Guiné > 1966 > Comandos a caminho de Bafatá, junto ao Dakota para operações na região do Xitole. O famoso Marcelino da Mata, condecorado com a Torre e Espada, é o primeiro da esquerda, na segunda fila. O Alf Mil Briote é o segundo, a contar da esquerda, da primeira fila. O Capitão Rubim (hoje coronel na reserva) é o 6º da primeira fila, também a contar da esquerda.
© Virgínio Briote (2005)
Texto do Virgínio Briote, um lídimo representante dos "velhos comando" de Brá, 1965/66
Luís,
Estive ausente a semana toda. Quando abri o correio, fui ao Blogue-fora-nada saber notícias. O Américo Lopes em Canssissé em 1974, Fafe a recordar os seus mortos, o Elysée Turpin (quem diria, director-geral da Associação Comercial de Bissau em 65!) (1), a mata de Fiofioli, o Coronel Marques Lopes a dizer ao Anízio que o mundo é assim, é mesmo pequeno.
Das minhas memórias, envio-te uma passagem que diz respeito à Associação Comercial de Bissau.
Um abraço,
vb
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(1) O Turpin foi secretário-geral da Associação Comercial e Industrial de Bissau, de 1973 a 1976 e não em 1965, como por laspso refere o V.B. O que é mais espantoso é como o homem conseguiu escapar às malhas da PIDE/DGS... Afinal tratava-se, nada mais nada menos, de um dos fundadores do PAIGC!... Só há uma explicação: a escola de resistência do PCP-Partido Comunista Português, de que o Turpin também era (ou tinha sido) militante... L.G.
O baile dos comandos na Associação Comercial e Industrial de Bissau (2)
Texto de © Virgínio Briote (2005)
Morreu um tipo de um país qualquer, o Salazar decretou 3 dias de luto e lá estamos nós a ouvir música de mortos com a nossa bandeira a meia haste. Custa-me engolir estas histórias quando os nossos mortos estão a ser ignorados.
Fala-se no próximo baile de finalistas, que vai ser uma festa de arromba! Alguns dos nossos vão roncar com as namoradas ou com os arranjinhos. O Uva anda todo satisfeito, até o Quintanilha, aquele alferes dos páras, mandou vir da metrópole um fato de cerimónia.
Quando estive de férias na metrópole logo a seguir à formação dos grupos, os Fantasmas accionaram uma mina e foi o que se sabe, 9 dos nossos já lá estão. Entre eles o meu grande amigo Artur. Morrem-nos 9 homens e a Emissora Nacional continua a twist e ié-ié. É isto que me custa engolir, estão a ouvir? E ainda por cima, cabo-verdianos e alguns sectores guineenses não vêem com bons olhos a nossa presença nas festas deles!
Mas que raio estava aqui a fazer? A Guiné não lhe estava a dizer nada, não a sentia como sua, até se sentia um intruso. Até com os civis brancos, poucos, duas dúzias se tanto, sentia-se sem convite.
Na esplanada do Bento, a 5ª Rep. (*), como também era conhecida , bebia cerveja com mancarra, num grupo de 5 ou 6 comandos e páras. Um terá dito que naquela noite, na Associação Comercial de Bissau, havia o baile dos finalistas do Liceu. Outro lembrou-se de perguntar se alguém recebera convite. Eu não, tu não, aquele também não…Ninguém se lembrou de nós, como pode ser? Queres ir?
Dentro da Associação, no enorme salão de baile, finalistas e familiares todos animados a dançarem, com o Toni ao piano. Quando os viram entrar em fila, alto lá e pára o baile. Depois, ninguém soube bem como tudo começou…
A princípio, as frentes pareciam bem delimitadas, os participantes em festa de um lado e a meia dúzia de intrusos do outro. Com o decorrer das hostilidades, as duas partes em confronto clarificaram-se ainda mais. Entre vivas ao camarada Presidente Amílcar, um pelotão da P. M. entrou por ali dentro, despachou tudo o que lhe apareceu pela frente, trinta e tal tipos com escoriações para o hospital, a polícia civil e a pide também metidas. Vidros e loiças em cacos, cadeiras e mesas partidas, uma noite que nunca mais acabava.
Mesmo em frente ao Palácio do Governo, onde, soube-se depois, da janela, o Governador via aqueles gajos darem-lhe cabo da psico. Uma vergonha!
Os acontecimentos na Associação Comercial alteraram o ambiente na cidade. A desconfiança entre a população negra, cabo-verdiana e a tropa, os nervos crispados, a porcaria mais ou menos submersa, subiu tudo. Tentava-se levar a vida normal, mas via-se pouca gente nas ruas, sobretudo à noite. A P.M. aumentara os patrulhamentos. O PAIGC, como lhe competia, aproveitava e tirava dividendos.
Nos dias a seguir ao sucedido choveram exposições no Palácio, sete, dissera todo cheio de importância o ajudante de campo do Governador. O General Shultz recebera numerosas individualidades civis, apresentara desculpas formais à Associação Comercial e aos finalistas, prometera pagar os prejuízos, tomar providências enérgicas, o habitual nestes casos.
Em Brá, o capitão interrompeu os desenhos que estava a fazer quando o viu entrar. Começou por lhe dizer que as saídas para a cidade estavam proibidas. Depois, pediu-lhe explicações. Que se tudo tinha acontecido como se contava, que não tivesse dúvidas que haveria consequências. O Governo da Província estava a ver o programa de pacificação a andar para trás, que aguardasse o auto de averiguações, que era tudo, chutara o capitão, cada vez mais longe dele e dos outros. Logo a seguir deu-lhe ordem para ir para o Xitole, o grupo deveria manter-se lá até nova ordem, sem mais detalhes. Bater a zona, procurar o IN, dar-lhe caça, para que é que havia de ser?
Embarcaram num Dakota até Bafatá, depois apanharam boleia numa coluna auto que os levou para Fá, rumo ao Xitole, numa coluna a abarrotar de abastecimentos.
Até Fá Mandinga o percurso foi-se fazendo. Depois, até ao Xitole, foram sempre debaixo de chuva, os km nunca mais acabavam, as viaturas civis que aproveitaram a boleia não estavam preparadas, metiam-se na lama até à carroçaria. O Corubal parecia o Atlântico quando o atravessaram. Chegaram no outro dia à noite, com os reabastecimentos reduzidos a metade, alguns destruídos pelas águas, outros desapareceram, ninguém soube dizer como.
Mantiveram-se lá quase 3 semanas, contactaram com o IN nas proximidades do Galo Corubal, em Satecuta, sem consequências para além de trocas de tiros à distância.
Da estadia no Xitole o que os marcou mais foi a chuva. E o toque a silêncio, tocado à noite por um profissional da corneta. Um solo de requinta, de arrepiar!
Percurso inverso, quase a mesma história, com a diferença de ter sido feito a pé até Bambadinca.
Dias depois em Brá, um capitão procurou-o, queria ouvi-lo para o tal processo que estava a decorrer, já tinha ouvido os outros, só faltava ele. O que tinha acontecido, como, quando, porque é que, quem fora o cabecilha, leia, assine aí em baixo, alferes Gil Duarte, se estiver de acordo.
À noite fora até Bissau, encontrar-se com os companheiros do costume. Passaram-lhe para as mãos a Plateia, uma revista de cinema que saía em Lisboa. Folheou-a, os olhos na Brigitte Bardot a fazer festas no focinho de um burro, um pé da Sofia Loren num banco a tirar a meia preta com um tipo qualquer deitado numa cama, à espera. Parou numa página. Crónica da Guiné na Plateia, ora deixa ver! Uns arruaceiros tinham invadido as instalações da Associação, interromperam a festa dos finalistas e partiram tudo, à boa maneira dos teddy-boys de Liverpool e Manchester, escrevia escandalizado o correspondente. Olharam uns para os outros, calados.
Fica assim, perguntou alguém? Que não, que era melhor falar com o correspondente, esclarecê-lo, tirar-lhe as dúvidas. Bissau era pequeno, foram até à esplanada do Bento, disseram que ele devia estar lá para cima, no café Império.
Encontraram-no, estiveram com ele, explicaram-se uns aos outros. Não foi logo na Plateia seguinte, mas a rectificação leram-na dois meses mais tarde, acompanhada de um cartão com os melhores cumprimentos.
Entraram no gabinete, fizeram-lhe a continência e puseram-se os 5 em linha, aprumados. O Brigadeiro Sá Carneiro, Comandante Militar, mexia nuns papéis em cima da secretária, não encontrava, abriu gavetas, ah, estão aqui, satisfeito. Quando levantou os olhos para eles, mudou de cara.
Ora bem, meus senhores, antes de mais, devo manifestar-lhes a pena que tenho de os ter aqui nestas circunstâncias. Já tive convosco manifestações de apreço, quando o mereceram, o que não é o caso desta vez, infelizmente. Relatar aquilo que ficou apurado, é desnecessário…
Puno o alferes comando…., olhava primeiro para o citado, escrevia depois, três, cinco dias de prisão simples, o critério nunca se soube, porque no dia tal, às tantas horas,…grave prejuízo para a tranquilidade e bem-estar públicos…contrariando os esforços que o governo da Província…a lenga-lenga igual para todos.
Não sabia porquê, tinha apanhado três dias de prisão, a pena mínima, sabia lá, cara fechada para o Justo, que lhe perguntava porquê uma pena tão reduzida.
Desciam a escadaria quando o ouviu chamar outra vez, ó Gil, então, quando vais de férias?
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(*) Título escolhido por L.G.
(**) Café com esplanada na baixa de Bissau, muito conhecido e frequentado por quase todos os militares
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 13 de novembro de 2005
sábado, 12 de novembro de 2005
Guiné 63/74 - P266: Américo Marques, o último soldado do Império (Cansissé, 1974)
Igreja de Nova Lamego (Gabu). Postal da época (pormenor). Edição: Foto Serra - Bissau (s/d). Por gentileza de Américo Marques (2005)
Telefonou-me o Américo Marques (que trabalha no gabinete de segurança de uma grande empresa de construção e reparação naval, no norte do país, sendo colega do Sousa de Castro), a contar-me a sua participação na cerimónia de homenagem, prestada pelo município de Fafe, aos ex-combatentes da guerra do ultramar, mortos em combate. Trinta e sete ao todo. Uma ceroimónia bonita e cheia de emoções. Lá encontrou o meu amigo paraquedista, o tal da Lourinhã (2), que botou discurso, emocionado, e que parecia ser um dos elementos da comissão organizadora.
Por lapso, o Américo não fixou o número dos que morreram na Guiné. Mas não faz mal: vai perguntar ao irmão, que esteve na Guiné e que depois foi imigrante em França durante muitos anos. "Foi um dos primeiros a partir para a Guiné, em 1961, ainda se usava a farda amarela. Esteve na região do Cacheu". Pedi-lhe para entrar em contacto connosco. Não temos ninguém desse tempo, ainda a guerra não tinha começado. Esse, sim, esse é que poderá ser o pai ou até o avô da velhice...
É irónica a história: dois irmãos, separados pela geração, acabam por ser mobilizados para o mesmo território ultramarino, para a mesma guerra: o mais velho em 1961, o mais novo em 1973, doze anos depois…
O Américo (1) teve a sorte, o azar ou o privilégio (conforme o ponto de vista de cada de um nós) de ter uma missão mais curta. A sua companhia estava colocada em Nova Lamego (Gabu), enquanto ele foi destacado com um grupo de combate (25!) para Cansissé, a sul de Nova Lamego, a uma hora de caminho do Rio Corubal. Nunca tiveram problemas nem com a população nem com o PAIGC, contrariamente aos camaradas da companhia anterior. Nunca se armaram em “bons”, nunca provocaram o IN, trataram sempre bem a população local, distribuindo comprimidos pelas mulheres, ouvindo os homens grandes, ajudando a transportar os produtos agrícolas... Davam-se bem com os fulas. O régulo era futa-fula. Com os mandingas, a coisa piava mais fino.
Ele era soldado de transmissões e, na noite de 24 para 25 de Abril de 1974, estava no seu posto, a sintonizar a rádio em Lisboa. Costumava fazer isso com muita frequência. Estava em contacto com todo o mundo. Os dias eram sempre iguais e custavam a passar. E as noites ainda pior. Mas "nessa noite ficou confundido e baralhado: havia movimento de tropas em Lisboa, alguma coisa se passava de anormal"…
Foi assim que teve conhecimento do golpe de estado do Movimento das Forças Armadas que depôs o Governo de Marcelo Caetano. Informou os seus camaradas. Foi um alvoroço. A vida em Nova Lamego e em Cansissé não voltou mais a ser como dantes. Apareceram logo uns “esquerdistas”, até então caladinhos, a organizar o pessoal, a dar ordem, a fazer reuniões… A hierarquia e a disciplina militares começaram a ser postas em causas. Eram os “comités de soldados” (sic) que tomavam iniciativas. Às tantas já se falava tu-cá-tu-lá com os gajos do PAIGC, beijinhos e abraços, troca de roncos, como se não tivesse havido uma longa guerra…
Esta foi a parte mais dura de engolir para o nosso amigo Américo que viu, com tristeza, a nossa bandeira ser substituída pela do PAIGC no seu destacamento… Em Setembro de 1974, ele voltava para casa, com o sentimento (amargo) de ter sido o último soldado do império… Há coisas, na tropa e na vida, para as quais um homem nunca está preparado.
Hoje ele escreve nos jornais da região. E promete voltar a escrever-nos, com tempo e vagar, quando vier o frio e o fogo começar a crepitar na lareira. É aí, à volta de um madeiro a arder, que ele gosta de recordar os seus tempos na Guiné e passar para o papel os sentimentos contraditórios que tem sobre esses menos de dois anos que passou lá no Gabu… Ele promete contar alguns das suas histórias de azarado soldado de transmissões que, um belo dia, ouvia uma conversa em “português acreoulado”: suspeitando tratar-se do IN, lançou um alerta geral e pôs o Gabu em pé de guerra… Afinal, tinha interceptado comunicações entre a NT…
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(1) Ex-soldado de transmissões, 3ª CART / BART 6523 (Nova Lamego) (Junho de 1973/ Setembro de 1974)
(2) Vd. post de 24 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXV: Homenagem aos mortos da minha terra (Lourinhã, 2005)
Telefonou-me o Américo Marques (que trabalha no gabinete de segurança de uma grande empresa de construção e reparação naval, no norte do país, sendo colega do Sousa de Castro), a contar-me a sua participação na cerimónia de homenagem, prestada pelo município de Fafe, aos ex-combatentes da guerra do ultramar, mortos em combate. Trinta e sete ao todo. Uma ceroimónia bonita e cheia de emoções. Lá encontrou o meu amigo paraquedista, o tal da Lourinhã (2), que botou discurso, emocionado, e que parecia ser um dos elementos da comissão organizadora.
Por lapso, o Américo não fixou o número dos que morreram na Guiné. Mas não faz mal: vai perguntar ao irmão, que esteve na Guiné e que depois foi imigrante em França durante muitos anos. "Foi um dos primeiros a partir para a Guiné, em 1961, ainda se usava a farda amarela. Esteve na região do Cacheu". Pedi-lhe para entrar em contacto connosco. Não temos ninguém desse tempo, ainda a guerra não tinha começado. Esse, sim, esse é que poderá ser o pai ou até o avô da velhice...
É irónica a história: dois irmãos, separados pela geração, acabam por ser mobilizados para o mesmo território ultramarino, para a mesma guerra: o mais velho em 1961, o mais novo em 1973, doze anos depois…
O Américo (1) teve a sorte, o azar ou o privilégio (conforme o ponto de vista de cada de um nós) de ter uma missão mais curta. A sua companhia estava colocada em Nova Lamego (Gabu), enquanto ele foi destacado com um grupo de combate (25!) para Cansissé, a sul de Nova Lamego, a uma hora de caminho do Rio Corubal. Nunca tiveram problemas nem com a população nem com o PAIGC, contrariamente aos camaradas da companhia anterior. Nunca se armaram em “bons”, nunca provocaram o IN, trataram sempre bem a população local, distribuindo comprimidos pelas mulheres, ouvindo os homens grandes, ajudando a transportar os produtos agrícolas... Davam-se bem com os fulas. O régulo era futa-fula. Com os mandingas, a coisa piava mais fino.
Ele era soldado de transmissões e, na noite de 24 para 25 de Abril de 1974, estava no seu posto, a sintonizar a rádio em Lisboa. Costumava fazer isso com muita frequência. Estava em contacto com todo o mundo. Os dias eram sempre iguais e custavam a passar. E as noites ainda pior. Mas "nessa noite ficou confundido e baralhado: havia movimento de tropas em Lisboa, alguma coisa se passava de anormal"…
Foi assim que teve conhecimento do golpe de estado do Movimento das Forças Armadas que depôs o Governo de Marcelo Caetano. Informou os seus camaradas. Foi um alvoroço. A vida em Nova Lamego e em Cansissé não voltou mais a ser como dantes. Apareceram logo uns “esquerdistas”, até então caladinhos, a organizar o pessoal, a dar ordem, a fazer reuniões… A hierarquia e a disciplina militares começaram a ser postas em causas. Eram os “comités de soldados” (sic) que tomavam iniciativas. Às tantas já se falava tu-cá-tu-lá com os gajos do PAIGC, beijinhos e abraços, troca de roncos, como se não tivesse havido uma longa guerra…
Esta foi a parte mais dura de engolir para o nosso amigo Américo que viu, com tristeza, a nossa bandeira ser substituída pela do PAIGC no seu destacamento… Em Setembro de 1974, ele voltava para casa, com o sentimento (amargo) de ter sido o último soldado do império… Há coisas, na tropa e na vida, para as quais um homem nunca está preparado.
Hoje ele escreve nos jornais da região. E promete voltar a escrever-nos, com tempo e vagar, quando vier o frio e o fogo começar a crepitar na lareira. É aí, à volta de um madeiro a arder, que ele gosta de recordar os seus tempos na Guiné e passar para o papel os sentimentos contraditórios que tem sobre esses menos de dois anos que passou lá no Gabu… Ele promete contar alguns das suas histórias de azarado soldado de transmissões que, um belo dia, ouvia uma conversa em “português acreoulado”: suspeitando tratar-se do IN, lançou um alerta geral e pôs o Gabu em pé de guerra… Afinal, tinha interceptado comunicações entre a NT…
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(1) Ex-soldado de transmissões, 3ª CART / BART 6523 (Nova Lamego) (Junho de 1973/ Setembro de 1974)
(2) Vd. post de 24 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXV: Homenagem aos mortos da minha terra (Lourinhã, 2005)
Guiné 63/74 - P265: Antologia (24): Elisée Turpin, co-fundador do PAIGC (Luís Graça)
Planta da cidade de Bissau, depois da independência (Dica > Clicar duas vezes no lado esquerdo rato, para ampliar a imagem e assim poder ver os pormenores)
© A. Marques Lopes (2005)
Por sugestão do nosso amigo Jorge Santos (autor da página A Guerra Colomial) . É um depoimento interessante para a história da Guiné-Bissau e para se perceber os antecedentes da guerra (colonial) que nos calhou na rifa... L.G.
Fonte: PAIGC > Depoimento de Elysée Turpin
Elisée Turpin é um dos fundadores do PAIGC, no dia 19 de Setembro de 1956. Nasceu a 23 de Maio de 1930, em Bissau, onde frequentou Escolas Primária e Secundária.
Mais tarde, vinha a concluir o curso de Contabilidade por correspondência. Foi empregado da Companhia Francesa S.C.O.A. – Sociedade Comercial Oeste Africana (de 1942 a 1956).
De 1958 a 1964, foi empregado da Casa António Silva Gouveia (1), e de 1964 a 1973, exerceu a função de Gerente da ANCAR.
De 1973 a 1976, exerceu a função de Secretário Geral da Associação Comercial. A partir de 1976, começou a trabalhar por conta própria.
Foi Militante do Partido Comunista Português na clandestinidade em Bissau, e é Militante do PAIGC desde a sua criação.
O presente depoimento está ligado à fundação do PAIGC, expondo alguns factos de que se recorda e em que participou, para permitir uma maior e melhor percepção deste acontecimento histórico ocorrido em 19 de Setembro de 1956, em Bissau.
"... O espírito de revolta contra a presença colonial aumentou consideravelmente, a partir de 1942, altura em que o Governador da Província da Guiné era o Sr. Ricardo Vaz Monteiro (2), e o Administrador de Bissau era Pereira Cardoso.
O Governador Ricardo Vaz Monteiro, fortemente influenciado pela esposa Maria Augusta, quis introduzir o sistema de Apartheid na Província, ao tentar impor que nos estabelecimentos comerciais fossem criadas zonas separadas para brancos e pretos. A tentativa gorou, pois foi contestada pelos proprietários dos estabelecimentos comerciais.
Associação Comercial e Industrial, em Bissau, de que Elysée Turpin foi secretário geral, de 1973 a 1976.
Foto de 1965 ou 1966.
© Virgínio Briote (2005)
Na sequência dessa tentativa, foi preso o maior comerciante guineense na altura, Sr. Benjamim Correia, alegadamente por se ter queixado junto do Governo Central de Lisboa sobre o ocorrido. Ele foi preso e transportado para Cabo Verde - Tarrafal (3).
O mesmo Governador introduziu um código de postura em que era proibido andar nos passeios de Bissau a todo o indígena que não tivesse sapatos nos pés.
Estes factos e mais outros que ocorreram durante os anos 50, reforçaram o espírito nacionalista e patriótico em muitos guineenses. Foi nesse período dos anos 50 que o Amilcar Cabral (4) regressou à Guiné e começou a fazer contactos com vista à criação duma Associação Desportiva, através da qual levávamos a cabo actividades políticas.
Alguns de nós eram militantes clandestinos do Partido Comunista Português, nomeadamente, Abílio Duarte e eu (mais tarde soube que o Rafael Barbosa o era também). Os activistas políticos não se conheciam todos, por motivos ligados à segurança.
Amilcar Cabral nos dizia que devíamos trabalhar como uma pirâmide. Isto é, o núcleo principal e de contactos permanentes seria pequeno, mas cada um devia ter a sua célula. Eu, por exemplo, tendo como célula a Zona Velha da Cidade de Bissau (pois morava nessa zona), nunca tive contacto com Rafael Barbosa. Só mais tarde vim a saber dele, como sendo um dos principais activistas políticos desde anos 40 e um dos mentores da criação do Partido.
Para além das células, estabeleceram-se pontos focais, ou seja, elos de ligação no interior do País. Por exemplo, o elo de ligação em Farim era o Dionísio Dias Monteiro; em Bolama era Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai); em Catió era Manuel da Silva.
Actual sede nacional do PAIG em Bissau. O seu sítio oficial na Net não é actualizado desde Janeiro de 2004.
O actal presidente do PAIGC é Carlos Gomes Júnior (Cadogo Jr.), filho de Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai), um dos militantes históricos.
Fonte: PAIGC (2003).
Lembro-me de algumas pessoas que se movimentavam na altura como activistas políticos e muitos deles envolvidos na criação do Partido: Amilcar Cabral, Aristides Pereira, Rafael Barbosa, Luís Cabral, Abílio Duarte, Fernando Fortes, João Rosa, Inácio Semedo, Victor Robalo, Júlio Almeida, João Vaz, Domingos Cristovão Gomes Lopes.
Contudo, no dia 19 de Setembro de 1956, na fundação (criação formal do Partido, denominado PAI - Partido Africano da Independência), compareceram apenas 6 pessoas: Amilcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Júlio Almeida, Elisée Turpin.
Muitos não compareceram devido a constantes perseguições dos elementos da então PIDE. Nós que conseguimos participar no encontro, tivemos que ser muito prudentes e discretos: entravamos um a um e saíamos da mesma forma.
O evento teve lugar no primeiro andar do edifício onde residiam Aristides Pereira e Fernando Fortes, no Bairro de Tchada, próximo do Hospital Nacional Simão Mendes.
Eram volta das 5 horas de tarde desse dia. Foram aprovados os Estatutos do PAI elaborados e apresentados por Amilcar. A reunião deve ter durado cerca de 1 hora de tempo.
A partir dessa data, intensificaram-se os contactos, visando levar a mensagem junto dos guineenses e cabo-verdianos e anunciar as nossas intenções. O grosso das reuniões do PAI, a partir da sua criação, tiveram lugar na residência de João Rosa, que se situava no Chão de Papel.
Nessas movimentações participaram muitos outros activistas. Lembro-me de alguns: Quintino Nosoline, Ladislau Lopes Justado, Manuel Lopes Justado, Rui Barreto, Epifanio Soto Amado, Alfredo Menezes, Carlos Correia, José Ferreira de Lacerda, Gudifredo Vermão de Sousa (Tatá), Milton Sezimudo Pereira de Borja, José Opadai, Armando Lobo de Pina.
O intensificar de actividades e constantes movimentações políticas levaram a que a PIDE reforçasse as perseguições e, consequentemente, muitos activistas foram sendo aprisionados e torturados nas diferentes celas de prisões. Este facto e outros, nomeadamente os acontecimentos de Pindjiguiti em 1959, levaram à tomada de decisão do Partido de instalar a sua Direcção no país vizinho independente - Guiné Conakry...." (5).
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Notas de L.G.
(1) A famosa Casa Gouveia, ligada ao Grupo CUF, ainda existia no nosso tempo, tendo estabelecimentos pelo menos em Bissau e Bafatá. No período de 1969/71, fazíamos segurança aos seus barcos, quando passavam pelo Geba Estreito, em Mato Cão. E inclusive utilizávamos os seus barcos nas deslocações a Bissau...
(2) Foi governador geral no período de 1941/45
(3) Vd post do nosso camarada João Tunes, de 2 de Outubor de 2005 > Lembrando Tarrafal. Vd. fotos do Tarrafal, na ilha de Santiago, na página Amigos de Cabo Verde, criada por suecos (fotos de Björn Hagelby)
(4) Vd. biografia de Amílcar Cabral (1924-73) no sítio Vidas Lusófonas
(5) Para saber mais: vd Fundação Mário Soares > Dossier Amílcar Cabral
© A. Marques Lopes (2005)
Por sugestão do nosso amigo Jorge Santos (autor da página A Guerra Colomial) . É um depoimento interessante para a história da Guiné-Bissau e para se perceber os antecedentes da guerra (colonial) que nos calhou na rifa... L.G.
Fonte: PAIGC > Depoimento de Elysée Turpin
Elisée Turpin é um dos fundadores do PAIGC, no dia 19 de Setembro de 1956. Nasceu a 23 de Maio de 1930, em Bissau, onde frequentou Escolas Primária e Secundária.
Mais tarde, vinha a concluir o curso de Contabilidade por correspondência. Foi empregado da Companhia Francesa S.C.O.A. – Sociedade Comercial Oeste Africana (de 1942 a 1956).
De 1958 a 1964, foi empregado da Casa António Silva Gouveia (1), e de 1964 a 1973, exerceu a função de Gerente da ANCAR.
De 1973 a 1976, exerceu a função de Secretário Geral da Associação Comercial. A partir de 1976, começou a trabalhar por conta própria.
Foi Militante do Partido Comunista Português na clandestinidade em Bissau, e é Militante do PAIGC desde a sua criação.
O presente depoimento está ligado à fundação do PAIGC, expondo alguns factos de que se recorda e em que participou, para permitir uma maior e melhor percepção deste acontecimento histórico ocorrido em 19 de Setembro de 1956, em Bissau.
"... O espírito de revolta contra a presença colonial aumentou consideravelmente, a partir de 1942, altura em que o Governador da Província da Guiné era o Sr. Ricardo Vaz Monteiro (2), e o Administrador de Bissau era Pereira Cardoso.
O Governador Ricardo Vaz Monteiro, fortemente influenciado pela esposa Maria Augusta, quis introduzir o sistema de Apartheid na Província, ao tentar impor que nos estabelecimentos comerciais fossem criadas zonas separadas para brancos e pretos. A tentativa gorou, pois foi contestada pelos proprietários dos estabelecimentos comerciais.
Associação Comercial e Industrial, em Bissau, de que Elysée Turpin foi secretário geral, de 1973 a 1976.
Foto de 1965 ou 1966.
© Virgínio Briote (2005)
Na sequência dessa tentativa, foi preso o maior comerciante guineense na altura, Sr. Benjamim Correia, alegadamente por se ter queixado junto do Governo Central de Lisboa sobre o ocorrido. Ele foi preso e transportado para Cabo Verde - Tarrafal (3).
O mesmo Governador introduziu um código de postura em que era proibido andar nos passeios de Bissau a todo o indígena que não tivesse sapatos nos pés.
Estes factos e mais outros que ocorreram durante os anos 50, reforçaram o espírito nacionalista e patriótico em muitos guineenses. Foi nesse período dos anos 50 que o Amilcar Cabral (4) regressou à Guiné e começou a fazer contactos com vista à criação duma Associação Desportiva, através da qual levávamos a cabo actividades políticas.
Alguns de nós eram militantes clandestinos do Partido Comunista Português, nomeadamente, Abílio Duarte e eu (mais tarde soube que o Rafael Barbosa o era também). Os activistas políticos não se conheciam todos, por motivos ligados à segurança.
Amilcar Cabral nos dizia que devíamos trabalhar como uma pirâmide. Isto é, o núcleo principal e de contactos permanentes seria pequeno, mas cada um devia ter a sua célula. Eu, por exemplo, tendo como célula a Zona Velha da Cidade de Bissau (pois morava nessa zona), nunca tive contacto com Rafael Barbosa. Só mais tarde vim a saber dele, como sendo um dos principais activistas políticos desde anos 40 e um dos mentores da criação do Partido.
Para além das células, estabeleceram-se pontos focais, ou seja, elos de ligação no interior do País. Por exemplo, o elo de ligação em Farim era o Dionísio Dias Monteiro; em Bolama era Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai); em Catió era Manuel da Silva.
Actual sede nacional do PAIG em Bissau. O seu sítio oficial na Net não é actualizado desde Janeiro de 2004.
O actal presidente do PAIGC é Carlos Gomes Júnior (Cadogo Jr.), filho de Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai), um dos militantes históricos.
Fonte: PAIGC (2003).
Lembro-me de algumas pessoas que se movimentavam na altura como activistas políticos e muitos deles envolvidos na criação do Partido: Amilcar Cabral, Aristides Pereira, Rafael Barbosa, Luís Cabral, Abílio Duarte, Fernando Fortes, João Rosa, Inácio Semedo, Victor Robalo, Júlio Almeida, João Vaz, Domingos Cristovão Gomes Lopes.
Contudo, no dia 19 de Setembro de 1956, na fundação (criação formal do Partido, denominado PAI - Partido Africano da Independência), compareceram apenas 6 pessoas: Amilcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Júlio Almeida, Elisée Turpin.
Muitos não compareceram devido a constantes perseguições dos elementos da então PIDE. Nós que conseguimos participar no encontro, tivemos que ser muito prudentes e discretos: entravamos um a um e saíamos da mesma forma.
O evento teve lugar no primeiro andar do edifício onde residiam Aristides Pereira e Fernando Fortes, no Bairro de Tchada, próximo do Hospital Nacional Simão Mendes.
Eram volta das 5 horas de tarde desse dia. Foram aprovados os Estatutos do PAI elaborados e apresentados por Amilcar. A reunião deve ter durado cerca de 1 hora de tempo.
A partir dessa data, intensificaram-se os contactos, visando levar a mensagem junto dos guineenses e cabo-verdianos e anunciar as nossas intenções. O grosso das reuniões do PAI, a partir da sua criação, tiveram lugar na residência de João Rosa, que se situava no Chão de Papel.
Nessas movimentações participaram muitos outros activistas. Lembro-me de alguns: Quintino Nosoline, Ladislau Lopes Justado, Manuel Lopes Justado, Rui Barreto, Epifanio Soto Amado, Alfredo Menezes, Carlos Correia, José Ferreira de Lacerda, Gudifredo Vermão de Sousa (Tatá), Milton Sezimudo Pereira de Borja, José Opadai, Armando Lobo de Pina.
O intensificar de actividades e constantes movimentações políticas levaram a que a PIDE reforçasse as perseguições e, consequentemente, muitos activistas foram sendo aprisionados e torturados nas diferentes celas de prisões. Este facto e outros, nomeadamente os acontecimentos de Pindjiguiti em 1959, levaram à tomada de decisão do Partido de instalar a sua Direcção no país vizinho independente - Guiné Conakry...." (5).
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Notas de L.G.
(1) A famosa Casa Gouveia, ligada ao Grupo CUF, ainda existia no nosso tempo, tendo estabelecimentos pelo menos em Bissau e Bafatá. No período de 1969/71, fazíamos segurança aos seus barcos, quando passavam pelo Geba Estreito, em Mato Cão. E inclusive utilizávamos os seus barcos nas deslocações a Bissau...
(2) Foi governador geral no período de 1941/45
(3) Vd post do nosso camarada João Tunes, de 2 de Outubor de 2005 > Lembrando Tarrafal. Vd. fotos do Tarrafal, na ilha de Santiago, na página Amigos de Cabo Verde, criada por suecos (fotos de Björn Hagelby)
(4) Vd. biografia de Amílcar Cabral (1924-73) no sítio Vidas Lusófonas
(5) Para saber mais: vd Fundação Mário Soares > Dossier Amílcar Cabral
quinta-feira, 10 de novembro de 2005
Guiné 63/74 - P264: Tragam uma lágrima de um menino balanta ou biafada do Fiofioli (Luís Graça)
Amigos & Camaradas:
Um dia os historiadores haverão de ganhar dinheiro à nossa conta, da nossa e dos pobres guinéus que andaram, tal como nós, com a canhota na mão, no Fiofioli, em Guileje ou noutros sítios lá no "cu do mundo, longe do Vietname", como eu costumava chamar à Guiné, em 1969/71...
Enquanto eles não escrevem os seus livros, volumosos e bem encadernados, sobre a história do país dos tugas e da sua presença na Guiné-Bissau, a gente vai contando as nossas estórias, como muito bem pode e sabe...
Eu não estive no Fiofioli em Março de 1969. Já estava no Campo Militar de Santa Margarida (1), com o Humberto Reis e outros tertulianos (o Tony Levezinho, o Joaquim Fernandes...), com guia de marcha para a Guiné, aonde chegaríamos em finais de Maio desse ano para formar, em Contuboel, a futura CAÇ 12, uma companhia de "nharros" (sic)... E também nunca lá fui depois, ao Fiofioli, no meu tempo. Nem eu nem ninguém, que eu saiba. Estive/estivemos só nos arredores, mas ainda longe, em operações, com a minha/nossa tropa-macaca, que depois vos relatarei, se vocês ainda tiverem tempo e pachorra para ler o Luís Graça & Camaradas > Bogue-Fora-Nada...
Se algum de vocês, algum dia, antes, durante e depois da guerra, esteve no mítico Fiofioli (que pena eu não poder pôr isto meu currículo!), peço-vos que mandem o vosso testemunho, alguma estória, alguma foto, algum caderno escolar, mesmo sujo e rasgado, alguma lágrima de algum menino balanta ou beafada que nesse dia, 15 de Março de 1969, não pôde ir à sua escolinha, como de costume, debaixo do belíssimo poilão da sua tabanca, porque teve de cambar o Rio Corubal, à pressa, talvez em pânico, sob as bombas dos T-6 e dos Fiat G-91, a metralha do helicanhão e os gritos dos seus pais e irmãos: "tugas, tugas, foge, foge"...
Segue a terceira parte do relatório da Op Lança Afiada (vd. post anterior)... Agora é que os mapas digitalizados da região (que o Humberto teve a generosidade de nos arranjar) fariam um jeitaço aos tertulianos, para localizarem melhor a grande bolanha e a mata do Fiofioli, e acompanharem as andanças das NT, comandadas pelo Coronel Hélio Felgas, entre 8 e 19 de Março de 1969... Mas eu prometo, quando tiver mais tempo, de os pôr on line, como já fiz com o mapa geral da Guiné de 1961... Para já consultem o mapa (draft) do Sector L1 da Zona Leste... E sobretudo não percam os próximos capítulos!
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(1) Vd. post de 24 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXX: A cerimónia de despedida no Campo Militar de Santa Margarida
Um dia os historiadores haverão de ganhar dinheiro à nossa conta, da nossa e dos pobres guinéus que andaram, tal como nós, com a canhota na mão, no Fiofioli, em Guileje ou noutros sítios lá no "cu do mundo, longe do Vietname", como eu costumava chamar à Guiné, em 1969/71...
Enquanto eles não escrevem os seus livros, volumosos e bem encadernados, sobre a história do país dos tugas e da sua presença na Guiné-Bissau, a gente vai contando as nossas estórias, como muito bem pode e sabe...
Eu não estive no Fiofioli em Março de 1969. Já estava no Campo Militar de Santa Margarida (1), com o Humberto Reis e outros tertulianos (o Tony Levezinho, o Joaquim Fernandes...), com guia de marcha para a Guiné, aonde chegaríamos em finais de Maio desse ano para formar, em Contuboel, a futura CAÇ 12, uma companhia de "nharros" (sic)... E também nunca lá fui depois, ao Fiofioli, no meu tempo. Nem eu nem ninguém, que eu saiba. Estive/estivemos só nos arredores, mas ainda longe, em operações, com a minha/nossa tropa-macaca, que depois vos relatarei, se vocês ainda tiverem tempo e pachorra para ler o Luís Graça & Camaradas > Bogue-Fora-Nada...
Se algum de vocês, algum dia, antes, durante e depois da guerra, esteve no mítico Fiofioli (que pena eu não poder pôr isto meu currículo!), peço-vos que mandem o vosso testemunho, alguma estória, alguma foto, algum caderno escolar, mesmo sujo e rasgado, alguma lágrima de algum menino balanta ou beafada que nesse dia, 15 de Março de 1969, não pôde ir à sua escolinha, como de costume, debaixo do belíssimo poilão da sua tabanca, porque teve de cambar o Rio Corubal, à pressa, talvez em pânico, sob as bombas dos T-6 e dos Fiat G-91, a metralha do helicanhão e os gritos dos seus pais e irmãos: "tugas, tugas, foge, foge"...
Segue a terceira parte do relatório da Op Lança Afiada (vd. post anterior)... Agora é que os mapas digitalizados da região (que o Humberto teve a generosidade de nos arranjar) fariam um jeitaço aos tertulianos, para localizarem melhor a grande bolanha e a mata do Fiofioli, e acompanharem as andanças das NT, comandadas pelo Coronel Hélio Felgas, entre 8 e 19 de Março de 1969... Mas eu prometo, quando tiver mais tempo, de os pôr on line, como já fiz com o mapa geral da Guiné de 1961... Para já consultem o mapa (draft) do Sector L1 da Zona Leste... E sobretudo não percam os próximos capítulos!
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(1) Vd. post de 24 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXX: A cerimónia de despedida no Campo Militar de Santa Margarida
quarta-feira, 9 de novembro de 2005
Guiné 63/74 - P263: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli (Luís Graça)
Guiné-Bissau > Vista do Rio Corubal (1998)
Fonte:
© A. Marques Lopes (2005), ex-Alf Mil da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968), hoje Coronel, DAF, na reforma
As forças que entraram, vitoriosas, em Fiofioli, no dia 15 de março de 1969, constituíam o Agrupamento táctico sul, baseado no Xime e comandado pelo Ten Cor Jaime Tavares Banazol: Dest F > CART 2339 (Mansambo); Dest G > CCAÇ 2405 (Galomaro); Dest H > CART 2413 (Xitole); Dest I > CCAÇ 2406 (Saltinho). Recorde-se que a companhia de Galomaro,a CCA>Ç 2405, pertecente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) tinha justamente acbado de sofrer, em 5 de Fevereiro de 1969, a perda de 17 homens, na trágica travessia do Rio Corubal, em Cheche, aquando da retirada das NT em Madina do Boé.
Por sua vez, o Agrupamento táctico norte, baseado no Xitole e comandado pelo Ten Cor Manuel M. P. Bastos, era constituído por: Dest A > CART 2338 ; Dest B > CART 1746 (Xime); Dest C > CART 1743 ; Dest D > CCAÇ 2403 (Fá Mandinga).
O comandante da força era o Coronel Hélio Felgas (hoje conhecido especialista em questões geopolíticas africanas, e na já na altura autor de um livro sobre "A guerra da Guiné", de 1967, comandante do comando operacional de Bafatá - no nosso tempo era o COP 2-, mas que, segundo se dizia, não morria de amores por Spínola).
Continuamos a publicar o extenso relatório da Op Lança Afiada em que, durante 11 dias, de 8 a 19 de março de 1969, a região delimitada pela margem direita do Rio Corunal e a linha Xime-Xitole foi palco de uma orgia de fogo e de destruição de todos os meios de vida encontrados pelas nossas tropas: arroz, porcos, vacas, galinhas, escolas, livros, cadernos, hospitais, tabancas, moranças... A Lança Afdiada foi sobretudo a maior "churrascada" que alguma vez se fez na Guiné, durante a guerra colonial: tudo o que era porco, leitão ou galinha foi consumido, in loco, pelos esfomeados tugas que deitaram fora as suas intragáveis rações de combate...
A realização de uma operação desta envergadura era justificada pelo facto de a região ser "considerada uma zona de refúgio e preparação do IN": a profundidade continental da região, a sua espessa arborização (excepto na franja marginal do Rio Corubal), a falta de trilhos e caminhos, a grande distância a que ficam os aquartelamentos mais próximos (Xime, Mansambo e Xitole), eram apontadas pelos especialistas militares como as princiipais razões da existência, permanência e "relativa tranquilidade" da guerrilha do PAIGC na região, praticamente desde o princípio da guerra, em 1963 (**).
E foi com relativa ordem, calma e segurança que o o PAIGC conseguiu, antes da chegada das NT, transferir para a margem esquerda do Rio Corubal as populações (balantas e biafadas) que viviam sob o seu controlo e administração, enquanto as NT lançavam o seu cilindro compressor sobre este, até então, santuário do IN...
No relatório, não se esconde o número e a importância das tabancas que viviam sob a bandeira do PAIGC, fora portanto do controlo da "soberania portuguesa", em pleno coração da Guiné, ao longo da parte superior do Rio Corubal: Ponta Luís Dias, Mangai, Tubacutá, Mina, Cancodea, Satecuta, Fiofioli... Nunca se dão números sobre as populações, mas a leitura do relatório sugere-nos uma ideia da sua grandeza:
(i) "Os Dest A e B aproximaram-se de Tubacutá (área 5). Durante a noite anterior ouviram um motor dum barco fazendo travessias do Rio Corubal na região entre Queroane e Fiofioli. O movimento durara desde as 19h00 do dia 12 e as 4h00 do dia 13";
(ii) "Os Dest C e D continuaram destruindo a enorme tabanca de Ponta Luís Dias, com uma grande escola onde havia muitos livros e cadernos";
(iii)"Por seu lado, o Dest C, às 7h30, destruíra cinco canoas em local com indícios de ter tido grande movimento durante a noite";
(iv) "Os Dest C e D atacaram a enorme tabanca de Mangai, também recém abandonada, tendo começado a destruir as moranças, muitas toneladas de arroz e centenas de animais domésticos (incluindo vacas)";
(v) "Os Dest F e G avançaram sobre Cancodea Balanta enquanto os Dest H e I passaram para Candodea Biafada. Todos capturaram e consumiram (sic) centenas de animais domésticos, começando também a destruir as 2 tabancas (onde havia escolas importantes e grande quantidade de arroz";
(vi) [No Fiofioli] o Hospital antigo surgiu pouco depois com as suas enfermarias separadas para homens e mulheres, quarto dos médicos cubanos, banco, etc.";
(vii) "Batida a mata, desceu-se à tabanca de Fiofioli, recém abandonada, dispondo de bons edifícios e 2 escolas com imensos livros e cadernos"...
Constata-se também a enorme diferença do esforço que era pedido à tropa-macaca, por comparação com as forças especiais (que, estranhamente, não participaram nesta operação)... Por outro lado, os meios aéreos eram escassos e a descoordenação grande...
Os resultados finais acabavam por ficar aquém das expectativas dos responsáveis militares e não justificar o emprego de meios tão vultosos e caros:
Só numa viagem de duas horas, o helicóptero gastava tanto (30 contos) como os vencimentos mensais dos quatro alferes de uma companhia... Ora nesta operação, para além dos reabastecimentos periódicos de água (absolutamente vitais), os helicóperos tiveram que fazer 110 evacuações (por ferimentos em combate, mas sobretudo insolações, ataques de abelhas, stresse, doença), para além das viagens de regresso com os recomplementos (oficiais, sargentos e prças que vieram substituir os camaradas evacuados)...
© A. Marques Lopes (2005) >
Cartaz de propaganda, usado pelas NT na Guiné.
Não admira, por isso, que esse tipo de operação de limpeza acabe por ser abandonada pela equipa de estrategas de Spínola. Tinha, além disso, uma grande impacto negativo na população nas "regiões libertadas": afinal de contas, eram elas as grandes vítimas destas "operações de limpeza"... As crianças, as mulheres e os idosos.
Spínola deve ter percebido, no terreno (e ele esteve lá, junto das NT!), que nunca seria pelo terror que iria conquistar os corações dos guinéus e substraí-los à influência da guerrilha... Mias: deve perdido, no Corubal, as ilusões de querer ganhar a guerra em seis meses. A Guiné de 1969 não era a Angola de 1963... Não sabemos se foi ali que ele perdeu as ilusões, ou se já não as tinha, ou já estava a pôr em prática a sua nova estratégia...
Isso talvez explique por é que do outro lado do Rio Corubal, na margem esquerda, não havia forças emboscadas ou prontas a intervir para cortar a retirada do IN, acossado pelos tropas envolvidas na Op Lança Afiada...
O autor do relatório, visivelmente incomodado e até irritado, refere-se várias vezes a este "buraco na rede", consentido (ou até querido) por Bissau... No preâmbulo do relatório pode ler-se:
"O IN sabe que detecta facilmente qualquer tentativa de aproximação das nossas Forças Terrestres. Se a aproximação terrestre é difícil, a actuação das FN [Forças Navais] parece facilitada pela existência do Rio Corubal. E a tal ponto que, em estudo realizado por este Comando, a área da margem direita do Rio Corubal, desde a Ponta do Inglês a Cã Júlio, foi considerado uma área que devia ser batida pelas NT em operação conjunta de meios navais e helitransportados"...
Ora, o que o Coronel Hélio Felgas não conseguiu fazer foi essa grande operação conjunta de forças terrestres, navais e helitransportadas, que bem poderia ser a cereja no bolo da sua carreira militar... Regressadas as NT aos quartéis, no dia 19 de março de 1969, o Rio Corubal lá continuou "interdito", como dantes, à nossa navegação...
Eu, pelo menos, no período em que andámos por aquelas bandas (Julho de 1969/fevereiro de 1971) nunca lá tomámos banho e todas as vezes que nos aproximámos das suas margens fomos corridos a tiro, morteirada e roquetada... E a nossa valente marinha de guerra também nunca lá mais voltou a pôr uma lança de desembarque (grande, pequena ou média...).
Em abril e maio de 1969, a guerrilha mostrava de novo os dentes, no triângulo Xime- Bambadinca - Xitole ), pondo os oficiais superiores do BCAÇ 2852 à beira de um ataque de nervos... Dois meses depois da Op Lança Afiada, era a própria sede do sector L1, Bambadinca, que era atacada em força, durante 40 minutos, pela primeira e única vez durante toda a guerra... Foi, obviamente, uma resposta taco a taco. As consequências também foram mais psicológicas do que militares. Mas não deixaram de ter implicações nas carreiras dos militares do quadro que detinham o comando do BCAÇ 2852, os quais foram todos (ou quase todos) punidos por Spínola e despachados para casa, por incompetência... (Sobre esta "flagelação", o documento sobre a história do BCAÇ 2852 dedica aopenas 3 linhas telegráficas, em contraste com as dezenas de páginas escritas sobre a Op Lança Afiada)...
De qualquer modo, não deixa de ser curiosa, deliciosa mesmo, e até reveladora de alguma familiaridade com a literatura maoista da época (!), a expressão usada pelo autor do relatório, quando conclui, com ar triunfal, depois da conquista do Fiofioli no Dia D + 7 (15 de Março de 1969) o seguinte: "o mito do Fiofioli desaparecera na mentalidade dos nossos soldados. A mata do Fiofioli fora um tigre de papel"!...
Luis Graça
(**) Vd post de 28 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VIII: O sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1)
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Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) (III parte) (**)
Fonte: Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 61-64. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf).
Dia D + 4 (12 de março de 1969)
Os Dest A e B continuaram batendo a área 6 sem nada encontrarem.
Na área 4, o Dest B foi flagelado às 10h10 tendo sofrido um ferido ligeiro mas feito baixas confirmadas. Combinando a manobra com o Dest C, capturou 3 nativos e queimou diversas tabancas na área. O Dest C foi flagelado às 11h00 tendo 3 feridos ligeiros que não evacuou e fez um morto confirmado ao IN.
Quanto ao Dest E, dera a volta próximo da margem esquerda do Rio Buruntoni, queimara 2 toneladas de arroz numas casas junto ao caminho para Ponta do Inglês, capturara inúmeros animais domésticos e tivera contacto com o IN às 13h00, sofrendo um ferido que fora evacuado. Apreendera material ao IN.
O Dest F, agora reforçado por um Gr Comb do Dest G, devido às numerosas evacuações que tivera que fazer, mantinha-se emboscado a Norte da Foz do Rio Bissari. O resto do Dest G continuava emboscado a Norte do Galo Corubal. E os Dest H e I bateram a área 10, tendo a sua actuação sido prejudicada pela demora dos reabastecimentos e evacuações.
O milícia ferido em 11 de março às 16h30 (gravemente, segundo o parecer do enfermeiro) só foi evacuado em 12, às13h15 embora os comandantes da Operação e do Agrupamento Táctico tivessem sido largados no local cerca das 9h00. Por razões desconhecidas, porém, o piloto não quis evacuar o ferido em nenhum das 2 vezes que lá foi deixar água.
Na margem oposta do Rio Corubal viam-se elementos IN que foram metralhados pelo helicanhão. A tabanca de Inchandanga Balanta ficou a arder.
Durante o incêndio de uma das tabancas entre Galo Corubal e Dando rebentaram inúmeras munições que provavelmente estavam escondidas no colmo dos tectos.
Os ataques das abelhas continuavam a mostrar-se mais perigosos que as flagelações IN pois o pessoal carregador tudo abandonava para fugir aos enxames que, nesta época, são extremamente agressivas.
Cerca das 13h15, num helicóptero insistentemente pedido, os comandantes da Operação e do Agrupamento Táctico foram transportados a Bambadinca juntamente com o milícia ferido, o qual seguiu para Bissau.
A deficiência do apoio aéreo em reabastecimentos, evacuações e recomplementos levou a fazer mensagens e a focar o assunto no RELIM [Relatório de Informações sobre a Actividade Operacional].
Dia D + 5 (13 de março de 1969)
Os Dest A e B aproximaram-se de Tubacutá (área 5). Durante a noite anterior ouviram um motor dum barco fazendo travessias do Rio Corubal na região entre Queroane e Fiofioli. O movimento durara desde as 19h00 do dia 12 e as 4h00 do dia 13.
Os Dest C e D continuaram destruindo a enorme tabanca de Ponta Luís Dias, com uma grande escola onde havia muitos livros e cadernos. Por seu lado, o Dest C, às 7h30, destruíra cinco canoas em local com indícios de ter tido grande movimento durante a noite. Todos estes Dest apanharam e consumiram centenas de animais domésticos. Cerca das 19h30 o Dest E sofreu nova flagelação, tendo nove evacuados no dia seguinte.
Os Dest H e I detectaram e destruíram o acampamento IN de Gã Júlio, enquanto os F e G faziam o mesmo ao de Mina. Ambos estes acampamentos haviam sido recentemente abandonados. Tais como outros, ainda tinham comida quente. Este facto constou do comentário ao RELIM deste dia, no qual pedia o estabelecimento de emboscadas nocturnas na outra margem do Rio Corubal.
Neste dia houve uma reunião em Bambadinca com Sua Excia. o Comandante-Chefe e o Exmo. Comandante da Zona Aérea que disseram ao Comandamte da Operação estar a ser excessivo o esforço pedido à FA [Força Aérea]. Expondo-se como esses meios estavam a ser empregues.
Por outro lado Sua Excia. deu Directivas sobre a recolha do arroz IN. Ficou ainda estabelecido não proceder a quaisquer recompletamentos, excepto de oficiais e sargentos, a fim de aliviar os meios aéreos.
Dia D + 6 (14 de março de 1969)
À 8h50, os Dest A e B detectaram e destruíram o acampamento de Tubacutá, recém abandonado. Fugiu um pequeno grupo IN após uma flagelação às NT.
Os Dest C e D atacaram a enorme tabanca de Mangai, também recém abandonada, tendo começado a destruir as moranças, muitas toneladas de arroz e centenas de animais domésticos (incluindo vacas).
Os Dest E continuou a preocupar-se com o tarrafo da margem do Rio Corubal voltar a encontrar indícios de fuga para a margem oposta. Seguiu para Leste, atravessando à noite a bolanha do Rio Bedana e indo instalar-se na orla oeste da bolanha que limita a mata do Fiofioli, orla em que se emboscou.
Os Dest F e G avançaram sobre Cancodea Balanta enquanto os Dest H e I passaram para Candodea Beafada. Todos capturaram e consumiram centenas de animais domésticos, começando também a destruir as 2 tabancas (onde havia escolas importantes e grande quantidade de arroz).
O Dest H e I capturaram munições e 2 mulheres que informaram ter o IN fugido para a outra margem do Rio Corubal com a maior parte da população. Disseram ainda que o Novo Hospital de Fiofioli fora mudado para a região de Queroane (área 5). O Dest F destruiu 2 canoas, uma delas com cerca de 16 metros de comprimento.
O Dest D foi nesta data dividido pelos C e E, pois ficara reduzido a 69 homens.
Dia D + 7 (15 de março de 1969)
Em face da informação dada pelas 2 mulheres capturadas em Cancodea Beafada, os Dest A, B e C atacaram Queroane à tarde, tendo destruído a tabanca e sido flagelados por um grupo IN que sofreu baixas confirmadas.
Cerca das 2h30, os Dest F, G, H e I iniciaram a sua marcha sobre a mata do Fiofioli. Só havia uma guia mais ou menos seguro, o Brima Dico (*) capturado pelos paraquedistas em Mina em Dezembro de 1968. O outro guia, de Mansambo, apenas conhecia região mas não os trilhos. Decidiu-se por isso seguir com os Dest em bicha, a fim de deixar um ou mais emboscados em bifurcações que aparecessem.
O Dest H, antes do alvorecer, penetrava na mata. Às 16h00 houve uma flagelação ao Dest H, tendo o IN sofrido baixas confirmadas. O Hospital antigo surgiu pouco depois com as suas enfermarias separadas para homens e mulheres, quarto dos médicos cubanos, banco, etc. O guia esclareceu tudo mas o hospital devia ter sido abandonada cerca de 2 meses antes. Todos os novos trilhos que apareciam eram cuidadosamente batidos. Descobriu-se um outro Hospital recentemente abandonado. O primeiro estava em Xime ID5-56 o segundo (encontrado ás 8h00) estava em Xime 1D6-52). Ambos foram queimados e o PCV deu a sua localização.
Batida a mata, desceu-se à tabanca de Fiofioli, recém abandonada, dispondo de bons edifícios e 2 escolas com imensos livros e cadernos. Próximo estava uma pequena arrecadação onde se capturou material de guerra IN. Novamente foram apanhadas centenas de animais domésticos. A destruição da tabanca foi apenas começada pois no dia seguinte seria completada Encontraram-se documentos comprovativos da presença IN na área.
Voltou-se a penetrar na mata para bater a zona Oeste e acabou-se por ir ter à bolanha a Oeste eram cerca das 12h00. Contactou-se o Dest E que às 6h10 fizera fogo sobre elementos IN fugidos da mata de Fiofioli (onde deveriam ter sido os autores da flagelação ao Dest H), tendo-lhes causado baixas.
A mata foi batida durante cerca de 10 horas em todos os sentidos. Previa-se no entanto voltar a batê-la no dia seguinte na direcção Oeste-Leste. Ma o mito do Fiofioli desaparecera na mentalidade dos nossos soldados. A mata do Fiofioli fora um tigre de papel.
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(*) Julgo tratar-se de gralha do escriturário-dactilógrafo ou erro de leitura do original, manuscrito. Brima Dico não é nome de guinéu. Deve ser Braima Seco. L.G.
(**) vd. as partes anteriormente publicadas neste blogue:
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
Fonte:
© A. Marques Lopes (2005), ex-Alf Mil da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968), hoje Coronel, DAF, na reforma
As forças que entraram, vitoriosas, em Fiofioli, no dia 15 de março de 1969, constituíam o Agrupamento táctico sul, baseado no Xime e comandado pelo Ten Cor Jaime Tavares Banazol: Dest F > CART 2339 (Mansambo); Dest G > CCAÇ 2405 (Galomaro); Dest H > CART 2413 (Xitole); Dest I > CCAÇ 2406 (Saltinho). Recorde-se que a companhia de Galomaro,a CCA>Ç 2405, pertecente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) tinha justamente acbado de sofrer, em 5 de Fevereiro de 1969, a perda de 17 homens, na trágica travessia do Rio Corubal, em Cheche, aquando da retirada das NT em Madina do Boé.
Por sua vez, o Agrupamento táctico norte, baseado no Xitole e comandado pelo Ten Cor Manuel M. P. Bastos, era constituído por: Dest A > CART 2338 ; Dest B > CART 1746 (Xime); Dest C > CART 1743 ; Dest D > CCAÇ 2403 (Fá Mandinga).
O comandante da força era o Coronel Hélio Felgas (hoje conhecido especialista em questões geopolíticas africanas, e na já na altura autor de um livro sobre "A guerra da Guiné", de 1967, comandante do comando operacional de Bafatá - no nosso tempo era o COP 2-, mas que, segundo se dizia, não morria de amores por Spínola).
Continuamos a publicar o extenso relatório da Op Lança Afiada em que, durante 11 dias, de 8 a 19 de março de 1969, a região delimitada pela margem direita do Rio Corunal e a linha Xime-Xitole foi palco de uma orgia de fogo e de destruição de todos os meios de vida encontrados pelas nossas tropas: arroz, porcos, vacas, galinhas, escolas, livros, cadernos, hospitais, tabancas, moranças... A Lança Afdiada foi sobretudo a maior "churrascada" que alguma vez se fez na Guiné, durante a guerra colonial: tudo o que era porco, leitão ou galinha foi consumido, in loco, pelos esfomeados tugas que deitaram fora as suas intragáveis rações de combate...
A realização de uma operação desta envergadura era justificada pelo facto de a região ser "considerada uma zona de refúgio e preparação do IN": a profundidade continental da região, a sua espessa arborização (excepto na franja marginal do Rio Corubal), a falta de trilhos e caminhos, a grande distância a que ficam os aquartelamentos mais próximos (Xime, Mansambo e Xitole), eram apontadas pelos especialistas militares como as princiipais razões da existência, permanência e "relativa tranquilidade" da guerrilha do PAIGC na região, praticamente desde o princípio da guerra, em 1963 (**).
E foi com relativa ordem, calma e segurança que o o PAIGC conseguiu, antes da chegada das NT, transferir para a margem esquerda do Rio Corubal as populações (balantas e biafadas) que viviam sob o seu controlo e administração, enquanto as NT lançavam o seu cilindro compressor sobre este, até então, santuário do IN...
No relatório, não se esconde o número e a importância das tabancas que viviam sob a bandeira do PAIGC, fora portanto do controlo da "soberania portuguesa", em pleno coração da Guiné, ao longo da parte superior do Rio Corubal: Ponta Luís Dias, Mangai, Tubacutá, Mina, Cancodea, Satecuta, Fiofioli... Nunca se dão números sobre as populações, mas a leitura do relatório sugere-nos uma ideia da sua grandeza:
(i) "Os Dest A e B aproximaram-se de Tubacutá (área 5). Durante a noite anterior ouviram um motor dum barco fazendo travessias do Rio Corubal na região entre Queroane e Fiofioli. O movimento durara desde as 19h00 do dia 12 e as 4h00 do dia 13";
(ii) "Os Dest C e D continuaram destruindo a enorme tabanca de Ponta Luís Dias, com uma grande escola onde havia muitos livros e cadernos";
(iii)"Por seu lado, o Dest C, às 7h30, destruíra cinco canoas em local com indícios de ter tido grande movimento durante a noite";
(iv) "Os Dest C e D atacaram a enorme tabanca de Mangai, também recém abandonada, tendo começado a destruir as moranças, muitas toneladas de arroz e centenas de animais domésticos (incluindo vacas)";
(v) "Os Dest F e G avançaram sobre Cancodea Balanta enquanto os Dest H e I passaram para Candodea Biafada. Todos capturaram e consumiram (sic) centenas de animais domésticos, começando também a destruir as 2 tabancas (onde havia escolas importantes e grande quantidade de arroz";
(vi) [No Fiofioli] o Hospital antigo surgiu pouco depois com as suas enfermarias separadas para homens e mulheres, quarto dos médicos cubanos, banco, etc.";
(vii) "Batida a mata, desceu-se à tabanca de Fiofioli, recém abandonada, dispondo de bons edifícios e 2 escolas com imensos livros e cadernos"...
Constata-se também a enorme diferença do esforço que era pedido à tropa-macaca, por comparação com as forças especiais (que, estranhamente, não participaram nesta operação)... Por outro lado, os meios aéreos eram escassos e a descoordenação grande...
Os resultados finais acabavam por ficar aquém das expectativas dos responsáveis militares e não justificar o emprego de meios tão vultosos e caros:
- 5 guerrilheiros mortos (confirmados),
- "17 nativos capturados, na sua maior parte mulheres" (sic),
- para além da apreensão de material de guerra (muitos milhares de munições de armas liegrias) e da destruição das tabancas abandonadas...
Só numa viagem de duas horas, o helicóptero gastava tanto (30 contos) como os vencimentos mensais dos quatro alferes de uma companhia... Ora nesta operação, para além dos reabastecimentos periódicos de água (absolutamente vitais), os helicóperos tiveram que fazer 110 evacuações (por ferimentos em combate, mas sobretudo insolações, ataques de abelhas, stresse, doença), para além das viagens de regresso com os recomplementos (oficiais, sargentos e prças que vieram substituir os camaradas evacuados)...
© A. Marques Lopes (2005) >
Cartaz de propaganda, usado pelas NT na Guiné.
Não admira, por isso, que esse tipo de operação de limpeza acabe por ser abandonada pela equipa de estrategas de Spínola. Tinha, além disso, uma grande impacto negativo na população nas "regiões libertadas": afinal de contas, eram elas as grandes vítimas destas "operações de limpeza"... As crianças, as mulheres e os idosos.
Spínola deve ter percebido, no terreno (e ele esteve lá, junto das NT!), que nunca seria pelo terror que iria conquistar os corações dos guinéus e substraí-los à influência da guerrilha... Mias: deve perdido, no Corubal, as ilusões de querer ganhar a guerra em seis meses. A Guiné de 1969 não era a Angola de 1963... Não sabemos se foi ali que ele perdeu as ilusões, ou se já não as tinha, ou já estava a pôr em prática a sua nova estratégia...
Isso talvez explique por é que do outro lado do Rio Corubal, na margem esquerda, não havia forças emboscadas ou prontas a intervir para cortar a retirada do IN, acossado pelos tropas envolvidas na Op Lança Afiada...
O autor do relatório, visivelmente incomodado e até irritado, refere-se várias vezes a este "buraco na rede", consentido (ou até querido) por Bissau... No preâmbulo do relatório pode ler-se:
"O IN sabe que detecta facilmente qualquer tentativa de aproximação das nossas Forças Terrestres. Se a aproximação terrestre é difícil, a actuação das FN [Forças Navais] parece facilitada pela existência do Rio Corubal. E a tal ponto que, em estudo realizado por este Comando, a área da margem direita do Rio Corubal, desde a Ponta do Inglês a Cã Júlio, foi considerado uma área que devia ser batida pelas NT em operação conjunta de meios navais e helitransportados"...
Ora, o que o Coronel Hélio Felgas não conseguiu fazer foi essa grande operação conjunta de forças terrestres, navais e helitransportadas, que bem poderia ser a cereja no bolo da sua carreira militar... Regressadas as NT aos quartéis, no dia 19 de março de 1969, o Rio Corubal lá continuou "interdito", como dantes, à nossa navegação...
Eu, pelo menos, no período em que andámos por aquelas bandas (Julho de 1969/fevereiro de 1971) nunca lá tomámos banho e todas as vezes que nos aproximámos das suas margens fomos corridos a tiro, morteirada e roquetada... E a nossa valente marinha de guerra também nunca lá mais voltou a pôr uma lança de desembarque (grande, pequena ou média...).
Em abril e maio de 1969, a guerrilha mostrava de novo os dentes, no triângulo Xime- Bambadinca - Xitole ), pondo os oficiais superiores do BCAÇ 2852 à beira de um ataque de nervos... Dois meses depois da Op Lança Afiada, era a própria sede do sector L1, Bambadinca, que era atacada em força, durante 40 minutos, pela primeira e única vez durante toda a guerra... Foi, obviamente, uma resposta taco a taco. As consequências também foram mais psicológicas do que militares. Mas não deixaram de ter implicações nas carreiras dos militares do quadro que detinham o comando do BCAÇ 2852, os quais foram todos (ou quase todos) punidos por Spínola e despachados para casa, por incompetência... (Sobre esta "flagelação", o documento sobre a história do BCAÇ 2852 dedica aopenas 3 linhas telegráficas, em contraste com as dezenas de páginas escritas sobre a Op Lança Afiada)...
De qualquer modo, não deixa de ser curiosa, deliciosa mesmo, e até reveladora de alguma familiaridade com a literatura maoista da época (!), a expressão usada pelo autor do relatório, quando conclui, com ar triunfal, depois da conquista do Fiofioli no Dia D + 7 (15 de Março de 1969) o seguinte: "o mito do Fiofioli desaparecera na mentalidade dos nossos soldados. A mata do Fiofioli fora um tigre de papel"!...
Luis Graça
___________
Notas do editor:
(*)Vd post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)
(*)Vd post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)
(**) Vd post de 28 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VIII: O sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1)
______________________________
Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) (III parte) (**)
Fonte: Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 61-64. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf).
Dia D + 4 (12 de março de 1969)
Os Dest A e B continuaram batendo a área 6 sem nada encontrarem.
Na área 4, o Dest B foi flagelado às 10h10 tendo sofrido um ferido ligeiro mas feito baixas confirmadas. Combinando a manobra com o Dest C, capturou 3 nativos e queimou diversas tabancas na área. O Dest C foi flagelado às 11h00 tendo 3 feridos ligeiros que não evacuou e fez um morto confirmado ao IN.
Quanto ao Dest E, dera a volta próximo da margem esquerda do Rio Buruntoni, queimara 2 toneladas de arroz numas casas junto ao caminho para Ponta do Inglês, capturara inúmeros animais domésticos e tivera contacto com o IN às 13h00, sofrendo um ferido que fora evacuado. Apreendera material ao IN.
O Dest F, agora reforçado por um Gr Comb do Dest G, devido às numerosas evacuações que tivera que fazer, mantinha-se emboscado a Norte da Foz do Rio Bissari. O resto do Dest G continuava emboscado a Norte do Galo Corubal. E os Dest H e I bateram a área 10, tendo a sua actuação sido prejudicada pela demora dos reabastecimentos e evacuações.
O milícia ferido em 11 de março às 16h30 (gravemente, segundo o parecer do enfermeiro) só foi evacuado em 12, às13h15 embora os comandantes da Operação e do Agrupamento Táctico tivessem sido largados no local cerca das 9h00. Por razões desconhecidas, porém, o piloto não quis evacuar o ferido em nenhum das 2 vezes que lá foi deixar água.
Na margem oposta do Rio Corubal viam-se elementos IN que foram metralhados pelo helicanhão. A tabanca de Inchandanga Balanta ficou a arder.
Durante o incêndio de uma das tabancas entre Galo Corubal e Dando rebentaram inúmeras munições que provavelmente estavam escondidas no colmo dos tectos.
Os ataques das abelhas continuavam a mostrar-se mais perigosos que as flagelações IN pois o pessoal carregador tudo abandonava para fugir aos enxames que, nesta época, são extremamente agressivas.
Cerca das 13h15, num helicóptero insistentemente pedido, os comandantes da Operação e do Agrupamento Táctico foram transportados a Bambadinca juntamente com o milícia ferido, o qual seguiu para Bissau.
A deficiência do apoio aéreo em reabastecimentos, evacuações e recomplementos levou a fazer mensagens e a focar o assunto no RELIM [Relatório de Informações sobre a Actividade Operacional].
Dia D + 5 (13 de março de 1969)
Os Dest A e B aproximaram-se de Tubacutá (área 5). Durante a noite anterior ouviram um motor dum barco fazendo travessias do Rio Corubal na região entre Queroane e Fiofioli. O movimento durara desde as 19h00 do dia 12 e as 4h00 do dia 13.
Os Dest C e D continuaram destruindo a enorme tabanca de Ponta Luís Dias, com uma grande escola onde havia muitos livros e cadernos. Por seu lado, o Dest C, às 7h30, destruíra cinco canoas em local com indícios de ter tido grande movimento durante a noite. Todos estes Dest apanharam e consumiram centenas de animais domésticos. Cerca das 19h30 o Dest E sofreu nova flagelação, tendo nove evacuados no dia seguinte.
Os Dest H e I detectaram e destruíram o acampamento IN de Gã Júlio, enquanto os F e G faziam o mesmo ao de Mina. Ambos estes acampamentos haviam sido recentemente abandonados. Tais como outros, ainda tinham comida quente. Este facto constou do comentário ao RELIM deste dia, no qual pedia o estabelecimento de emboscadas nocturnas na outra margem do Rio Corubal.
Neste dia houve uma reunião em Bambadinca com Sua Excia. o Comandante-Chefe e o Exmo. Comandante da Zona Aérea que disseram ao Comandamte da Operação estar a ser excessivo o esforço pedido à FA [Força Aérea]. Expondo-se como esses meios estavam a ser empregues.
Por outro lado Sua Excia. deu Directivas sobre a recolha do arroz IN. Ficou ainda estabelecido não proceder a quaisquer recompletamentos, excepto de oficiais e sargentos, a fim de aliviar os meios aéreos.
Dia D + 6 (14 de março de 1969)
À 8h50, os Dest A e B detectaram e destruíram o acampamento de Tubacutá, recém abandonado. Fugiu um pequeno grupo IN após uma flagelação às NT.
Os Dest C e D atacaram a enorme tabanca de Mangai, também recém abandonada, tendo começado a destruir as moranças, muitas toneladas de arroz e centenas de animais domésticos (incluindo vacas).
Os Dest E continuou a preocupar-se com o tarrafo da margem do Rio Corubal voltar a encontrar indícios de fuga para a margem oposta. Seguiu para Leste, atravessando à noite a bolanha do Rio Bedana e indo instalar-se na orla oeste da bolanha que limita a mata do Fiofioli, orla em que se emboscou.
Os Dest F e G avançaram sobre Cancodea Balanta enquanto os Dest H e I passaram para Candodea Beafada. Todos capturaram e consumiram centenas de animais domésticos, começando também a destruir as 2 tabancas (onde havia escolas importantes e grande quantidade de arroz).
O Dest H e I capturaram munições e 2 mulheres que informaram ter o IN fugido para a outra margem do Rio Corubal com a maior parte da população. Disseram ainda que o Novo Hospital de Fiofioli fora mudado para a região de Queroane (área 5). O Dest F destruiu 2 canoas, uma delas com cerca de 16 metros de comprimento.
O Dest D foi nesta data dividido pelos C e E, pois ficara reduzido a 69 homens.
Dia D + 7 (15 de março de 1969)
Em face da informação dada pelas 2 mulheres capturadas em Cancodea Beafada, os Dest A, B e C atacaram Queroane à tarde, tendo destruído a tabanca e sido flagelados por um grupo IN que sofreu baixas confirmadas.
Cerca das 2h30, os Dest F, G, H e I iniciaram a sua marcha sobre a mata do Fiofioli. Só havia uma guia mais ou menos seguro, o Brima Dico (*) capturado pelos paraquedistas em Mina em Dezembro de 1968. O outro guia, de Mansambo, apenas conhecia região mas não os trilhos. Decidiu-se por isso seguir com os Dest em bicha, a fim de deixar um ou mais emboscados em bifurcações que aparecessem.
O Dest H, antes do alvorecer, penetrava na mata. Às 16h00 houve uma flagelação ao Dest H, tendo o IN sofrido baixas confirmadas. O Hospital antigo surgiu pouco depois com as suas enfermarias separadas para homens e mulheres, quarto dos médicos cubanos, banco, etc. O guia esclareceu tudo mas o hospital devia ter sido abandonada cerca de 2 meses antes. Todos os novos trilhos que apareciam eram cuidadosamente batidos. Descobriu-se um outro Hospital recentemente abandonado. O primeiro estava em Xime ID5-56 o segundo (encontrado ás 8h00) estava em Xime 1D6-52). Ambos foram queimados e o PCV deu a sua localização.
Batida a mata, desceu-se à tabanca de Fiofioli, recém abandonada, dispondo de bons edifícios e 2 escolas com imensos livros e cadernos. Próximo estava uma pequena arrecadação onde se capturou material de guerra IN. Novamente foram apanhadas centenas de animais domésticos. A destruição da tabanca foi apenas começada pois no dia seguinte seria completada Encontraram-se documentos comprovativos da presença IN na área.
Voltou-se a penetrar na mata para bater a zona Oeste e acabou-se por ir ter à bolanha a Oeste eram cerca das 12h00. Contactou-se o Dest E que às 6h10 fizera fogo sobre elementos IN fugidos da mata de Fiofioli (onde deveriam ter sido os autores da flagelação ao Dest H), tendo-lhes causado baixas.
A mata foi batida durante cerca de 10 horas em todos os sentidos. Previa-se no entanto voltar a batê-la no dia seguinte na direcção Oeste-Leste. Ma o mito do Fiofioli desaparecera na mentalidade dos nossos soldados. A mata do Fiofioli fora um tigre de papel.
____
Notas do editor:
(*) Julgo tratar-se de gralha do escriturário-dactilógrafo ou erro de leitura do original, manuscrito. Brima Dico não é nome de guinéu. Deve ser Braima Seco. L.G.
(**) vd. as partes anteriormente publicadas neste blogue:
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
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Guiné 63/74 - P262: Efemérides: Homenagem de Fafe aos seus 37 combatentes, mortos na guerra do ultramar (Américo Marques)
Guiné > Gabu > Cansissé > 3ª CART do BART 6523 > Junho de 1974 >
A guerra acabou! Os soldados do destacamento de Cansissé, entre Bafatá e Nova Lamego, junto ao Rio Corubal, confraternizam com guerrilheiros do PAIGC e com a população local (fulas e mandingas)... Era o fim de mais de 11 anos de pesadelo.
© Américo Marques (2005)
Texto do Américo Marques (ex-soldado de transmissões da 3ª CART do BART 6523, Cansissé, na região do Gabu, entre Junho de 1973 / Setembro de 1974)
Caro Camarada Luis,
No passado sábado, estive em Fafe a assistir à cerimónia de apresentação de um monumento em bronze, representando um combatente da guerra do ultramar, com o equipamento a rigor e com a expressão (bem conseguida pela escultora) de grande concentração e talvez de sofrimento.
No momento solene, houve o lembrar dos mortos em combate: 37 no concelho de Fafe, nas três frenbtes (Angola, Guiné e Moçambique). E foram nomeados um por um. Tenho a dizer-te que os meus olhos naquele momento ficaram bastante molhados!
Aconselho a ir ver o nonumento, localizado na Av. Brasil.
Na cerimónia esteve um representante do Ministério da Defesa e muitos ex-combatentes, incluindo um meu irmão que esteve na Guiné 1961/63 (corneteiro), nas localidades de S. Domingos e Teixeira Pinto. Fez a a viagem no “Ana Mafalda”. Este é um o avô dos veteranos.
Um abraço para todos,
Américo Marques.
Nota de L.G.:
(i) Obrigado, Américo, em nome da nossa tertúlia. Julgo que, por detrás desta iniciativa do município de Fafe, está também o meu amigo Jaime Marques da Silva Bonifácio, professor de educação física, antigo vereador do desporto e cultura, natural da Lourinhã, ex-alferes miliciano paraquedista em Angola por volta de 1969/71;
(ii) Já agora diz-me quantos soldados de Fafe morreram na Guiné...
A guerra acabou! Os soldados do destacamento de Cansissé, entre Bafatá e Nova Lamego, junto ao Rio Corubal, confraternizam com guerrilheiros do PAIGC e com a população local (fulas e mandingas)... Era o fim de mais de 11 anos de pesadelo.
© Américo Marques (2005)
Texto do Américo Marques (ex-soldado de transmissões da 3ª CART do BART 6523, Cansissé, na região do Gabu, entre Junho de 1973 / Setembro de 1974)
Caro Camarada Luis,
No passado sábado, estive em Fafe a assistir à cerimónia de apresentação de um monumento em bronze, representando um combatente da guerra do ultramar, com o equipamento a rigor e com a expressão (bem conseguida pela escultora) de grande concentração e talvez de sofrimento.
No momento solene, houve o lembrar dos mortos em combate: 37 no concelho de Fafe, nas três frenbtes (Angola, Guiné e Moçambique). E foram nomeados um por um. Tenho a dizer-te que os meus olhos naquele momento ficaram bastante molhados!
Aconselho a ir ver o nonumento, localizado na Av. Brasil.
Na cerimónia esteve um representante do Ministério da Defesa e muitos ex-combatentes, incluindo um meu irmão que esteve na Guiné 1961/63 (corneteiro), nas localidades de S. Domingos e Teixeira Pinto. Fez a a viagem no “Ana Mafalda”. Este é um o avô dos veteranos.
Um abraço para todos,
Américo Marques.
Nota de L.G.:
(i) Obrigado, Américo, em nome da nossa tertúlia. Julgo que, por detrás desta iniciativa do município de Fafe, está também o meu amigo Jaime Marques da Silva Bonifácio, professor de educação física, antigo vereador do desporto e cultura, natural da Lourinhã, ex-alferes miliciano paraquedista em Angola por volta de 1969/71;
(ii) Já agora diz-me quantos soldados de Fafe morreram na Guiné...
Guiné 63/74 - P261: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
A Op Lança Afiada foi talvez uma das maiores e mais dramáticas operações terrestres que se realizou na Guiné, ou pelo menos na Zona Leste, quer pelo número de efectivos envolvidos (cerca de 1300 homens, sendo cerca de 800 militares mais 380 carregados, enquadrados por 100 milícias), quer pelo número elevado de heli-evacuações (cerca de 120), devido não tanto a baixas provocadas pelo IN como sobreudo a casos de fadiga extrema, insolação, doença e ataque de abelhas.
Esta operação, em que as NT varreram toda a região da margem direita do Rio Corubal, entre este rio e a linha Xime-Xitole, durante 11 dias (de 8 a 19 de março de 1969), teve um impacto mais psicológico do que militar (*), apesar da destruição de importantes meios de vida e infra-estruturas, necessários à guerrilha e às populações sob o seu controlo (animais domésticos, arroz, casas, escolas, hospitais...).
Esta operação pôs à prova (e revelou os limites de resistência, física e psicológica, de) os militares portugueses, num terreno e num clima duríssimos. Basta citar uma das conclusões do relatório, que temos vindo a publicar:
"A Op Lança Afiada decorreu durante 11 dias. As temperaturas verificadas neste período foram as seguintes: Máxima à sombra – Entre 39 e 43,6 graus centígrados; Máxima ao sol – Entre 70 e 74,5 graus centígrados. Estes números são elucidativos. Por um lado justificam que um homem necessite muita água (entre 8 a 10 litros por dia). Por outro lado aconselham as NT a deslocarem-se e a actuarem ou de noite ou ao amanhecer. Entre as 11 e as 16h, o melhor é parar, se possível à sombra".
O próprio autor do relatório não se coibe de comentar:
"(...) processava-se a selecção natural: os mais fracos não resistiam à fadiga, ao calor e à deficientíssima alimentação proporcionada pelas rações de combate tipo normal. Por outro lado a falta de água era um tormento que só quem já sofreu pode avaliar".
Damos continuação à publicação do relatório da Op Lança Afiada. Parte II (**)
Fonte: Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 58-61. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf).
Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) (II parte)
(Continuação)
Damos continuação à publicação do relatório da Op Lança Afiada. Parte II (**)
Fonte: Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 58-61. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf).
Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) (II parte)
(Continuação)
5. Desenrolar da acção:
A acção desenrolou-se durante cerca de 11 dias, mais ou menos como fora planeada. Para o final houve algumas alterações determinadas superiormente.
Dia D (8 de Março de 1968)
Neste dia e no seguinte actuaram apenas os Dest do Agrupamento Tático Norte (**) (...).
Os Destacamentos (abrevidadamente, Dest A e B atacaram a área 1 (Poindon) e os seus acampamentos. Um dos destacamentos ficou emboscado enquanto o outro procurava acampamentos. Havia vestígios de a área ter sido bombardeada pela aviação várias semanas antes.
Cerca das 7h30 o Dest B foi emboscado por grupo IN, de 15 a 20 elementos. Da reacção resultaram baixas para o IN [inimigo]que perdeu também diverso material. As NT [nossas tropas] capturaram ainda três nativos que depois foram indicar vários acampamentos onde foi apreendido mais material e muito arroz. A área foi depois batida pelos dois Dest das 8h00 às 12h00, tendo o IN realizado duas flagelações às 10h00 e às 10h30.
Os Dest C e D, partindo também do Xime, passaram o Rio Buruntoni mas, em vez de baterem a área 2 (Baio-Buruntoni), desorientaram-se por ela e indo bater a área 3 (Gã Garnes). Com o PCV [posto de comando móvel] foram orientados para a área 2 quando se encontravam no extremo Oeste da área 3 e quando o Dest C já desembarcara em Ponta do Inglês (às 1H20).
Ao fim da tarde pernoitaram próximos uns dos outros, no extremo Oeste da área 2. Os Dest C e D tiveram diversos contactos ligeiros, em especial na área de Buruntoni e um na orla Oeste da área 3, tendo destruído acampamentos IN e completada a destruição de alguns anteriormente atingidos pela FA [Força Aérea].
Dia D + 1 (9 de março de 1969)
Os Dest A e B deslocaram-se de manhã da área 1 para a 2 sendo protegidos durante a travessia da larga bolanha do Rio Buruntoni pelos Dest C, D e E instalados na orla da mata oposta (área 2).
A primeira alteração consistiu em reforçar os Dest A e B com o Dest E. Assim, a área 2 passou a ser batida simultaneamente por 3 Dest em vez de 2. A área 3 (que os Dest C e D haviam achado com pouco interesse) voltou a ser batida por aqueles Dest.
As batidas foram iniciadas ainda esta tarde. Às 16h00 os Dest E e B foram à procura do acampamento de Baio (que se julgava próximo), detectando e destruindo um, com 13 casas, recentemente abandonado. Regressaram depois ao local de reabastecimento (junto à bolanha do Rio Buruntoni), onde ficara o Dest A.
A acção desenrolou-se durante cerca de 11 dias, mais ou menos como fora planeada. Para o final houve algumas alterações determinadas superiormente.
Dia D (8 de Março de 1968)
Neste dia e no seguinte actuaram apenas os Dest do Agrupamento Tático Norte (**) (...).
Os Destacamentos (abrevidadamente, Dest A e B atacaram a área 1 (Poindon) e os seus acampamentos. Um dos destacamentos ficou emboscado enquanto o outro procurava acampamentos. Havia vestígios de a área ter sido bombardeada pela aviação várias semanas antes.
Cerca das 7h30 o Dest B foi emboscado por grupo IN, de 15 a 20 elementos. Da reacção resultaram baixas para o IN [inimigo]que perdeu também diverso material. As NT [nossas tropas] capturaram ainda três nativos que depois foram indicar vários acampamentos onde foi apreendido mais material e muito arroz. A área foi depois batida pelos dois Dest das 8h00 às 12h00, tendo o IN realizado duas flagelações às 10h00 e às 10h30.
Os Dest C e D, partindo também do Xime, passaram o Rio Buruntoni mas, em vez de baterem a área 2 (Baio-Buruntoni), desorientaram-se por ela e indo bater a área 3 (Gã Garnes). Com o PCV [posto de comando móvel] foram orientados para a área 2 quando se encontravam no extremo Oeste da área 3 e quando o Dest C já desembarcara em Ponta do Inglês (às 1H20).
Ao fim da tarde pernoitaram próximos uns dos outros, no extremo Oeste da área 2. Os Dest C e D tiveram diversos contactos ligeiros, em especial na área de Buruntoni e um na orla Oeste da área 3, tendo destruído acampamentos IN e completada a destruição de alguns anteriormente atingidos pela FA [Força Aérea].
Dia D + 1 (9 de março de 1969)
Os Dest A e B deslocaram-se de manhã da área 1 para a 2 sendo protegidos durante a travessia da larga bolanha do Rio Buruntoni pelos Dest C, D e E instalados na orla da mata oposta (área 2).
A primeira alteração consistiu em reforçar os Dest A e B com o Dest E. Assim, a área 2 passou a ser batida simultaneamente por 3 Dest em vez de 2. A área 3 (que os Dest C e D haviam achado com pouco interesse) voltou a ser batida por aqueles Dest.
As batidas foram iniciadas ainda esta tarde. Às 16h00 os Dest E e B foram à procura do acampamento de Baio (que se julgava próximo), detectando e destruindo um, com 13 casas, recentemente abandonado. Regressaram depois ao local de reabastecimento (junto à bolanha do Rio Buruntoni), onde ficara o Dest A.
Às 17h30, o Dest B saiu novamente e detectou mais dois acampamentos, um deles com escola.
O IN continuou a aparecer disseminado em pequenos grupos, um dos quais às 07h00 flagelou os Dest C, D e E com LGFog e Mort 82, de longe e sem consequências.
Dia D + 2 (10 de março de 1969)
Os Dest A, B e E bateram minuciosamente a área 2 enquanto os C e D batiam a área 3. Ao fim da tarde o Dest E largou os A e B, guiado pelo PCV, voltou a juntar-se aos C e D conforme fora previsto inicialmente.
A batida da área 2 pareceu bastante eficiente tendo todos os Dest destruído diversos acampamentos e uma grande escola, denominada "escola do Baio". Os B e E capturaram também material de guerra IN.
Começou nesse dia a actuação dos Dest F e G (saídos de Mansambo) e H e I (saídos do Xitole), todos pertencentes ao Agrupamento Táctico Sul (…).
Os Dest F e G bateram a área 11 (Galoiel-Bissari), descendo pela margem direita do Rio Samba Uriel sem nada detectarem. Dirigiram-se para junto da foz do Rio Bissari tendo o Dest F ficado emboscado enquanto o G passava à área 10 (Galo Corubal – Satecuta) em reforço dos Dest H e I que batiam a zona de Galo-Corubal.
A missão do Dest F era, por um lado, impedir qualquer reforço do IN vindo de Mina e Gã Júlio e, por outro, impedir a fuga do IN ou de população da área 10 para a área 9 (Mina-Gã Júlio).
Neste dia o IN fez uma pequena flagelação ao Dest F, cerca das 20h00, em (XIME 5D1) (margem do Rio Samba Uriel).
Dia D+3 (11 de março de 1969)
Partidos da área 2, os Dest A e B chegaram a Madina Tenhegi (área 6) às 13H00, sem novidade e sem nada terem encontrado.
Os Dest C, D e E, partidos da área 3, chegaram à área 4 (Ponta Luís Dias), à mesma hora. O Dest D teve dois contactos ligeiros com pequenos grupos IN, fazendo 1 prisioneiro. Juntamente com o C, destruíram um acampamento IN em (Xime 3B6) com cerca de 100 casas, além de muito arroz.
Outros dois acampamentos forma destruídos em (Fulacunda 8I5) e (Fulacunda 8I6), um deles dotado de abrigos acimentados recém-iniciados. O Dest D capturou material de guerra IN.
Às 9h00, o Dest F foi emboscado junto à foz do Rio Bissari, sofrendo seis feridos mas fazendo baixas confirmadas ao IN. Durante a evacuação dos feridos, pelas 11h25, o IN fez uma morteirada sem consequências.
Os Dest G, H e I continuaram a batida à área 10. O Dest H que seguia junto ao tarrafo do Corubal capturou uns 1500 sacos com material de guerra que o IN se preparava para passar para a outra margem durante a noite (ou lá deixara na noite anterior). Este Dest e o I foram flagelados às 16H30 próximo de Dando sofrendo um ferido grave (milícia).
Tornou-se evidente neste dia que, tal como se previra, o IN estava aproveitando as noites para passar o [Rio] Corubal com armas, bagagens e população válida.
A inexistência de tropas nossas montando emboscadas na outra margem facilitava esta manobra do IN, manobra que foi objecto de um comentário especial no RELIM deste dia.
Também neste dia o número de evacuações das NT atingia o auge pois só o Agrupamento Sul evacuou 24 homens, na maior parte insolados e doentes. Por um lado, processava-se a selecção natural: os mais fracos não resistiam à fadiga, ao calor e à deficientíssima alimentação proporcionada pelas rações de combate tipo normal. Por outro lado, a falta de água era um tormento que só quem já sofreu pode avaliar.
Verificava-se também um deficiente apoio aéreo pois os reabastecimentos não se faziam e obrigavam as FT [Forças Terrestres] a aguardar horas seguidas. Além disso os meios aéreos existentes não davam vazão aos recomplementos, tornados frequentes dado o grande número de evacuados. Notava-se também falta de "rodagem" e coordenação, como depois se verificou. Estas demoras fizeram com que se previsse que a Operação tivesse que demorar mais um dia do que o planeado.
(Continua)
________
Notas do editor:
O IN continuou a aparecer disseminado em pequenos grupos, um dos quais às 07h00 flagelou os Dest C, D e E com LGFog e Mort 82, de longe e sem consequências.
Dia D + 2 (10 de março de 1969)
Os Dest A, B e E bateram minuciosamente a área 2 enquanto os C e D batiam a área 3. Ao fim da tarde o Dest E largou os A e B, guiado pelo PCV, voltou a juntar-se aos C e D conforme fora previsto inicialmente.
A batida da área 2 pareceu bastante eficiente tendo todos os Dest destruído diversos acampamentos e uma grande escola, denominada "escola do Baio". Os B e E capturaram também material de guerra IN.
Começou nesse dia a actuação dos Dest F e G (saídos de Mansambo) e H e I (saídos do Xitole), todos pertencentes ao Agrupamento Táctico Sul (…).
Os Dest F e G bateram a área 11 (Galoiel-Bissari), descendo pela margem direita do Rio Samba Uriel sem nada detectarem. Dirigiram-se para junto da foz do Rio Bissari tendo o Dest F ficado emboscado enquanto o G passava à área 10 (Galo Corubal – Satecuta) em reforço dos Dest H e I que batiam a zona de Galo-Corubal.
A missão do Dest F era, por um lado, impedir qualquer reforço do IN vindo de Mina e Gã Júlio e, por outro, impedir a fuga do IN ou de população da área 10 para a área 9 (Mina-Gã Júlio).
Neste dia o IN fez uma pequena flagelação ao Dest F, cerca das 20h00, em (XIME 5D1) (margem do Rio Samba Uriel).
Dia D+3 (11 de março de 1969)
Partidos da área 2, os Dest A e B chegaram a Madina Tenhegi (área 6) às 13H00, sem novidade e sem nada terem encontrado.
Os Dest C, D e E, partidos da área 3, chegaram à área 4 (Ponta Luís Dias), à mesma hora. O Dest D teve dois contactos ligeiros com pequenos grupos IN, fazendo 1 prisioneiro. Juntamente com o C, destruíram um acampamento IN em (Xime 3B6) com cerca de 100 casas, além de muito arroz.
Outros dois acampamentos forma destruídos em (Fulacunda 8I5) e (Fulacunda 8I6), um deles dotado de abrigos acimentados recém-iniciados. O Dest D capturou material de guerra IN.
Às 9h00, o Dest F foi emboscado junto à foz do Rio Bissari, sofrendo seis feridos mas fazendo baixas confirmadas ao IN. Durante a evacuação dos feridos, pelas 11h25, o IN fez uma morteirada sem consequências.
Os Dest G, H e I continuaram a batida à área 10. O Dest H que seguia junto ao tarrafo do Corubal capturou uns 1500 sacos com material de guerra que o IN se preparava para passar para a outra margem durante a noite (ou lá deixara na noite anterior). Este Dest e o I foram flagelados às 16H30 próximo de Dando sofrendo um ferido grave (milícia).
Tornou-se evidente neste dia que, tal como se previra, o IN estava aproveitando as noites para passar o [Rio] Corubal com armas, bagagens e população válida.
A inexistência de tropas nossas montando emboscadas na outra margem facilitava esta manobra do IN, manobra que foi objecto de um comentário especial no RELIM deste dia.
Também neste dia o número de evacuações das NT atingia o auge pois só o Agrupamento Sul evacuou 24 homens, na maior parte insolados e doentes. Por um lado, processava-se a selecção natural: os mais fracos não resistiam à fadiga, ao calor e à deficientíssima alimentação proporcionada pelas rações de combate tipo normal. Por outro lado, a falta de água era um tormento que só quem já sofreu pode avaliar.
Verificava-se também um deficiente apoio aéreo pois os reabastecimentos não se faziam e obrigavam as FT [Forças Terrestres] a aguardar horas seguidas. Além disso os meios aéreos existentes não davam vazão aos recomplementos, tornados frequentes dado o grande número de evacuados. Notava-se também falta de "rodagem" e coordenação, como depois se verificou. Estas demoras fizeram com que se previsse que a Operação tivesse que demorar mais um dia do que o planeado.
(Continua)
________
Notas do editor:
(*) Vd. post de 31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)
(**) Vd. post de 15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
(**) Vd. post de 15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
terça-feira, 8 de novembro de 2005
Guiné 63/74 - P260: Crianças de Farim ou como o mundo é pequeno (3) (Marques Lopes)
Anízio Indami, 22 anos, natural de Farim, estudante em S. Paulo...
Foto de 25 de Outubro de 2005.
Fonte: Fotolog do Indami.
1. Texto do A. Marques Lopes, com um título muito bonito:
O futuro da esperança...
Caros camaradas:
Enviei-vos ontem (isto é, já era hoje...) a última missiva do Indami, onde ele identificava os outros miúdos das fotografias. E é, como diz o Afonso Ferreira Sousa, «simplesmente maravilhoso ! Uma prova do que é esta extraordinária comunicação electrónica que aproxima povos e mundos. Coisas dos tempos !..."
E, nessa linha, eu junto o de como é importante esta comunicação para sedimentarmos o sentimento vital de que não estamos sós, na amizade, na solidariedade, na ajuda mútua. Para o Indami, já numa fase mais avançada da sua construção, e para aquelas crianças de Farim e para todas as outras da Guiné-Bissau, é um factor muito importante para alimentarem o futuro da sua esperança actual de uma vida melhor, para que essa esperança não morra.
Por isso, ainda não me tinha manifestado, estou de acordo em colaborar com a AD do Carlos Schwarz naquilo que puder, também na perspectiva do Humberto Reis. Mas parece-me que o Carlos Schwartz indicou já um bom caminho para isso.
Mandei-vos a missiva completa do Indami, precisamente para verificarem como é importante para a juventude guineense o mínimo gesto de amizade e de incentivo. É evidente naquilo que ele escreveu. Se lhe quizerem falar pelo "celular" (o cara está falando já brasileiro)... A propósito, acho que o Luís, se quiser acrescentar alguma coisa sobre isto ao blogue, não vai divulgar o "celular". Entre nós não haverá problemas, mas poderá haver com uma divulgação maior....
O Indami tem um blogue, muito incipiente ainda, mas podem visitá-lo para ver como é o rapaz (colocou lá uma das fotografias que lhe enviei, não as das crianças mas outra). O blogue (ou melhor, flog) chama-se o Fotolog do Indami.
Não é fácil a vida no Brasil, sociedade dita multirracial, constituída com gentes de várias origens e raças, de facto, mas com grandes discrepâncias e fossos sociais resultante de um racismo secular, não já institucionalizado abertamente mas implícito na prática soft (e nem sempre) dos poderosos e do dinheiro. Tenho alguns exemplos disso, pois tive, durante algum tempo, um brasileiro aboletado em minha casa. Há que dar ânimo ao Indami.
Abraços
A. Marques Lopes
2. Mensagem do A. Marques ao Indami (já divulgada pela nossa tertúlia):
Meu amigo Indami:
Já vi o teu flog e deixei uma mensagem. Sobre ele tenho duas coisas a perguntar-te, fruto da minha ignorância, claro:~
- O que é que quer dizer "Djagrás!!"? e "Kumus din din Bankô"? e "Lambé Garandi!"? é crioulo?
- O flog é só para fotografias? não podes lá falar sobre ti e sobre a tua terra?
Volto a perguntar-te qual a melhor hora para te falar pela seguinte razão: é que há cerca de seis horas de diferença entre Portugal e o Brasil e eu não quero que o teu telemóvel (em Portugal chamamos assim ao celular dos brasileiros...) toque quando estás nas aulas ou quando estás a dormir. Deve haver alturas em que estás mais livre para isso...
Sei que a vida no Brasil não é nada fácil, pois tenho em minha casa um brasileiro primo da minha mulher que veio daí para procurar trabalho em Portugal (que também não está bom) e ele tem-me contado coisas das dificuldades que se passam nesse país. Não sei se é o teu caso, mas até aqui em Portuigal os guineenses que têm bolsas de estudo do governo guineense têm tido problemas, pois o dinheiro não chega ou chega tarde. Deve ser difícil, sei, mas tu e os outros jovens que estão a estudar são o futuro da Guiné-Bissau, o futuro da esperança do povo guineense. Desculpa este desabafo, pois tu sabes isso muito bem. É apenas o desabafo de um estrangeiro que ama a Guiné e o seu maravilhoso povo.
Já falei aos meus amigos, os que também passaram pela Guiné, que tu tinhas conhecido e identificado as crianças nas fotografias que eu te mandei. Disse-lhes mesmo os nomes delas. Foi um espanto e uma satisfação muito grande por esta maravilha da tecnologia fazer aproximar as pessoas. E criar também amizades. Pois, caro Indami, tenho muito gosto em seres guineense e seres meu amigo.
Quando vieres a Portugal, ou por cá passares (não vais de férias à Guiné-Bissau?) terei todo o gosto em encontrar-me contigo. Eu sou do Alentejo, uma das terras mais pobres no sul de Portugal, mas vivo actualmente no norte, perto do Porto. Mas, se alguma vez passares por Portugal diz-me e arranjaremos encontar-nos.
Grande abraço do amigo
A. Marques Lopes
Guiné 63/74 - P259: Crianças de Farim ou como o mundo é pequeno (2) (Afonso Sousa / Marques Lopes)
1. Comentário do Afonso M. F. Sousa, que foi furriel miliciano de transmissões na CART 2412, e que esteve na região do Cacheu (Bigene, Binta, Guidage e Barro) entre Agosto de 1968 e Maio de 1970:
Quase incrível! Fotografar alguém que apareceu espontaneamente à frente da máquina, em 1998, em Farim...
Hoje, sete anos depois, alguém que nasceu naquela terra da Guiné, pede a ex-militares portugueses que lhe falem da sua Farim.
E o que acontece ? Responde-lhe o António Marques Lopes (coronel na reserva) e envia-lhe duas fotografias de Farim.
Resultado: numa delas está um rapaz, de nome Alen, que é, nem mais nem menos, o afilhado deste senhor que queria saber coisas da sua terra.
Simplesmente maravilhoso! Uma prova do que é esta extraordinária comunicação electrónica que aproxima povos e mundos.
Coisas dos tempos !...
(Desculpem esta recapitulação que apenas teve o objectivo de dar a conhecer este episódio a outros amigos).
Fiquem todos bem.
Afonso Sousa
____
Nota: Passei por Farim, em finais de 1968, depois de termos assentado arraiais em Binta e antes de partirmos para Guidage. Mas apenas estivemos lá numa visita rápida. Éramos periquitos na altura. Então pensei naquela Farim que já tínhamos ouvido falar na escola primária, mas fiquei um tanto desiludido!
____
2. Texto do A. Marques Lopes > Ainda o O Anízio...
Olhem o que ele me escreveu hoje:
"Olá, querido amigo Marques!!
"O meu numero de Celular é (...). Podes ligar a qualquer momento que puder. O nome do meu afilhado é Alen, é isso mesmo você não esqueceu. E a menina da camisa é a irmã mais velha dele,ela se chama Fernanda(mais conhecida como Nanda); a outra é a Bebé,também irmã dele.
"Você acertou em cheio mesmo, sobre a minha idade [eu tinha-lhe perguntado se ele não estaria em Farim, em 1998, com 15 anos]. Na altura eu tinha 15 anos mesmo, pois foi no período da guerra civil, e naquele preciso momento eu estava também na cidade de Farim, estudei lá a 9ª classe. Depois da guerra, fui terminar o ensino complementar em Bissau.
"Falando verdade, eu não consigo me sentir bem em nenhum lugar como em Farim. Adoro aquela cidade... Espero, e tenho a certeza que Deus vai me ajudar a concretizar os meus sonhos [já me tinha dito que pensava voltar para ajudar a sua terra]. E estou sentindo isso cada dia que passa, embora enfrentando monte de dificuldades.
"Bom,vou estar aguardando a sua telefonema.
"Um forte abraço do seu grandíssimo amigo, Anízio"
3. Comentário de L.G.:
Agora aqui está uma história bonita e que acaba em bem. Pelo menos, para já. Todos nós, que pertencemos a esta tertúlia de amigos e camaradas, tendo por único ponto em comum a Guiné e o que ela representa (ou representou) para nós, sentimos uma pontinha de orgulho e de satisfação por também podermos contribuir para aproximar os guineenses da diáspora da sua terra, das suas gentes.
Não somos um mero clube de saudosistas ou de ex-combatentes ainda a contas com a liquidação dos fantasmas da guerra e do império colonial português.... Não, somos seres solidários e atentos às dificuldades, aos problemas e aos dramas dos nossos amigos da Guiné. Não é fácil (sobre)viver na Guiné, um dos países mais pobres do mundo. Mas também não é fácil a um guineense (sobre)viver fora da sua terra. Podemos ajudar este jovem, o Anízio, de muitas maneiras. Uma das mais efectivas é manter viva a sua relação umbilical com a sua terra e as suas gentes. Este blogue pode ajudá-lo. Seria bom que ele integrasse a nossa tertúlia. A decisão é dele e dos restantes tertulianos...
Quase incrível! Fotografar alguém que apareceu espontaneamente à frente da máquina, em 1998, em Farim...
Hoje, sete anos depois, alguém que nasceu naquela terra da Guiné, pede a ex-militares portugueses que lhe falem da sua Farim.
E o que acontece ? Responde-lhe o António Marques Lopes (coronel na reserva) e envia-lhe duas fotografias de Farim.
Resultado: numa delas está um rapaz, de nome Alen, que é, nem mais nem menos, o afilhado deste senhor que queria saber coisas da sua terra.
Simplesmente maravilhoso! Uma prova do que é esta extraordinária comunicação electrónica que aproxima povos e mundos.
Coisas dos tempos !...
(Desculpem esta recapitulação que apenas teve o objectivo de dar a conhecer este episódio a outros amigos).
Fiquem todos bem.
Afonso Sousa
____
Nota: Passei por Farim, em finais de 1968, depois de termos assentado arraiais em Binta e antes de partirmos para Guidage. Mas apenas estivemos lá numa visita rápida. Éramos periquitos na altura. Então pensei naquela Farim que já tínhamos ouvido falar na escola primária, mas fiquei um tanto desiludido!
____
2. Texto do A. Marques Lopes > Ainda o O Anízio...
Olhem o que ele me escreveu hoje:
"Olá, querido amigo Marques!!
"O meu numero de Celular é (...). Podes ligar a qualquer momento que puder. O nome do meu afilhado é Alen, é isso mesmo você não esqueceu. E a menina da camisa é a irmã mais velha dele,ela se chama Fernanda(mais conhecida como Nanda); a outra é a Bebé,também irmã dele.
"Você acertou em cheio mesmo, sobre a minha idade [eu tinha-lhe perguntado se ele não estaria em Farim, em 1998, com 15 anos]. Na altura eu tinha 15 anos mesmo, pois foi no período da guerra civil, e naquele preciso momento eu estava também na cidade de Farim, estudei lá a 9ª classe. Depois da guerra, fui terminar o ensino complementar em Bissau.
"Falando verdade, eu não consigo me sentir bem em nenhum lugar como em Farim. Adoro aquela cidade... Espero, e tenho a certeza que Deus vai me ajudar a concretizar os meus sonhos [já me tinha dito que pensava voltar para ajudar a sua terra]. E estou sentindo isso cada dia que passa, embora enfrentando monte de dificuldades.
"Bom,vou estar aguardando a sua telefonema.
"Um forte abraço do seu grandíssimo amigo, Anízio"
3. Comentário de L.G.:
Agora aqui está uma história bonita e que acaba em bem. Pelo menos, para já. Todos nós, que pertencemos a esta tertúlia de amigos e camaradas, tendo por único ponto em comum a Guiné e o que ela representa (ou representou) para nós, sentimos uma pontinha de orgulho e de satisfação por também podermos contribuir para aproximar os guineenses da diáspora da sua terra, das suas gentes.
Não somos um mero clube de saudosistas ou de ex-combatentes ainda a contas com a liquidação dos fantasmas da guerra e do império colonial português.... Não, somos seres solidários e atentos às dificuldades, aos problemas e aos dramas dos nossos amigos da Guiné. Não é fácil (sobre)viver na Guiné, um dos países mais pobres do mundo. Mas também não é fácil a um guineense (sobre)viver fora da sua terra. Podemos ajudar este jovem, o Anízio, de muitas maneiras. Uma das mais efectivas é manter viva a sua relação umbilical com a sua terra e as suas gentes. Este blogue pode ajudá-lo. Seria bom que ele integrasse a nossa tertúlia. A decisão é dele e dos restantes tertulianos...
segunda-feira, 7 de novembro de 2005
Guiné 63/74 - P258: Crianças de Farim ou como o mundo é pequeno (1) (Marques Lopes)
Texto do A. Marques Lopes, ex-Alf Mil da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968), hoje Coronel, DAF, na reforma:
Caros camaradas tertulianos:
Talvez o mundo seja pequeno, de facto. Mas eu também acho que os nossos horizontes são largos, e tal se devem manter.
Contactei, via e-mail, o Anizio Indami [estudante, 22 anos, natural de Farim, a frequentar a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, Brasil], dizendo-lhe que os nossos tertulianos estavam prontos para lhe falar de Farim, os que dela soubessem alguma coisa. No meu caso, disse-lhe que nunca tinha passado por lá, a não ser em 1998.
A propósito, mandei-lhe duas fotografias com crianças de Farim, tiradas na altura. Respondeu-me hoje, encantado e comovido por ver que aquela criança que está em primeiro plano, de calções com listas vermelhas, é o seu afilhado Alen, que não vê há anos!
Valeu a pena.
Abraços
A. Marques Lopes
Fotos: Crianças de Farim (1998)
© A. Marques Lopes (2005)
Caros camaradas tertulianos:
Talvez o mundo seja pequeno, de facto. Mas eu também acho que os nossos horizontes são largos, e tal se devem manter.
Contactei, via e-mail, o Anizio Indami [estudante, 22 anos, natural de Farim, a frequentar a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, Brasil], dizendo-lhe que os nossos tertulianos estavam prontos para lhe falar de Farim, os que dela soubessem alguma coisa. No meu caso, disse-lhe que nunca tinha passado por lá, a não ser em 1998.
A propósito, mandei-lhe duas fotografias com crianças de Farim, tiradas na altura. Respondeu-me hoje, encantado e comovido por ver que aquela criança que está em primeiro plano, de calções com listas vermelhas, é o seu afilhado Alen, que não vê há anos!
Valeu a pena.
Abraços
A. Marques Lopes
Fotos: Crianças de Farim (1998)
© A. Marques Lopes (2005)
Guiné 63/4 - P257: Antologia (23): Homenagem aos nossos marinheiros e às suas Lanchas de Desembarque (Jorge Santos)
A Marinha Portuguesa procedeu à monumentalização da LDM 119, construída em 1973 no Arsenal do Alfeite e abatida em 1997, em homenagem às guarnições das Lanchas de Desembarque que serviram em África (10961/74).
O monumento foi erigido, em 2005, na Base Naval de Lisboa, à entrada da Base de Fuzileiros.
Fonte: © Revista da Armada (2005)
O Jorge Santos, sempre atento ao que se escreve sobre a guerra no ultramar, fez-me chegar um excerto do último número da Revista da Armada (nº 391, Novembro de 2005, p. 15), com uma reportagem em que se relata a homenagem, feita pela Marinha Portuguesa, em 16 de Setembro último, a todos os Marinheiros que em África (1961 - 1974) serviram nas Lanchas de Desembarque, tendo-se implantado para tal uma LDM na vizinhança da unidade operacional dos Fuzileiros, "tropa especial que conheceu como ninguém o esforço e o valor das tripulações das LDM".
Desse número da excelente Revista da Armadada publicamos, com a devida vénia, dois excertos, da autoria do comandante de fragata, na reserva, Abel Melo e Sousa. É, também da parte da nossa tertúlia, uma pequena homenagem aos valentes marinheiros que conhecemos na Guiné.
1. As Lanchas de Desembarque Pequenas e Médias
O arranque das primeiras unidades de fuzileiros, na sequência do eclodir da guerra em África em 1961, veio criar a necessidade da construção de lanchas de desembarque. Depois de adquiridas algumas embarcações em segunda mão, foram adquiridos os planos de construção das lanchas utilizadas no último conflito mundial, e desenvolvidos os projectos de execução em estaleiros nacionais.
Foram construídos então três modelos de lanchas: pequenas (LDP), médias (LDM) e grandes (LDG), estas últimas fora do contexto deste artigo. As classes pequenas abrangeram as classes LDP 100, LDP 200 e LDP 300. Nas lanchas médias foram criadas as classes LDM 100, LDM 200, LDM 300 e LDM 400. No total foram, entre 1961 e 1976, construídas 26 LDP e 65 LDM, o que para a altura se podia considerar um esforço verdadeiramente excepcional.
A sua distribuição pelo Ultramar foi a seguinte: Guiné - 51, Angola - 15 e Moçambique - 7, ficando algumas na Metrópole para treino dos fuzileiros. As LDM dispunham de uma peça Oerlinkon Mk II de 20 mm e duas metralhadoras MG 42, a sua velocidade máxima era na ordem dos 9 nós e podiam transportar uma força de 80 homens.
O esforço de guerra para estas lanchas, nos três teatros ultramarinos, atingiu a sua maior expressão na Guiné, não só pelo maior volume de patrulhas e acções, mas também porque registaram as únicas baixas em combate. Dada a especificidade daquela ex-província – recortada por inúmeros rios – as lanchas eram primordiais na ligação entre os diversos pontos do território, essenciais no patrulhamento e fiscalização das vias fluviais, e insubstituíveis em desembarques operacionais de unidades militares. Uma das mais nobres missões destes pequenos grandes navios consistia ainda no apoio logístico às unidades militares estacionadas fora de Bissau, que não teriam sobrevivido sem as suas visitas regulares, muitas vezes integradas em comboios civis de reabastecimento.
LDM 302, um caso raro
Na Guiné destaque ainda para a LDM 302, que registou oito ataques graves durante a sua vida. Os dois primeiros verificaram-se em 1964, sem consequências, ocorrendo nova flagelação em 1965, da qual resultaram 30 impactes no costado, não se registando baixas no seu pessoal, para o que muito contribuiu a resposta imediata e eficiente da sua guarnição. Nesse ano foi atacada de novo por mais duas vezes, sendo na última feridos 10 militares de uma unidade do Exército embarcada na lancha.
No dia 16 de Dezembro de 1967 foi atacada e afundada no rio Cacheu, incidente que ocasionou a morte do seu patrão, MAR M Domingos Lopes Medeiros, e do GRT A Manuel Santos Carvalho. Foram ambos condecorados a título póstumo na cerimónia do 10 de Junho de 1968, com a medalha de Cruz de Guerra de 3ª classe.
Trazida à superfície, a LDM 302 foi reparada em Bissau, e posta de novo a navegar. Logo no primeiro cruzeiro, seis meses depois e no mesmo local onde tinha sido anteriormente atacada - Porto Coco, no rio Cacheu - foi de novo atingida com violência, o que teve como consequência a morte do GRT A António Manuel, e ferimentos noutra praça.
De novo reparada, a lancha já não voltou mais ao Cacheu, passando a actuar no rio Grande de Buba, onde mais uma vez sofreu em Fevereiro de 1969 novo ataque, que causaram três feridos. Seria abatida em 30 de Novembro de 1972.
Abel Melo e Sousa
CFR RES
2. Cabo M Pereira, um patrão exemplar
Ainda hoje recordo o Cabo M Pereira, que me apareceu na Base de Patrulhas de Ganturé na Guiné, com a sua LDM 113. Tinha pouco mais de quatro meses de permanência naquela ex-Província, e vinha fazer o primeiro cruzeiro no rio Cacheu. Como Imediato do Destacamento de Fuzileiros Especiais Nº 1 (DFE1), fiz-lhe um «briefing» da zona, tendo efectuado com ele algumas patrulhas no rio para o inteirar das zonas mais perigosas. Dias depois lá fez o seu cruzeiro Cacheu acima, mas no regresso, em 7 de Agosto de 1973 já perto de Ganturé. é atacado numa clareira por fogo IN. Em poucos minutos chegámos à LDM 113, onde fomos encontrar o patrão e outra praça gravemente feridos. Socorridos que foram os sinistrados, de imediato foram conduzidos para o local onde os esperavam a evacuação aérea. O CAB M Pereira haveria de se despedir desta vida nos meus braços, enquanto que seis dias depois o MAR CM Silva veio igualmente a falecer em Bissau.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime> 1969:
A LDG (Lancha de Desembarque Grande) 105 pronta a descarregar mais um contingente de tropas no cais do Xime, a caminho da Zona leste.
Ou, como diz o fotógrafo de serviço, "LDG a abicar no cais do Xime em Novembro de 1969 com mais uma carga de carne para canhão"
© Humberto Reis (2005)
É de elementar justiça transcrever o louvor dado em 21 de Setembro de 1973, pelo então Comandante da Esquadrilha de Lanchas da Guiné, 1º Tenente António Maria Catarino da Silva: «Após cerca de cinco meses em serviço na Província da Guiné faleceu em combate o patrão da LDM 113, Cabo M nº 2404 - Jorge António Pereira.
Navegava a LDM 113 num dos rios do norte da Província, quando ao atravessar uma clareira foi emboscada por forte grupo IN armado de RPG`s e armas automáticas.
O patrão da lancha Cabo M Nº 1404 Jorge António Pereira que ia ao leme deu ordem de fogo tendo a guarnição reagido de forma notável. A certa altura um RPG disparado pelo Inimigo atravessou a chapa blindada da cabine, e os estilhaços feriram o patrão mortalmente e o telegrafista com gravidade.
Cônscio da importância que o governo da lancha representava no desenrolar do combate, a última preocupação que o patrão já quase sem vida mostrou, foi entregar o governo ao Marinheiro Telegrafista que a seu lado se encontrava ferido.
Por em todas as missões que lhe foram incumbidas e particularmente na que acaba de ser relatada, ter mostrado coragem, decisão, grande espírito de sacrifício e elevada noção do dever militar, é de toda a justiça, ao abrigo do Artº 120 do RDM, louvar a Título Póstumo o Cabo M nº 2404 - Jorge António Pereira pelas excepcionais qualidades demonstradas».
A.M.S.
O monumento foi erigido, em 2005, na Base Naval de Lisboa, à entrada da Base de Fuzileiros.
Fonte: © Revista da Armada (2005)
O Jorge Santos, sempre atento ao que se escreve sobre a guerra no ultramar, fez-me chegar um excerto do último número da Revista da Armada (nº 391, Novembro de 2005, p. 15), com uma reportagem em que se relata a homenagem, feita pela Marinha Portuguesa, em 16 de Setembro último, a todos os Marinheiros que em África (1961 - 1974) serviram nas Lanchas de Desembarque, tendo-se implantado para tal uma LDM na vizinhança da unidade operacional dos Fuzileiros, "tropa especial que conheceu como ninguém o esforço e o valor das tripulações das LDM".
Desse número da excelente Revista da Armadada publicamos, com a devida vénia, dois excertos, da autoria do comandante de fragata, na reserva, Abel Melo e Sousa. É, também da parte da nossa tertúlia, uma pequena homenagem aos valentes marinheiros que conhecemos na Guiné.
1. As Lanchas de Desembarque Pequenas e Médias
O arranque das primeiras unidades de fuzileiros, na sequência do eclodir da guerra em África em 1961, veio criar a necessidade da construção de lanchas de desembarque. Depois de adquiridas algumas embarcações em segunda mão, foram adquiridos os planos de construção das lanchas utilizadas no último conflito mundial, e desenvolvidos os projectos de execução em estaleiros nacionais.
Foram construídos então três modelos de lanchas: pequenas (LDP), médias (LDM) e grandes (LDG), estas últimas fora do contexto deste artigo. As classes pequenas abrangeram as classes LDP 100, LDP 200 e LDP 300. Nas lanchas médias foram criadas as classes LDM 100, LDM 200, LDM 300 e LDM 400. No total foram, entre 1961 e 1976, construídas 26 LDP e 65 LDM, o que para a altura se podia considerar um esforço verdadeiramente excepcional.
A sua distribuição pelo Ultramar foi a seguinte: Guiné - 51, Angola - 15 e Moçambique - 7, ficando algumas na Metrópole para treino dos fuzileiros. As LDM dispunham de uma peça Oerlinkon Mk II de 20 mm e duas metralhadoras MG 42, a sua velocidade máxima era na ordem dos 9 nós e podiam transportar uma força de 80 homens.
O esforço de guerra para estas lanchas, nos três teatros ultramarinos, atingiu a sua maior expressão na Guiné, não só pelo maior volume de patrulhas e acções, mas também porque registaram as únicas baixas em combate. Dada a especificidade daquela ex-província – recortada por inúmeros rios – as lanchas eram primordiais na ligação entre os diversos pontos do território, essenciais no patrulhamento e fiscalização das vias fluviais, e insubstituíveis em desembarques operacionais de unidades militares. Uma das mais nobres missões destes pequenos grandes navios consistia ainda no apoio logístico às unidades militares estacionadas fora de Bissau, que não teriam sobrevivido sem as suas visitas regulares, muitas vezes integradas em comboios civis de reabastecimento.
LDM 302, um caso raro
Na Guiné destaque ainda para a LDM 302, que registou oito ataques graves durante a sua vida. Os dois primeiros verificaram-se em 1964, sem consequências, ocorrendo nova flagelação em 1965, da qual resultaram 30 impactes no costado, não se registando baixas no seu pessoal, para o que muito contribuiu a resposta imediata e eficiente da sua guarnição. Nesse ano foi atacada de novo por mais duas vezes, sendo na última feridos 10 militares de uma unidade do Exército embarcada na lancha.
No dia 16 de Dezembro de 1967 foi atacada e afundada no rio Cacheu, incidente que ocasionou a morte do seu patrão, MAR M Domingos Lopes Medeiros, e do GRT A Manuel Santos Carvalho. Foram ambos condecorados a título póstumo na cerimónia do 10 de Junho de 1968, com a medalha de Cruz de Guerra de 3ª classe.
Trazida à superfície, a LDM 302 foi reparada em Bissau, e posta de novo a navegar. Logo no primeiro cruzeiro, seis meses depois e no mesmo local onde tinha sido anteriormente atacada - Porto Coco, no rio Cacheu - foi de novo atingida com violência, o que teve como consequência a morte do GRT A António Manuel, e ferimentos noutra praça.
De novo reparada, a lancha já não voltou mais ao Cacheu, passando a actuar no rio Grande de Buba, onde mais uma vez sofreu em Fevereiro de 1969 novo ataque, que causaram três feridos. Seria abatida em 30 de Novembro de 1972.
Abel Melo e Sousa
CFR RES
2. Cabo M Pereira, um patrão exemplar
Ainda hoje recordo o Cabo M Pereira, que me apareceu na Base de Patrulhas de Ganturé na Guiné, com a sua LDM 113. Tinha pouco mais de quatro meses de permanência naquela ex-Província, e vinha fazer o primeiro cruzeiro no rio Cacheu. Como Imediato do Destacamento de Fuzileiros Especiais Nº 1 (DFE1), fiz-lhe um «briefing» da zona, tendo efectuado com ele algumas patrulhas no rio para o inteirar das zonas mais perigosas. Dias depois lá fez o seu cruzeiro Cacheu acima, mas no regresso, em 7 de Agosto de 1973 já perto de Ganturé. é atacado numa clareira por fogo IN. Em poucos minutos chegámos à LDM 113, onde fomos encontrar o patrão e outra praça gravemente feridos. Socorridos que foram os sinistrados, de imediato foram conduzidos para o local onde os esperavam a evacuação aérea. O CAB M Pereira haveria de se despedir desta vida nos meus braços, enquanto que seis dias depois o MAR CM Silva veio igualmente a falecer em Bissau.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime> 1969:
A LDG (Lancha de Desembarque Grande) 105 pronta a descarregar mais um contingente de tropas no cais do Xime, a caminho da Zona leste.
Ou, como diz o fotógrafo de serviço, "LDG a abicar no cais do Xime em Novembro de 1969 com mais uma carga de carne para canhão"
© Humberto Reis (2005)
É de elementar justiça transcrever o louvor dado em 21 de Setembro de 1973, pelo então Comandante da Esquadrilha de Lanchas da Guiné, 1º Tenente António Maria Catarino da Silva: «Após cerca de cinco meses em serviço na Província da Guiné faleceu em combate o patrão da LDM 113, Cabo M nº 2404 - Jorge António Pereira.
Navegava a LDM 113 num dos rios do norte da Província, quando ao atravessar uma clareira foi emboscada por forte grupo IN armado de RPG`s e armas automáticas.
O patrão da lancha Cabo M Nº 1404 Jorge António Pereira que ia ao leme deu ordem de fogo tendo a guarnição reagido de forma notável. A certa altura um RPG disparado pelo Inimigo atravessou a chapa blindada da cabine, e os estilhaços feriram o patrão mortalmente e o telegrafista com gravidade.
Cônscio da importância que o governo da lancha representava no desenrolar do combate, a última preocupação que o patrão já quase sem vida mostrou, foi entregar o governo ao Marinheiro Telegrafista que a seu lado se encontrava ferido.
Por em todas as missões que lhe foram incumbidas e particularmente na que acaba de ser relatada, ter mostrado coragem, decisão, grande espírito de sacrifício e elevada noção do dever militar, é de toda a justiça, ao abrigo do Artº 120 do RDM, louvar a Título Póstumo o Cabo M nº 2404 - Jorge António Pereira pelas excepcionais qualidades demonstradas».
A.M.S.
domingo, 6 de novembro de 2005
Guiné 63/74 - P256: Projecto Guileje (4): planta do quartel (Pepito)
Guiné-Bissau > Guileje (2005) >
Antigo aquartelamento das NT: restos de uma das várias viaturas abandonadas pelo BCAV 8350 (1972/73), quando as NT são obrigadas a retirar para Gadamael, depois de um terrível cerco de 5 dias (de 18 a 22 de Maio de 1973), efectuado pelas forças do PAIGC.
Fonte: © AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guileje (2005)
O ataque a Guileje tinha sido começado a ser preparado pelo próprio Amílcar Cabral, que incumbiu dessa missão o comandante Osvaldo Lopes da Silva, em meados de 1972. Era sua convicção de que "se este quartel cai, tudo à volta também cai".
Depois do cobarde assassinato, em Janeiro de 1973, do líder do PAIGC, são retomados os planos para atacar e tomar Guileje. Trinta anos depois, é o antigo comandante do PAIGC, o caboverdiano Osvaldo Lopes da Silva, quem diz estas palavras que calam fundo no coração de qualquer combatente: "estabelecidas as pontes emocionais entre aqueles que, em lados opostos da barricada, viveram com todo o seu ser momentos de sangue, de sofrimento e de destruição, e que hoje se dão as mãos, na construção de um mundo feito de compeensão, amizade e respeito mútuo, a história comum pode ser escrita, com objectividade, como legado às gerações vindouros" (in AD - Acção para o Desenvolvimeno > Projecto Guileje)
1. Mensagem do Carlos Schwarz:
Caro Luis Graça
Mais uma vez muito obrigado pelo envio do draft da planta do quartel, uma autêntica preciosidade, que nos vem ajudar a localizar as diferentes instalações então existentes.
Como lhe disse, agora que a época das chuvas está a chegar ao fim, vamos começar a trabalhar no duro no início do projecto [Guileje]. O ano 2006 será decisivo. Se tudo correr bem, no final do próximo ano, poderemos começar a receber todos os que queiram visitar Guileje e lá pernoitar, mesmo se ainda em condições que não serão as melhores.
Irei sempre dando-vos conhecimento do evoluir do projecto.
abraços
Carlos Schwarz
2. Resposta ao Carlos:
Caro Carlos:
Vamos ver se arranjamos alguém da engenharia militar para dar uma ajuda... Também é possível sondar a nossa Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, onde há muitos arquitectos que, em princípio, sabem destas coisas...
Para já vou lançar amanhã uma página sobre Guileje, recorrendo a algumas das vossas fotos, de modo a publicitar também o vosso projecto... Com a devida vénia, claro... A AD-Acção para o Desenvolvimento é sempre citada como fonte. Aliás, gostaria de ter depois o teu feedback em relação às legendas (que são da minha responsabilidade).
Ainda não temos ninguém, na nossa tertúlia, que tenha estado em Maio de 1973, em Guileje, aquando do seu cerco e abandono. O João Tunes conheceu Guileje, mas foi em 1970/71.
Carlos, fico à espera de notícias tuas. Contacta entretanto os nossos amigos, em Bissau: Jorge Neto (jornalista, autor do blog Africanidades) e Paulo Salgado (administrador hospitalar, cooperante, e meu antigo aluno).
Um grande abraço.
Luís Graça
Antigo aquartelamento das NT: restos de uma das várias viaturas abandonadas pelo BCAV 8350 (1972/73), quando as NT são obrigadas a retirar para Gadamael, depois de um terrível cerco de 5 dias (de 18 a 22 de Maio de 1973), efectuado pelas forças do PAIGC.
Fonte: © AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guileje (2005)
O ataque a Guileje tinha sido começado a ser preparado pelo próprio Amílcar Cabral, que incumbiu dessa missão o comandante Osvaldo Lopes da Silva, em meados de 1972. Era sua convicção de que "se este quartel cai, tudo à volta também cai".
Depois do cobarde assassinato, em Janeiro de 1973, do líder do PAIGC, são retomados os planos para atacar e tomar Guileje. Trinta anos depois, é o antigo comandante do PAIGC, o caboverdiano Osvaldo Lopes da Silva, quem diz estas palavras que calam fundo no coração de qualquer combatente: "estabelecidas as pontes emocionais entre aqueles que, em lados opostos da barricada, viveram com todo o seu ser momentos de sangue, de sofrimento e de destruição, e que hoje se dão as mãos, na construção de um mundo feito de compeensão, amizade e respeito mútuo, a história comum pode ser escrita, com objectividade, como legado às gerações vindouros" (in AD - Acção para o Desenvolvimeno > Projecto Guileje)
1. Mensagem do Carlos Schwarz:
Caro Luis Graça
Mais uma vez muito obrigado pelo envio do draft da planta do quartel, uma autêntica preciosidade, que nos vem ajudar a localizar as diferentes instalações então existentes.
Como lhe disse, agora que a época das chuvas está a chegar ao fim, vamos começar a trabalhar no duro no início do projecto [Guileje]. O ano 2006 será decisivo. Se tudo correr bem, no final do próximo ano, poderemos começar a receber todos os que queiram visitar Guileje e lá pernoitar, mesmo se ainda em condições que não serão as melhores.
Irei sempre dando-vos conhecimento do evoluir do projecto.
abraços
Carlos Schwarz
2. Resposta ao Carlos:
Caro Carlos:
Vamos ver se arranjamos alguém da engenharia militar para dar uma ajuda... Também é possível sondar a nossa Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, onde há muitos arquitectos que, em princípio, sabem destas coisas...
Para já vou lançar amanhã uma página sobre Guileje, recorrendo a algumas das vossas fotos, de modo a publicitar também o vosso projecto... Com a devida vénia, claro... A AD-Acção para o Desenvolvimento é sempre citada como fonte. Aliás, gostaria de ter depois o teu feedback em relação às legendas (que são da minha responsabilidade).
Ainda não temos ninguém, na nossa tertúlia, que tenha estado em Maio de 1973, em Guileje, aquando do seu cerco e abandono. O João Tunes conheceu Guileje, mas foi em 1970/71.
Carlos, fico à espera de notícias tuas. Contacta entretanto os nossos amigos, em Bissau: Jorge Neto (jornalista, autor do blog Africanidades) e Paulo Salgado (administrador hospitalar, cooperante, e meu antigo aluno).
Um grande abraço.
Luís Graça
Guiné 63/74 - P255: Em bom português (1): Guileje e não Guiledje (Luís Graça)
Consulta ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:
1. Pergunta:
Povoação no Sul da Guiné-Bissau, na região de Tombali, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, Guileje foi um importante aquartelamento das tropas portuguesas durante a guerra colonial.
Construído em 1964, foi sitiado e tomado pelo PAIGC em 22 de Maio de 1973. No tempo do colonialismo, escrevia-se Guileje (vd. a carta da Guiné, dos Serviços Cartográficos do Exército, 1961).
Os guineenses e os cooperantes portugueses na Guiné-Bissau têm hoje tendência para escrever Guiledje ou até Guiledge. Vd. por exemplo, a página pessoal de Fernando Casimiro (Didinho) ou a página de uma organização não-governamental como a AD - Acção para o Desenvolvimento, que tem em curso justamente o Projecto Guiledje .
Pergunto ao Ciberdúvidas: qual é a grafia correcta?
Luís Graça, Portugal
2. Resposta:
Como diz - e atestam os registos mais credíveis que cita (1) - , sempre se escreveu Guileje. Portanto, a grafia Guileje, sem o d, é a única corre(c)ta, dado que em português normal não existe grupo consonântico dj, nem tch, o modo correspondente.
Por isso, é incorre(c)to igualmente escrever "Tchecoslováquia", em vez de Checoslováquia, apesar de em checo a palavra começou por tal som, grafado C (um c com acento circunflexo invertido). Mas o som tch foi o do ch em português até ao princípio do século XIX, e ainda hoje se ouve no Norte do Portugal.
Resumindo, é mesmo assim que se deve continuar a grafar o nome desse aquartelamento das tropas portuguesas durante a guerra colonial, na Guiné-Bissau: Guileje. A corruptela do "dje" (e a do "g") pressupõe um mau domínio da ortografia da nossa língua, com outros conhecidos infelizes exemplos - como é essoutra (má) tendência (no caso, em Angola) de se ter passado a escrever com as letras Ku nomes e topónimos que em português sempre se escreveram, e escrevem, com Qu.
________
(1) Também era assim que se grafava no título do excelente documentário "De Guileje a Gadamael - o corredor da morte", da autoria do jornalista José Manuel Saraiva e do realizador Manuel Tomás, exibido no canal de televisão português SIC, em 1998.
Ciberdúvidas
11/10/2005
1. Pergunta:
Povoação no Sul da Guiné-Bissau, na região de Tombali, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, Guileje foi um importante aquartelamento das tropas portuguesas durante a guerra colonial.
Construído em 1964, foi sitiado e tomado pelo PAIGC em 22 de Maio de 1973. No tempo do colonialismo, escrevia-se Guileje (vd. a carta da Guiné, dos Serviços Cartográficos do Exército, 1961).
Os guineenses e os cooperantes portugueses na Guiné-Bissau têm hoje tendência para escrever Guiledje ou até Guiledge. Vd. por exemplo, a página pessoal de Fernando Casimiro (Didinho) ou a página de uma organização não-governamental como a AD - Acção para o Desenvolvimento, que tem em curso justamente o Projecto Guiledje .
Pergunto ao Ciberdúvidas: qual é a grafia correcta?
Luís Graça, Portugal
2. Resposta:
Como diz - e atestam os registos mais credíveis que cita (1) - , sempre se escreveu Guileje. Portanto, a grafia Guileje, sem o d, é a única corre(c)ta, dado que em português normal não existe grupo consonântico dj, nem tch, o modo correspondente.
Por isso, é incorre(c)to igualmente escrever "Tchecoslováquia", em vez de Checoslováquia, apesar de em checo a palavra começou por tal som, grafado C (um c com acento circunflexo invertido). Mas o som tch foi o do ch em português até ao princípio do século XIX, e ainda hoje se ouve no Norte do Portugal.
Resumindo, é mesmo assim que se deve continuar a grafar o nome desse aquartelamento das tropas portuguesas durante a guerra colonial, na Guiné-Bissau: Guileje. A corruptela do "dje" (e a do "g") pressupõe um mau domínio da ortografia da nossa língua, com outros conhecidos infelizes exemplos - como é essoutra (má) tendência (no caso, em Angola) de se ter passado a escrever com as letras Ku nomes e topónimos que em português sempre se escreveram, e escrevem, com Qu.
________
(1) Também era assim que se grafava no título do excelente documentário "De Guileje a Gadamael - o corredor da morte", da autoria do jornalista José Manuel Saraiva e do realizador Manuel Tomás, exibido no canal de televisão português SIC, em 1998.
Ciberdúvidas
11/10/2005
Guiné 63/74 - P254: Projecto Guileje (3): planta do aquartelamento (1966) (Luís Graça)
Planta do quartel de Guileje em 1966. Reconstituição de Nuno Rubim, coronel na reserva (e na época comandante da CCmds, de que o nosso camarada Briote era alferes miliciano).
© Nuno Rubim (2005)
1. Texto de L.G.:
Já hoje dei boas notícias, à nossa tertúlia, sobre o projecto Guileje, da ONG guineense AD-Acção para o Desenvolvimento, fundada e dirigida pelo Carlos Schwarz.
Como sabem, ele fez-nos um pedido de apoio com vista à reconstrução do quartel de Guileje, inserido num projecto mais vasto de ecoturismo (abrangendo a mata do Cantanhez) (vd post de 3 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLVII: Projecto Guileje (2): arquitecto paisagista, precisa-se! ).
Até agora os nossos tertulianos, à excepção do João Tunes, ainda não se pronunciaram sobre a ideia. Provavelmente estão à espera de mais detalhes sobre o projecto. De qualquer modo, o Carlos Shwarz passou também a ser membro da nossa tertúlia e a receber a nossa correspondência.
O nosso camarada Briote, um das "aquisições" mais recentes da nossa tertúlia (e, em contrapartida, um dos nossos camaradas de Guiné, mais velhos), e que é um tipo bem relacionado, tratou logo de pedir ajuda ao seu antigo capitão dos comandos, Nuno Rubim, hoje coronel na reserva, o qual por sua vez teve a gentileza de lhe/nos mandar um draft da planta do quartel, desenhado por ele em 1998.
Pessoas como o Briote, o Rubim e o Tunes, conheceram Guileje, em diferentes épocas (o Briote e o Rubim, em 1966; o Tunes, em 1970/71). Eles poderão dar ideias e pistas ao Carlos Schwarz... O pedido de um arquitecto, de preferência paisagista, continua de pé. Se calhar, a porta certa estará na Engenharia Militar, como sugere o Rubim (que fica ao cuidado do Briote, uma vez que ainda não é da nossa tertúlia). Um abraço para todos. Luís Graça
2. Texto do Virgínio Virgínio Briote:
Caro Luís,
Entrei em contacto com o meu antigo Comandante da CCmds, actualmente Coronel na Reserva Nuno Rubim, por causa do assunto acima referido [projecto Guileje]. Tens aqui a resposta que me enviou.
Um abraço,
vb
"Caro Briote:
"Interessante esse projecto. Há alguma razão específica para a sua implementação, para além de se referir à zona onde morreram mais homens por metro quadrado do que em qualquer outro sítio,em qualquer das três colónias, no período de 1961-1974 ?
"Junto lhe envio um desenho baseado num antigo esboço que tive. Representa Guileje em 1966, quando lá estive, mas sei que posteriormente sofreu transformações. Se algum projecto ou desenho existiu, teria de forçosamente ter sido elaborado no BEng [Batalhão de Engenharia], que ficava perto da "nossa casa" [Brá], lembra-se ?
Fotografias aéreas. Onde param elas ...? Permanece grande interrogação, até hoje, sobre onde pára grande parte da documentação referente às operações durante a guerra colonial... No AHM [Arquivo Histórico-Militar], onde tenho trabalhado, não está !
Um abraço
Nuno Rubim"
sábado, 5 de novembro de 2005
Guiné 63/74 - P253: Andanças do Humberto Reis na região de Farim (1996) (Humberto Reis)
Material inédito que o meu camarada e amigo Humberto Reis (ex- Furriel Miliciano da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) me mandou, em tempos, e que relata a sua ida à Guiné-Bissau, em Março de 1996, e mais concretamente as suas peripécias na região do Cacheu.
Insere-se agora esse material no blogue, em homenagem também ao nosso amigo Anízio Lona Indami, jovem guineense, de 22 anos, natural de Farim, a estudar em S.Paulo, Brasil (*)
(Notas e fotos: © Humberto Reis, 2005; notas também de LG).
1. O capot aberto do carro que nos destinaram tem um significado. Quando passámos o célebre K3, na estrada Mansoa- Farim e chegámos à beira do rio Cacheu, já lá estavam 2 carros à espera da lancha para atravessar.
Acontece que a lancha, como habitualmente, estava do lado de Farim e não trabalhava pois o motor de arranque não funcionava e aquilo não é como nos carros que pegam de empurrão.
Ao fim de uns 10 ou 15 minutos de espera infrutífera tive uma ideia daquelas do "estás na Guiné, desenrasca-te". Estava uma canoa a fazer a cambança só de pessoas, como é lógico, e então eu disse-lhe para dar o seguinte recado ao marinheiro da lancha:
- Nós emprestamos a bateria do carro para colocar o motor a trabalhar com a condição de, a nós, não nos cobrar a travessia nem para lá nem no regresso logo à tarde.
No regresso da canoa lá vinha o recado do marinheiro a aceitar a nossa brilhante ideia, pois assim já podia começar a facturar aos outros carros e também às pessoas que transportasse.
Foi assim que desmontámos a bateria do carro entregámos ao homem da canoa que a levou para Farim e passados 5 minutos ouvimos, com bastante alegria, o roncar do motor da lancha do lado de lá do rio Cacheu. Até parece anedota, mas não: foi a maneira de conseguirmos ir até Binta onde o meu amigo Pedro Neves, apesar de já ter voltado à Guiné 3 vezes, nunca mais lá tinha ido.
2. O meu amigo Pedro Neves, que foi comigo à Guiné-Bissau, observa o que resta do seu ex-aquartelamento de Binta, a sudeste de Farim, na margem norte do Rio Cacheu, onde tinha estado como furriel miliciano em 1972/73 .
A Guiné-Bissau está hoje subdivida em 8 regiões e um sector autónomo (Bissau). Uma dessas regiões é o Oio, cuja capital é Farim. Esta região, que confina, a oeste com a região do Cacheu (capital: Cacheu), a norte com o Senegal, a leste com o Gabu (capital: Gabu, antiga Nova Lamego) e a sul com a região de Bafatá (capital: Bafatá). tem cerca de 200 mil habitantes e uma superfície de 5400 quilómetros quadrados (LG).
3. Cais de Binta, na margem norte do Rio Cacheu
O estuário do Rio Cacheu é uma das áreas sensíveis para a protecção e conservação de aves na Guiné-Bissau (Parque Natural dos Tarrafes do Cacheu).
O Rio Cacheu foi palco de duros combates durante a guerra colonial: por exemplo, no dia 16 de Dezembro de 1967 foi atacada e afundada no rio Cacheu a famosa LDM (Lancha de Desembarque Média) 302. Nesse ataque do PAIGC, morreu o Patrão da Lancha e um Grumete Artilheiro (Foram ambos condecorados a título póstumo na cerimónia do 10 de Junho de 1968, com a medalha de Cruz de Guerra de 3ª classe). A LDM 302 era uma das das cinquenta lanchas de desembraque (pequenas, médias e grandes) que existiam na Guiné e que foram fundamentais no apoio logístico às NT.
Trazida à superfície, a LDM 302 foi reparada em Bissau, e posta de novo a navegar. No seu primeiro cruzeiro, seis meses depois do ataque de Dezembro de 1967, e precisamente no mesmo local (Porto Coco, no rio Cacheu), foi de novo atingida com violência e com baixas (morte de um Grumete Artilheiro e ferimentos noutra praça). Ao todo, a LDM 302 foi atacada oito vezes, acabando por ser abatida ao efectivo em 1972 (LG).
4. Do lado sul do rio Cacheu à espera da lancha para atravessar para Farim que se vê do lado de lá. 24 de Março de 1996.
Farim viu nascer Vasco Cabral, em 23 de Agosto de 1926. Foi um dos fundadores e dirigentes do futuro PAIGC.
Vasco Cabral , que não tinha qualquer laçod e parentesco com Amílcar Cabral, morreu recentemente em Bissau, em 24 de Agosto de 2005. Era uma fgura de grande nível intelectual, resistente anti-fascista e firgura de proa da luta de libertação.
Vasco Cabral era doutorado em Ciências Económicas e Financeiras pela Universidade Técnica de Lisboa . Menos conhecida, entre nós, é a sua faceta de poeta. Os seus poemas de prisão, escritos a partir de 1953, fazem de Vasco Cabral o primeiro poeta em língua portuguesa de Guiné-Bissau ( A luta é a minha primavera, 1981). Originalmente publicados em edições clandestinas e depois pela guerrilha. (LG).
5. A casa comercial J. Miranda, em Farim, onde parámos para beber uma cervejinha qu2 até estava bem geladinha
(*) Vd. post de 5 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXX: Anízio, 22 anos, estudante, procura notícias do antigamente sobre a sua terra, Farim
Insere-se agora esse material no blogue, em homenagem também ao nosso amigo Anízio Lona Indami, jovem guineense, de 22 anos, natural de Farim, a estudar em S.Paulo, Brasil (*)
(Notas e fotos: © Humberto Reis, 2005; notas também de LG).
1. O capot aberto do carro que nos destinaram tem um significado. Quando passámos o célebre K3, na estrada Mansoa- Farim e chegámos à beira do rio Cacheu, já lá estavam 2 carros à espera da lancha para atravessar.
Acontece que a lancha, como habitualmente, estava do lado de Farim e não trabalhava pois o motor de arranque não funcionava e aquilo não é como nos carros que pegam de empurrão.
Ao fim de uns 10 ou 15 minutos de espera infrutífera tive uma ideia daquelas do "estás na Guiné, desenrasca-te". Estava uma canoa a fazer a cambança só de pessoas, como é lógico, e então eu disse-lhe para dar o seguinte recado ao marinheiro da lancha:
- Nós emprestamos a bateria do carro para colocar o motor a trabalhar com a condição de, a nós, não nos cobrar a travessia nem para lá nem no regresso logo à tarde.
No regresso da canoa lá vinha o recado do marinheiro a aceitar a nossa brilhante ideia, pois assim já podia começar a facturar aos outros carros e também às pessoas que transportasse.
Foi assim que desmontámos a bateria do carro entregámos ao homem da canoa que a levou para Farim e passados 5 minutos ouvimos, com bastante alegria, o roncar do motor da lancha do lado de lá do rio Cacheu. Até parece anedota, mas não: foi a maneira de conseguirmos ir até Binta onde o meu amigo Pedro Neves, apesar de já ter voltado à Guiné 3 vezes, nunca mais lá tinha ido.
2. O meu amigo Pedro Neves, que foi comigo à Guiné-Bissau, observa o que resta do seu ex-aquartelamento de Binta, a sudeste de Farim, na margem norte do Rio Cacheu, onde tinha estado como furriel miliciano em 1972/73 .
A Guiné-Bissau está hoje subdivida em 8 regiões e um sector autónomo (Bissau). Uma dessas regiões é o Oio, cuja capital é Farim. Esta região, que confina, a oeste com a região do Cacheu (capital: Cacheu), a norte com o Senegal, a leste com o Gabu (capital: Gabu, antiga Nova Lamego) e a sul com a região de Bafatá (capital: Bafatá). tem cerca de 200 mil habitantes e uma superfície de 5400 quilómetros quadrados (LG).
3. Cais de Binta, na margem norte do Rio Cacheu
O estuário do Rio Cacheu é uma das áreas sensíveis para a protecção e conservação de aves na Guiné-Bissau (Parque Natural dos Tarrafes do Cacheu).
O Rio Cacheu foi palco de duros combates durante a guerra colonial: por exemplo, no dia 16 de Dezembro de 1967 foi atacada e afundada no rio Cacheu a famosa LDM (Lancha de Desembarque Média) 302. Nesse ataque do PAIGC, morreu o Patrão da Lancha e um Grumete Artilheiro (Foram ambos condecorados a título póstumo na cerimónia do 10 de Junho de 1968, com a medalha de Cruz de Guerra de 3ª classe). A LDM 302 era uma das das cinquenta lanchas de desembraque (pequenas, médias e grandes) que existiam na Guiné e que foram fundamentais no apoio logístico às NT.
Trazida à superfície, a LDM 302 foi reparada em Bissau, e posta de novo a navegar. No seu primeiro cruzeiro, seis meses depois do ataque de Dezembro de 1967, e precisamente no mesmo local (Porto Coco, no rio Cacheu), foi de novo atingida com violência e com baixas (morte de um Grumete Artilheiro e ferimentos noutra praça). Ao todo, a LDM 302 foi atacada oito vezes, acabando por ser abatida ao efectivo em 1972 (LG).
4. Do lado sul do rio Cacheu à espera da lancha para atravessar para Farim que se vê do lado de lá. 24 de Março de 1996.
Farim viu nascer Vasco Cabral, em 23 de Agosto de 1926. Foi um dos fundadores e dirigentes do futuro PAIGC.
Vasco Cabral , que não tinha qualquer laçod e parentesco com Amílcar Cabral, morreu recentemente em Bissau, em 24 de Agosto de 2005. Era uma fgura de grande nível intelectual, resistente anti-fascista e firgura de proa da luta de libertação.
Vasco Cabral era doutorado em Ciências Económicas e Financeiras pela Universidade Técnica de Lisboa . Menos conhecida, entre nós, é a sua faceta de poeta. Os seus poemas de prisão, escritos a partir de 1953, fazem de Vasco Cabral o primeiro poeta em língua portuguesa de Guiné-Bissau ( A luta é a minha primavera, 1981). Originalmente publicados em edições clandestinas e depois pela guerrilha. (LG).
5. A casa comercial J. Miranda, em Farim, onde parámos para beber uma cervejinha qu2 até estava bem geladinha
(*) Vd. post de 5 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXX: Anízio, 22 anos, estudante, procura notícias do antigamente sobre a sua terra, Farim
Guiné 63/74 - P252: Notícías de Farim, para o nosso amigo Anízio, em S. Paulo (Virgínio Briote)
Brasão da vila de Farim.
© Jorge Santos (2005)
Fonte: International Civic Heraldry > Coats of arms of Guinea-Bissau > Farim
Texto do Virgínio Briote, que foi Alferes Miliciano da CCAV 489 (Cuntima, Janeiro a Maio de 1965), pertencente ao BCAV 490 (sediado em Farim, em 1965):
Caro Anízio,
Que é que lhe posso dizer de Farim?
Passei por lá há muitos anos, há mais de quarenta. Pus lá os pés pela primeira vez em finais de Janeiro de 1965. Estávamos no início da luta pela libertação da Guiné. O meu Batalhão, designado por Batalhão de Cavalaria 490, instalou a sede em Farim e dispersou as companhias militares por Jumbembem e Cuntima. Fui um dos destacados para Cuntima, na fronteira com o Senegal, a cerca de 30 e tal km de Farim e por lá me mantive cerca de 5 meses.
Visitava Farim, quando estava em trânsito, quando ia lá buscar abastecimentos para Cuntima. Era uma pequena povoação, uma cidade para os padrões locais daqueles tempos. Uma cidadezinha agradável, o rio Cacheu tranquilo a banhar-lhe as margens, população afável numa tabanca já com alguma dimensão.
A guerra tinha começado há pouco mais de 2 anos, circunscrevia-se ao Sul e tinha pequenos focos ainda um pouco incipientes no Oio (Morés) e em outras zonas dispersas pelo território. Muito perto de Farim, passavam corredores de infiltração (Sitató, por ex.), por onde entravam guerrilheiros e abastecimentos para o triângulo do Óio (Mansoa, Bissorã e Mansabá). Na altura, pelos arredores de Farim, os trilhos assinalavam quase todos os dias passagens recentes de guerrilheiros e de pequenas secções de reabastecimento.
Em meados de 1965, pode dizer-se que a tropa ocupava as povoações mais importantes e o PAIGC era dono e senhor dos trilhos e das matas. Na altura em que abandonei Cuntima, a tendência acentuava-se, com o PAIGC a firmar-se com denodo nas matas à volta de Farim.
Camjambari, uma povoação a sul de Farim, era um importante ponto de infiltração. Então, foi decidido ocupar Camjambari. Mas não foi nada fácil, a luta durou dias e dias, até que finalmente uma companhia militar do tal Batalhão conseguiu ocupar Canjambari. A posição ocupada nunca teve descanso, os guerrilheiros, da mata, visavam diariamente o aquartelamento com morteiros.
E um dia, a guerrilha decidiu dar um passo em frente, atacar dentro da povoação de Farim. Um batuque, muita gente em festa, alguns militares também, um guerrilheiro infiltrado na população meteu lá dentro uma "bomba". Num saco, misturaram granadas de todos os tipos, projécteis de balas, até uma bomba de avião que não tinha rebentado. E foi tudo pelos ares, população incluída que foi a mais atingida, aliás. Um pandemónio que teve as consequências que imagina em termos de repressão (1).
E pronto, dali para a frente a vida nunca mais foi a mesma, com a tendência sempre crescente da implantação do PAIGC e que só parou na independência.
Por aquela gente sinto carinho e respeito. Carinho porque, a minha vida estava no princípio, tinha acabado de fazer 21 anos, fui tratado sempre com humanidade e porque ajudaram ao meu crescimento. Respeito porque ganharam uma luta que era deles, de serem eles próprios, bem ou mal não temos nada com isso, a conduzirem os seus próprios destinos.
E pronto, caro Anízio, aqui lhe deixo o meu testemunho. Se na altura pressentisse que o Anízio, quarenta anos depois, me iria questionar sobre o Farim daqueles tempos, certamente teria sido mais previdente e guardaria informação mais precisa.
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de V.B., de 3 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXVI: Barro, Bigene, porquê?
© Jorge Santos (2005)
Fonte: International Civic Heraldry > Coats of arms of Guinea-Bissau > Farim
Texto do Virgínio Briote, que foi Alferes Miliciano da CCAV 489 (Cuntima, Janeiro a Maio de 1965), pertencente ao BCAV 490 (sediado em Farim, em 1965):
Caro Anízio,
Que é que lhe posso dizer de Farim?
Passei por lá há muitos anos, há mais de quarenta. Pus lá os pés pela primeira vez em finais de Janeiro de 1965. Estávamos no início da luta pela libertação da Guiné. O meu Batalhão, designado por Batalhão de Cavalaria 490, instalou a sede em Farim e dispersou as companhias militares por Jumbembem e Cuntima. Fui um dos destacados para Cuntima, na fronteira com o Senegal, a cerca de 30 e tal km de Farim e por lá me mantive cerca de 5 meses.
Visitava Farim, quando estava em trânsito, quando ia lá buscar abastecimentos para Cuntima. Era uma pequena povoação, uma cidade para os padrões locais daqueles tempos. Uma cidadezinha agradável, o rio Cacheu tranquilo a banhar-lhe as margens, população afável numa tabanca já com alguma dimensão.
A guerra tinha começado há pouco mais de 2 anos, circunscrevia-se ao Sul e tinha pequenos focos ainda um pouco incipientes no Oio (Morés) e em outras zonas dispersas pelo território. Muito perto de Farim, passavam corredores de infiltração (Sitató, por ex.), por onde entravam guerrilheiros e abastecimentos para o triângulo do Óio (Mansoa, Bissorã e Mansabá). Na altura, pelos arredores de Farim, os trilhos assinalavam quase todos os dias passagens recentes de guerrilheiros e de pequenas secções de reabastecimento.
Em meados de 1965, pode dizer-se que a tropa ocupava as povoações mais importantes e o PAIGC era dono e senhor dos trilhos e das matas. Na altura em que abandonei Cuntima, a tendência acentuava-se, com o PAIGC a firmar-se com denodo nas matas à volta de Farim.
Camjambari, uma povoação a sul de Farim, era um importante ponto de infiltração. Então, foi decidido ocupar Camjambari. Mas não foi nada fácil, a luta durou dias e dias, até que finalmente uma companhia militar do tal Batalhão conseguiu ocupar Canjambari. A posição ocupada nunca teve descanso, os guerrilheiros, da mata, visavam diariamente o aquartelamento com morteiros.
E um dia, a guerrilha decidiu dar um passo em frente, atacar dentro da povoação de Farim. Um batuque, muita gente em festa, alguns militares também, um guerrilheiro infiltrado na população meteu lá dentro uma "bomba". Num saco, misturaram granadas de todos os tipos, projécteis de balas, até uma bomba de avião que não tinha rebentado. E foi tudo pelos ares, população incluída que foi a mais atingida, aliás. Um pandemónio que teve as consequências que imagina em termos de repressão (1).
E pronto, dali para a frente a vida nunca mais foi a mesma, com a tendência sempre crescente da implantação do PAIGC e que só parou na independência.
Por aquela gente sinto carinho e respeito. Carinho porque, a minha vida estava no princípio, tinha acabado de fazer 21 anos, fui tratado sempre com humanidade e porque ajudaram ao meu crescimento. Respeito porque ganharam uma luta que era deles, de serem eles próprios, bem ou mal não temos nada com isso, a conduzirem os seus próprios destinos.
E pronto, caro Anízio, aqui lhe deixo o meu testemunho. Se na altura pressentisse que o Anízio, quarenta anos depois, me iria questionar sobre o Farim daqueles tempos, certamente teria sido mais previdente e guardaria informação mais precisa.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de V.B., de 3 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXVI: Barro, Bigene, porquê?
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