Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
Guiné 63/74 - P3287: Controvérsias (2): Repor a realidade vivida, CCAÇ 557, Cachil, Como, Janeiro-Novembro de 1964 (José Colaço)
1. Mensagem do nosso camarada José Colaço, ex-Sold de Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65, com data de 7 de Setembro de 2008 (1):
Assunto: Repor a realidade vivida
Camarada Luís Graça, muito agradeço a publicação no blogue do texto que envio em anexo.
Não tem a beleza da prosa do autor dos postes em referência (2), mas tem o valor da verdade vivida pelo próprio narrador.
Um abraço.
Colaço
Repor a realidade vivida
Ao ler certos postes pergunto a mim mesmo a que fonte é que teria ido o autor beber, para publicar comentários, em que a bota não liga com a perdigota.
Transcrevo parágrafo do P1330: Em certo dia de Outubro [de 1964], a companhia 728 fez as malas e teve de avançar para o sul da Guiné. (2).
Não sei por onde andou a [CCAÇ] 728 que, mesmo com a tal pernoita em Bolama, a viagem seria de dois dias, mas a 728 só chegou ao Cachil, na Ilha do Como, ou Komo, no dia 27 de Novembro de 1964!
Transcrevo outro parágrafo do mesmo poste 1330: A distribuição dos pelotões no espaço do Quartel ficou a mesma que a companhia 556 tinha fixado e bem.
Resposta: lamentável trocar a identidade da companhia que era a 557 a que me prezo de ter pertencido; a [CCAÇ] 556 nunca esteve na zona de Catió.
Posso te afirmar, camarada J. L. Mendes Gomes, que a 556 passou a maior parte do seu tempo em Enxalé, cerca de 19 meses; esteve também em Porto Gole, Missirá e Bula com um pelotão. Esta água fui bebê-la à fonte, um dos vários elementos da 556 que todos os anos nos dão a honra de conviver connosco no almoço da 557.
Ainda do P1330, transcrevo de novo, dois parágrafos.
(i) "A companhia que saía, esvaída, já não tinha élan vital. Estava acomodada àquele desconforto total e ninguém conseguiria exigir à tropa cansada qualquer esforço que pudesse significar permanência. Se não chegássemos naquela altura, eles teriam debandado… pela floresta, com o desespero".
(ii) "O aspecto geral era verdadeiramente dantesco. Na tropa, já não se reconhecia a cor original dos farrapos que ainda restavam a tapar o corpo. Cabelos e barbas compridas, troncos nus, calções esfarrapados, ninguém se atrevia a identificar as tão cultuadas classes da tropa originária: soldados, sargentos e oficiais. Uma centena e meia de homens e ano e meio de encarceramento, dentro do arame farpado".
Resposta ao 1º parágrafo: de certeza que erraste a vocação, devias era ter optado pela psicologia por naquelas poucas horas que estiveste connosco chegares a tão sinistra conclusão. (É perspicácia).
A LDG que transportou a 728 ao Cachil, foi a mesma em que a 557 regressou a Bissau. Foi só aproveitar as marés.
Mostrei isto ao ex-comandante da 557, capitão Ares, hoje coronel reformado. Surpresa total, para não dizer outros termos, mais surpreendentes. Resposta instantânea.
- Mas como é que alguém pode dizer e publicar isto?
Segundo parágrafo, o aspecto dantesco. Aí tens alguma razão, porque há sempre no meio quem só cumpre as ordens com a tal disciplina militar.
O capitão tinha emitido uma ordem, que nós íamos-nos apresentar em Bissau e aí a ética militar tinha que ser respeitada, o Cachil tinha acabado. Por esse motivo a quase totalidade dos elementos tinha feito ou aparado a barba, cortado o cabelo, porque é muito raro não haver nas companhias um elemento que não tenha aprendido na vida civil a profissão de barbeiro (na 557 também lá tínhamos um barbeiro).
Os troncos nus. É verdade, mas deves de te lembrar do teu comandante, (o tal bravo capitão de Évora)... Citação tua P1359, ele ter autorizado os elementos da 728 despir as camisas, copiando um pouco a liberdade da 557.
Uma centena e meia de homens e ano e meio de encarceramento dentro do arame farpado.
Também não é verdade, o seu a seu dono, não foi ano e meio, mas sim dez meses e uma semana. Mas, atenção, nos primeiros dois, três meses nem arame farpado existia, era simples acampamento.
Quanto ao encarceramento também não é verdade, pois durante estes dez meses e uma semana, além da Operação Tridente, das explorações à mata do Cachil, também parte da companhia foi chamada para as operações a Cufar, mata do Cantanhez, onde dizes que tiveste o baptismo de fogo... Pois lá também ficou sangue da 557: O 2.º Sargento Conde uma vez, outra o soldado n.º 839 António Belo, ambos evacuados para a Metrópole, e por último o soldado de transmissões n.º 1160 António Alexandre, este com menos gravidade.
Uma nota: Na nossa estada no Cachil, certo dia de Abril de 1964, o helicóptero aterrou e com ele o Brigadeiro Comandante Operacional da Guiné, de que não me lembra o nome, de estatura média (baixinho ou pequeno, esse sim deve ter ficado totalmente estupefacto ao perguntar para ele próprio:
- Isto é tropa portuguesa… ou um bando de maltrapilhas ?
Quase quatro meses de mato, água para lavar a roupa nem pensar, não havia, cabelos e barbas com os quase 4 meses!
Bem, abreviando: na companhia havia um soldado conhecido pelo nome Porto, por ele dizer que era do Porto. Então o Porto dá uma grande palada ao Brigadeiro, pede licença e diz mais palavra, menos palavra, o seguinte:
- Meu Brigadeiro, como o nosso Brigadeiro pode confirmar, nós estamos aqui nesta situação, os camuflados todos rotos, ou descosidos, as botas na mesma, - e mostrou-lhe as botas - as meias, as que a minha mãe me deu e é assim que temos que enfrentar o inimigo, no meio da mata ou da bolonha.
O Brigadeiro responde praticamente com as seguintes palavras:
- Nosso capitão, estes homens não podem andar assim, mande vir camuflados, botas e meias para estes homens.
O capitão ainda fez a observação:
- E a duração?
Palavras secas e duras do Brigadeiro:
- Não há, nós estamos em guerra.
Foi o que o capitão quis ouvir, nunca mais faltou na companhia camuflados, botas e meias.
Ainda do P1330, transcrevo o final de parágrafo: a companhia 556 tinha conseguido implantar uma pista tosca para a festa da avioneta, do correio e dos mantimentos frescos, durante a época seca.
Resposta, mais uma que não é verdade.
E mais uma vez a chamada 556. Dá ensejo de dizer, aquele provérbio popular:
- Mais vale f… que trocar-lhe o nome, neste caso o número.
Havia, de facto, na parte nascente do quartel uma zona onde era possível, sem recorrer a máquinas, implantar uma tosca pista para avionetas, se a 728 a fez tudo bem, a 557 não.
Nessa zona só o que estava alterado eram os abrigos que tínhamos cavado na tarde em que chegamos à Ilha, 23 de Janeiro de 196, e o poço que, em vez de água, dava o tal líquido que parecia petróleo.
Ler anónimo: Continuando o comentário em: Guine 63/74-ccxxvi:Antologia (25): Depoimento sobre a Ilha do Como
No Cachil entre 23/01/64 e 27/11/64 os únicos meios aéreos que aterraram lá foram o helicópteros durante a Operação Tridente e a tal visita do Brigadeiro.
Camarada, participar na Operação Tridente, fazer o quartel, participações nas operações a Cufar e ainda fazer uma pista para meios aéreos, lembra-me a frase do saudoso Zeca Afonso, Arre porra que é demais.
P1359, transcrevo novamente parágrafo:
A companhia que íamos render [a CCAV 488?] já tivera o grande trabalho de construir, de raiz, as instalações mínimas que havia e, segundo disseram, limitava-se a marcar presença no terreno. Nunca fora atacada, depois de terminar a grande operação que a deixou lá [, a Op Tridente]” (…).
Resposta: A companhia que íamos render [a CCAV 488?]. Mas qual 488!!!!????...
A 488 esteve, sim, na Ilha do Como, mas na zona de Caiar, Caunane, e só durante a Op Tridente; saiu com o batalhão 490 no dia 23 ou 24 de Março de 1964, quando foi dado como terminada a Op Tridente.
Segundo disseram, limitava-se a marcar presença no terreno. Nunca fora atacada, depois de terminar a Op Tridente. Sim, a 488 é verdade, nunca esteve acampada, ou aquartelada no Cachil.
Mas a 557 suportou, após a Op Tridente, entre finais de Março de 1964 e Novembro do mesmo ano, oito ataques, para ser mais preciso aí vão as datas e as horas de início: Dia 01/04/64 às 18 horas, 18/04/64 às 18 horas, 20/04/64 à 1 hora da manhã, 09/06/64 às 22 horas, 08/08/64 às 23 horas, 06/09/64 às 18 horas, 04/11/64 às 18 horas e finalmente 16/11/64 às 19 horas e 30 minutos.
Referente a este ultimo ataque, ler P2352 do camarada, 2.º sargento, Joaquim Fernando Santos Oliveira. Ele com pouco tempo de Cachil faz um comentário verdadeiro da situação vivida no terreno.
Os finais dos ataques não estão registados, mas era normal durarem entre 40 minutos a 1 hora.
Espero ter contribuído, com a verdade vivida no terreno, para o esclarecimento de alguma ficção, dos referidos postes.
Um alfa bravo
Colaço
____________
Notas de CV:
(1) Vd. poste de 2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2912: Tabanca Grande (73): José Botelho Colaço, ex-Soldado de Trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)
(...) Nome: José Botelho Colaço
Morador no Bairro da Castelhana - São João da Talha
Posto militar: ex-Soldado de Transmissões
Unidade: CCAÇ 557 (1963/65)
(i) Embarcou para a Guiné em 27 de Novembro de 1963 e chegou a Bissau a 3 de Dezembro;
(ii) Em 15 de Janeiro de 1964, embarcou, à tarde, num batelão rumo a Catió;
(iii) No dia 23 de Janeiro desembarcou numa LDM, com quase toda a Companhia, na mata do Cachil, Ilha do Como, para participar na Operação Tridente;
(iv) a CCAÇ 557 saíu do Cachil no dia 27 de Novembro de 1964, rumo a Bissau, onde permaneceu cerca 3 meses;
(v) O resto da comissão foi passado em Bafatá, de onde saíram em 27 de Outubro de 1965.
(vi) Desembarcou em Lisboa a 3 de Novembro de 1965 (3).
(vi) Foi Técnico Metalúrgico, está actualmente reformado.
(...)
(2) Vd. poste de 1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG
(...) O Palmeirim de Catió é o nosso muito estimado amigo e camarada Joaquim Luís Mendes Gomes, jurista, reformado da banca, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Catió, 1964/66).
Nesta quarte parte das suas crónicas, ela relatou a viagem da sua unidade, colocada na Ilha do Como, em Outubro de 1964, sete meses despois da Op Tridente, operação mítica (tanto paras as NT como para o PAIGC) em que participou o nosso camarada Mário Dias, cujo testemunho, inédito, já tivemos o privilégio de inserir no nosso blogue, na I Série.
Ao nosso camarada José Colaço, membro mais recente (mas não menos estimado) da nossa Tabanca Grande, apresentamos as nossas desculpas pela demora, de um mês, na publicação desta sua mensagem. Decidimos inseri-la na nova série Controvérsias, não por que haja o intuito de abrir mais uma polémica, mas tão só a de contribuir para clarificar, corrigir, esclarecer alguns detalhes e pormenores factuais. (É uma série, não para o confronto de ideias e de opiniões, e da divergência na interpretação dos factos, mas para a organização dos factos, a reposição da verdade dos factos) (4).
Passadas mais de 4 décadas sobre os acontecimentos aqui relatados, é natural, é humano, que haja erros de pormenor, contradições factuais, traições da memória, diferenças de percepção, etc. Como é timbre do nosso blogue, procuramos sempre garantir a verdade dos factos, no que diz respeito a datas, lugares, acontecimentos, nomes, etc. Temos limitações, a começar pelas fontes: privilegiamos as memórias, os depoimentos, as vivências, os escritos pessoais, os nossos diários, os nossos aerogramas, os relatórios das nossas unidades... Pedimos a compreensão de todos para essas limitações, e pedimos que na análise de eventuais divergências sejamos sempre serenos, objectivos, tolerantes e sobretudo generosos, como devem ser os camaradas que lutaram lado a lado, sob uma mesma bandeira... Ninguém está aqui para "pintar à pistyola", para aldrabar, para rebaixar o outro ou a engrandecer-se a si próprio... Até por que é difícil mentir: há demasiados protagonistas e testemunhas, e só na Tabanca Grande já somos quase duas companhias...
Ao J. L. Mendes Gomes e ao José Colaço agradecemos os seus contributos para o melhor conhecimento da nossa actividade operacional no sul da Guiné nos já idos anos de 1964...
(3) Vd. último poste de José Colaço de 29 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3099: Os Nossos Regressos (13): Fundeámos ao largo, com as luzes de Cascais...(José Colaço, Cachil, Bissau, Bafatá, 1963/65))
(4) Vd. primeiro poste da série Controvérsias de 3 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3267: Controvérsias (1): Sedengal, 21 de Dezembro de 1970 (Carlos Matos Gomes / J. M. Félix Dias / Carlos Silva / José Martins)
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5 comentários:
Caro Colaço e restantes Camaradas
Quero dar nota positiva ao essencial de quanto é referido.
No entanto pretendo fazer uma achega acerca das FLAGELAÇÕES ao Aquartelamento e que não são reportadas (e muito bem) de ATAQUES; estas foram mais que muitas. Acerca da duração do ATAQUE de 16NO64, aí já posso atestar que foram duas horas e vinte, uma excepção que nos podia ter custado a Vida.
Acerca da Pista, SEMPRE foi possível uma aterragem de DORNIER, T6 e ou Helis, sem se ter de lançar mão de qualquer Obra que não fosse a queima do capim. O terreno plano e desimpedido já lá estava. Mas,tal nunca aconteceu no período que lá passei (até 12FEV65).Nem o som de meios aéreos se escutou pelas áreas próximas.Razões!!!
A todos, o meu abraço
Santos Oliveira
Estive a ler esta curiosa troca de palavras e... francamente não entendi a indignação do Ex. Soldado Colaço. "Foi em Novembro e não em Outubro!!??" Era 557 e não 556? Francamente!!
Quanto ao resto, pareceu-me ver no escrito uma certa compreensão pelo natural cansaço de quem estava farto de estar ali.Éu só fui para a Guiné 5 ou 6 anos depois, mas sei o que é esperar pela hora de vir embora...
Francamente,quem será este anónimo?
Francamente,quem será este anónimo?
Caro amigo Santos Oliveira este comentário surge com anos de atraso, mas nós ainda estamos por enquanto vivos e para que fique para a história o motivo de no Cachil de 23-11-1964 a 27-11-1964 nunca além dos helicópteros nenhum meio aéreo lá ter aterrado. eu só confirmo até 27-11-1964 altura em que de lá saí mas o camarada e amigo Santos Oliveira como saiu de lá em 12-02 de 1965 confirma mais dois meses e meio.
Motivo: Foi lá um especialista da força aérea a data exacta não me recordo mas creio que foi entre Março e Abril de 1964 ver o terreno onde e viu pequenos morros com raízes de capim e disse que o trem de aterragem ficaria danificado, esta observação foi observada por uma avioneta D.O que fez vários voos rasantes para comunicar com o pessoal em terra para saber quais as consequências de uma aterragem, foi lhe comunicado os problemas que eram susceptíveis de acontecer e de ter possibilidades de um acidente grave, eu fui testemunha porque fui escalado como transmissões e acompanhado de um rádio AN-PRC-10 para comunicar com a avioneta.
Um grande abraço caríssimo amigo Santos Oliveira.
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