segunda-feira, 13 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19782: Convívios (893): Almoço/Convívio do pessoal da CCAÇ 2796 (Gaviões de Gadamael) levado a efeito no passado dia 11 de Maio em Pedroso, Vila Nova de Gaia (Adolfo Cruz)



1. Mensagem do nosso camarada de armas Adolfo Cruz (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796, Gadamael e Quinhamel, 1970-1972) com o rescaldo do Almoço/Convívio dos Gaviões de Gadamael, levado a efeito no passado dia 11 de Maio:

Caro Amigo Carlos Vinhal,
Votos para que estejas bem.

Gostaria que fizesses o favor de providenciar a publicação destas duas fotos no Blogue.
Grato, antecipadamente.

Abraço
Adolfo Cruz


Almoço/Convívio da CCAÇ 2796 - Gaviões de Gadamael

11 de Maio de 2019

Pedroso - Vila Nova de Gaia

Mais um Encontro/Almoço se realizou, graças ao esforço e dedicação dos habituais organizadores, Joaquim Ferreira, Manuel Fernandes e Manuel Soares, desta vez, com a presença de um ilustre convidado, o ex-CEME, General Rovisco Duarte.

É evidente a vontade manifestada por todos, no sentido da manutenção destes Encontros/Convívio.

Na foto, a partir da esquerda: ex-Alf Mil Alexandre Rodrigues, General Rovisco Duarte, ex-Alf Mil Joaquim Campinho, ex-Fur Mil Orlando Amaral e ex-Fur Mil Adolfo Cruz
____________

Nota do editor

Último poste da série de7 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19754: Convívios (892): CCAÇ 1585 (Farim e Quinhamel, 1966/68): 19º Convívio, 51º aniversário do regresso à metrópole: Buarcos, Figueira da Foz, 25/5/2019 (Carlos Soares)

Guiné 61/74 - P19781: Notas de leitura (1177): "Portugal in Africa", por James Duffy, Penguin 1962 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,
Estávamos em 1962 e os livros da Penguin davam volta ao mundo. Um norte-americano graduado em Harvard e conhecedor a fundo de Angola e Moçambique, escrevia um ensaio centrado nas duas grandes colónias portuguesas descrevendo os termos da colonização, as suas fragilidades, e pondo em relevo a mística imperial do Estado Novo.
Trata-se de um trabalho que carreava factos históricos irrefragáveis, deixando claro que se tinha entrado num período tumultuoso e que tudo previa que se tratava ao nível do império a morte de um sonho.
O livro de James Duffy é hoje obra para colocar no devido patamar dos trabalhos premonitórios, nem os fanáticos queriam recuar nem os anticolonialistas, naquele ano de 1962, previam minimamente o alastramento da guerra de guerrilhas e muito menos sonhavam com o esgotamento e a incapacidade de lhes dar resposta.

Um abraço do
Mário


Um livro icónico dos anos 1960: Portugal in Africa, por James Duffy

Beja Santos

Aí por 1963, começou a circular clandestinamente em vários meios universitários e oposicionistas ao regime um livro de um investigador diplomado em Harvard e profundo conhecedor das realidades de Angola e Moçambique: "Portugal in Africa", editado pela Penguin em 1962. O prefácio era assinado por Ronald Segal e abria com a ocupação do Estado da Índia em Dezembro de 1961, era o primeiro abalo do Portugal Imperial, um orgulho de uma missão civilizadora que apresentava resultados práticos deploráveis em matéria de desenvolvimento, saúde e cultura. A questão racial era um dos argumentos mais pesados do levantamento nacionalista africano, havia o indigenato, os assimilados, os civilizados, e a realidade era bem distinta da propaganda. As publicações do regime falavam em política de assimilação, tudo se teria iniciado em 1483 quando o rei Nzinga-a-Cuum mostrara abertura à civilização ocidental e o seu sucessor de Mbemba-a-Nzinga ou D. Afonso I adotara a religião cristã, era este o exemplo grandioso do Congo. Este império africano, sujeito a múltiplas cobiças de outras potências coloniais, ficou em dormência até ao século XIX, e muitas justificações foram dadas: domínio filipino, Guerra da Restauração, o surto brasileiro, a incapacidade demográfica em estar presente simultaneamente em todos os continentes. Com a Conferência de Berlim (1884-1885) e com a independência do Brasil, jogou-se a fundo a cartada africana, entre a monarquia constitucional em fase terminal, a I República e o Estado Novo. A mística imperial ganhou novo alento, cresceu o número de publicações de sensibilização imperial, a investigação científica cresceu exponencialmente, e as duas grandes colónias, Angola e Moçambique, cronicamente deficitárias, começaram a dar lucros com a crescente presença de empresas estrangeiras, a exploração dos diamantes e de outras riquezas de subsolo, a África do Sul e as colónias do domínio britânico na África Austral precisavam do desenvolvimento moçambicano. Mas as fraturas e mazelas iam sendo expostas. O relatório do Capitão Henrique Galvão era demolidor quanto ao trabalho forçado, iliteracia e falta de instituições de saúde. E nos anos 1950 os ventos da história puseram a mística imperial e a dita missão civilizadora em confronto com a ascensão dos nacionalismos.

James Duffy confessa que o seu estudo está centrado em Angola e Moçambique, só esporadicamente fala em S. Tomé, desconhece Guiné e Cabo Verde. A primeira parte está consolidada em dados históricos conhecidos, tudo começou com a conquista de Ceuta e a germinação do projeto henriquino. Em 1480 atingia-se o Cabo de Santa Catarina e é provável que se tenha chegado a S. Tomé. Analisa o interlúdio entre os descobridores portugueses e o Congo, foi uma experiência tão singular que será sempre a grande bandeira utilizada para a missão civilizadora naquela região da África Ocidental. Seguidamente descreve a colonização angolana em todas as suas fases até à Conferência de Berlim. Seguirá o mesmo itinerário para Moçambique, mostrando os antagonismos com as potências locais e as rivalidades que os interesses britânicos geravam. O estudo da missionação tem também relevo no livro, fala-se dos prazos da Coroa e também muito do comércio de escravos, Angola, como James Duffy observa era a grande placa giratória.

Entramos depois no período da penetração africana, Livingstone passa a ser o explorador estrangeiro que melhor conhece a presença portuguesa, graças à viagem transcontinental que fez, onde foi muito cáustico com a escravatura praticada pelos portugueses e que foi alvo de várias respostas. Temos a relação das viagens dos grandes exploradores portugueses, a análises das consequências de Berlim, o Mapa Cor-de-Rosa e o Ultimato Britânico. A penetração e ocupação de posições no território são feitas tanto em Angola como em Moçambique, à custa de sérios combates. Procura-se pelo paternalismo lançar as bases de uma política indígena, criar uma administração, faz-se a apologia da assimilação e miscigenação e exalta-se a mestiçagem. O trabalho forçado continua a existir e passa do século XIX para o século XX, o Regulamento para os contratos de serviçais e colonos nas províncias de África, de 1878, é praticamente ignorado. Os escândalos da deportação maciça de angolanos para S. Tomé foram denunciados tanto por estrangeiros como por portugueses. Por exemplo, Judice Biker, governador da Guiné publicou em 1903 um documento sobre os procedimentos sórdidos que levavam à caça de angolanos que iam de Benguela ao Novo Redondo para S. Tomé, eram contratos de cinco anos obrigatoriamente renovados. O autor dá informações sobre a industrialização, o investimento e o povoamento de todo este período fundamental, incluindo o Estado Novo.

Estamos agora no último capítulo, dedicado ao presente, volta-se a falar na nova mentalidade imperial, o III Império, os problemas raciais e o modo como eram contornados, o sistema administrativo, a cristianização feita por missões católicas e protestantes, a natureza do ensino. E assim chegámos à matéria escaldante que tornou este livro matéria proscrita. O desenvolvimento económico de Angola e Moçambique é ameaçado pelo surto nacionalista e pela evidência de que o Congo não ia ficar indiferente aos nacionalistas angolanos. O autor desvela todos os acontecimentos de 1961, os atos de barbárie praticados de parte a parte, concluía que a UPA era o movimento mais influente, muito mais influente que o MPLA. A política colonial portuguesa perdia apoios e o mais grave era a hostilidade clara da administração Kennedy. O discurso do Estado Novo endurece, entre 20 a 25 mil militares são mandados para Angola. O regime de Salazar avisa que a defesa da civilização ocidental está em jogo e brande o fantasma do comunismo. Salazar vai estabelecendo gradualmente alianças com a África do Sul e com os governos de minoria branca. Dá sinais de liberalização, abolindo legislação que se aproximava do trabalho forçado, estabelece a inspeção do trabalho no Ultramar, é abolido o trabalho compulsivo nas zonas algodoeiras. Por fim é abolido do regime do indigenato, teoricamente todos os angolanos e moçambicanos têm os mesmíssimos direitos que os metropolitanos. E assim se põe termo ao livro, lembrando que está tudo em aberto com os acontecimentos do Katanga, com a efervescência das Rodésias e a vitalidade dos movimentos nacionalistas na região.

Trata-se de um livro que despertou estrangeiros e nacionais para o amplo fenómeno da presença portuguesa em África, era o primeiro pano de fundo de uma história com centenas de anos e factos enevoados pela mística imperial.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19771: Notas de leitura (1176): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19780: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande (19): 95 inscritos até domingo à noite, dia 12, incluindo o António Acílio Azevedo e Irene (Matosinhos), o Eduardo Moutinho Santos e a Maria José (Porto), o JERO (Alcobaça), o Vasco Ferreira (V. N. Gaia) e o Xico Allen (V. N. Gaia)... Precisamos de mais 5 para chegar aos 100 !!!... Prazo-limite de inscrição: quarta feira, dia 15, até às 24h00


Expedição Porto-Bissau, organizada por Xico Allen e A. Marque Lopes > 9 de abril de 2006 > Dia 5, De Roc Chico a Nouakchott, capital da Mauritânia...Um encontro amigável com sarauis e camelos... Fabulosa esta foto, de um  grande fotógrafo, o nosso Hugo Costa, filho de outro grande fotógrafo, o Albano Costa. O Hugo, juntamente com a Inês Allen, integrou esta viagem à Guiné, por terra, pelo deserto do Sara... O Xico Allen já perdeu a conta as vezes que já fez esta viagem. Dizem até que já é mais guineense do que português, tendo inclusive BI da República da Guiné-Bissau... Membro sénior da Tabanca Grande e da Tabanca de Matosinhos, tem mais de 4 dezenas de referências no nosso blogue. E vai estar, mais uma vez, no nosso Encontro Nacional, em Monte Real, no dia 25. 

Foto: © Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


AS 95 INSCRIÇÕES NO XIV ENCONTRO NACIONAL DA TABANCA GRANDE (até domingo ao fim da tarde; últimas inscrições: quarta-feira, 15, até às 24h00)



Abel Santos - Leça da Palmeira / Matosinhos
Agostinho Gaspar - Leiria
Alfredo da Silva e esposa - Cabeceiras de Basto
Almiro Gonçalves e Amélia - Vieira de Leiria / Marinha Grande
António Acílio Azevedo e Irene - Leça da Palmeira / Matosinhos
António Estácio - Mem Martins / Sintra
António João Sampaio e Maria Clara - Leça da Palmeira / Matosinhos
António Joaquim Alves e Maria Celeste - Carregado / Alenquer
António Joaquim Oliveira - Vila Nova de Gaia
António José Pereira da Costa e Maria Isabel - Mem Martins / Sintra
António Maria Silva e Maria de Lurdes - Sintra
António Martins de Matos - Lisboa
António Matos Peliteiro - Vila Nova de Famalicão
Armando Nunes Carvalho e Maria Deolinda - Sintra
Armando Pires - Algés / Oeiras
Arménio Santos - Lisboa



Destaque para:


António Acílio Azevedo [ex-cap mil, cmdt. 1ª CCAV/BCAV 8320/72 E CCAÇ 17, Bula e Binar, 1973/74; voltou à Guiné-Bissau, em "turismo de saudade; tem mais de 2 dezenas de referências no nosso blogue; membro da Tabanca de Matosinhos]

Carlos Cabral e Judite - Pampilhosa / Mealhada
Carlos Camacho Lobo - Maia
Carlos Pinheiro - Torres Novas
Carlos Silvério - Ribamar / Lourinhã
Carlos Vinhal e Dina - Leça da Palmeira / Matosinhos

Eduardo Jorge Ferreira e Maria da Conceição - Vimeiro / Lourinhã
Eduardo Moutinho Santos e Maria José - Bonfim / Porto
Ernestino Caniço - Tomar



Destaque para: 

Euardo Moutinho Santos [ex-alf mil, CCAÇ 2366 (Jolmete e Quinhámel) e cap mil graduado, cmdt da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada); advogado, régulo da Tabanca de Matosinhos, tem 15 referências no nosso blogue; foto à direita, viagem à Guiné-Bissau,em 2017: o Eduardo Moutinho e o atual régulo de Jolmete, Cajan Seidi, foto de Eduardo Moutinho dos Santos / Manuel Resende, 2018 ]


Fernando Gouveia - Porto
Fernando Jesus Sousa e Emília Sérgio - Lisboa
Francisco Baptista - Porto

Helder Valério de Sousa - Setúbal

João Afonso Bento Soares - Lisboa
João Crisóstomo e Vilma - Nova Iorque (EUA)
Joaquim Mexia Alves - Monte Real / Leiria
Jorge Araújo e Maria João - Almada
Jorge Cabral - Lisboa
Jorge Canhão e Lurdes - Oeiras
Jorge Picado - Costa Nova / Ílhavo
Jorge Pinto e Ana - Sintra
José Barros Rocha - Penafiel
José Domingos Marinho Arnoso - Vila Nova de Famalicão
José Eduardo Reis Oliveira (JERO) - Alcobaça
José Manuel Cancela e Carminda - Penafiel
José Manuel Santos - Braga
José Pedroso e Helena - Sintra
José Ramos - Lisboa
Juvenal Amado - Lisboa



Destaque para:


José Eduardo Reis Oliveira (JERO)

[ex-fur mil enf, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66); jornalista e escritor; tem cerca de 150 referências do nosso blogue; membro sénior da Tabanca Grande e da Tabanca do Centro]

Lucinda Aranha e José António - Torres Vedras
Lúcio Vieira - Torres Novas
Luís Graça e Maria Alice Carneiro - Lourinhã
Luís Paulino e Maria da Cruz - Lisboa

Manuel António Areal da Costa - Santo Tirso
Manuel Augusto Reis - Aveiro
Manuel dos Santos Gonçalves e Maria de Fátima - Carcavelos / Lisboa
Manuel Joaquim, José Manuel e Alexandra - Lisboa
Manuel José Ribeiro Agostinho e Elisabete - Leça da Palmeira / Matosinhos
Manuel Lima Santos e Fátima - Viseu
Manuel Resende - S. Domingos de Rana / Cascais
Maria Arminda Santos - Setúbal
Mário Magalhães e Fernanda - Sintra
Miguel e Giselda Pessoa - Lisboa

Paulo Santiago - Aguada de Cima / Águeda

Rui Guerra Ribeiro - Lisboa



Vasco Ferreira - Vila Nova de Gaia
Vítor Ferreira e Maria Luísa - Lisboa
Vítor Vieira e esposa - Marinha Grande


Destaque para: 


Vasco Ferreira [ex-Alf Mil da CCÇ 4540, 1972/74;  a sua companhia era mais conhecida no TO da Guiné por ser mesmo "um caso sério";  andou por Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, entre 1972 e 1974; tem uma dezena de referências no nosso blogue;: foto ao lado, por ocasião do VI Encontro Nacional da Tabanca Grande, Monte Real, 2011]

Xico Allen - Vila Nova de Gaia

domingo, 12 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19779: Agenda cultural (682): Grande Prémio de Longa Metragem Cidade de Lisboa, IndieLisboa 2019: "De los nombres de las cabras", de Silvia Navarro e Miguel H. Morales, Espanha, 2019, 62': um documentário sobre a extinção dos Gaunches, o povo nativo das Canárias... Pode ser visto no cinema Ideal, Lisboa, quarta-feira, dia 15, às 22h00


Fotograma do filme de "De los nombres de las cabras". Cortesia de IndieLisboa - 16º Festival Internacional de Cinema, Lisboa,2-12 de maio de 2019



JÚRI DA COMPETIÇÃO INTERNACIONAL DE LONGAS METRAGENS
FEATURE FILM INTERNATIONAL COMPETITION JURY

Grande Prémio de Longa Metragem Cidade de Lisboa / Feature Film Grand Prize City of Lisbon
(15.000 Euros)

DE LOS NOMBRES DE LAS CABRAS / ON THE NAMES OF THE GOATS
Silvia Navarro, Miguel G. Morales, Espanha, doc., 2019, 62′

“Pela sua rica e intrincada investigaçao do recente passado colonial pela interaçao com tempos antigos e tradiçoes das Ilhas das Canárias, através de imagens de arquivo escolhidas e montadas com perícia, do som de entrevistas e de uma paisagem sonora imersiva, o júri dá unamimamente o Grande Prémio Longa metragem Cidade de Lisboa ao documentário espanhol De los Nombres de Las Cabras de Miguel G. Morales e Silvia Navarro.”

Sinopse

Guanches é o nome dado ao povo nativo das ilhas Canárias, que vivia ainda na Idade da Pedra quando as ilhas foram ocupadas pelos castelhanos, acabando erradicados em menos de um século. Este hipnótico ensaio, integralmente composto por imagens de arquivo, parte dos registos sonoros de um arqueólogo que, nos anos 1980, recolheu testemunhos junto dos pastores locais com o desejo de conhecer melhor esse povo. Só que a dupla de realizadores desmonta os mitos coloniais do investigador e apresenta o complexo mapa de poderes com o qual se escreve o discurso histórico. Em estreia mundial no IndieLisboa.

Fonte: Indie Lisboa 2019

Este filme pode ser (re)visto quarta-feira, dia 15 de maio, às 22h00, no Cinema Ideal,  rua do Loreto, junto ao Largo Camões, Lisboa, metro Baixa-Chiado.

__________________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P19778: Blogpoesia (619): "Princesa do mar", "Deserto da existência..." e "Fogão de ferro a lenha", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Princesa do mar

Albas vestes lhe escorrem desde os ombros.
Fulgente diadema lhe coroa a cabeça iluminada.
Infindável coro celeste lhe entoa incessante seu hino de glória.
Sentada no seu trono alvinitente.
Rainha-mãe da noite da opulência.

Acompanha de longe as almas sonhadoras.
Dá a volta ao mundo até que nasça o sol e se faça o dia.
Mas nunca abandona o céu donde contempla o mar azul que, logo, vestirá de prata.

Berlim, 12 de Maio de 2019
12h47m
Jlmg

************

Deserto da existência...

Sem ligação do homem ao Criador, a vida se torna num deserto.
Falta a água e a verdura da esperança.
Secam as fontes puras da justiça e da paz.
Desabam todos os sonhos no mar do desespero.
Fica-se escravo do dinheiro e do prazer a todo o preço.
Vai-se a graça da harmonia.
Chovem tempestades de sofrimento.
Secam todos os rios da amizade entre os homens.
Tolda-se de negro o horizonte
E, não há mais remédio para viver.

Só com a religação do homem a Quem lhe deu o ser, voltará a brilhar de novo o dom privilegiado da existência.
Tudo voltará a ser verdejante e a terra um mar de vida.

Ouvindo Death in Venice Full Album
Berlim, 10 de Maio de 2019
6h55m - dia fosco
Jlmg

********************

Fogão de ferro a lenha

Vi-o crescer, desde as chapas em folha, que o tio Tónio serralheiro talhou.
Com fornalha e caldeira.
Quatro discos em ferro.
Tapando o fogo.

Encomenda sonhada de minha Mãe.
Vi-a chegar, luzente e perfeito, cheirando a novo.
Foi uma festa.
Regada de vinho.

Em vez da lareira em pedra.
Onde ardiam cavacos,
bramindo lufadas de fumo, por debaixo da trempe.

Regalo e aconchego nas noites frias de Inverno.

Acabou-se a desculpa.
Cabrito assado, loiras batatas e arroz na caçoila.
Tudo ao alcance da Mãe.
Enquanto, em cima, na panela pesada,
se cozem as couves, com azeite e chouriço.
E, sentado no chão, com a lousa da escola, nas noites de inverno, se fazia os deveres que a professora mandou.

Berlim, 8 de Maio de 2019
9h42m
Jlmg
____________

Nota do editor

Último poste da série de 5 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19747: Blogpoesia (618): "Extermínio das civilizações", "A voz do pensamento" e "Guardo para mim...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P19777: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande (18): Quem dá uma boleia ao Mário Gaspar, a partir de Lisboa, para ele poder juntar-se a nós, em Monte Real, no dia 25 ?

1. Mensagem de Mário [Vitorino] Gaspar, com data de hoje, às 3h36
[ex-fur mil art MA da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; tem cerca de 110 referências no nosso blogue: na vida civil, foi lapidadot de diamantes; e foi também cofundador e dirigente da associação APOIAR]

Caros Amigos Combatentes – muito especialmente da Guiné – mas também de Outras Colónias, Esposas, Filhos, Netos, Bisnetos.

Há quantos anos vou ao Almoço Anual do Blogue ? Talvez desde 2012?. Praticamente estacionei, mas com armas e bagagens, julgo ter reaprendido nestes anos, algo que esquecera.

Sucede que não me inscrevi no Almoço por não ter transporte. Tive uma experiência, indo de comboio mas não me atrevo a arriscar.

Quanto a escrever para o Blogue teria imenso gosto, até porque tenho textos prontos e com facilidade escrevia uns tantos. Estou carregado de doenças, não foi por mero acaso que me inscrevi nos Centros de Apoio Social (CAS) do IASFA, fui aceite sem cunhas, primeiro em Runa e também para o Porto. Ao Porto foi de visita.

Foi-me diagnosticada a Doença de Parkinson, e como Combatente, fiz-lhe frente mas tive um início que saí vitorioso mas tudo mudou e neste momento estou a perder. Para manter, no mínimo o cérebro em funcionamento necessito de me ocupar, mas está a ser difícil por ter muitas doenças e Consultas e Exames. 

Caí no ciclo das quedas, e foram já muitas as vezes que caí, numa das vezes nem sei como sobrevivi. Bati com a cabeça na parede e depois no chão e levei 9 pontos na cabeça. Como temos um Serviço Nacional de Saúde (SNS), fiz os Exames à cabeça e após me tirarem os pontos disseram que não valia a pena. 

Fui a um Médico, sem lhe contar nada, perguntou o que tinha acontecido. Respondeu de imediato para ir fazer o dito Exame e respondi que talvez por razões menos graves morreram-me amigos que também caíram e passado algum tempo foram vítimas mortais de embolias. Um deles foi na ginástica do colégio onde estudei.

O stress pós-.traumático é pior ainda que muitos Combatentes pensam. Os governos, esses que se governam em lugar de governarem, estão-se borrifando para os Combatentes. Deu uma notícia há pouco que vão ser aumemntados,

Envio algo que nunca vou denominar de Poesia. Aceito que digam ser prosa poética, poesia nunca. Julgo ter lá chegado algumas vezes. Unicamente lhes falta a alma.

Sobre o Almoço, podem inscrever-me se existir uma boleia, caso contrário não me inscrevam. Quero acrescentar que pretendo pagar a minha parte da gasolina.

Tenho umas novidades para lhes dar mas fica para depois.

Sempre tive grande facilidade de dar uma resposta oportuna, no devido momento. Não uso as armas que aprendi a manejar, não só na guerra como na vida.

Abraço à Tabanca

Mário Vitorino Gaspar

______________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P19776: Tabanca Grande (478): José Ramos, ex-fur mil, Destacamento do STM do CTIG (1968/70), chefe do Posto do STM de Bafatá, sob o comando do então cap eng trms, João Afonso Bento Soares... Passa a ser o grã-tabanqueiro nº 789 e já marcou presença em Monte Real, no próximo dia 25...







Guiné > Região de Bafatá > Destacamento do STM (Serviço de Telecomunicações Militares) > Posto do STM de Bafatá > José Ramos, ex-fur mil trms

Fotos: © José Ramos (STM) (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagen: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem do José Ramos, com data de 10 de corrente, 17h23

Caro Amigo Luís Graça: 

É com enorme prazer e satisfação, que venho responder ao seu amável e oficial convite para integrar a vetusta Tabanca Grande. 

Para tanto, envio os elementos pedidos: 

(i) o meu Nome é José Ramos, ex Furriel Miliciano do Destacamento do STM / Guiné 68-70, chefe do Posto do STM de Bafatá, sob o Comando do então Capitão Engº de Trms, João Afonso Bento Soares [, nosso grã-tabanqueiro nº 785]; 

(ii) o STM (Serviço de Telecomunicações Militares) destinava-se a apoiar as Forças do CTIG na área das Transmissões Permanentes, facultando ligações rádio e tegráficas de Bissau para a Metrópole e de Bissau para todos os comandos de Agrupamento, de Batalhão e COP;

(iii) a minha missão específica situava-se ao nível de Recepção e Envio de mensagens em morse, a partir do Posto de Bafatá que eu chefiava e que servia no local um Comando de Agrupamento, um Esquadrão de Cavalaria e um Batalhão de Caçadores.

Devido à importância funcional e estratégica destas três Unidades, o nosso posto era, logo a seguir ao de Bissau, o de maior tráfego de mensagens na Guiné, o que exigia grande esforço e dedicação de toda a equipa. 

Junto em anexo três fotos do meu tempo de Guiné e uma foto actual. 

Um grande abraço e até ao dia 25 de Maio,  em Monte Real.

José Ramos

2. Comentário do editor Luís Graça:

Zé, como camaradas que fomos, no TO da Guiné, tratamo-nos por tu. São, de resto, estas normas (facultativas) do nosso blogue. O tratamento por tu facilita a comunicação entre nós, nomeadamente pessoal miliciano e praças.

Por outro lado, verifico que estivemos no TO da Guiné, mais ou menos na mesma altura e na mesma região, a de Bafatá, tu entre 1968/70 e eu entre junho de 1969 e março de 1971.  A minha companhia, CCAÇ 12, africana, esteve ao serviço, como subunidade de intervenção, de dois batalhões sediados em Bambadinca: BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72)... Seguramente que nos cruzámos em Bafatá, aonde íamos com regularidade (em lazer, em serviço, etc.).

Já temos, na Tabanca Grande, uma "morança" com a tabuleta "José Ramos", ex-1º cabo cav, EREC 3432 (Bula, 1972/74), Para não ocnfusão com a tua "morança", vou.te chamar José Ramos (STM) ou, em alternativa, José Ramos (Lisboa) ou ainda José Ramos (Bafatá)...  Mas, na volta do correio, podes sugerir outro nome: por exemplo, pôr uma apelido intermédio... Em qualquer altura podemos emendar, corrigir, neste caso, "desambiguar"...

Tu é que me dizes como queres ser conhecido na Tabanca Grande, sabendo à partida que já há um José Ramos, da arma de cavalaria... Uma vez que a antiguidade é um posto, também na Tabanca Grande, e sendo tu mais "periquito" (nestas andanças bloguísticas), temos de arranjar um solução de compromisso... O teu nome bai ficar, na lista alfabética dos membros da Tabanca Grande, a  seguir ao José Ramos, como José Ramos (STM) (Vd. coluna estática, do blogue, do lado esquerdo.)

Quanto ao resto, és recebido de braços abertos por mim, demais editores, colaboradores permanentes e demais pessoal da Tabanca Grande: contigo passamos a ser 789 os grã-tabanqueiros, dos quais, infelizmente 72 já deixaram a terra da alegria... A sua presença, o seu nome, as suas fotos e hstórias continuam a ser um forte estímulo para prosseguirmos, ao fim destes 15 anos, a honrosa  missão de  partilhar memórias (e afetos) à volta da Guiné e das nossas comissões de serviço militar, entre 1961 e 1974.

Até Monte Real, sábado, dia 25 de maio!... Luís Graça

sábado, 11 de maio de 2019

Guiné 61/74: P19775: A galeria dos meus heróis (30): Depressa, tuga, dá-me o tiro de misericórdia!... E que o teu deus te pague!... (Luís Graça)

A galeria dos meus heróis > "Depressa, tuga, dá-me o tiro de misericórdia!... E que o teu deus te pague!"...

por Luís Graça



1. Conheceste-o no Chez Toi, em Bissau. Ou melhor, reconheceste-o, de Tavira, do CISMI, do Centro de Instrução de Sargentos Milicianos. Haviam pertencido, ambos, à Companhia de Instrução comandada por uma figura impagável, um tenente gordinho, que, dizia-se, tinha-se coberto de “honra & glória” no Norte de Angola. Já esqueceste o nome.

Em Bissau, estavas hospedado naquela espelunca, de paredes de tabique, que à noite funcionava como boite (. Era assim que, na época, se chamavam, “en français, comme il faut!”, todas as espeluncas da noite, em Lisboa e , onde se bebia uísque marado, e havia umas miúdas de minissaia e cueca vermelha que te faziam olhos remelosos, e cócegas no pescoço… Tinham unhas compridas, pintadas de verniz vermelho horroso como os felinos. Faziam, pela vida, coitadas. E viviam nas periferias de Lisboa que cresciam então como cogumelos, em 
arredores como a linha de Sintra, começando na Reboleira.

O raio da espelunca de Bissau tinha um drôle de nom, chique, sedutor, Chez Toi, “Em tua casa” … Convidativo ao voyeurismo: entra, senta-te, pede o que quiseres, estás em tua casa, não importa que seja a 4 mil quilómetros de distância de Lisboa…

Para os gajos do mato, desenfiados em Bissau, de tomates inchados e bolsos cheios de pesos, que não viam há meses um pedaço de chicha (leia-se: carne de fêmea, branca, “comestível”…), o Chez Toi devia ter um especial encanto que tu nunca conseguiste descortinar… 

Enfim, trazia-te a ti, e aos demais machos solitários, tugas, que vaguegavam por Bissau, algumas vagas reminiscências das não menos quentes noites de Lisboa e Porto, que o resto era paisagem, no Portugal de então, tão maneirinho, tão chato, tão piegas, tão púdico, tão beato, tão triste, tão desolador, tão deprimente, tão pequeno…

Uma deusa chamada Sophia tinha, em 1962, descrito no seu “Livro Sexto” esse país liliputiano, onde quem mandava era um velho abutre: “O velho abutre é sábio e alisa as suas penas, / A podridão lhe agrada e os seus discursos / Têm o condão de tornar as almas mais pequenas.”


Já não sabes como lá foste parar, ao Chez Toi… Publicidade enganosa, decerto. Indicação do turismo local, enfim, não te recordas. Mas para o caso não interessa. Andavas desenfiado, há uns dias, em Bissau, antecipando o gozo do início da licença de  férias na Metrópole. Tu e outro gajo da tua companhia. Aguardavam o avião da TAP para Lisboa. Tinham vindo com alguma antecedência, de noite, no "barco turra", rio Geba abaixo... 

Sim, era assim que se dizia: o gozo da licença de férias!... Eram as primeiras férias pagas da tua vida, pagas pela Pátria, com o soldo do soldado… (Fazias questão de dizer que não tiveste problemas de consciência nem devolveste, à Pátria, o dinheiro, sujo, de “mercenário”, saudação a que tiveste direito à chegada, num dos primeiros grafitos que te lembras de ver, naquela época, num dos muros do quartel da Avenida de Berna, em Lisboa: “Não sejas otário, muito menos mercenário; isto vai mal, diz não à guerra colonial”).

Otário, mercenário ?!...Confessaste depois que te sentiste mal. Insultado, mesmo com as tuas reservas em relação à puta da guerra em que estavas metido. Sentiste que era um insulto a quem, como tu e os teus soldados, cumpriam, longe de casa,  uma missão em nome da Pátria, 
a qual estava acima de todos os regimes... Santa ingenuidade!

Estava-se em plena época das chuvas, talvez julho de 1970, já não te recordas bem ao certo. A atmosfera em Bissau era asfixiante. E tu deixavas para trás um ano de intensa atividade operacional. Nessa noite foste dar uma volta ao bas fond, como estava na moda dizer-se. Intelectualóide que se prezasse, arranhava o francês de praia ou pelo menos usava expressões coloquiais em francês, como o vachement bête, ou emmerder, copain, copine… (Ecos serôdios e longínquos do Maio de 68 em Paris que tu nunca viveras.) Mas o bas fond em Bissau era, para a tropa-macaca,... o mal afamado Pilão.

2. Abra-se aqui um parênteses, para explicar que tu tinhas feito uma aposta, tu e o teu parceiro do Chez Toi, coisas de machos solitários, bravatas, que fazem parte dos ritos de passagem: ir dormir uma noite ao Pilão, antes de embarcar no avião da TAP; o primeiro a “desemparar a loja" e a "cavar", pagava o almoço no Pelicano no dia seguinte. Era um teste de resistência, de virilidade e 
de coragem física...Pobres diabos!...

Ficaram os dois numa espécie de "casa da mariquinhas” lá do sítio, e cada um foi com a sua “bajuda cabo-verdiana”, os quartos lado a lado, e com a "saída de emergência" por ali perto, mentalmente assinalada, para o que desse e viesse... Trajavam à civil e andavam... desarmados.



Às duas da noite, tu levantaste-te, vestiste as calças, deixaste a nota de 100 pesos que havias combinada com a rapariga, em cima do caixote que servia de mesinha de cabeceira,   e saieste... A atmosfera era sufocante, o telhado era de zinco, e não aguentaste o choro de uma criança que dormia debaixo da cama, ao lado do balde do mijo, e em quem tu nem sequer tinhas reparado quando entraste, às escuras…

Bateste à porta do outro quarto onde estava o teu parceiro, três toques secos, com os nós dos dedos, como combinado, e, passada meia hora, regressavam os dois, ao Chez Toi, meio 
almareados (o termo era do teu companheiro de viagem , oriundo do litoral alentejano) e bêbados de sono.


3. Logo por azar nessa noite alguém arrombara a porta do teu quarto no Chez Toi, forçara o cadeado da mala de cartão e fanara-te uma Dimple. Duas ou três garrafas de uísque, velho, 
Old Parr e Dimple, eram toda a riqueza que tu levarias a bordo para a Metrópole, para além de algumas peças, baratas, de quinquilharia e artesanato, que ainda tencionavas comprar no Taufik Saad.

Foste de imediato falar com o gordo do gerente do Chez Toi, que estava a aviar copos aos balcão. A conversa tornou-se logo desagradável: sebento, empertigado na defesa da honra e do bom nome da casa, o gerente começou por pôr em dúvida a tua versão. Mas acabou por aceitar ir averiguar o sucedido, face aos veementes protestos, teus e do teu parceiro de aventuras...

As suspeitas recaíram logo num dos rapazes, de etnia papel, de Biombe, que fazia o serviço de quartos. Ali não havia criadas, só criados, como no resto de África.


Gerou-se algum burburinho. Alguns clientes, à civil, mais exaltados, de copo de uísque na mão, juntaram-se a ti e ao teu solidário parceiro do Pilão.

O clima, no barzeco, que tinha música ao vivo, começou a ficar propício à pancadaria e até ao linchamento, depois dos teus protestos perante o gerente, por causa do arrombamento da tua mala de cartão. É a famosa lei de Gresham do conflito, a bola de neve que amplifica o conflito e faz perder de vista o pomo da discórdia e os protagonistas iniciais.


TRu e o sabujo do gerente já tinham chegado a um arremedo de acordo de cavalheiros, e o ladrãozeco de uísque, que andava a servir às mesas, suava por todos os poros, ao ver que não tinha nenhum álibi. Foi quando alguém mandou um copo ao chão e berrou, alto e bom som, um chorrilho de insultos racistas:

- Filhos da puta de nharros, cambada de barrotes queimados, turras de um cabrão!... E anda aqui um gajo a foder o coirão no mato para lhes proteger as costas em Bissau!...

O garnisé que cantava de galo àquela hora da noite era um gajo, branco, seguramente militar, trajando à civil, de estatura meã, mais baixo do que tu, mas mais entroncado. Estava visivelmente embriagado.

Tiveste então a infeliz ideia de o tentar acalmar, respondendo à sua provocação:


- Ó amigo.  vai-me desculpar mas a conversa não é consigo, nem o assunto lhe diz respeito… Além disso, eu estou numa companhia de africanos, lá no mato, no leste, e não gosto de ouvir expressões como nharros ou barrotes queimados, porque são racistas, ofensivas para com os meus camaradas que arriscam todos os dias a vida…

O tipo não te deixou sequer completar a frase, saltou como uma onça, de garras afiadas, direitinhas à tua carótide… Foi a primeira (e única) cena de porrada, de luta corpo a corpo, em que tu te viste envolvido no teatro de operações da Guiné… De facto, nunca tinhas sentido o inimigo tão perto, olhos nos olhos…Foram os dois ao chão, mas os gajos d
o conjunto (caixa e guitarra elétrica) continuaram a tocar, no meio da algazarra…

Providencialmente foi nessa altura que “ele” apareceu, fardado... Com divisas de furriel, segurando o energúmeno com autoridade e classe, e salvando-te daquela situação de embaraço, apuro e aflição.

Escusado será dizer que o teu agressor também era militar e, ao que parece, estava em Bissau, de férias, noutra pensão rasca, ali ao lado. Os amigos, de ocasião, que o acompanhavam, tiveram o bom senso de o levar prontamente até ao cais apanhar o cacimbo da madrugada, antes que aparecesse a ramona… Quando te deste conta eram já três ou quatro da madrugada…

4. “Ele”, o teu salvador, que por sinal também estava hospedado no Chez Toi, era nem mais nem menos do que "o teu conhecido de Tavira", com quem de resto tu ainda tinha umas velhas contas por saldar…

Resumidamente, aqui a vai a tua versão dessa história que te estava atravessada e que remontava ao quarto trimestre de 1968, em Tavira.

Numa das sessões de treino de boxe, que fazia parte da  instrução da malta, levaste dele uns socos valentes nos queixos. Tu tinhas adotado uma atitude claramente passiva de quem não estava disposto nem a aleijar nem a ser aleijado… Esperavas, com a tua ingenuidade e boa-fé,  que o teu parceiro, com mais cabedal do que tu, 12 cm mais alto do que tu, entrasse no jogo do faz-de-conta… Como muitos dos instruendos do CISMI faziam. Ele assim não o entendeu (ou não quis). Pelo contrário, assumiu logo de início uma postura viril, de combate. Sabia que estava a ser observado pelo instrutor e que aquilo era um teste de agressividade. Estava obcecado com a ideia de vir a poder ser um dos cinco melhores do curso, e assim, eventualmente, livrar-se de ir parar ao Ultramar, gorada a hipótese de ter ido para a Polícia Militar, como era o seu sonho…

Ficaste-lhe com um pó dos diabos!... Ainda hoje te doem os queixos da “porrada” que apanhaste, segundo confidenciaste… Não tinhas, pois, grandes razões para te lembrar dele como um dos bons camaradas de tropa, bem pelo contrário!... Acabaste por perdê-lo de vista, até ao dia em que o Niassa levou as vossas duas companhias para a Guiné. Trocarm um olá, meio comprometidos, já tínhamos passado as Canárias.
– O que lá vai, lá vai. Boa sorte! – foram as únicas palavras de despedida que vocês disseram um ao outro, nos Adidos, em Bissau.

5. Voltaste a reencontrá-lo muito mais tarde, depois dessa noite no Chez Toi, em que fizeram as pazes. Iam de férias, ficaram com os contactos um do outro. Ele ia para Bragança, sua terra natal. E foi aí que o procuraste, quase cinquenta anos depois, na sequência de uma estadia em Montesinho onde tu passaras uns dias, em turismo. Eis o teor, resumido, da sua longa conversa, de um homem precocemente envelhecido, solitário e amargurado, que estava a lidar mal com a reforma e os fantasma do passado:

“Não acreditas, mas já devo ter começado uma boa meia dúzia de diários da Guiné. Lá, e depois ainda cá, nos primeiros anos… Havia coisas que queria esquecer mas não consegui, aliás ainda não consigo…

“Sem surpresa, vejo agora que afinal toda a malta tinha o seu… diário secreto. Num dos últimos almoços da nossa companhia, tínhamos combinado levar papéis da Guiné e houve vários camaradas que trouxeram os seus diários, alguns escritos em aerogramas, outros em agendas de merceeiro, outros ainda em simples cadernos com linhas… No meu caso, eram simples notas, apontamentos, esboços, rabiscos, até recortes e alguns desenhos. Tinha a mania de ilustrar algumas situações, emboscadas, ataques e flagelações, operações, cenas da vida das tabancas por onde andei… Uma forma de passar o tempo e de fazer o gosto ao dedo.

“Muitas dessas notas são hoje ilegíveis ou quase. Acreditas que já não sou capaz de decifrá-las ? Como a minha letra mudou, camarada, como o mundo mudou! E sobretudo, eu próprio, como e quanto eu mudei!...


“Sobretudo agora que estou reformado e tenho todo o tempo do mundo (ou penso que tenho, enquanto não me der nenhuma macacoa), tive a veleidade de retomar os meus papéis. Mas a escrita é algo de muito penoso.

“Tentei voltar à escrita, mas a mão está perra. Escrevo pouco e sempre à mão. Não, não uso computador. Podes pensar o que quiseres, chamar-me analfabeto, infoexcluído ou outros mimos. Faço até gala nisso. Nunca poderia fazer parte do teu blogue, de que já ouvi falar, e sobre o qual, de resto, já ouvi críticas e elogios. Não acreditas, mas não tenho mail. Toda a gente tem pelo menos um, quando não dois ou três … Mas isso não me impressiona nem me intimida. A única concessão que faço é o telemóvel. Não por mim, mas por terceiros, pelos meus filhos e netos…

"Mas antes que me perguntes porquê, eu adianto-te algumas explicações. Em primeiro lugar, odeio ecrãs de visualização. Foram muitos anos na banca, no 'front office'. Foram muitos anos de trabalho na banca. Escravizado. Robotizado. Por agências de província, até me fixar na minha terra natal (, sou daqui perto de Bragança), a aturar os caprichos de gente mal educada, sem valores, deslumbrada com os sinais exteriores de riqueza que os fundos comunitários e outro dinheiro fácil, de especulação, corrupção e negociatas, trouxeram a este desgraçado país. E os cabrões dos chefes a dar-te cabo da mona, a obrigar-te a impingir ao cliente tudo e mais alguma coisa, desde fundos de pensões, seguros de saúde, boas e más acções, quinquilharia da Vista Alegre, títulos da dívida pública, cartões de crédito, papéis, papéis e mais papéis…


"É uma fobia, uma alergia, não imaginas! Dá-me urticária só de tocar num teclado de computador. Não tenho, aliás, computador em casa. Quando preciso, o que é raro, cada vez mais raro, vou à Biblioteca Municipal. Voltei a Bragança, sim, bom filho à casa torna. A minha mulher é professora primária e reformou-se há muito, há vinte e tal anos. A província tem coisas boas e coisas más, como tudo na vida. Mas eu não suportaria viver numa grande cidade como Lisboa ou Porto. Lisboa, por exemplo, deprime-me. Lá sinto-me como um lobo solitário, encurralado, apanhado pelo Fojo do Lobo.

"Pois é, voltei à folha de papel A4, e ao caderno de linhas, como na 4ª classe. Escrevo num bloco notas, de argolas. Desses baratuchos. Adoro arrancar, com vigor, as folhas do meu caderno de argolas quando me engano ou arrependo do que escrevi. Adoro amarrotá-las, fazer uma bola e lançá-la para o cesto dos papéis. Sou um frustradíssimo jogador de básquete, tal como fui um não menos candidato frustrado a Polícia Militar. Ser PM era o meu sonho, não sei se te lembras. Mas não cresci para lá dos meus 1,84 metros. A partir dos 15 ou 16 anos, estagnei.

"Ainda tenho a minha velha máquina de escrever. Ou melhor, dactilografar. Era assim que se dizia no meu tempo. Ainda trabalhei, antes da tropa, com um conhecido advogado aqui da praça que, depois do 25 de abril,  haveria de chegar a deputado por um dos partidos do poder. Eu fazia a biscatagem de aprendiz de solicitador. Bati muitos requerimentos em papel selado…

“Ainda te lembras do papel selado ?!... Quando o chico do sorja da minha companhia queria lixar alguém (só se metia com os desgraçados dos cabos e dos soldados ou dos milícias), ameaçava com um 'Vou-te embrulhar em papel selado!'…

“Mas agora acabou. A minha velha máquina de datilografia está arrumada a um canto. Como eu. Foi das primeiras máquinas, portuguesas, a aparecer no mercado. Não me perguntes a marca. De qualquer modo, o problema é que não encontro fita para ela, a fita preta e vermelha.

"Ainda tive a veleidade, a pretensão ou, melhor, a ingenuidade, de tentar escrever um livro com as minhas memórias da Guiné, os meus quase dois anos de vida na Guiné… Não me perguntes porquê, não te saberia responder. É um problema cá comigo, um certo ajuste de contas com o passado. Um certo passado de um certo jovem que passou demasiado depressa para a idade adulta.

“Tenho hoje a sensação de que nos roubaram a juventude. Não sei se se passa o mesmo contigo… Ajuste de contas comigo, com o meu fado. Não, não é nada contra ninguém. Não sou daqueles que invetiva os outros, um mal tão tipicamente português. Os outros não sei quem são, não ando à procura de álibis, desculpas, pretextos ou bodes expiatórios. O outro sou eu, ponto final parágrafo.

"Nasci em 1947 - como tu, suponho, somos da mesma colheita – muito longe do mar que aliás eu só vi quando fui para a tropa, não tenho vergonha de dizê-lo… A mobilidade era reduzida, o carro era um luxo. Um país governado por um velho celibatário e a sua criada. Ah!, e o Cerejeira!... Lembras-te do Cerejeira ?... Foi o tempo e o lugar que me calharam na rifa, foi o meu fado. Não fiques à espera que eu me lamente, chore baba e ranho, ou que arranque os cabelos. Sou o que sou, ponto final.

"Não, não sinto raiva, desejo de vingança, vergonha, culpa, nada disso em que possas estar a pensar. Porque haveria eu de sentir culpa ? Não matei, não torturei, não violei, não roubei, não desejei a mulher do próximo (se desejei alguma, era a mulher mais nova do régulo, que tinha muitas)… Enfim, julgo ter cumprido os 10 mandamentos da lei de Deus que me ensinaram os meus pais, e em que fui educado na catequese e no seminário. Tive uma educação cristã, como tu, como toda a gente. Fui igual a centenas de milhares de jovens da minha, da nossa geração. Nem cobardes nem heróis. Uma geração a que tenho orgulho de ter pertencido! (Podes apontar aí).

“Matei, não matei ?... Se matei, Deus já mo perdoou.. Há gente que pode não concordar comigo. 
Na realidade, matei, na guerra; não sei das balas que disparei; a matar, de certeza, foi apenas por razões humanitárias....Matei para abreviar o sofrimento de homens feridos de morte. Explicar-te-ei isso melhor, mais à frente.

'Medo ?', perguntas tu. Vamos lá ao medo... Sim, cheguei a ter medo, muitas vezes. Fora do arame farpado. Nunca dentro. Em colunas, em emboscadas, em operações no terreno do IN. O medo é próprio de qualquer animal e faz parte da maneira como avaliamos (e lidamos com) os riscos… Julgava-me bem preparado, física e mentalmente, para enfrentar o difícil teatro de operações da Guiné. 

"Como sabes, fui logo de início parar à Região de Quínara e a pior humilhação que tive foi uma desidratação que sofri, num patrulhamento ofensivo à Foz do Corubal, na margem esquerda… Ainda era periquito e não soube gerir o esforço e sobretudo os dois cantis de água que nos eram distribuídos… Fui helievacuado para vergonha minha e gáudio de alguns sacanhas da companhia, meias-lecas.

"Mas depressa recuperei a minha autoridade dentro do grupo. E a primeira situação foi quando, lá para os lado de Gampará, apanhámos um pequeno grupo do PAIGC, a caminhar na nossa direcção, na orla da bolanha. Uma bazucada deixou o gajo da frente sem pernas, à beira da morte… Os nossos maqueiros fizeram o que puderam, mas a vida daquele homem, um corpulento balanta, mais ou menos da minha estatura, estava por um fio… Chamar um heli, nem pensar, foi a palavra do capitão, miliciano, que estava à beira de um ataque de nervos, e deu ordens para uma rápida retirada do local… E o turra ali a agonizar num pavoroso sofrimento… O capitão pediu um voluntário para lhe dar o tiro de misericórdia… Ninguém se ofereceu, nem sequer o sacana o alferes 'ranger'.

"Silêncio sepulcral. Na mata até os bichos se tinham calado. A cigarra, a gralha, o macaco-cão calaram-se face ao espectáculo de violência dado pelos seres humanos. A malta do meu pelotão, o 1º pelotão,  olhava, constrangida, ora para o capitão, ora para o alferes e para mim, à espera de um sinal, um gesto, uma ordem. Ainda periquitos, com dois ou três meses de Guiné, nenhum de nós estava preparado para decidir o que fazer num caso destes. O dilema era abandonar o prisioneiro moribundo ou abreviar-lhe o sofrimento. Nunca ninguém tinha dado um tiro de misericórdia. Lembro-me apenas de ter andado a brincar com a baioneta da mauser a espetar sacos de areia, em Santa Margarida.


"Eu próprio ponderei as várias hipóteses: o capitão, antigo seminarista como eu, era uma pessoa com princípios cristãos, dificilmente aceitaria deixar um homem, mesmo inimigo, a agonizar no mato, entregue aos abutres e às formigas carnívoras; àquela hora da manhã, o comando do batalhão estava incontactável e o PCV, a DO 27, com o sacana do major de operações, nem sequer ainda estava no ar; um tiro denunciaria ainda mais a nossa posição; restava a catana do guia (que não era de grande confiança) ou a nossa faca de mato... Acabar por sangrar o desgraçado como o porco da minha aldeia era uma ideia que me repugnava...


"Nos olhos do balanta pareceu-me ler uma última súplica: 'Depressa, tuga, dá-me o tiro de misericórdia... E que o teu deus te pague!'

"Fui tocado, acredita, por aquele olhar de humanidade! 
Não, não era um animal ferido que estava ali à minha frente, o porco do mato que eu abatera em Fulacunda havia dois meses atrás, numa caçada noturna. (Como  transmontano, nado e criado no planalto, eu era caçador, não direi exímio, mas bom caçador.)

"Não, não era um porco, era um homem que estava ali a morrer, igual a mim, exceto na cor da pele, na Kalash que empunhava, na farda verde-oliva, esfarrapada, que vestia, nas sandálias de plástico que calçava... Trazia amuletos no peito e nos braços, tal como eu que usava um fio de ouro com o crucifixo. Não sentia qualquer ódio por aquele homem, até há pouco meu inimigo, e que certamente me mataria, se eu fosse a presa e ele o predador. Deitado no chão, de braços estendidos, sem pernas, as tripas de fora, o sexo esfacelado, gemendo baixinho, numa poça de sangue, só me podia inspirar horror e compaixão...

"E num ápice pus a G3 em posição de tiro a tiro, rodei o corpo dele com a minha bota de modo a ficar de bruços, encostei o cano da espingarda à nuca e disparei... Uma única bala, um som breve, abafado, pôs termo ao sofrimento brutal daquele homem, tão ou mais jovem do que eu... A sua cabeça estoirou, a massa encefálica misturou-se com a lama das minhas botas de lona… Nunca mais esquecerei aquela cena atroz.

"Seguimos a corta-mato, o Destacamento A, a caminho da LDG que nos esperava no Rio Geba, para nos recolher... E até lá os nossos grupos de combate seguiram, em passo estugado, no 'gosse-gosse', mas em total silêncio. A minha companhia, que era independente, regressou a Bissau, para mais tarde ser colocada no leste. Durante uns dias, os olhos vidrados do balanta não me saíram da mente. Ganhei a alcunha, sádica, injusta e repugnante, de Furriel Ca...rrasco. (Como eu gaguejava um pouco, chamavam-me inicialmente Car...valho, os meus camaradas milicianos). Até mesmo os homens da minha secção passaram a olhar-me de outra maneira, com um misto de admiração, de respeito e de terror...

"É uma estranha sensação. Nunca tinha morto um homem. Como sabes, naquela guerra raramente se via a cara do inimigo. Só vias a cara dos prisioneiros ou dos guerrilheiros abatidos junto ao arame farpado... No mato eles tinham quase sempre tempo de arrastar ou de ocultar os cadáveres... Era por isso que a malta fantasiava com os números das baixas causadas ao inimigo em combate.

“Só mais tarde, muito mais tarde, li o conto do Miguel Torga, 'O Alma Grande', o gajo de manápulas compridas que era chamado, na aldeia, para apressar a morte dos moribundos. Chama-lhe eutanásia, se quiseres. Neste caso, ele usava o travesseiro para sufocar o moribundo. Tudo isto a pedido da família, que devia ser cristã-nova, e que queria evitar com isso que viesse o abade com os últimos sacramentos, a extrema unção…


"Em todo o caso, sempre estive e continuo a estar bem comigo. Não fui, não sou, nenhum assassino, ajudei apenas a humanizar a morte de um semelhante... Tornei-me imprescindível na companhia: o capitão voltou a solicitar os meus serviços mais uma vez ou duas vezes. Numa ocasião, recusei-me, obrigando-o a mandar evacuar, para o Hospital Militar de Bissau, um roqueteiro, biafada, do PAIGC que aprisionámos, com ferimentos graves... Soube mais tarde que tinha sobrevivido, e que se integrara na vida civil, regressando à sua terra natal, ao abrigo da política do Spínola. E isso dei-me uma algum consolo.

"Não, nunca usei a faca de mato, se é isso que queres saber. Sempre preferi o tiro na nuca. Aconteceu apenas noutra ocasião, já para o fim da comissão. Estou-te a falar disto, pela primeira vez, a ti que eu considero um verdadeiro camarada da Guiné, um camarada que eu conheci de Tavira, e a quem eu peço perdão pelo 'uppercut'  que te ia pondo KO... Mas instrução era instrução, era guerra a brincar, era reinação... Na Guiné, era guerra, guerra a sério, e guerra era guerra... E se calhar até me estás hoje agradecido pelos reflexos que tiveste de desenvolver para te saberes defender... Em resumo, sei que hoje és capaz de me compreender sem me julgar nem condenar. Confio em ti.

"Nunca falei nem falarei disto aos meus filhos, nem sequer à minha mulher. Um deles até é magistrado, ainda pior. Eles nunca entenderiam, e provavelmente eu até correria o risco de os perder... Como não invoco nem comento estes episódios, cruéis, da nossa guerra, nos convívios anuais da minha companhia... 
Hoje tratam-me pelo meu apelido Carvalho (,sem gaguejar nem gracejar), não sou mais o Furriel Ca...rrasco, que era uma coisa que me irritava. Pode ser que o façam nas minhas costas, não tenho a certeza, mas espero bem que não.

"Deu-me alguma tranquilidade ler, muitos anos depois, essa obra-prima do Miguel Torga, transmontano como eu, o "Alma Grande", da colectânea Novos Contos da Montanha, se não me engano... De alguma maneira eu fui também essa portentosa figura do abafador, a que na aldeia se recorria para apressar a morte dos entes queridos em agonia... Numa época em que não havia médicos nem cuidados de nenhuma sorte, muito menos paliativos ou terminais... E em que só se chamava o médico... para passar o atestado de óbito!”


6. Despediram-se com um grande abraço apertado, com a promessa de tu voltares, em setembro, a seu conselho,  para ver e ouvir a brama dos veados no parque natural de Montesinho... Ele por lá ficou, em Bragança, tu voltaste a Lisboa. E, confessas, ficaste por um bom par de horas, ao longo da autoestrada , a A4, com um nó na garganta, não menos apertado...


Luís Graça (2019). Última revisão: 7/7/2023