1. Diz-me o Sousa de Castro que foi o BART. 3873 (a que ele pertenceu) que rendeu o BART. 2917 em Janeiro de 1972. E acrescenta:
"O BART. [Batalão de Artilharia] 3873 embarcou no N/M Niassa em meados do mês de Dezembro de 1971, passando o Natal desse ano no mar. Eu embarquei em Janeiro de 1972 nos TAM. Fui 1º cabo radiotelegrafista. Vivo em Vila Fria, concelho de Viana do Castelo e trabalho nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC). Vou anexar um documento que me deixou algum tempo transtornado e algumas fotos do Xime, tiradas em 2001 por um camarada que pertenceu ao BART. 2917. É apenas uma pequena história que protagonizei. Curiosamente também temos o nosso convívio em 11 de Junho mas em Pataias, é o vigésimo".
2. Aqui fica, para divulgação, o texto que o Sousa de Castro me enviou e me autorizou a divulgar neste blogue:
"Fico até agradecido pela publicação dos meus escritos, não á problema nenhum. Tenho reencaminhado o seu Blog para colegas que estiveram na Guiné e com quem tenho contacto (...). Penso ser uma forma de incentivar as pessoas a fazerem buscas e interessarem-se sobre a nossa história. História que ninguém ousa contar. É extraordinário, quando encontramos algum ex-combatente e começamos a recordar, não só os momentos maus mas também os momentos bons. Aproveito para dizer que possuo um filme feito por um grupo de 10 ex-combatentes que visitaram a Guiné em Novembro de 2000, filme para mim espectacular, e caso curioso, no Xime, passados 28 ou 29 anos uma das lavadeiras da época reconheceu um ex-combatente, dizendo: 'Lúcio! Eu é que te lavava a roupa, não estás lembrado, não?'. Junto em anexo fotos de Bafatá, tiradas em 2001 e cedidas pelo David Guimarães, da CART. [Companhia de Artilharia] 2715, do Xitole".
Um grande abraço ao Sousa de Castro que já teve a gentileza de me contactar telefonicamente e me mandou fotos do Xime, de Bafatá e de Bissau (estas últimas também da autoria do David Guimarães). Ainda sobre a CART. 3494, do Xime, ficou a saber mais o seguinte:
"Não referi no e-mail anterior os mortos em combate da minha companhia. Aproveito agora para o fazer. Considerado mortos em combate, tivemos um: chamava-se Manuel da Rocha Bento, era Furriel Miliciano, natural de Ponte de Sôr. Feridos, tivemos vários, alguns deles com bastante gravidade, tendo sido evacuados para Bissau e posteriormente para o continente (terminando a comissão nesse momento).
"Já estive junto ao memorial [junto à Torre de Belém, em Lisboa] mas não tirei fotos no dia 20 de Outubro 2004, integrando a manifestação levada a efeito pela APVG (Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra, sedeada em Braga. Anexo fotos de Bissau cedidas pelo David Guimarães CART 2715 Xitole".
3. Memórias da Guiné. Xime (1972-1974), por Sousa de Castro
"Xime. CART. 3494. 10 de Agosto de 1972.
"A companhia nesse dia recebeu instruções para fazer um patrulhamento através do rio Geba em lanchas e depois entrar no mato e seguir para Mato Cão. Tínhamos lembrado ao Major de Operações que a hora que ele, major, determinara para sair, não seria ideal, já que dentro de pouco tempo passaria o Macaréu(1).
"Mesmo assim ele entendeu que haveria tempo de sair antes de passar o Macaréu. Os pelotões envolvidos nesse patrulhamento não tiveram outra alternativa senão obedecer. Os soldados, pela experiência adquirida, sabiam que uma desgraça iria acontecer. Dá-se então aquilo que todos esperavam, e que não se podia evitar: são apanhados pelo Macaréu.
"A embarcação virou e então cada qual tentou desenrascar-se como pôde do perigo de morrer afogado. Muitos não sabiam nadar. Depois com todo peso de armamento que transportavam, para além da farda que envergavam, viram-se e desejaram-se para se safarem, mas nem todos o conseguiram. Assim morreram afogados três camaradas, sendo um da Póvoa de Varzim, casado, com uma filha, outro de Famalicão, este solteiro, e um terceiro que já não me recordo de onde era.
"Nesse mesmo dia todo pessoal da companhia desdobrou-se em esforços tentando encontrar os que desapareceram. Só apareceu o de Famalicão, no dia seguinte, já em estado de começo de decomposição.
"Normalmente a companhia fazia diariamente segurança à estrada que ligava o Xime a Bambadinca. Era necessário ir buscar o pelotão que fazia essa mesma segurança. Eu era radiotelegrafista, não podia sair do quartel, mas vendo o estado muito abatido devido ao cansaço em que os transmissões de infantaria se encontravam, peguei no transmissor AVP-1 e na G-3 (2), ofereci-me como voluntário e fui juntamente com o pelotão buscar o pessoal que fazia a segurança à dita estrada.
"Era de noite, então dá-se aquilo que eu não previa. Uma vez no local para agrupar o pessoal que fazia segurança da estrada, vi-me envolvido numa situação para mim única. Começa um forte tiroteio. Supondo ter sentido algo a mexer, eu, ao saltar da viatura, sem querer fiz um disparo, com pessoal na linha da frente. Fiquei preocupadíssimo, poderia ter atingido algum camarada meu, o que não aconteceu felizmente.
"Ao vir para o quartel, antes de entrar, o Furriel Carda, que era de Ponte de Sor (era quem comandava o pelotão que foi buscar a segurança no qual eu estava integrado) mandou parar as viaturas e disse: 'Alguém que está na minha viatura disparou um tiro. Quero saber quem foi. Ninguém quer dizer? É fácil. Cheira-se a arma de cada um e descobre-se já'.
"Como havia um alferes periquito (3, e a maior parte da malta pensando ter sido ele quem deu o tiro, acharam por bem que o melhor seria esquecer e ir embora para o quartel. Será que esse alferes também fez algum disparo? Ainda hoje estou na dúvida.
"Domingo 27 de Setembro 1998. Sousa de Castro".
Notas (S.C.):
(1) Sublevação brusca das águas, que se produz em certos estuários no momento da cheia e que progride rapidamente para as nascentes sob forma violenta, capaz de fazer estragos em pequenas embarcações.
(2) Espingarda automática usada pelas nossas tropas.
(3) Militar acabado de chegar à Guiné.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário