Data: terça, 27/08/2019 à(s) 13:37
Assunto: Tentar um debate , apesar das férias, das idades e da distância
Entre renas, palmeiras e daiquiris
Ao visitar, quando as minhas transumâncias atlânticas o permitem, o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, vem-me à memória a frase:
- Os velhos soldados nunca morrem, eles apenas desaparecem.
Este blogue, qual velhinho tarimbeiro, tem já sobre os ombros algumas décadas de serviço. O seu sucesso deve-se aos laços muito especiais que ainda hoje ligam todos os que serviram na Guiné. Inferno da Guiné, dirão alguns dos que o que passaram de armas na mão em postos isolados na mata. Experiência da Guiné, poderão dizer alguns outros mais felizardos. De qualquer modo as recordações da Guiné aparentam ir acompanhar-nos até ao fim.
O blogue tem sabido evoluir adaptando-se à passagem dos anos. Não menos quanto aos mais variados temas "politicamente correctos" que, como tudo o resto,vão sendo inexoravelmente substituídos .
No início deste blogue muito se escreveu sobre as suas funções... quase psiquiátricas! Veio permitir, aos que nele participavam, uma verdadeira catarse analítica, de outro modo impossível de efectuar numa sociedade que (então?) pouco ou nada se preocupava com os antigos combatentes, seus traumas, dramas sociais, e consequentes doenças.
Creio ter este blogue ajudado a muitos ao permitir-lhes "atirar cá para fora" muitos dos seus pesadelos e frustrações.
Entre os blogues nacionais deste tipo, o somatório de informação, relatos pessoais, conhecimentos, histórias,e acima de tudo História, dá-lhe com justiça lugar único.
As experiências das já longas vidas, todas diferentes em factores sociais, geográficos e ontológicos, leva-nos por vezes a debates mais intensos, piropos, e algumas picardias. Será também este um dos factores que torna o blogue... vivo! No fim, todos ou quase todos, acabamos por nos sentar pacificamente à sombra do nosso poilão africano.
E, a propósito de debates neste local constituído por velhos soldados de Portugal, continuo a ter dificuldades em compreender o esquecimento a que é votada a perda da Índia Portuguesa, em período não tão afastado da nossa História.
Estaremos hoje de acordo que a tal descolonização africana "exemplar" terá tido um pouco de tudo menos o... exemplar!
O servilismo de alguns a interesses não nacionais; o vedetismo ignorante e criminoso (mais de militares do que de políticos "bem sabidos") terão levado a uma tragédia cujas dimensões ainda hoje alguns se recusam a compreender.
Tendo em conta as circunstâncias internacionais (e internas) terá sido a única política possível de aplicar? Talvez.
A "palavra de ordem" então muito usada, "Nem mais um soldado para as colónias!", terá tido muito maiores resultados negativos quanto ao funcionamento da instituição militar do que se poderia esperar.
Cabeçalho de panfleto do PCP (m-l) (Partido Comunista de Portugal, marxista-leninista) com a palavra de ordem "Nem mais um só soldado para as colónias"... Data: 26 de abril de 1974.
Fonte: com a devida vénia ao Gualberto Freitas: 1969 Revolução Ressaca [documentos para a história de uma revolução]
Olhando as realidades de então, e as evoluções mundiais futuras, as guerras coloniais estavam perdidas mesmo antes de iniciadas. Outras visões teriam sido necessárias, para além de um certo "nacional saloiismo iluminado" do governo da ditadura.
E lá voltamos ao Estado da Índia. O papel preponderante de Goa, sua cultura e gentes, na nossa História foi sempre de nível não comparável com as colónias africanas.
Como terá sido possível ao ditador, que se crê ter tido inteligência superior à mediana, não ter sabido "ler" e acompanhar as evoluções de fundo surgidas internacionalmente?
Esperar, como o fez e disse publicamente, que a "aliada" Inglaterra lhe proporcionasse apoios políticos?
A mesma Inglaterra que curtos anos antes se vira obrigada a abandonar a sua(!) Índia? Os Estados Unidos dos anos sessenta na sua pseudo-cruzada anti-colonial?
Politicamente, a União Indiana oferecia nas Nações Unidas outras saídas. Entre elas a garantia de uma vasta autonomia para Goa, garantia apoiada tanto pela Inglaterra como pelos Estados Unidos e França.
O ditador recusou todas as soluções negociadas ou negociáveis. O Afonso de Albuquerque pairava certamente na sua cabeceira. Resistência exemplar e morte heróica foram exigidas ao Exército.
Um Exército armado, ou antes desarmado, com espingardas de modelo anterior à primeira guerra mundial, cujas munições guardadas em paiol não funcionavam por há muito terem ultrapassado o seu tempo útil.
Aviões, blindados e artilharia digna do seu nome... não existiam. O governo estava disso bem informado. O resto é História.
Muito dramática para os que por lá sofreram e, não menos, para os que foram acusados posteriormente dos erros criminosos do ditador.
Ele... "passou entre os pingos da chuva"!...
A evolução dos armamentos da guerrilha na Guiné e o nosso não acompanhamento do mesmo por motivos económicos e políticos, acabariam por levar em futuro próximo a novos bodes expiatórios militares (!) das incapacidades do governo central.
Governo central que, e mais uma vez, se preparava para não assumir as suas responsabilidades políticas quanto ao evoluir da situação no terreno da Guiné. Spínola ter-se-á apercebido que alguém acabaria por ser um novo e muito conveniente... Vassalo e Silva.
Mas, e voltando à questão inicial, o que levará a muitos dos tão agressivos críticos de políticas posteriores ao... esquecimento, desculpa, ou desvalorização... de alguns destes criminosos erros anteriores?
Certamente que muitos terão melhores ideias, opiniões e conhecimentos sobre um assunto importante e passível de DIÁLOGO.