terça-feira, 10 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25930: Louvores e condecorações (17): Atribuição da Medalha de Participação no 25 de Abril de 1974, divulgação do Decreto Regulamentar 2/2024 de 26 de Janeiro (José Martins, ex-Fur Mil TRMS)

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Notas do editor

Ver aqui o Decreto Regulamentar 2/2024 de 26 de Janeiro

Último post da série de 3 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25710: Louvores e condecorações (16): Aurélio Trindade, ten gen ref (1933-2024), ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): Cruz de guerra de 2ª classe e Medalha de Valor Militar, Prata com palma

Guiné 61/74 - P25929: In Memoriam (509): Rui Baptista (1949-2023), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872 (Cancolim, 1971/74)

I N  M E M O R I A M

RUI BAPTISTA (1949-2023)
EX-FUR MIL INF DA CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872
CANCOLIM, 1971/74

Hoje, dia 10 de Setembro de 2024, completaria 75 anos o nosso camarada Rui Baptista. Numa consulta à sua página do facebook, deparei-me com uns posts do ano passado com a notícia da sua morte em Fevereiro de 2023.

Face à notícia de todo inesperada, em nome da tertúlia e dos editores, enviei a uma das suas filhas, à Ana, o nosso pesar pela perda do seu ente querido.

O Rui Baptista apresentou-se à tertúlia em 30 de Novembro de 2009 com a mensagem da qual transcrevmos parte:

Mensagem do nosso novo camarada Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74, com data de 30 de Novembro de 2009:


Caro camarada Carlos Vinhal,

Antes de mais quero agradecer-vos todo o esforço pelo trabalho e dedicação que têm tido para fazer viver este blogue com as recordações boas e menos boas dos nossos camaradas de armas que viveram a guerra na Guiné. 

De seguida quero pedir desculpa por ter demorado tanto tempo a responder-vos e isso deve-se à minha grande falta de jeito para escrever.

Sou Rui Baptista, ex-Furriel Miliciano e fiz parte do BCaç 3872. A minha Companhia operacional foi a CCaç 3489 (2.º Pelotão) aquartelada em Cancolim.

Actualmente estou reformado. Tenho 69 anos feitos no passado dia 10 de Setembro.

Sou casado e pai de duas garotas, uma já formada e outra em vias disso. Vivo na Póvoa de Santo Adrião que fica nos arredores de Lisboa.

Embarquei para a Guiné no NT Angra do Heroísmo em 18 de Dezembro de 1971 e desembarquei em Bissau em 24 do mesmo mês.

Regressei a Portugal no navio Niassa que partiu de Bissau em 28 de Março e chegou a Lisboa a 4 de Abril de 1974.
Rui Baptista em Cancolim
Rui Baptista em Bissau a aguardar o regresso à Metrópole
Na Ilha da Madeira, escala do navio Niassa a caminho de Lisboa

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Renovamos aqui a nossa solidariedade à família enlutada.
Quanto a nós, antigos Combatentes, cada vez somos menos. Quantos camaradas da tertúlia já terão falecido sem que saibamos?

CV

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Nota do editor

Último post da série de 10 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25928: In Memoriam (508): Joaquim Nunes Sequeira (O Sintra) (1944-2024), ex-1.º Cabo Canalizador do BENG 447 (Brá, 1965-67)

Guiné 61/74 - P25928: In Memoriam (508): Joaquim Nunes Sequeira (O Sintra) (1944-2024), ex-1.º Cabo Canalizador do BENG 447 (Brá, 1965-67)

I N  M E M O R I A M
JOAQUIM NUNES CERQUEIRA
EX-1.º CABO CANALIZADOR DO BENG 447 (1965/67)

Porta-bandeira do Núcleo de Sintra da Liga dos Combatentes, Joaquim Nunes Sequeira, o "Sintra", a ser cumprimentado pelo Chefe de Estado e Chefe Supremo das Forças Armadas Portuguesas, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.
Em 2016, num dos convívios da Tabanca da Linha, Nunes Sequeira, à direita, na companhia de Francisco Henriques da Silva
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2. Notas do editor:

O camarada Joaquim Nunes Sequeira apresentou-se na Tabanca Grande em 8 de Março de 2016.
Pelo que pudemos constatar na sua página do facebook, a sua morte aconteceu de forma inesperada.
Era um assíduo frequentador dos convívios da Tabanca da Linha.
À sua família, camaradas e amigos mais próximos, a tertúlia e os editores, apresentam as suas mais sentidas condolências

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Nota do editor

Último post da série de 15 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25744: In Memoriam (507): António Carlão (Mirandela, 1947 - Esposende, 2018), ex-alf mil at inf, CCÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadina, 1969/71) (Jorge Alvarenga, amigo da família)

Guiné 61/74 - P25927: (Ex)citações (429): Ainda a situação do nosso camarada guineense Seco Mané. Sei que há boa vontade a rodos mas quanto a resolver mesmo o problema, tudo com dantes (Morais da Silva, Coronel Art Ref)

1. Mensagem do nosso camarada Coronel Morais da Silva (ex-Cap Art, CMDT da CCAÇ 2796, Gadamael; instrutor da 1.ª CCmds Africanos, Fá Mandinga; Adjunto do COP 6, Mansabá, 1970/72), com data de 8 de Setembro de 2024:

Meus caros camaradas

A propósito da deplorável atitude do HFAR e do CEMGFA, logo que soube da situação do combatente Seco Mané difundi, em 2 de Agosto, o texto que anexo e enviei não só aos meus camaradas como à PR, Min. Defesa, CEMGFA e CEME. Como nada mais soube, julguei o assunto encaminhado. Infelizmente, na passada 6ª feira, o Presidente do Núcleo de Lisboa da ADFA, senhor Janeiro, informou-me que a papelada já estará pronta mas o nó continua.

Não consigo entender porquê o CEMGFA não ordenou imediatamente ao HFAR para tratar o ex-militar Seco Mané ultrapassando a burocracia que tudo asfixia. Caramba, comandar é incompatível com lassidão e muito menos com inacção.

O cor. Armando Ramos acaba de me fazer o ponto de situação da iniciativa que desenvolveu há alguns dias acompanhado do Fernando. Sei pois que há boa vontade a rodos mas quanto a resolver mesmo o problema, tudo com dantes. Mais um exemplo do que somos como equipa eficiente, porque joga bonito, mas INEFICAZ porque não mete golos!

Abraço
Morais da Silva


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2. Transcrição do texto que o Coronel Morais da Silva enviou à PR, Ministério da Defesa, CEMGFA e CEME:

Caros camaradas
Há dias horríveis e hoje foi um deles.
Visitei a ADFA onde, pela voz do presidente da delegação de Lisboa, Sr. Janeiro, soube das situações aflitivas e de miséria em que vivem, alquebrados e velhos, ex-combatentes da guerra do Ultramar.

Eis alguns exemplos pungentes:
- pensões da ordem de 300€, doentes e deficientes, sem eira nem beira
- amputados, aguardando ANOS para substituição/manutenção de próteses que lhes garantam alguma mobilidade
- nativos militares na guerra, que vêm a Portugal (de que já foram nacionais!) na esperança de ser tratados das mazelas que os afligem e que esbarram nas barreiras da indiferença.

A última vítima da indiferença dos actuais mandantes é Seco Mané que já foi militar português enquanto a guerra precisou dele durante 11 anos e 195 dias sendo agora um guineense com 75 anos. Ferido gravemente na Guiné (Bedanda) foi tratado no HMP em 1974 após o que regressou à Guiné.

Velho e alquebrado conseguiu vir a Lisboa à procura de tratamento para as mazelas da perna ferida e o inaudito aconteceu. O HFAR recusa-se a tratá-lo porque não é nacional e, portanto não pode ser considerado Deficiente das Forças Armadas. Onde já chegamos!
Temos agora gente boa, liderante na ADFA, a tentar remover a muralha burocrática que nos asfixia, com um Ministério da Defesa inoperante e nominal e um CEMGFA incapaz de ordenar o tratamento imediato do militar ferido ao serviço de Portugal.

Tutelas e Chefias destas, que não respeitam o passado dos que combateram em África, não merecem ser respeitadas e envergonham os velhos profissionais que combateram e bem conhecem as trágicas consequências da guerra.

Nada mais acrescento que não seja dar-vos conta da minha indignação e revolta.

Abraço e muita saúde
Morais Silva
02Ago24

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Notas do editor

Vd. post de 8 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25923: Ser solidário (272): Actualização da situação do processo do nosso camarada guineense Seco Mané, que em Portugal procura resolver a sua precária situação de saúde resultante de ferimentos contraídos em combate ao serviço do Exército Português (Fernando de Jesus Sousa)

Último post da série de 22 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25197: (Ex)citações (428): O sistema AAA, do final da II Guerra Mundial, que "defendia" o aeroporto de Bissalanca e a cidade de Bissau no meu tempo (António J. Pereira da Costa, cmdt da Btr 3434, mai 71/ mar 73)

Guiné 61/74 - P25926: Historiografia da presença portuguesa em África (440): em 1934 já se temia e discutia a transferência da capital, de Bolama para Bissau...

 















Fonte: Acção Colonial -Número Comemorativo da Exposição Colonial do Porto, 1934, pp. 33-34

(Cortesia da Hemerateca Digital | Cãmara Municipal de Lisboa)


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segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25925: Notas de leitura (1725): "A Guerra Colonial: realidade e ficção" (livro de actas do I Congresso Internacional), organização do professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira; Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Maio de 2023:

Queridos amigos,
De Rui de Azevedo Teixeira conhecia a sua tese de doutoramento intitulada "A Guerra Colonial e o Romance Português" e o seu romance "O Elogio da Dureza", ambos já referenciados no blogue, este I Congresso Internacional incluiu uma plêiade de intervenientes, tais como António Costa Pinto, John P. Cann, Álvaro Guerra, Roberto Vecchi, A. do Carmo Reis, jornalistas e cineastas reputados. Na impossibilidade de todos escutar, faz-se uma seleção de textos em função dos 10 temas escolhidos, a saber a guerra e os militares; a oposição e guerra; a natureza da guerra, consequências físicas e psicológicas da guerra; a guerra e a literatura, a guerra e o jornalismo, e a guerra e o cinema. Como observou no ato inaugural Rui de Azevedo Teixeira: "Decidimos desde o início recusar qualquer forma de segregação, fosse ela disciplinar, política ou mesmo geográfica. Acolhemos especialistas das mais diversas áreas; não impusemos qualquer controle político-ideológico. Convidámos estrangeiros, lusófonos e lusófilos. Também abrimos as portas aos mais jovens, porque é neles que o futuro da investigação sobre a temática da guerra colonial, ou do Ultramar, reside."

Um abraço do
Mário



A Guerra Colonial: realidade e ficção (livro de atas do I Congresso Internacional) (1)

Mário Beja Santos

O volume "A Guerra Colonial: realidade e ficção" (livro de atas do I Congresso Internacional), teve como organizador o professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira, Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional. Participaram dezenas de comunicadores. Na altura em que foi editada, a obra era assim apresentada:
“Neste livro, que recusa a tirania da coisa política sobre a História ou a Literatura ou a insidiosa pressão do mediaticamente correto, correm textos de estudiosos da guerra e de grandes guerreiros, de portugueses e estrangeiros (lusófilos, lusófobos e lusófonos), de homens e de mulheres, de nomes consagrados e de novos investigadores da temática da Guerra Colonial ou Guerra do Ultramar. Académicos, militares, académicos militares, escritores, psiquiatras, cineastas, jornalistas, gestores e outros contribuem nesta obra para uma compreensão mais alargada e mais profunda da guerra de guerrilha que, fechando o Império, obrigou a uma definitiva mudança de paradigma da nossa História.”

Na impossibilidade de aqui se reproduzirem súmulas de todas as comunicações, iremos respigar alguns parágrafos de diferentes intervenientes. Vejamos algumas observações do professor Fernando Rosas:
“Há alguma responsabilidade concreta entre o Estado Novo e a guerra? A resposta que proponho é a seguinte: é claro que o Estado Novo foi o único regime que foi colocado perante uma situação histórica absolutamente específica, é o único regime que foi colocado perante a tarefa da descolonização e não a fez. E isto pelo simples facto de que os outros não podiam, historicamente, fazê-la porque o problema não se colocou, historicamente, nem no fim do século XIX, nem na primeira parte do século XX. E, quando ele se colocou historicamente, aquele regime não foi capaz de descolonizar, e preferiu à política da descolonização uma política que se traduziu, com efeito prático, na guerra.

Portanto, a relação específica que há entre o Estado Novo e a guerra é que ele foi o regime que, historicamente, em Portugal, foi colocado perante a tarefa de descolonizar e que não soube, não pôde, não quis – deixemos essa discussão –, e que por não o ter feito, precipitou o país numa guerra de 13 anos. Há, a meu ver, uma relação entre a guerra e aquele regime político particular. A orientação política para aquela questão, naquele momento histórico, foi fazer a guerra, enquanto, noutros países, outros regimes não a fizeram ou fizeram-na, mas encontraram uma solução política para ela e este não encontrou.

Porque é que o regime seguiu essa política e não seguiu outra?
O discurso ideológico do regime do Estado Novo em relação a África não foi sempre o mesmo. O ministro das Finanças Salazar é singularmente desinteressado da questão africana, estava dominado pela questão orçamental. O regime de Salazar, até à guerra, do ponto de vista das despesas públicas que estão calculadas, é um regime que nunca gasta com o Império, apesar da retórica imperial, mais de 4% das despesas públicas.

Digamos que é uma retórica que não tem correspondência, é um Salazar muito pouco interessado com a visão colonial. Então, quando é que muda? Muda com Armindo Monteiro, ministro das colónias, o homem que introduz o discurso imperial, a mística. Mas, atenção, é um império com cabeça e membros, é um império darwinista, é um império onde os brancos têm um papel superior aos outros. Em 1951, e com a descolonização à vista, há uma mudança de política. É que entre o império colonial de supremacia branca e o Ultramar de Minho a Timor, há uma alteração de filosofia, a filosofia é a que substitui na retórica ideológica do regime, a supremacia branca pelo luso tropicalismo.”


Retenho da intervenção de Carlos de Matos Gomes os seguintes parágrafos:
“Porque suscitou a guerra colonial nos primeiros tempos uma assinalável adesão popular?
No estado de desinformação e de férreo controlo em que a sociedade portuguesa se encontrava quando a guerra colonial começou, tudo era novidade e os propagandistas do Estado Novo lançaram, como D. Quixote, a mão à História e reescreveram-na de modo a comparar a situação de 1960 com a do século XV, quando o Infante iniciou o programa de expansão marítima. 

Diga-se que realizaram este truque com alguma eficácia, embora apenas num ponto a comparação fosse legítima: num posto de comando estava um homem, Salazar, que tal como Henrique, dito o Navegador, jamais saíra, nem estava disposto a sair de terra firme (o Infante ainda foi a Ceuta). Tudo o resto era radicalmente distinto.

Ao contrário da época do início da expansão da Europa para outros continentes, o Portugal de Salazar e dos seus ministros estava agora contra a História. Na época das Descobertas, a Europa e o mundo ocidental expandiam-se, Portugal era uma nação que dominava as técnicas mais evoluídas do tempo, da construção naval, à artilharia, da cartografia à matemática, enquanto em 1960 a Europa se retraía e Portugal era o mais atrasado país europeu em todos os domínios.
Felizmente, restou, para contrariar a insensatez, a avidez e a beata arrogância dos poderosos, o povo de que se fez a tropa.

Convocado pelos editais dos regedores das freguesias, instruída à pressa, despedido à beira Tejo com lágrimas, missas e palavras inflamadas, desembarcado nas costas de África com uniformes amarelos tão desajustados ao corpo como as armas que lhes entregaram estavam para a guerra, o povo a quem desta feita os poderosos queriam que fosse soldado (como já fora marinheiro), percebeu rapidamente que, mais uma vez, o haviam metido em maus lençóis. 

Em vez da ficção de um Império de cristandade, descobre a realidade da exploração colonial e do abandono que, na curiosa sintaxe de alguns dos seus impenitentes defensores tem sido considerada a bondade e especificidade do relacionamento dos portugueses com os outros povos.

Uma bondade tão específica que contemplava o trabalho forçado, os impostos ignominiosos e a justiça ad hoc, a deslocação obrigatória de populações, tudo assente numa hipócrita base de racismo ou de relaxe puro e simples, patente na ausência de serviços e infraestruturas, da educação à saúde, das estradas aos equipamentos básicos de recolha de água ou produção de energia.

A ficção que se desenrolou à volta da guerra promove, assim, a descoberta de duas realidades com as quais os militares portugueses para ela convocados se têm de confrontar:
- A descoberta de África, tendo de um lado o encanto do território e dos seus povos e do outro a iniquidade das relações que ali se haviam estabelecido;
- A descoberta da guerra, com os seus horrores e sacrifícios e também com os novos e fortíssimos sentimentos da camaradagem entre os guerreiros nos momentos de perigo.

Estas duas descobertas levam os soldados mobilizados a interrogar-se (mesmo que de forma pouco elaborada, ou inconsciente) sobre a justeza da sua missão. Levam também os que combateram em África a criar e a manterem uma corrente de afetos com aquele território, com aquelas gentes e com os seus companheiros de armas que se prolongou até hoje.

Atrevo-me a dizer que a ação das Forças Armadas portuguesas em África é pautada por este estado do espírito dos seus soldados. Um tipo de atuação que só um velho e causticado povo poderia impor. Uma guerra em que os soldados aguentaram em condições dificílimas a situação militar durante 13 anos, precisamente porque não procuram a decisão da batalha, nem da guerra. E são os soldados que impõem aos seus oficiais e aos seus comandantes este tipo de atuação em que a norma é evitar um empenhamento.”

Embarque para Angola, 21 de abril de 1961

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 6 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25916: Notas de leitura (1724): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1873 e 1874) (19) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25924: Humor de caserna (73). "Trombas do Lopes" (Jorge Cabral, 1944-2021)

 


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > "Cinco séculos de história vos contemplam!", terá proclamado o "alfero Cabral", perante o anónimo  (e quiçá estupefacto) fotógrafo que tirou esta fabulosa "chapa"...  Em tronco, nu, o "alfero Cabral", é o segundo a contar da esquerda para a direita, na segunda fila... De pé, e sem cachimbo... Comandante de mais insólita subunidade do exército português, foi também "menino da luz", isto é, aluno do Colégio Militar... Não por isso,. mas por mérito próprio,  teve direito a um louvor dado pelo  último cmdt do BART 2917, o ten-cor inf João Polidoro Monteiro.

A foto chegou "clandestinamente" à metrópole, garantiu-me ele. Não queria que ninguém do ilustre clá dos Cabrais a visse... Era irreverência a mais... Hoje faz parte do escasso mas precioso álbum  do Jorge Cabral, ex-brilhante advogado e  melhor criminalista, reformado, depois que o senhorio lhe aumentou a renda  do escritório  de 400 para 6 mil euros... É uma das milhares de vítimas da "gentrificação" de Lisboa... O país, depois de perder o Império, está em vias de perder a cabeça, isto é, a metrópole... O Jorge perdeu o escritório e deixou de lutar contra a doença que o minava lentamente.  Morreu aos 77 anos, em 2022. Era ali, naquele cantinho secreto, algures nas avenidas novas, que ele escrevia as suas famosas "estórias cabralianas" (cerca de uma centena, de que só metade saiu em livro, mas todas publicadas no nosso blogue).


Foto:  ©: Jorge Cabral  (2013). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ]


 
Capa do livro Jorge Cabral, ""Estórias Cabralianas", vol. I, Lisboa: Ed José Almendra, 2020, 144 pp.  Tinha um II volume, praticamente pronto para ser publicado. A morte surpreendeu-o ao km 77 da picada da vida.

Foi assim que, num belo dia de dezembro de 2005,  o "alfero Cabral" se apresentou à Tabanca Grande, à “tertúlia” criada à volta do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, nestes termos singelos:

“Através do blogue, recordo. E sinto. Vejo os rostos dos camaradas, oiço os sorrisos das crianças, e até, calcula, consigo admirar de novo os belos seios das bajudas. Peço permissão para pertencer à Tertúlia,, oferecendo o ‘pícaro’ de alguns episódios que vivi.”

E dele e das "estórias cabralianas", também escrevi, no prefácio a este volume:

(...) "O 'alfero Cabral' nunca acentua o lado do 'bestiário da guerra' que há no 'Homo Sapiens Sapiens', mas sim o da sua humaníssima, frágil, quase tocante, condição de primata, de 'primus inter pares' na ordem zoológica do mundo... O único animal que, afinal, consegue esta dupla proeza: (i) ser capaz de rir-se de si próprio; e (ii) e mostrar, pelo outro, compaixão (no seu sentido etimológico 'cum' + 'passio': sofrimento comum, comunidade de sentimentos, partilha da dor… e prazer)." (...)



1. E
m matérias como as "doenças sexualmente transmissíveis" (ou, como diria o nosso grande médico do séc. XVIII, Sanches Ribeiro, de Penamacor, "males de amores"), temos aqui, na Tabanca Grande, alguns catedráticos, do José Ferreira (*) ao "alfero Cabral"... São peritos em falar de "esquentamentos" (sic), com elegância, elevação de espírito, competência, devoção,  imaginação, didatismo, profissionalismo e,  sobretudo, com muito fino humor, que é coisa que às vezes nos faz falta... muita falta. Estamos a falar, afinal, de um problema que era de saúde pública, no nosso tempo de Guiné!

A propósito do tema, ainda hoje, volvido mais de meio século, do fim da guerra e da mobilização de um milhão de  homens, europeus e africanos (e até asiáticos, macaenses e timorenses),  para os vários de teatros de operações no longínquo ultramar português, temos as mais diversas opiniões e reações dos ex-combatentes quando se fala dos "ditos cujos"... Convenhamos que, em tratando-se de maleitas nas "partes baixas" ou "pudendas",   não é de bom tom  falar delas em público, para mais num blogue que é lido por toda a gente, lá em  casa, da avózinha ao netinho (*). (Hipocrisia ? Pudor ? Má consciência ?... Já lá dizia o velho Hipócrates, "o que é natural (o corpo,  o sexo, a doença...) não é vergonhoso" (naturalia non turpia", em latinório)...

Confesso que ainda continuo a rir, despudoradamente (!), quando releio as   "Trombas do Lopes", expressão  que, em crioulo de Fá Mandinga e Missirá, queria  dizer ... as "Trompas de Falópio".

O "alfero Cabral" e os seus rapazes do Pel Caç Nat 63, do Nanque ao Lopes,  são figuras impagáveis que ficam gravadas na nossa memória de últimos soldados do Império...



Estórias cabralianas: as Trombas do Lopes

por Jorge Cabral


O Amoroso Bando das Quatro (**) deixou-nos muitas saudades. Mas que noite agradável ... até sonhámos com elas. Só que ainda nem três dias haviam passado, já recebíamos tratamento à fortíssima infecção que nos atingira o dito e adjacências. 

Graças à Penicilina, o caso seria em breve esquecido, pois afinal tinham sido apenas ossos do ofício, os quais segundo alguns até mereceram a pena... Porém, e estranhamente, os sintomas começaram a surgir nos africanos, soldados e milícias, os quais não tinham usufruído da benesse.

Só então o Alfero ficou preocupado. Ora se nos mandam agora numa operação! Que vergonha! Avançaremos de pernas abertas como se fossemos da Cavalaria no tempo dos cavalos?

Mas como é que a moléstia teria chegado aos Africanos? Mesmo sem poder contar com o investigador Nanque que continuava preso em Bambadinca, o Alfero acabou por descobrir. Reconstituída a noite do Amor, constatou que as damas se tinham ausentado durante meia hora para comer. Fora, então.

E quem? Óbvio suspeito, "Preto Turbado", soldado Bijagó, de quem se dizia, que às vezes aliviava os maridos fulas do débito conjugal. Chamado, confessou. Naquela noite oferecera às visitantes a bianda, e à sobremesa... acontecera. Depois contagiara algumas das mulheres dos militares, as quais por sua vez, contaminaram os fidelíssimos maridos...

O assunto era grave. Que fazer perante aquela verdadeira pandemia? Como tratar as mulheres e ao mesmo tempo dissipar as dúvidas sobre o seu comportamento sexual?

Naquele tempo e para aquele Alfero, tudo era possível. Resolveu reunir todos os africanos, soldados, milícias e respectivas mulheres, proibindo os brancos de assistirem, com uma única exceção – o enfermeiro Alpiarça.

E a todos, pregou o mais absurdo discurso da sua vida. Ainda hoje se lembra dos olhos esbugalhados do Alpiarça... Falou de gonococos trazidos pelo vento, das infeções do útero e das trompas de Falópio... Tratamento imediato, frisou, e nada de mezinhas. Claro que perceberam muito pouco, mas ficou com a certeza que no futuro se protegeriam do vento Blenorrágico...

Na semana seguinte, encontrava-se no bar de oficiais em Bambadinca. Conversava e bebia o seu quarto uísque, quando o foram chamar para ir ao Posto de Socorros. Lá foi. Médico, Furriel e Cabo rodeavam um casal de Missirá, o milícia Suma Jau e a mulher. Não os percebiam. Eles queixavam-se das... “Trombas do Lopes”.

O Alfero ouviu e,  muito sério,  informou:

− É fula... Quer dizer... esquentamento.

Parece que o Furriel apontou no seu caderno de sinónimos..

(Revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25917: Humor de caserna (72): Estragos no bananal (José Ferreira da Silva, autor de "Memórias Boas da Minha Guerra", vol I, Lisboa, Chiado Editora, 2016, pp. 64/66)

(**) Vd. postes de:

domingo, 8 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25923: Ser solidário (272): Actualização da situação do processo do nosso camarada guineense Seco Mané, que em Portugal procura resolver a sua precária situação de saúde resultante de ferimentos contraídos em combate ao serviço do Exército Português (Fernando de Jesus Sousa)

1. Fazendo um ponto da situação do caso do nosso camarada guineense, Seco Mané, recebemos ontem, dia 7 de Setembro de 2024, esta mensagem do nosso camarada Fernando de Jesus Sousa, DFA (ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71):

Boa tarde Carlos
Espero que te encontres bem e com saúde.
É tempo de fazer o ponto da situação, quero informar e agradecer a quantos mostraram solidariedade, ao meu amigo e camarada de Bedanda, Seco Mané.

Ainda não está nada resolvida a situação em relação ao internamento no Hospital das Forças Armadas, mantém-se na mesma, em relação à sua subsistência está igual.
Porém, eu estou mais do que nunca otimista, estive na quinta feira, acompanhado de um grande amigo meu, o Coronel Armando Marques Ramos, no Arquivo Geral do Exército para indagar sobre o processo dele, fomos também à Presidência da República e ao Estado-Maior do Exército.

Foi importante este bater de portas, pois pude constatar que todas elas estão abertas a este meu amigo, o processo está em andamento acelerado, e vim convicto que brevemente irá ser internado no hospital a fim de lhe colocarem uma prótese no joelho e ser presente a uma junta médica.
Pude constatar que a pressão exercida por muitos camaradas junto da Presidência da República foi benéfica e ajudou a desbloquear a situação.

Em meu nome e do Seco Mane, o nosso obrigado e um reconhecimento de gratidão a quantos têm ajudado financeiramente para a sua subsistência.
Eu irei dando notícias sobre o evoluir da situação.
Fernando de Jesus Sousa ao centro, tendo à sua esquerda, com camisa azul, o camarada Seco Mané e à direita o seu filho que o acompanha em Portugal

Abraço fraterno
Fernando Sousa

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Notas do editor:

Sobre este assunto vd. posts de:

27 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25691: Agenda cultural (855): Reportagem que fiz acerca de um soldado de Bedanda, do meu pelotão, ferido três vezes em Bedanda. Para ver no dia 29 de Junho, sábado, às 22h30 no NOW - Informação Privilegiada (Fernando Jesus Sousa, DFA)
e
1 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25706: Direito à indignação (17): Seco Mané, antigo Combatente da CCAÇ 6, não tem direito à nacionalidade portuguesa nem aos tratamentos a ferimentos recebidos em combate, nos anos 70, na então Guiné Portuguesa, ao serviço de Portugal (Joaquim Mexia Alves / Carlos Vinhal)

Último post da série de 17 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25851: Ser solidário (271): 25.ª Expedição da Missão Dulombi à Guiné-Bissau. Reportagem da jornalista Carolina Cunha da CMTV, que pode ser vista no Youtube

Guiné 61/74 - P25922: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (34): "Canção de Natal"

Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"


Canção de Natal

Sábado à noite, dia vinte e um, vésperas do Santo Natal.
O frio enrugava os ossos. A rua de Santa Catarina era um rio de gente, um rio de águas desencontradas sem destino nem rumo, umas correndo para baixo, outras para cima e mesmo para os lados, se algum dia se viu! Gente por cima, gente por baixo, gente saindo e entrando não se sabe bem onde. Tanta porta aberta, tanta porta fechada, não se sabe ao certo.
Pessoas em cima de gente embrulhadas em pessoas e sacos e mais gente e mais sacos pendurados nas mãos, nos ombros, no pescoço, nas orelhas, nos olhos.

Uma velha andrajosa, suja e gorda, - de doença seria a gordura e não de fartura! Uma provável anasarca cardíaca - que faz do doente uma espécie de boneco Michelin rebentando de inchaços.
Uma velha gorda excrescente tumoral (de trapos seria a gordura também! O frio enroscara-lhe o corpo com todos os farrapos do lixo).
Uma velha feia tentava subir a rua por entre a multidão limpa. Com grande agonia, arrastava pelo chão, puxada por um cordel, uma caixa de papelão que dentro continha outras caixas e restos de caixas e mais papelão (provavelmente toda a sua mobília de quarto que haveria de montar nesse arrastado andar lá para o meio da noite no vão de uma porta muito acima do 575, mais fora dos olhos dos enxotadores de pobres).

A velha, cuja idade lhe mirraria as carnes se os inchaços se escoassem, não ia bem-disposta, nem dava ideia de estar bem no meio daquele mar de gente, antes de tudo, sentia-se afogar, não era inveja dos sacos nem dos cheiros nem dos casacos nem do luxo (sabia lá ela o que era o luxo! Importava-se lá ela com todo o papelão dos outros todo o papelão que ia dentro daquele mundo de sacos!), ela só queria o seu papelão e que não estorvassem os seus bocados de passos que juntos não dariam mais passos do que dez à hora.
Ela só queria que aquela gente toda ali, parida pelo diabo, não a impedisse de arrastar a sua casa, então praguejava bem alto:
- Vão todos pró caralho, vão-se todos foder.

Ouvia-se como música de fundo um lindo cântico de Natal...
- Filhos da puta, deixai-me passar, vão-se todos foder.

Dois putos atiçaram a velha: - Vai-te foder, tu, velha ranhosa, ao mesmo tempo que ironizavam à gargalhada:
- Avariou-se o Mercedes à gaja!

A velha não se agastou mais do que já vinha, estava treinada na cena para não perder energias com a inutilidade de erguer a voz e ripostou num grunhido cavo:
- Vai levar no cu, paneleiro de merda.

A melodia de Natal escorria pelos ouvidos cheios de sacos de paz e harmonia.

Já quase exausta, com voz mais cava, a velha dizia: - Deixai-me passar, bandalhos.

Lá em cima, Deus não deve ter levado a mal.
Como reza o Divino Testamento, dos pobres é o reino dos Céus.
Em breve, ela estaria com Ele para usufruir da eterna justiça e.… na altura devida, Ele lhe daria com ternura um puxãozito de orelhas.
Deus não é bandalho.

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Nota do editor

Último post da série de 1 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25902: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (33): "Na senda do poema azul"

Guiné 61/74 - P25921: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte VIII: Uma voltinha de Alouette II


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66) > Alouette II > "O meu batismo em heli".

Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 



1. Estamos a publicar algumas das memóras do ex-alf mil art, José Álvaro Carvalho, membro  nº 890 da nossa Tabanca Grande:

(i) tem 85 anos, sendo natural de Reguengo Grande, Lourinhã;

(ii) com 26 meses de tropa, acabou por ser moblizado para o CTIG por volta da primavera de 1963 (não conseguimos ainda  apurar a data);

 (iii) foi render um alferes de uma companhia de intervenção, de infantaria, sediada em Bissau (QG/CTIG) (não conseguimos ainda identificar qual); 

(iv) irá cumprir mais uns 26 ou 27 meses, no TO da Guiné, entre o primeiro trimestre de 1963 e o início do segundo semestre de 1965;

 (v) passou por Bissau, Olossato, Catió e a ilha do Como, aqui já a comandar um Pel Art, obus 8.8 (a duas bocas de fogo), com que participou, entre outras, na Op Tridente (jan-mar 1964);

(vi) no CTIG era popularmente conhecido pelo seu nome artístico, "Carvalhinho" (cantava o fado de Lisboa e tocava guitarra); em Bissau, chegou a fazer espetáculos com o alf médico Luís Goes (que cantaca e tocava o "fado de Coimbra"); 

(vii) tornou-se também amigo dos então alferes milicianos 'comandos' Justino Coelho Godinho e Maurício Saraiva (já falecidos), quando se estavam a organizar os Comandos do CTIG (ofereceu-se para os "comandos",mas náo foi aceite);

 (viii) o José Álvaro Almeida de Carvalho (seu nome completo) publicou em 2019 o "Livro de C", Lisboa, na Chiado Books (710 pp.) ("C" é o "nickname" pelo qual o pai o tratava); 

(ix) é empresário reformado, trabalhou também como quadro técnico em  empresas metalomecânicas como  a L. Dargent Lda, de que  o Zé Álvaro era diretor do departamento de trabalhos exteriores, e sócio minoritário (fez , por exemplo, a montagem da superestrutura metálica e cabos de suspensão da ponte na foz do Rio Cuanza em Angola).

2. Voltando às memórias do José Álvaro Carvalho (*), estamos agora em 1964, em Catió, no BCAÇ 619, 1964/66: ele está destacado com um Pel Art 8.8 a duas bocas de fogo,  e vai participar em grandes operações no setor de Catió ("Tridente", "Broca", "Macaco", "Tornado" e "Remate"). A sua atuação operacional, comandante do Pel Art,  valeu-lhe, em 1967, uma Cruz de Guerra de 3ª Classe.

O alferes Carvalho está já há dois meses na Ilha do Como, no àmbito da  Op Tridente (jan-mar 1964).  



Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) (*)


Parte VIII:  Uma voltinha de Alouette II



O tempo continuava mole, quente e húmido. Nessa manhã não tinham atribuído missões ao alf mill art Carvalho e não lhe constava que houvesse tropas em operação que fosse preciso apoiar.

O pessoal vagueava por perto. Foi almoçar à messe. A seu lado um piloto de helicóptero disse-lhe:

− Vou reabastecer à sede do seu batalhão. Se quiser pode vir. Não demoro mais do que duas horas.

Aceitou a oferta para trazer mais alguma roupa e outras faltas que com a pressa não tinha podido arranjar.

Gostou de ver o quartel que,apesar do aspeto degradante que tinha, era bem melhor do que o acampamento em que o pelotão se encontrava havia 2 meses.

No regresso avistaram uma gazela macho de muito bom aspeto, num local com pouca floresta rodeado de mata com lama e circundado por um canal. A gazela queria fugir do helicóptero mas só nadando através do canal.  o que não quis fazer para não cair na boca de algum crocodilo, de modo que se limitou a correr desabrida à volta da clareira à procura de uma saída.

Um pouco mais á frente avistaram,,  ao abrigo duma árvore grande, vários guerrilheiros que,  ao verem o helicóptero, cuja presença já tinham decerto notado, pelo ruído, começaram a disparar as armas na sua direção. 

O piloto deu uma volta sobre estes na intenção de lhes mandar 2 ou 3 granadas de mão, mas era tarde. 

Decidiram prosseguir e,  ao chegar ao acampamento, enviar-lhes algumas granadas de flagelação de obus para o local, que poderia ser só de passagem mas também de estacionamento permanente e que era bom tornar inseguro. Com a autorização do comandante, ao chegar, assim procedeu.

(Revisáo / fixação de texto: LG)
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Guiné 61/74 - P25920: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte IX: Por um "processo de justiça indígena" (em que foi queixoso contra o seu "serviçal", o biafada de Ganturé, Braima Cassamá), sabe-se que já era comerciante na praça de Bolama, desde pelo menos 1926

 

A assinatura de Manuel de Pinho Brandão, nota de dívida: "Bolama, 31 de março de 1934: A Direção dos Negócios Indígenas | Deve | Um alqueire de arroz casca | 12$00. Manoel de Pinho Brandão, Caixa Postal 26, Bolama".






Capa de um auto, de 49 folhas: "1926 | Governo da Província da Guiné | Curadoria dos Serviçais e Colonos Indígenas | Auto nº 11 | Queixoso: Manuel Brandão, comerciante desta praça | Bacar Cassama, serviçal | Escrivão:  João Marques de Barros.



Portal Casa Comum | Fundação Mário Soares | Instituição: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau | Pasta: 10418.080 | Título: Curadoria Geral dos Serviçais e Colonos Indígenas, auto n.º 11 | Assunto: Processo de justiça indígena tendo como queixoso Manuel Brandão, comerciante em Bolama, e por arguido Bacar Cassamá, empregado de balcão ao seu serviço. Manuel Brandão acusa Bacar Cassamá de não cumprir adequadamente o serviço e de "fazer a corte a uma sua companheira" (Joana Lopes), além de furto de artigos da loja. | Data: 1926 | Fundo: C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas  | Tipo Documental: Documentos.

Citação:
(1926), "Curadoria Geral dos Serviçais e Colonos Indígenas, auto n.º 11", Fundação Mário Soares / C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10418.080 (2024-9-7)



Queixa apresentada ao Curador Geral por Manuel Brandão,em papel timbrado da firma Brandáo & Correia (Importação0 direta, comércio geral, com sede em Bolama, endereço telegráfico "Branco", caixa postal nº 41)


"Bolama, 2 de novembro de 1916 | Ilmo. Sr. Curador Geral | Junto a esta um contrato de um rapaz que tive de mandar embora porque já estava abusando demais, fazendo o serviço de má vontade, mostrando má cara aos fregueses, e ultimamente até se deu ao (?) de fazer a  corte a um minha companheira, pelo exposto agradeço a V. Excia. mandar rescindir o mesmo contrato | Com muita estima, etc. (... ) | Manuel Brandão."



Serviço da República | Curadoria Geral dos Serviçais e Colonos Indígenas | Bilhete de Identidade: Bacar Cassamá, do sexo masculino, solteiro, de 25 anos de idade, filho de Solemane Cassama, e de Cadi Dabó, pertencente ao regulado de Cacine, povoação de Ganturé (de que é régulo Solemane Cassama), contrato nº 13, com duração de 1 ano, e salário de 200$00 mensais (sem alimentação), serviço de balcão, a prestar em Bolama... Data do contrato: 6 de março de 1926.

(No verso pode ver-se a impressão digital e os "sinais característicos": 1,70 de altura; cabelo: carapinha; olhos e sobreolhos: pretos; nariz: achatado; cor: bronzeada; boca e lábios: regulares; sinais particulares: nenhuns | Patrão: Manuel Brandão; residência: Bolama)


1. Depois de ouvidos em auto de declarações, o Braima Cassamá (arguido),  o Manuel Brandão (queixoso), a Joana Júlia Lopes (companheira do queixoso, e testemunha indicada pelo arguido) e ainda outras duas ou três testemunhas, foram dadas como provadas as queixas contra o "serviçal" Braima Cassamá, puníveis nos termos do Regulamento do Trabalho dos Indígenas (sic). 

O arguido foi condenado a 8 dias de trabalhos correcionais, por sentença de 6 de dezembro de 1926. Cumpriu de imediato a pena, na administração do concelho,    sendo posto em liberdade em 14 desse mês. Era administrador do concelho de Bolama, o tenente do exército colonial Alberto Soares. O processo foi concluído e arquivado em 24 desse mês e ano. 


Um "salvo-conduto" foi passado em 13/12/1926 ao biafada Bacar Cassamá, com as seguintes observações: "Esteve como serviçal em casa do sr. Manuel Brandão. Foi condenado com trabalho correcional por 8 dias por faltas cometidas ao serviço".


Manuel de Pinho Brandão,
quando chegou à Guiné,
talvez depois da I Grande
Guerra (*)


2. Toda esta documentação (49 folhas) mereceria uma análise mais pormenorizada e atenta para se perceber melhor como era a administração do direito laboral colonial, ainda antes do Ato Colonial de 1930 (revogado em 1961).  

Lembre-se que já tinha ocorrido, em Lisboa, o golpe de Estado de 28 de maio de 1926, que levou ao fim da I República, com a instauração da Ditadura Militar   (1926-1932) e depois o Estado Novo (1932-1974).

Desconhecíamos a existência, no tempo da República,   já no final (1926), desta Curadoria dos Serviçais e Colonos Indígenas que, em 1928, já se chamava Direção dos Serviços e  Negócios Indígenas.

Nesta Curadoria eram apresentadas queixas, tanto de patrões como de empregados: uns por por falta de pagamento dos salários, outros por abusos dos "serviçais"... Era uma espécie de tribunal administrativo...

Para já, importa-nos, nesta série, mostrar que o arouquense Manuel de Pinho Brandão já vivia em Bolama, em 1926,  e estava lá instalado como comerciante. E, mais importante, não era analfabeto, devia ter pelo menos a 4ª classe da instrução primária: escrevia razoavelmente bem, sem grandes erros, e tinha uma assinatura  estilizada. 

Não devia ser uma pessoa "pacífica": também era capaz de pegar num cacete para dar porrada num dos seus "moços"... 

Em 1926 era solteiro, tendo uma companheira, de nome Joana Júlia Lopes (cuja assinatura, tosca,  no auto de declarações indicia de ser de alguém semi-analfabeto). 

Por essa altura o Manuel Brandão ou Manuel de Pinho Brandão  teria já 33 ou 34 anos de idade, e 7 ou 8 anos de Guiné (*).

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 3 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25907: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte VIII: Nascido por volta de 1893, terá chegado à Guiné depois da I Grande Guerra, tendo-se instalado em Bolama, nos Bijagós e, mais tarde, em Ganjola: em 1960 produzia duas mil toneladas de arroz (Recorte de jornal, enviado pelo Manuel Barros Castro, que o conheceu pessoalmente, e que foi fur mil enf, CCAÇ 414, Catió, 1963/645, e Cabo Verde, 1964/65)