedinha ao ar que ele apanhava fazendo uma curva bem ilusionista, com a mão, por detrás das costas. E enquanto engraxava abanando a cabeça com ar despreocupado, batendo a tira de feltro ao ritmo do engraxar um ritmo de swing, ia escutando as conversas dos soldados”.

O romance faz gravitar paixões diabolizadas como os amores de Gaspar por Manuela, que o agente da PIDE Travassos, pai de Manuela procurará dinamitar. É num discurso de possessão que o leitor será confrontado com o estéril a que chegou a relação entre Travassos e Bárbara, a sua mulher. Eles trocam acusações e estas, simbolicamente, valem a metáfora da utilidade ou inutilidade daquela guerra. Um tocador de harpa atravessa toda a Guiné, é o novo pretexto para se falar das guerras da religião, depois é introduzido Koloba Mané um pescador que faz o seu ofício no rio Pobreza. Os nomes das personagens não vêm ao acaso: há o rio Arranja a Vida, há um alferes que se chama Pais Sidónio, o tocador de korá Amílcar anseia por conhecer Amílcar Cabral; o médico cubano chamava-se Ernesto como Che Guevara, etc. Joana Ruas, é perceptível, está amplamente documentada sobre os cancioneiros de várias etnias, conhece-lhes os usos e costumes, recupera a atmosfera da Guiné-Bissau de ambos os lados, confabula delações, intrigas, sortilégios.

Uns lutam pela independência, outros combatem irmanados pela sobrevivência. Uns são como Pedro Pão e Água, os portadores da História, grumetes, vadios, à cata do futuro; igualmente a guerra suscita equívocos, até os do coração, mulheres crescidas são perseguidas por quase adolescentes em elevado estado de solidão; Julieta, a guerrilheira, não resiste a tomar decisões implacáveis, como o fuzilamento de guerrilheiros negligentes, está endurecida, de luto por dentro.

Joana Ruas também não ilude a enorme atracção poética mesmo no rebuscado das imagens mais violentas que sacodem aquela guerra, por definição ditando as regras do destino incerto de toda a gente: há fábulas de gente morta que ressuscita, há quase antropomorfismos, quando necessário mascara-se o rigor histórico e Amílcar Cabral aparece em Conacri na noite da invasão, em 1970. As batalhas são estranhas, o vitorioso sente-se derrotado e aquele que é obrigado a fugir veste a indumentária do herói. Dentro desta poética, descobre-se que o maior dos desastres da guerra não é a solidão nem o medo, é a lucidez no entendimento de que depois da guerra o guerrilheiro ficará amolentado pelos prazeres da praça conquistada, Bissau, a gravitação do poder. Ao de leve, Bissau não acolheu os homens vindos do mato, quando chegou a independência, deixou-os entrar, fê-los cair na armadilha de que o bom viver já não eram os sonhos da guerra, o viver frugal mas empanturrado de sonhos. É deste ângulo que se pode entender qual o uso do imaginário que Joana Ruas pretende para esta deambulação ou dolorosa caminhada de africanos à procura de uma Pátria, caminhada de enganos e logros, em que o passado pouco ensina ao presente, a chegada a Bissau foi um corte no rio do tempo. É assim a pele dos séculos, estar à espera do fim da dominação, o africano, desesperado, ainda sonha no devir da Guiné como nação africana portadora de futuro.

Nestes termos, é uma literatura em que o escritor europeu se embrenha no compromisso do diálogo multicultural, enovelando mitos, criando máscaras, fé nos deuses, fascinado por amores imortais, que depois se suspendem ou matam, imprevistamente. Guiné 63/74 - P8702: Notas de leitura (268):É uma literatura de signos e de equívocos: o leitor europeu chega a poder pensar que a autora se embriagou com a épica que forjou nos guineenses; e o leitor guineense chega a poder pensar que a autora se entusiasmou com aquele mosaico étnico e com o desespero daqueles desastres da guerra que terão deixado a Guiné sem futuro, tudo por obra e graça de uma incapacidade da Guiné, à imagem de um continente, não ter meios ou desígnio para se erguer e levantar o Estado. É esse mesmo equívoco que torna ainda mais misterioso a mensagem do romance de Joana Ruas.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8716: Notas de leitura (269): lutte armée en afrique, de Gérard Chaliand (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8728: História da CCAÇ 2679 (43): Aquele hôme (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 31 de Agosto de 2011:

Carlos,
A história da CCaç 2679 tem estado em banho-maria. Agora, ao ter deparado com uma caricatura** de um amigo, resolvi enviá-la e juntei o texto alusivo ao caricaturado.

Pode ser que a seguir dê continuidade a outras estórias daquela história.
Para a coisa ser apresentada decentemente, é obrigatório referir que a caricatura, com 40 anos, foi desenhada com esferográfica sobre aerograma, e saiu das mãozinhas do Zé Tito Martins, um gajo capaz de alindar o mais feio dos mortais.

Um abraço
JD


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (43)

Aquele hôme

Conheci o Abreu no fim do verão de 69, na capital da Pérola do Atlântico, onde fui colocado para dar instrução militar aos mancebos locais. O dito já lá estava. Magricela como eu, enfezava-se na farda número três, ou de trabalho, ossudo de cara, apresentava-se, no entanto, simpático e sorridente, bom companheiro e sempre disposto a alinhar. Não o parecendo, levava uma vida difícil e sofrida, pois apresentava-se obrigatoriamente à hora matinal que a tropa impunha, acompanhava tanto quanto podia os exercícios matinais, quando havia crosses até Câmara de Lobos, desenfiava-se por alturas do Lido num qualquer bananal, e numa qualquer tasquinha de beira da estrada aguardava pelo regresso da tropa corredora e, acautelando-se da vista do BM, integrava o pelotão até ao centro da cidade, onde se situava o 19, e não debandava das teóricas da tarde, apesar de deixar para outros mais jeitosos as explanações que os instruendos não percebiam. Com o fim das actividades diárias, o pessoal retirava-se, cada um ia a casa para o necessário banho, mudança de roupa, e logo se juntavam para convívio, nos cafés e esplanadas em redor da Sé.

Dali partia-se em passeata predadora, trocavam-se olhares e piropos com as jovens da cidade, bebia-se um aperitivo para a janta, vigiavam-se os acontecimentos na "pontinha", e a horas marcadas o pessoal encaminhava-se para a tasca ou snack onde se praticava a arte de jantar. O Abreu, naturalmente, integrava a procissão e contribuía com o sotaque e piadas à moda do Porto para a alegria geral. Depois de jantar, para ajudar a digeri-lo, o pessoal ainda passava por algum café, "boite", ou visitava um dos vários antros de animação noturna, que às vezes mais pareciam pesadelos sem movimento nem alegria. Pelas dez, onze, ou meia-noite, conforme corressem as coisas, o pessoal recolhia a casa para o sono reparador. Mas o Abreu, coitado, tinha responsabilidades, adormecia quase em corrida, porque, pelas três ou quatro da manhã, chegava a menina com quem partilhava a cama, e que já vinha suficientemente excitada do local de trabalho, onde os mânfios a apertavam e apalpavam quanto podiam durante os passos de dança, como meio indemnizatório do excessivo preço do espumante achampanhado, ou das cervejas e cocktails que o Porto Rico cobrava.

Ora, todos sabemos, elas não matam, mas moem.

E foi sempre assim, tanto, que quando chegou a hora de embarque para a Guiné, o Abreu sentiu uma espécie de alívio, uma libertação física.

E lá portou-se bem e com galhardia. Mas sonhava com o Funchal, passou a faltar-lhe o calor da companheira no estreito colchão da tropa, dos cigarros finos que ela lhe trazia das diferentes proveniências do grande mundo, das lembranças traduzidas em isqueiros Dupont, de outros mimos e carícias. Por isso, frequentemente, acordava em erecção, qual espadachim pronto a perfurar o inimigo, mas, desta feita, com boas intenções, oferecia aos camaradas que dele se quisessem servir, um original serviço de chamadanhas para Tóquio, parece que uma cidade de uma ilha distante, nos confins orientais, onde existem belas e sofisticadas mulheres, de proporções e movimentos delicados, capazes de enfeitiçarem os machos latinos.

Não consta que alguém tenha praticado a curiosa interpelação que o Abreu propunha, mas todos os dias era inexcedível na generosidade.

Atirador de Infantaria, palmilhou por trilhos e bolanhas, bebeu do próprio suor nas cálidas caminhadas, deixou uma marca da presença lusitana em terra de fulas e bajudas com corpinho inspirador. Mas o clima e a alimentação agrediam, e o nosso herói acabou por sucumbir a uma dolorosa e prolongada prisão-de-ventre, que o prostrou durante duas semanas, com dispensa de alinhar no mato, ou de desenvolver actividades de exigente verticalidade. As dores dilaceravam-no. Gemia que nem uma piegas. Perdeu o elegante porte de militar brioso. Aos camaradas pedia com aflitivo aspecto, que lhe levassem à cama um caldinho, e mamava uma malga de ervas liofilizadas, uma aguadilha que ele dizia assentar-lhe bem. Um dia, não se sabe como, se impulsionado por dor impiedosa, se por teimosia convicta, saiu da cama, desencantou um penico, e sentou-se nele à espera que provocasse efeito.

A cabeça tombava mal sustentada pelo pescoço quase desvitalizado, os olhos murchos exprimiam muito sofrimento dos dias acabrunhados, a boca inclinada deixava escapar uns lamentos quase terminais. Assustava. A fotografia daquela cena foi de imediato transmitida com aflição exagerada por um furriel especialista, a quem perturbava imaginar ter que dormir num quarto onde alguém falecesse, do que resultou uma reacção imediata dos restantes furriéis operacionais, que invadiram o quarto e depressa constataram que a questão metabólica não seria suficiente para levar o Abreu.

Eram jovens os furriéis, havia pouco tempo, ainda se inteiravam das histórias da banda-desenhada e, talvez por isso, algum de entre eles lembrou-se que poderia tratar-se de um problema de mau olhado, ou de perturbação dos espíritos. De inicio não o levaram muito a sério, mas face às insistentes argumentações daquele, e perante o total desconhecimento da causa de tanto sofrimento, lá se desencadeou uma dança com caráter religioso de pedido e desagravo a Manitú, com o pessoal a dançar, ora para um lado, ora para o outro, em redor do Abreu que sofria, e queria cagar-se a rir, mas Manitú não quis saber da solidariedade manifestada, e nem um cagalhãozinho esperançoso lhe deu expectativa de salvação.

O problema acabou por ter solução, mais tarde, já não sei se por causas endógenas, se exógenas.

O certo é que o Abreu deixou de alinhar no mato, passou ao exercício da função não menos digna de vague mestre e, não sei se para não alterar os hábitos da Companhia, o rancho não registou qualquer melhora substantiva, constando, até, que o homem estaria a dar-se bem com a escrita da bianda e dos estilhaços, embora, também corresse a ideia de que ele não mandava nada, nem era responsável pelos mapas contabilísticos. Eu perfilho desta ideia.

O Abreu safou-se, tem levado uma rica vida lá para as bandas do Porto, e nem umas doençazitas que o afligem, são capazes de o demover a comparecer em convívios com os camaradas. Como referiam os madeirenses: "é aquele hôme!".
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8321: (Ex)citações (139): Comentário ao Post 8318 - Notas de Leitura - Porque Perdemos a Guerra, de Manuel Pereira Crespo (José Manuel M. Dinis)

(**) Caricatura não publicada por suscitar dúvidas de ser contra à política de conteúdos do Google. O nosso camarada Zé Manel não ficou muito zangado com os editores.
Quem quiser receber particularmente a dita caricatura poderá solicitá-la a mim ou ao camarada José Manuel Matos Dinis.

Vd. último poste da série de 13 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7276: História da CCAÇ 2679 (42): A noite em que ninguém queria ir levar o rádio a Tabassi (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P8727: Blogpoesia (159): O Mar que nos levou (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 10 de Agosto de 2011:

Carlos, Luís, Briote, Magalhães, e demais membros da Tabanca Grande
O mar teve sempre em mim um efeito maravilhoso.
Vivendo eu perto da Nazaré e S.Martinho tive uma cultura e tempos livres ligados ao mar e suas gentes. Recordo-me quando criança ouvir o mar violento castigar o areal, enquanto as mulheres dos pescadores choravam e imploram pelos homens que o enfrentavam todos os dias.

Dia que não fossem ao mar era dia de fome para eles e filhos. O salva-vidas era uma enorme barcaça a remos em que voluntários, se atiravam contras as ondas que o punham na vertical tal era a violência.

Os pescadores embarcavam volta das 3 horas da manhã e rendiam assim na faina do mar os seus camaradas que já lá tinham estado 24 horas. A Nazaré antes da construção do porto de abrigo era uma praia maravilhosa, mas onde o mar era repentino e traiçoeiro. Raro era o ano em que ele não cobrava em imposto várias vidas.

Termos como o mar está um cão ou chão, sítios como a pedra do Guilhin e o Poço das Viúvas ficaram para sempre na minha memória pelas piores razões.
Mas nós estivemos sempre ligados ao mar e se agora estamos a passar um mau bocado foi porque se calhar lhe viramos as costas.

Um abraço
Juvenal Amado

Nazaré > Farol e Pedra de Guilhin

Praia da Nazaré

Lisboa, 18DEZ71 > Embarque para a Guiné


O Mar

O Mar nos levou
Nos embalou
Cavalgamos nas suas ondas
Encontramos novos horizontes
O mar salgou as nossas lágrimas
Cobriu de negro as mulheres
Transportou dádivas
Trouxe notícias e riquezas
Boas e más novas
Palavras de redenção e paz
Bem e o mal
Levou na sua espuma milenar
Ânsias de grandeza
Levou aventureiros
Redenção de expatriados
Proscritos ou desenganados
Sobre as suas ondas o êxtase da superação
Qual canto de encantado de sereias
Conhecemos a grandeza e as misérias
Tocamos o Céu e descemos aos infernos
Heroísmos e amores
Estupro e ignomínia
Levou sonhos e vidas
Os nossos verdes anos
Tudo o Mar nos deu
Tudo o Mar nos levou
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8658: (Ex)citações (146): Guidaje - 1973, um comentário e algumas interrogações (José Manuel Pechorro / Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 24 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8705: Blogpoesia (158): Na festa dos mortos, o olvidos dos combatentes... (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P8726: Os últimos dias da CCAÇ 4544/73 em Cafal Balanta (António Agreira)

1. Mensagem do nosso camarada António Agreira* (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 4544/73, Cafal, 1973/74), com data de 23 de Agosto de 2011:

Caros amigos, Camaradas! Saudações amigas.
Antes de mais um Oscar Bravo pela recepção de que fui alvo na Tabanca Grande.

Satisfazendo o pedido do Carlos Vinhal, devo dizer-te que foi uma experiência singular, a entrega de Cafal Balanta.

Tudo começou num dia igual a tantos outros, em que um grupo de elementos do PAIGC entrou pacificamente em Cafal Balanta.

Passearam à vontade pelo tabancal e também pela zona militar. Não houve incidentes, para além de uma tentativa de visitar o Posto de Rádio, à qual eu me opus, mantendo o acesso interdito à área das Transmissões, pois ainda não tinha recebido ordem para destruir componentes confidenciais. Esta visita estava a ser acompanhada pelo Segundo Comandante da Companhia.

Resolvida a questão, começou uma amena cavaqueira, em que fundamentalmente se trocaram impressões sobre a guerra. Nesta conversa, recordo duas questões: os elementos do PAIGC conheciam ao pormenor cada um de nós, patentes, Especialidades, e até sabiam qual era o melhor jogador de futebol entre nós. Enquanto nós jogávamos futebol, eles estudavam o nosso comportamento. A outra questão, foi a afirmação de que a tropa do PAIGC não tinha pressa, ao contrario da tropa portuguesa que estava desejosa de regressar a casa, e por isso estava estrategicamente mal preparada.

Um dos outros temas de conversa foi marcação da data para a entrega definitiva, que ocorreu passado alguns dias, não sei quantos.

Outra questão a realçar é que eles falavam tão bem português como nós. Não sei agora precisar se houve alguma cerimónia oficial no acto da nossa saída de Cafal, mas presumo que não porque no dia em que chegou a LDG, já tínhamos a viola no saco e foi um até a vista dado, que a ansiedade de regressar era enorme.

Na chegada a Bissau recordo uma passagem com alguma nostalgia, na messe de Sargentos em Santa Luzia a refeição era ração de combate. Claro que não comi. Fui para Bissau, e desde Zé da Amura até ao Ronda, corri os restaurantes todos, e a única coisa que consegui comer foi um ovo estrelado com ervilhas fritas. Nesta altura deviam estar em Bissau para cima de 20.000 militares.

Respondendo agora ao camarada José Marcelino Martins, efectivamente eu fui a primeira pessoa em Cafal Balanta a ter conhecimento do que se estava a passar em Lisboa.

Há alguns dias já que tinha informações muito secretas de que algo iria acontecer. Por outro lado o meu Posto de Rádio funcionava 24 horas sobre 24 horas. Através de ondas curtas eu tinha escuta de várias estações de rádio, quer amadoras quer profissionais, nomeadamente de África e de Portugal.

Curiosamente a primeira informação a chegar veio através da Maria Turra: (a ditadura de Salazar caiu) foram estas palavras que aceleraram o batimento do coração. A partir daí foi uma maratona de sintonizar rádio para aqui, rádio para ali, até ao romper do dia, quando finalmente começaram a chegar informações mais credíveis, que todavia não tinham ainda confirmação militar.

Quando Cafal começou a despertar, fui falar com o nosso Capitão Salgado Martins (forte abraço para ele) e transmiti-lhe os factos que conhecia no momento. A emoção era indescritível, mas por outro lado havia um forte sentimento de incerteza e até talvez de insegurança.
O sentimento de união ficou ainda mais forte. Estávamos no Cantanhez cada vez mais entregues a nós próprios. Tudo se resolveu em bem

Aproveito para enviar foto do Posto de Rádio sempre em operação

Forte Alfa Bravo a todos
António Agreira

Cafal > Posto de Rádio no tempo da CCAÇ 4544/73 > Fur Mil TRMS António Agreira com os seus camaradas
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8699: Tabanca Grande (299): António Agreira, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 4544/73 (Cafal, 1973/74)

Guiné 63/74 - P8725: (Ex)citações (148): Lembrando camaradas e suas alcunhas (Henrique Cerqueira, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72)

1. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira* (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), com data de 23 de Agosto de 2011:

Olá amigo Carlos
Este assunto das alcunhas** ao princípio até me pareceu um pouco "desinteressante", no entanto, ao ler os últimos postes em relação ao convite da TVI, fiz um pequeno comentário. Vai daí lembrei-me de alguns camaradas meus visados e "alcunhados", e escrevi no referido comentário os ditos "apelidos" ou alcunhas.
Passado algum tempo dou comigo a pensar nesses meus queridos camaradas da Guiné, mais propriamente da minha antiga Companhia do Biambi(e). É então com o coração nas mãos que resolvo escrever esta pequena nota.

Lembro assim com saudade os seguintes camaradas que eram muito influentes na nossa vida diária passada no Biambi(e) e são eles:

Ex-Furriel Lopes, o nosso querido "Pato da Bolanha" sempre de calções, meiinhas e sapatos, pernas compridas e todo esticadinho e apressado (um autêntico urubu) que nós em tempos de fome (eram sempre) apelidamos essa ave de "Pato da Bolanha", acompanhada de cervejinha e uns Dimples, até não era nada má, pois a nossa memória bloqueava. O nosso Lopes era a eficiência na burocracia, penso que até muito melhor que os "sorjas" da Companhia .

- Lopes isto é mesmo verdade. Eras um gajo chato como ó caraças, mas hoje tenho saudades tuas. Aparece.

Agora o "Escrita", o nosso 1.º Cabo da Secretaria. Outro gajo mesmo porreirinho e eficiente, aliás ele e o Lopes faziam uma parelha imbatível, creio que até conseguiram comer as papas na cabeça dos sorjas e até penso que lhes passaram a perna... sabe-se lá em quê ???

Ainda há poucos anos o Cunha conseguiu com toda a sua eficiência dar uma boa ajuda na reforma de um dos nossos ex-camaradas que foi ferido lá na Guiné. O gajo era mesmo bom para a papelada e afins.

- Cunha a malta tem apreço por ti e até saudades, vê lá se tens os neurónios no sitio e aparece.

E agora para o Mec... Mec, o ex-Furriel Mecânico. Este era outro dos nossos queridos "Malucos". Bebedor compulsivo de Coca-Cola, magricela até ao osso, mas maluquinho até dizer basta. Bom mecânico, também bem acompanhado, em especial, pelo Martins.

- Teixeira (Mec... Mec) eras mesmo um grade maluco, tão maluco que não descansaste enquanto não arranjaste a GMC para depois a experimentares na picada para Encheia até passares por cima duma mina anti-carro. Não lembro aqui a tragédia por respeito, mas sim o outro que ia ao teu lado.

O Bagabaga, o meu próximo visado, o ex-Furriel Vagomestre, o REGO de seu nome, natural dos Açores.
Outro "sacanote" do melhor, este meu amigo, de quem nunca mais soube nada, mas tenho certeza de que se Deus quis, ele deve estar bem de vida assim, o espero e desejo.

Enquanto estive no Biambi(e), havia sempre a possibilidade de uma vez ou outra fazermos uma petiscada às escondidas do sorja. Era primeiro necessário dar a palmada a um bichito da tabanca, porque eles não vendiam, nós sofríamos e as glândulas gustativas mandavam.

- Rego se por mero acaso leres este escrito comunica, mesmo que seja do além o Carlos Vinhal arranja maneira de publicar.

Eu sou mesmo chato, disse que eram umas pequenas palavras e até já parece um livro de merceeiro.
Meus amigos visados e a todos os outros, tentei fazer um pouco de "graça" com os meus "alcunhados", mas na verdade o que aconteceu é que este tema veio mexer com as saudades e elas estão bem presentes.
Eu tenho mesmo saudades dos meus amigos e da minha juventude.

Um abração a todos
Henrique Cerqueira
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8472: Controvérsias (127): Ser ou não ser combatente ou ex-combatente (Henrique Cerqueira)

(**) Vd. poste de 18 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 – P8684: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (13): Como se apanha uma alcunha logo no primeiro dia de Guiné

Vd. último poste da série de 12 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8663: (Ex)citações (147): Guidaje – 1973. Esclarecimentos (José Manuel Pechorro)

Guiné 63/74 - P8724: Da Suécia com saudade (31): Outras bandeiras, outros costumes, outras gentes... (José Belo)

1. Do nosso camarada e amigo José Belo, hoje jurista, cidadão do mundo, que vive habitualmente na Suécia e às vezes em Kiruna, no Círculo Polar Ártico, mas também em Miami, nos States...

É autor do blogue Lappland to Key West. Não tem endereço de email certo. É um luso-lapão nómada, que nos escreve sempre com saudade do seu/nosso querido Portugal... LG

Outras bandeiras, outros costumes, outras gentes

por José Belo
 

Tenho por vezes meditado sobre quais os sentimentos com que milhões de Portugueses, nascidos, educados, e muitos combatendo nas colónias sob a bandeira tradicional de séculos, azul e branca, se terão sentido quando, bruscamente, com a implantação da República, a Bandeira Nacional mudou totalmente de cores e símbolos, acabando as cores tradicionais por serem substituídas pelas cores partidárias de um dos agrupamentos políticos republicanos.

  
Fonte: Cortesia de Lappland to Key West

Apesar de a bandeira verde-rubra ter ainda poucas décadas em 1974,como teriam reagido os Portugueses se algum dos muitos "iluminados" de então têm decidido mudar as cores da Bandeira Nacional, republicana ? E se, para mais, viesse a adoptar para a nova bandeira as cores de um dos quaisquer partidos de então?

Para os que hoje colocam a bandeira da União Europeia em lugar de honra,(talvez por ignorâncias feitas, para não chamar de complexos frente "ao estrangeiro"),julgando que a mesma terá "mais pinta", usando um termo, por certo, para eles favorito; esquecendo que, infelizmente, a tal Europa Unida, e a sua bandeira, neste momento o que representam não será lá muito para nos orgulharmos. Uma União Europeia em que a igualdade e a solidariedade entre os povos que a constituem, são cada vez mais substituídos pelos termos "Nós", os ricos, os que trabalham, os sérios, os capazes...e... "Eles", os "Outros", os das praias ao sol...

Tudo o resto que a bandeira azul estrelada deveria representar, se torna de uma simplicidade assustadora nas suas falácias. Antes a "pobre" bandeira verde-rubra, que nos representa como o Povo que somos,com os nossos grandes defeitos,mas também, e não menos,com as nossas grandes qualidades humanas. Qualidades que,infelizmente,talvez só sejam compreendidas em toda a sua profundidade pelos que vivem sob outras bandeiras há muitas décadas.

Como curiosidade, e quanto à Escandinávia e as suas bandeiras, recordo que,  quando aqui cheguei há 36 anos,ter estranhado que, frente a cada vivenda, quinta, casa de férias da mais pequena à mais luxuosa, havia um pau de bandeira. Não um pau de bandeira "à janela", mas um típico pau de bandeira "militar",enterrado no solo. E não só nos feriados ou festas nacionais, mas tanto nos dias de anos dos familiares que vivem na casa, casamentos, batizados ou outras festas familiares, a bandeira lá está, bem alta e orgulhosa. Aquando de morte na família,a bandeira também lá está, só que agora a meia haste. Ao passar de carro numa estrada, ou de barco frente a estes milhares de ilhas, é impressionante o aspecto festivo das vilas e aldeias com as suas centenas de bandeiras nacionais.

E isto do extremo sul ao extremo norte de todos os países escandinavos, mais a Finlândia. Ninguém é obrigado a ter a bandeira. Mas,  tendo-a,  existem regulamentos rígidos sobre o uso da mesma, e multas avultadas para aqueles que os não cumpram. Por exemplo, a bandeira não pode estar velha,  esfarrapada,ou com perda da cor. As dimensões das bandeiras são estabelecidas, assim como as dos paus de bandeira em relação com os tamanhos das casas que os usam, para em nada serem ridículos ou exagerados,e portanto menos próprios para com o símbola nacional. Isto, em toda a sua simplicidade, tem muito a ver com um sincero orgulho da sua Pátria, cultura e valores.

A mesma bandeira nacional que nos nossos Regimentos Militares é guardada em armário envidraçado, geralmente na sala de honra, nos Regimentos Suecos é colocada em lugar destacado da caserna dos soldados mais antigos do Regimento com o fim de ser a última coisa que estes militares olham ao recolher,e a primeira a ser vista à alvorada. 

Outras bandeiras...Outros costumes...Outras gentes.

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

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