segunda-feira, 9 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1161: O nosso Major Eléctrico, Cunha Ribeiro, 2º comandante do BCAÇ 2852 (Beja Santos)

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Esposende > Fão > Convívio do pessoal de Bambadinca (1968/71) > 1994 > O Mário Beja Santos (ex-comandante do Pel Caç Nat 52) com o actual Coronel Ângelo Augusto da Cunha Ribeiro, que foi segundo comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), a partir de Setembro de 1969, altura em que substitui o major Viriato Amílcar Pires da Silva, transferido por motivos disciplinares. Era afectuosamente conhecido, entre as NT, como o major eléctrico...

Texto e foto: © Beja Santos (2006)


Mensagem enviada a 4 de Outubro de 2006

Caro Luís, durante o resto da semana trabalharei nas histórias de Missirá. Tu resolveste trazer à superfície uma nota nostálgica à volta do Major Cunha Ribeiro, e eu acompanho-te (1). Oxalá os tertulianos pretendam comunicar com ele. Mantém-se de espírito alertado, mordaz e pronto à polémica. Recebe a cordialidade do Mário.

Recordações fulgurantes do nosso Major Eléctrico

por Beja Santos

Quem se der ao trabalho de ler a história do BCAÇ 2852, certamente que se questionará de tantas mudanças no oficialato em Bambadinca (2). Mudámos de Comandante, de 2º Comandante, de Major de Operações, de Comandante da CCS, de médico e até de padre, com alguma surpresa e imprevisto, e nem sempre para benefício de todos. 1969 foi um ano horrível com punições e afastamentos, humilhações e dolorosas expectativas.

O Major Ângelo da Cunha Ribeiro é o 2º Comandante que vem numa vaga de substituições. Era loquaz, irónico, interveniente e um conversador compulsivo. Devo-lhe pessoalmente vários gestos ternos: foi ele que me passou a tratar por Tigre e incentivou a socialização do termo; foi extraordinário nos acontecimentos da mina anti-carro de Canturé, em Outubro [de 1969] (3); perguntava sempre sobre as necessidades em comida e material, interferia, imaginava e fazia lobby por Missirá e Finete. Não fica nada mal, parece-me, contar aqui em água forte um punhado de situações.

Começo pelo fim, pelo desastre que o vitimou na rampa de Bambadinca. Alguns dos tertulianos presenciaram ou foram forçados a salvá-lo dentro da viatura destroçada, furada pelos barrotes de cibe onde ele jazia com múltiplas facturas num jipe transformado em sucata.

Transportado para o HM 241 [Bissau], foi um doente dócil e nas primeiras semanas, irreconhecível com tanta ligadura, parecia a múmia. Quando a Dona Maria Helena Spínola lhe perguntou em que podia ser útil, ele respondeu determinado:
- Pode muito, ofereça-me a Enciclopédia Britânica, vou ter tempo de sobra para a ler.

Numa situação de desespero ou desencontro, ele aliviava com uma frase que passou a ser lendária:
- Sosseguem, o mal disto tudo começou com o Infante D. Henrique.- E o ambiente tenso logo se descomprimia.

Por ocasião das duras guerras entre o médico e o capelão (essas vivi-as eu, gritavam noite alta sobre a existência e a misericórdia de Deus...), ele ameaçou-os com uma ordem de serviço em que o médico daria a missa e o padre consulta, para verem como os outros se sentiriam desconfortados com a troca de papéis. A rábula foi curiosa, mas as discussões continuaram. Finalmente, a vivacidade e a brusquidão com que interrompia uma conversa, ao menor som suspeito:
- Pára aí, Tigre, estou a ouvir canhoada. - Eu respondi estupefacto:
- Ó meu Comandante, foi a porta do frigorífico. Simões, repete lá o que fizeste para o nosso Comandante ficar descansado.

Continuo a escrever-lhe pelo Natal e começo sempre "Meu inesquecível Comandante". Não é nenhum excesso de sentimentalismo, ele comandava mesmo, era fraterno e aquela electricidade fez bem a Bambadinca depois dos desastres humanos que vivemos a partir da flagelação de 28 de Maio [de 1969] (2).

Para quem quiser, eu dou os contactos dele. A guerra acabou com aquele acidente de viatura, mas como se viu no encontro de Fão, em 1994, ele não nos esqueceu. Como também vivemos a solidariedade intergeracional, talvez fosse interessante tirá-lo do esquecimento.

Beja Santos

Comentário de L.G.:


Meu caro Mário: As minhas relações com o major Cunha Ribeiro foram estritamente hierárquicas, formais, episódicas... Terei falado com ele, em duas ou três ocasiões... Na nossa tertúlia, não funciona a hierarquia militar mas a lógica da camaradagem... O Cunha Ribeiro tem o mesmíssimo direito de cá estar do que tu e eu... Conheces as regras da casa. Podes apadrinhar a sua entrada... Sei que ele continua a frequentar as reuniões de convívio da malta de Bambadinca de 1968/71... Estivemos juntos, em Fão, em 1994... Não lhe falei, por que não houve oportundidade... Hoje gostaria de ouvir as suas estória, a sua versão dos acontecimentos... Por mim, será bem recebido... Se ele quiser, pode ser testemunha privilegiada dos tempos em que estivemos juntos em Bmbadinca, em posições diferentes, ele oficial superio, major, 2º comandante de um batalhão, e eu, ssimples furriel miliciano de uma companhia de nharros...
___________

Notas de L.G.:

(...) Nota de L.G.: (...) "Major do BCAÇ 2852. Substituiu em Setembro de 1969 o major Viriato Amílcar Pires da Silva, transferido por motivos disciplinares. Foi vítima de acidente grave com um jipe. Era mais conhecido, na caserna - e nomeadamente pela malta da CCAÇ 12 - como o 'major eléctrico', devido à sua energia" (...).

(2) Vd. , entre outros, os postES de:

(...) "Este é um cínico relato da dura condição da guerra da Guiné, vista pelo lado dos tugas. Por outro lado, há críticas veladas, do autor do relatório, ao Comandante-Chefe, ao Quartel General e à Força Aérea (que se teria comportado como umas verdadadeira prima dona...).

"Há coisas, pouco abonatórias paras as NT, que se passaram neste operação e que eu deixo à atenção e consideração dos tertulianos e demais visitantes deste blogue. Cada um de vós que faça a sua leitura desapaixonada... Aqueles de nós, que foram operacionais, rever-se-ão mais facilmente no cenário que foi o da Op Lança Afiada... 

Sobre o desempenho dos actores, já não vale a pena assestar as bateria da crítica... Felizmente que a guerra acabou! War is over, baby!

"Seria interessante ouvir, entretanto, o depoimento de camaradas do BCAÇ 2852 que participaram na Op Lança Afiada. Infelizmente, ainda não temos ninguém dessa unidade, na nossa tertúlia.

"(...) Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFoguetes, morteiros... Esse ataque ficou célebre: os tipos de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe...

"Claro que no dia seguinte o Caco Baldé deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS... Um caso exemplar, divertido e hilariante, da guerra da Guiné... A sorte dos gajos de Bambadinca foi os canhões s/r terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha...

"Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, uma semana depois, vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de18 meses de inferno...quando fomos justamente colocados no Sector L1), os nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda estavam sem pinga de sangue..."Podíamos ter morrido todos", dizia-me 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, da minha terra, Lourinhã... Fomos depois nós , para lá, com os nossos nharros, e em 18 meses nem um tirinho: que o respeitinho (mútuo) era muito bonito... Porrada, porrada, era só quando a gente se atrevia a meter o bedelho na terra deles, que já estava libertada... Eu faria o mesmo, na minha terra...

"Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, em estilo telegráfico: 

Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros" (...)

(...) "Depois de sair de Mafra fui para o extinto BC 8 em Elvas, como comandantes estavam o Pimbas e a Alzira. De lá seguimos para Abrantes para formar o Batalhão [de Caçadores] 2852 e depois Guiné.

"Só tenho boas recordações deles. Ainda serão vivos ? Bem espero. O Pimbas nasceu para ser professor, nunca um militar. Na casa comercial que era do meu Pai, na Rua da Prata, Casa dos Pneus, cruzei-me com ele. Falámos, estava ele na altura no tribunal, em Santa Clara" (...).

(...) "Conheci mal o Pimbas, conheci mal o Corte-Real, conheci mal o Magalhães Filipe, e ainda bem... Parece que eram todos bons homens, ex-professores, que ao fim de trinta anos de carreira, haviam descoberto não ter vocação militar...

"É necessário distinguir, entre a tropa miliciana, civís militarizados à força, e investidos em funções para as quais não estavam preparados, e os profissionais, designadamente os Oficiais Superiores. Comandar um Batalhão exigia possuir qualidades de liderança, determinação e coragem, que a não existirem, deviam ter impedido a Promoção. Sabemos todos, e alguns pelas piores razões, que assim não sucedeu. (...) Muitos viram, sentiram e sofreram, as prepotentes arrogâncias, os ocos autoritarismos e as criminosas incompetências" (...).

(3) Vd. posts de:

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