segunda-feira, 12 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9598: Notas de leitura (341): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo às recensões ao trabalho de indiscutível importância que constitui a tese de doutoramento do nosso confrade Leopoldo Amado. Pressinto que com trabalhos como este, o do Julião Soares Sousa, o do António Tomás, os livros do António Duarte Silva, há já ingredientes suficientes para a constituição de equipas de historiadores luso-guineenses, independentemente dos olhares nacionais este teatro de operações foi o elemento transformador de dois países e não se pode abdicar de tal realidade. Venho pedir ao Leopoldo Amado que opine sobre as críticas de fundo que destaco nas recensões: o ser totalmente inadmissível que não se procure aprofundar os fundamentos da tese da unidade Guiné/Cabo Verde, porventura um argumento de peso para alavancar a organização da luta armada mas que não tem fundamento real, como a História comprovou; a tese sibilina da responsabilidade da PIDE no assassinato de Cabral sem documentação de provas, fugindo à análise de que o complô foi exclusivamente guineense e tinha como rastilho a indignação dos guineenses serem monitorados por cabo-verdianos.

Um abraço do
Mário


Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional:
O caso da Guiné-Bissau (5)

Beja Santos

Vamos hoje concluir um punhado de reflexões sobre a tese de doutoramento do nosso confrade Leopoldo Amado “Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional – O caso da Guiné-Bissau” (IPAD, 2011), obra que classificamos, sem qualquer hesitação, como doravante indispensável na literatura de referência, como os livros de António Duarte Silva sobre a luta da independência na Guiné-Bissau, o trabalho de Julião Soares Sousa sobre Amílcar Cabral ou os depoimentos que o próprio Leopoldo Amado recolheu junto de dirigentes e combatentes do PAIGC e que fazem parte do livro atribuído a Aristides Pereira.

Entre a introdução de foguetões, ainda em 1970, e o aparecimento dos mísseis terra-ar Strella, em 1973, a sucessão de acontecimentos político-militares e diplomáticos tornou-se progressivamente desfavorável ao governo de Lisboa e às tropas portuguesas. Logo a operação Mar Verde abriu as portas à marinha soviética que veio até Conacri, a pedido de Sekou Touré, a NATO não gostou e mais abertamente criticou a agressão portuguesa. De imediato, logo em Janeiro de 1971, o PAIGC reformulou o seu dispositivo, deu sinal de que ia aumentar a sua eficiência combativa, simulou mesmo uma perda de iniciativa, por exemplo do corredor de Bafatá-Xitole, mas o mesmo não sucedeu na área de Guilege-Gadamael, intensificou-se a pressão na região Sul. Os anos de 1971 e 1972 correspondem ao período de uma ofensiva diplomática por parte de Amílcar Cabral e que custou uma maior animosidade internacional contra o governo de Lisboa. Nas suas viagens a países comunistas e ocidentais, Cabral não joga só com o trunfo das áreas libertadas, exibe outras provas como os ataques aos centros urbanos, Bissau, Bolama, Gabu. Os contactos com Senghor têm como pano de fundo a insistência das Nações Unidas quanto à necessidade de Portugal abrir as negociações com os movimentos de libertação e ao facto de Spínola já não encontrar resposta para uma contenção militar duradoura. Os resultados do encontro foram transmitidos a Marcello Caetano que, como é sabido, mandou pôr termo a novas conversações. A “guerra de nervos” desenvolvida pelos serviços de informações, pela ação dos agentes duplos e pela intensa propaganda radiofónica agravava feridas e desorientava por vezes os contendores. Só dois exemplos: O boato segundo o qual Osvaldo Vieira teria assumido as funções de secretário-geral do PAIGC, desde 2 de Maio de 1972, porque os filhos da Guiné estavam descontentes porque Amílcar Cabral só os mandava para o mato enquanto os cabo-verdianos ocupavam funções de comandantes. O boato de que Momo Turé teria mostrado a Amílcar Cabral uma carta escrita por Nino Vieira a Rafael Barbosa, em que o primeiro lamentava o comportamento de Amílcar Cabral para com os guineenses, o que comprometeu o seu autor e que, por isso, no Conselho de Guerra, fora destituído. Papel fulcral corresponde à visita, em Abril de 1972, de uma delegação do Comité de Descolonização da ONU, precedida por uma ofensiva militar de grande envergadura do lado português. O Comité de Descolonização, depois da visita, reconheceu o PAIGC como o único e autêntico representante do povo do território e apelou aos organismos das Nações Unidas para atuarem de colaboração com a Organização da Unidade Africana, a fim de puderem apoiar a luta do PAIGC.

O assassínio de Amílcar Cabral tem largo destaque no documento. Leopoldo Amado procede a um levantamento das atividades da PIDE/DGS e dos agentes infiltrados, já foi dito que o relacionamento entre os dois contendores também se fazia por agentes duplos. De novo surge Momo Turé como instigador da conjura, o que é inconcebível, Momo não possuía requisitos políticos e intelectuais para uma empreitada destas. O autor refere a existência de tensões, dissidências e clivagens mas não explicita porquê e com que resultados, levanta mesmo a hipótese de haver círculos concêntricos de informadores e instigadores a soldo da polícia política portuguesa, o que pode ser muito interessante no campo especulativo mas é inaceitável na historiografia. Mais a mais, é o próprio Leopoldo Amado quem reproduz uma mensagem da PIDE de Bissau para Lisboa no dia seguinte ao assassinato, sugerindo que a responsabilidade da insurreição era da linha guineense contra os cabo-verdianos e os mestiços. De igual modo, como há um silêncio absoluto sobre as teses da unidade Guiné/Cabo Verde, em que assentou a mobilização de Cabral, sem qualquer fundamentação ou rigor histórico, e que Leopoldo Amado não comenta, e que mesmo que os atritos entre guineenses e cabo-verdianos possam até ter sido explorados pelos agentes da PIDE e pela própria propaganda, eles existiram, os guineenses e os cabo-verdianos recusam-se a falar do que sempre foi um profundo conflito étnico, o autor também silencia na apresentação da conspiração o que podia ser o elemento detonador para esse conflito étnico e que hoje salta à vista de todos: em 1973, o aparelho de Estado tinha ao mais alto nível a preponderância cabo-verdiana e é esse mesmo conflito que vai desembocar no 14 de Novembro de 1980. Branco é galinha o põe, a historiografia, na ausência de documentos escritos, tem forçosamente de recolher depoimentos de todas as partes. Em 20 de Janeiro de 1973 foram só guineenses que se insurgiram e prepararam a insurreição, não há lá um só cabo-verdiano. Para quê deitar poeira nos olhos ou atribuir à PIDE uma responsabilidade que não está comprovada.

Leopoldo Amado assesta a sua atenção sobre os mísseis Strella, o fim da superioridade aérea e as operações sobre Guilege, Guidage e Gadamael, narra os preparativos da ofensiva prevista para 1974, o abandono de Copá e o assédio a Canquelifá. Chegamos assim ao 25 de Abril, detalha as negociações entre o PAIGC e Portugal, um itinerário de negociações entre Londres e Argel, foi aqui que se estabeleceu o acordo com cessar-fogo e o reconhecimento por Portugal da república da Guiné-Bissau e a retirada das Forças Armadas Portuguesas até 31 de Outubro de 1974. O legado político de Cabral a um texto de grande recorte quanto às principais linhas de pensamento do líder do PAIGC, mas com uma grave omissão, em meu modesto ponto de vista, nunca se vê explicado e documentado onde se alicerça a teoria da unidade Guiné/Cabo Verde. É facto, e Julião Soares Sousa também alude no seu trabalho a esse fenómeno do início da década de 1960, o pan-africanismo e as doutrinas de unidade intraestatal fizeram o seu percurso, como se sabe com mais insucessos que com bons resultados. Nada abona, porém, que houvesse uma opinião pública e uma corrente política que abonasse a favor desta unidade, foi um lampejo que passou pela mente de um líder sobredotado que não mediu, nem ele nem a direção política, as consequências de uma tese dada como indiscutível. É evidente que Cabral não podia denunciar uma questão de fundo: não tinha dirigentes guineenses e na ausência de condições favoráveis para implantar guerrilha no arquipélago atraiu gente altamente capaz que o cercou em cargos de responsabilidade e operações de comando militar de grande melindre, onde se exigiam elevados conhecimentos técnicos e tecnológicos. Era Cabral marxista? Há quem conteste, mas o seu método de análise bebia nessas águas, era convictamente socialista, adepto do partido-Estado e era suposto que a Guiné-Bissau, com a constituição do Boé, tivesse um regime socialista autoritário. Como, mesmo com todos os desvios e delírios da era Luís Cabral, teve. Reconheça-se que Cabral, como regista Leopoldo Amado, foi uma das figuras mais marcantes do século XX, não há investigador que hesite em considerá-lo como o verdadeiro teórico dos movimentos de libertação da África portuguesa.

As investigações de Leopoldo Amado, insiste-se, passam a ocupar um lugar do maior relevo na historiografia luso-guineense. Direi mesmo que existem agora condições para um trabalho conjunto dos historiadores dos dois países. Porque houve dois contendores e os olhares da historiografia precisam de distância e aproximação, de medir o verso e o reverso. E no caso da Guiné-Bissau dá-se o aspeto transcendente de ter sido ali que catapultou o movimento que originou o 25 de Abril. Não é por acaso que os dois povos têm toda a potencialidade para manter um olhar fraterno e dirigido ao futuro.
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Nota de CV:

Vd. postes das recensões anteriores de:

27 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9540: Notas de leitura (337): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (1) (Mário Beja Santos)

2 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9553: Notas de leitura (338): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (2) (Mário Beja Santos)

5 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9560: Notas de leitura (339): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (3) (Mário Beja Santos)
e
9 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9591: Notas de leitura (340): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (4) (Mário Beja Santos)

4 comentários:

Antº Rosinha disse...

Pois é, seria Cabral Marxista?

Culpa do assassinato de Cabral, a PIDE?

Era para levar a sério a Unidade Guiné-Caboverde?

Com tantas perguntas sobre uma figura com obra tão importante, podem-se fazer outras mil perguntas.

Uma pergunta: Não teria Cabral "vendido a alma ao diabo"? e que quando quis segurar o destino já era tarde e assassinaram-no?

É que houve muito poucas lágrimas dos dirigente caboverdeanos, quando da morte de Amílcar e depois com o derrube de irmão Luís.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Mais Velho Rosinha

Essa unidade...entre guineenses e caboverdianos, ainda que nem "fogo fatuo"... fosforecente e estrategico funcionou e resultou num determinado periodo historico... ou seja na criacao de dois estados soberanos !!!

Esta eh a incontestavel verdade !

E hoje olhando ainda que seja de soslaio para a historia (decantado que esta a historia ) so resta aos guineenses e caboverdianos reivindicarem a "paternidade" dessa tal de unidade africana,tao clamada nos tempos que correm, por essa nossa Africa !!!

Afinal um caso unico na historia de Africa !

A morte de Cabral teve muito mais haver com a traicao do que com essa tal unidade!

Mantenhas

Nelson Herbert

Antº Rosinha disse...

Herbert, Herberto era o nome do guineense da Tecnil, o melhor operador motoniveladora de estradas "do mundo".

Nas mãos dele a lâmina da máquina deixava o piso liso como um espelho.

Como eras novo em 1980 penso que não serias leitor, pelo menos muito atento do célebre Nô Pintcha.

Era semanal, e saía à sexta ou sábado.

E no sábado em que Luís Cabral foi para Bubaque em fim de semana,do derrube dele, esse jornal anunciava que no proximo congresso do PAIGC, penso que na semana seguinte, ia ser definitivamente consagrada a ideia do "Partido Único, País único".

E na rádio essa afirmação era martelada constantemente nas poucas horas de emissão.

Mas penso que o maior mal da Guiné (do PAIGC)foram os equívocos e mentiras,como esses, que o povo nunca compreendeu.

Houve apenas o entusiasmo dos jovens, mas isso era demasiado pouco, porque o povo estava completamente incrédulo de braços caídos.

Mas, Herbert, pior que a Guiné (PAIGC)foi Angola, Moçambique e todos os Congos e muitos outros.

Eu considero a Guiné um pequenino flash dentro da África que todos conhecemos, alguns só a partir do sofá.

Anónimo disse...

Mais Velho Rosinha

Em 1980...estava eu a dar aulas no Liceu, a espera de uma bolsa de estudo para o exterior...ahahahhhahha...e ja nao era tao "rapassinho"...e era colaborador do No Pintcha !!!

Ja la vao 5 decadas...

Mantenhas

Nelson Herbert