terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2327: PAIGC - Instrução, táctica e logística (6): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VI Parte): Minas I (A. Marques Lopes)

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Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) > Estrada (asfaltada) Mansabá-Farim > O Carlos Vinhal e o Sousa à sua esquerda, segurando uma mina anticarro detectada a tempo e levantada. Em Moçambique, chamavam-se marmitas às minas A/C, devido à sua forma redonda: veja-se a letra do Turra das Minas , um dos mais célebres fados do Cancioneiro do Niassa (1). Carlos Vinhal, nosso mui estimado e valioso co-editor, foi Furriel Miliciano de Artilharia, com a especialidade de Minas e Armadilhas, CART 2732, Mansabá (1970/72).

Foto: © Carlos Vinhal (2006). Direitos reservados.

Foto editada por L.G., alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


Mensagem de 14 de Setembro de 2007, do A. Marques Lopes (natural de Lisboa, hoje coronel DFA, na reforma, e residente em Matosinhos), com mais um texto extraído do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971:


As terríveis minas (e eu que o diga...) e outros engenhos explosivos. Fico-me por aqui esta semana. Na próxima há mais. Bom fim-de-semana
A. Marques Lopes


Comentário de L.G.:


Muitos de nós fomos vítimas de minas, armadilhas, fornilhos e outros engenhos explosivos. Eu fui, o Marques Lopes foi, o Beja Santos foi, o Luís Moreira foi, só para dar três ou quatro exemplos. Outros camaradas, por seu turno, como o Carlos Vinhal e o David Guimarães eram especialistas em minas e armadilhas... O David viu morrer um amigo seu e outro ficou cego, ao manipular um engenho explosivo (1).

Há muitas histórias trágicas destas, passadas no TO da Guiné. Todos tínhamos (e continuamos a ter) muito respeitinho por estes artefactos de morte... E somos a favor da sua proibição absoluta... É a arma dos pobres produzida pelos países ricos...

Por razões de segurança, vamos omitir alguns pormenores técnicos relativos à composição (química) de minas, nesta parte do Supintrep: não queremos que ninguém se ponha, nem a sério nem a brincar, a tentar fabricar um engenho explosivo no sótão ou na garagem... Muito embora na Net haja centenas de sítios sobre essa matéria, com instruções muito específicas, de A a Z, sobre o fabrico caseiro de minas e outros engenhos explosivos...

A nós interessa-nos apenas saber como os guerrilheiros do PAIGC aprendiam a utilizar as minas (ou marmitas, em Moçambique) e como utilizavam esses engenhos explosivos que mataram e feriram gravemente muitos camaradas nossos. Sem esquecer, obviamente, as armilhas que as NT punham à volta dos seus aquartelamentos e destacamentos, ou nos trilhos usados pela guerrilha e pelas populações sobre o seu controlo... ou ainda nas moranças que deixávamos intactas, nas zonas controladas pelo PAIGC .. A nossa guerra (de nós contra o PAIGC e do PAIGC contra nós...) teve muitas faces, não apenas duas, como dizia há tempos o Jorge Cabral: esta seguramente é uma das mais ignóbeis e horrendas...

PS - A qualidade das imagens, sobre engenhos explosivos, que constam do exemplar do Supintrep que chegou às mãos do A. Marques Lopes, é muito má. Ele e eu tentámos fazer o nosso melhor para que se tornassem minimamente legíveis...


PAIGC - Instrução, táctica e logística (6): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VI) > UTILIZAÇÃO DE ENGENHOS EXPLOSIVOS (2)


[Revisão e fixação do texto: A.M.L. / L.G.]


(1) Generalidades

Dum modo geral, o IN executa este tipo de forma de combate com três finalidades distintas: (i) interdição de itinerários ou de acessos a zonas controladas pelo IN; (ii) protecção de reacção em zonas de emboscadas; (iii) substituição de outras actividades não realizadas.

Para esse fim, usa indiscriminadamente armadilhas, fornilhos ou minas A/C e A/P, com maior preponderância destas. Muitas vezes conjuga o emprego de minas com o uso e granadas ou petardos de trotil em reforçamento da acção explosiva. Toda a gama de armadilhas, muitas delas expeditas, é conseguida pelo factor comum granada de mão descavilhada, a qual será accionada pelo deslocamento ou de arame de tropeçar ou de quaisquer ramos ou pedras que retêm a alavanca. Têm sido também verificados accionamentos eléctricos com comando à distância.

Na esperança de obtenção de bons resultados, é normal conjugarem o emprego de uma mina com outra próxima, razão da vulgaridade em se detectarem minas implantadas próximo das accionadas.

Como técnicos que são de camuflagem e dissimulação, utilizam todos os meios possíveis para procurarem esconder as minas implantadas, furtando-as assim à intensa actividade de detecção desenvolvida pelas NT.

Nos itinerários asfaltados procuram as bermas para a implantação dos explosivos e, se possível, também falhas de asfalto ou buracos para conseguirem os efeitos pretendidos.

(2) Técnicas de fabricação e implantação de minas

(a) Extractos de apontamentos de cursos frequentados no estrangeiro por elementos do PAIGC (cópia)

1. Meios de instalação e fabricação de minas

Fabricação de minas

A mina é um obstáculo explosivo.

Uma mina compõe-se de invólucro, de embalagem e instalação de fogo. Há minas anti-pessoal, anti-cavalos, anti-tanque, anti-carros blindados e as que podem destruir construções. Pode-se utilizar materiais em madeira, panela em porcelana, garrafa de vidro, caixa de ferro e bocados de pedras e de ferro para envolver minas.

Embalagem de explosivo

Mete-se 5 a 10 Kgs de explosivo nas minas anti-tanques e 50 a 200 grs na mina anti-pessoal e cavalo. Pode-se meter a pólvora negra na mina anti-pessoal e cavalo aumentando 0,5 de quantidade desejada.

Instalação de fogo

Incendiada pela pressão, pelo atropelo num fio, pela electricidade e pela instalação retardadora de minas a pressão.






(...) O contacto desta mistura [clorato de potássio e acúcar] com o ácido sulfúrico produz o fogo para explodir o detonador e explosivo.

Mina anti-tanque eléctrica e pressão


Pode-se aproveitar uma granada para fazer mina, instalando-a como o desenho indica.





Mina retardadora (...)

Minas a pressão anti-pessoa: enterra-se ao mesmo nível da terra ou entre ervas.

Mina em armadilha anti-pessoa: enterra entre as ervas. O comprimento do fio ligado a esta mina à estaca ou árvore atinge 5 a 7 m.

Mina retardadora (enganadora): enterra-se nas casas e nos sítios onde o inimigo frequenta muitas vezes. Pode-se adaptar muitas formas para instalar as minas enganadoras – sobretudo com o fim de excitar e seduzir e desorientar os inimigos.


2. Cuidados a ter quando se enterra as minas

(i) É preciso pôr alguém de guarda.

(ii) É preciso guardar silêncio; não deixar nenhum sinal ou instrumento.

(iii) Estabelecer sinais conhecidos por nóa ao lado das minas.

(iv) É precisio camuflar as minas o mais possível conforma as cores do terreno. Pode-se fazer uma camuflagem falsa.

(v) Depois de ter enterrado as minas antes da chegada dos inimigos, deve-se enviar alguém para vigiar esta zona com o fim de não ferir os nossos próprios camaradas.

(vi) Quando se chegar ao ponto para enterrar minas não se deve mudar de lugar nem mexer enquanto não acabar o serviço.

(vii) Conforme as diferentes categorias e de tarefa deve-se organizar um grupo composto por 1 a 3 homens para cumprir a missão de enterrar minas. Não se deve agir comodamente na zona da mina com o fim de camuflar bem.


3. A aplicação de guerra de minas


O fim da aplicação: garantir a vitória de combate e a segurança na acção dos partidários.

Realiza-se a guerra de destruição e de minas para fazer obstáculo atrás dos inimigos, para aniquilar as suas armas modernas, atacá-los por surpresa, fazendo-lhes uma grande ameaça e paralizando-os.

Os meios da aplicação na guerra subversiva são os seguintes:

As minas devem ser instaladas numa zona possível a ser utilizada pelo inimigo na ofensiva: o pequeno caminho da floresta e da aldeia, a construção no campo de batalha, a construção importante nas aldeias, depósitos, armazéns e os sítios próximos das pontes sabotadas por nós, é mais provável impedir ou matar os inimigos se se instalar as minas nas estradas e nas florestas.

O emprego da guerra de minas:

(i) Quando o inimigo se esgota nós o batemos: trava-se a guerra de minas no lugar onde está o inimigo.

(ii) Quando o inimigo se imobiliza nós o importunamos. Pode-se enterrar minas ao lado do campo militar dos inimigos, na entrada que dá para o campo militar.

(iii) Quando o inimigo foge nós o perseguimos: pode-se enterrar minas nas estradas e todas as linhas principais de comunicação por onde o inimigo foge.

As necessidades de emprego de minas isoladas e em grupo:

As minas isoladas e em grupo dispõem das seguintes vantagens: instalação simples, prática, económica, não são limitáveis pelos caracteres do terreno.

Utiliza-se pouca mina alcançando grande vitória.

Conforme as necessidades de combate pode-se transferir facilmente as minas por toda a parte.

Deve-se escolher estradas indispensáveis à passagem dos inimigos passam e os objectos que os inimigos devem tocar para aí instalar ou enterrar as minas.

Enterra-se as minas sem que os inimigos saibam, isto é, defíceis a serem descobertas e liquidadas pelos inimigos.

Resumo:

Deve-se utilizar as minas com eficácia com o fim de aniquilar um grande número de inimigos.

(Continua)

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. alguns posts sobre este tópico (minas e armadilhas) (lista meramente indicativa):

25 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2303: Tabanca Grande (42): Francisco Palma, Soldado Condutor Auto da CCAV 2748/BCAV 2922 (Canquelifá, 1970/72)

18 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2278: Estórias do Xitole (1): A triste sorte do sapador Quaresma... morto por aquela maldita granada vermelha (David Guimarães)

16 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2270: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (9): E de súbito uma explosão, uma emboscada, um caos...

18 de Setembro de 2007>Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)

21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os paraquedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gamparà (Victor Tavares, CCP 121)

15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1529: Belmiro dos Santos João, de Miranda do Douro, vítima de mina antipessoal em Catió (Fernando Chapouto / A. Marques Lopes)

29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1325: Mansabá: o comandante do COP6, Correia de Campos, e as Minas na Bolanha de Manhau (Carlos Vinhal)

16 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1284: A Intendência também foi à guerra (Fernando Franco / António Baia)

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)

26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P911: Uma mina para o 'tigre de Missirá' (Luís Graça)

24 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P905: A morte na estrada Finete-Missirá ou um homem com a cabeça a prémio (Luís Graça)

19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXLI: Ponta do Inglês, Janeiro de 1970 (CCAÇ 12 e CART 2520): capturados 15 elementos da população e um guerrilheiro armado (Luís Graça)

19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLIX: Cancioneiro de Mansoa (6): O pesadelo das minas (Eduardo Magalhães Ribeiro)

2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)

23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)

11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969) (Luís Graça)

10 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIX: Estórias do Xitole: 'Com minas e armadilhas, só te enganas um vez' (David Guimarães)

23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXV: Minas e armadilhas (David Guimarães)

20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho) (Luís Graça)


(2) Vd. último post desta série > 29 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2228: PAIGC - Instrução, táctica e logística (5): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (V Parte): Flagelações (A. Marques Lopes)

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