Guiné > Região de Tombali > Gandembel > Natal de 1968 > Missa de Natal celebrada pelo capelão-mor das Forças Armadas, bispo de Madarsuma (*).
Foto: © Idálio Reis (2007). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]
Idálio Reis (1968) |
(...) No início da semana de Natal [de 1968], foi-nos dado a conhecer que o capelão-mor das Forças Armadas viria celebrar uma missa campal.
Os preparativos para esse dia não poderiam ser de grande monta, mercê das circunstâncias que nos eram impostas, mas houve a alegria bastante para se proceder a uma limpeza mais esmerada da pequena parada, que serviria de lugar de culto.
Assim, numa quarta-feira, dia 25 de Dezembro, como habitualmente fomo-nos levantando aos primeiros raios do alvor. Era dia de Natal, e muito certamente o único que a Companhia passaria em Gandembel/Ponte Balana, e talvez mesmo em terras da Guiné, já que do tempo de comissão decorrido, tudo indiciava que a próxima Natividade seria passada no tão desejado aconchego familiar.
Bastante cedo, fomos procedendo às tarefas de rotina, e com um efectivo redobrado, seguimos até ao rio Balana buscar água; tudo haveria de correr de feição. O almoço haveria de ser mais avantajado e suculento, já que tínhamos recebido determinados víveres que deram azo a que a ementa fosse das melhores que durante esta longa estada nos fora proporcionado.
E ao princípio da tarde, vestidos a preceito (onde a camisa era indumentária de gala), esperámos o séquito que haveria de vir ao nosso encontro. E pouco tempo passado, irrompiam, nos ares do horizonte, um conjunto de helicópteros que aterravam celeremente no centro de Gandembel, donde iam saindo diversas personalidades. E logo, aquelas singulares máquinas alares - as únicas que nos puderam tantas e tantas vezes socorrer -, levantavam.
Recordo os que pisaram este chão térreo: uma comitiva do Movimento Nacional Feminino, onde pontificava a sua Presidente, D. Ana Supico Pinto; presbíteros liderados pelo Bispo de Madarsuma; o Comandante-Chefe António de Spínola com alguns militares do seu Estado-Maior; um jornalista do Diário Popular.
A Companhia postou-se junto a uma das casernas-abrigo e aprestou-se a dar as boas-vindas. Em silêncio (não em sentido), Spínola aproximou-se de nós e durante alguns momentos fitou-nos de frente [apresentava um fácies de olhar lânguido] e profere uma alocução muito breve em que abordando o tema do Natal, deu particular ênfase aos conceitos de Deus, Pátria e Família. Muito seguramente já havia tomado a decisão pela evacuação daquele aquartelamento, mas nada exteriorizou. De todo o modo, julgo que ao findar as suas palavras, parece ter-lhe perpassado um frémito de emoção, e repentinamente manda descer o seu helicóptero e segue um outro caminho, porventura menos ínvio e liberto que este.
As senhoras do MNF, em atitude bastante contida, simpaticamente fizeram uma pequena oferta a cada um de nós. O Natal de 1968 também nos obsequiara com o maior número de mulheres que Gandembel jamais tivera oportunidade de agregar, e ”nas conversas de caserna” referia-se que talvez fosse a maior prenda que o Pai Natal nos aportara.
Também se retiraram rapidamente.
Ficavam os membros do Clero, para a concelebração da missa. Um altar improvisado e uma Companhia em que a maioria dos seus homens eram católicos praticantes, sentida e contemplativamente ouvem e rezam em murmúrio dolente e fervoroso.
Mas, mal a missa acabou, começam a detonar uma série de granadas de morteiro 82, lançadas junto à fronteira. O bispo e seus acólitos ficam atónitos ante tal quadro e num relance meia dúzia de soldados vão em seu socorro, pegam-lhes nos braços e conduzem-nos para uma das casernas-abrigo. Passaram-se cerca de 10 minutos, terminam as deflagrações, e o helicóptero que devia estar em Aldeia Formosa é chamado, e os membros da Cúria também seguiram outros destinos.
Restou ente nós, o jornalista do extinto Diário Popular, que haveria de escrever um belo artigo sobre a guerra de Gandembel/Ponte Balana, e que o Blogue já o divulgou na sua quase generalidade. (...)
Capa do livro "A CCAÇ 2317, na Guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana", da autoria de Idálio Reis. Edião de autor, 2012.
2. O bispo auxiliar de Lisboa, sob o título de bispo de Madarsuma, com funções de capelão mor das Forças Armadas, no período de 1967-1975. era D. António dos Reis Rodrigues (1918-2009), capelão e professor da Academia Militar, e procurador da Câmara Corporativa antes do 25 de abril (VIII Legislatura).
Ficha biográfica do bispo de Madarsuma, António dos Reis Rodrigues (Ourém, 1918 - Lisboa, 2009). Fonte: Sítio oficial da Assembelia da Repúblicia (Com a devida vénia)
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 5 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13577: Os nossos capelães (3): O capelão do BCAÇ 619 ia, de Catió, ao Cachil dizer missa... Creio que era Pinho de apelido, e tinha a patente de capitão (José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)
(**) Vd. poste de 24 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3666: O meu Natal no mato (19): Spínola, as meninas do MNF, o bispo de Madarsuma e um jornalista, em Gandembel, 1968 (Idálio Reis)