1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 22ª estória:
Camaradas,
Continuo a vasculhar o meu baú de recordações, onde ainda retenho alguns textos escritos à muito tempo, e vou-os enviando, aos poucos, para eventual divulgação no blogue.
Este tem o título de:
A CHAPA DE IDENTIFICAÇÃO
Todos nós transportámos ao pescoço este precioso colar, contendo a nossa chapa de identificação.
Um colar de metal, sem qualquer valor comercial, que nos tinha sido oferecido pelo nosso Exército. Era o nosso maior bem e riqueza pessoal, pois o mesmo representava a nossa presença entre os seres vivos daquela guerra.
Este foi o método encontrado pelos Serviços Mecanográficos do Exército, para mais facilmente identificarem os mortos, quer em combate, quer pelos mais diversos motivos.
Para qualquer um de nós era sempre um momento doloroso, quando tínhamos de tirar a chapa de identificação a um camarada nosso, porque, como é evidente, era sinónimo que já não regressava vivo connosco, quando regressássemos ao Continente.
Tive a infeliz tristeza, que me marcou indelevelmente e jamais esquecerei até ao resto dos meus dias, de ter realizado esse acto com um dos nossos Camaradas mortos em combate, o Victor Manuel Parreira Caetano, Soldado Atirador de Artilharia, com o Nº Mec. 17618068, segundo os elementos que constavam na sua chapa de identificação.
Para mim, e creio que para totalidade dos meus Camaradas, era a cena mais negra e dolorosa da guerra, tirar e partir a sua chapa de identificação.
Infelizmente, houve casos em que nem esse simples gesto foi possível fazer, devido ao grave estado de mutilação em que ficavam alguns dos corpos.
Um combatente que tivesse a infelicidade de ser atingido pelo sopro e pelos estilhaços de um fornilho, a sua identificação posterior, pela chapa que o mesmo transportava, era quase impossível.
Hoje, todos aqueles a quem tivemos o doloroso dever de retirar a sua chapa de identificação, por terem morrido no conflito do Ultramar, têm a sua memória perpetuada, nas pedras evocativas com os seus nomes no Monumento aos Combatentes do Ultramar, no Forte do Bom Sucesso, em Belém, Lisboa.
Deus permita que repousem eternamente em paz!
Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
Fotos: Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
30 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 – P5035: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (21): A noz-de-cola
11 comentários:
A história das nossas vidas, não fora a circunstância duma guerra que travámos, seria, como usualmente, o somatório das boas e más evoluções quer físicas, quer morais, éticas, culturais, etc. a que estivemos sujeitos.
As décadas de 60 e 70, muito em particular os anos durante os quais interviemos directamente no conflito, permitiram um up-grade ao nosso ADN cuja grandiosidade chega a comover-nos e nos aproxima inexoravelmente do Deus em que acreditamos quando dele ( up-grade ) tomamos conhecimento.
É comovedor ler o post do Mário Pinto ao referir-se com uma sensibilidade artística à "chapa" que nos enfiavam ao pescoço com a indicação da sua utilidade para quando fossemos eliminados ....
Tinha laivos de semelhança ao papel higiénico, quanto mais não fosse pelo picotado ao longo do qual se rasgaria para ser devolvida a quem de direito a atestar que teríamos sido feitos em merda.
Não recordo se fazia parte do espólio que os soldados teriam tido que devolver ao desmobilizarem mas que era um verdadeiro ex libris do combatente, isso é verdade !
Parabéns, Mário por esta lembrança que traz agarrada a lembrança dos nossos mortos e permite que me associe à tua prece no desejo ardente que descansem em paz.
Um abraço,
António Matos
Caro Mário,
A sensibilidade com que te referes a esta chapa idendificadora é deveras comovente. Chocante pela memória que trás a muitos dos nossos camaradas.
Do meu pescoço, tenho a certeza, que nunca tirariam nenhuma.
A minha companhia não foi servida com a tal chapa idendificadora.
Por esquecimento? Porque foram arranjadas outras formas identificadoras que desconheço? Ou pura e simplesmente porque deixou de ser necessário identificar a mer...(?), como muito bem disse o A Matos.
No livro dos precalços também está um camarada da CCaç 3327.
Permite-me que me junte a ti na tua prece, no desejo firme de que Deus tenha os nossos mortos em bom lugar.
Um abraço,
José Câmara
Caro Mário Pinto
Antes da tua prece, que mesmo os ateus não desprezam, referes:
"têm a sua memória perpetuada, nas pedras evocativas com os seus nomes no Monumento aos Combatentes do Ultramar, no Forte do Bom Sucesso, em Belém, Lisboa."
Ainda bem que assim é.
Em tempos, numa carta ao director de um leitor de um jornal díario, defendia que os nomes dos nossos camaradas deveriam ser "apagados" das pedras evocativas, para em seu lugar surgirem os que tinham procurado outras terras e outros "combates".
José Martins
Estive na Guiné no período 1963/65 e não tenho memória de na minha companhia ter sido distribuída tal chapa.
Será que seu uso se tornou obrigatório para assim poderem identificar alguns restos de carne humana?
A "chapa" de aluminio era picotada e continha de um lado e do outro os mesmos dados, ou seja um número indicativo, que não sei onde o iam buscar ( o meu era o P216250-68) e o último sobrenome. Do lado oposto tinha o tipo de sangue e uma data que também não sei onde a iam buscar. O picotado permitia que se pudesse partir, de modo a que uma parte continuasse no pescoço da desgraçada vítima mortal e a outra fosse pregada no esquife.
Zé Teixeira
Caro Mário,
Não me recordo de termos tido essa chapa identificadora.
Dos nossos quatro mortos,(dois a menos de uma semana do regresso),um deles nem sequer apareceria,aprisionado que foi
pelos "amigos" do PAIGC...
um abraço
manuel maia
Caro Manuel Maia
Parti do proceposto que todos nós usámos a chapa de identificação, não sabia que tinha havido uma época que a mesma não tinha sido usada.
Um abraço
Mário Pinto
No meu tempo de Guiné, DEC71/ABR74 CART 3494 XIME e Mansambo. Eu não recebi nenhuma chapa de identificação nem me recordo de os meus camaradas terem tido essa preciosidade!
A. Castro
Caro Mário
Gosto sempre de ler o que escreves, pois, de uma maneira ou de outra, há situações similares que nos tocaram a todos que por lá andámos.
Sobre a chapa de identificação, deve ter caído em desuso,vá-se lá saber porquê, já que, como outros camaradas aqui dizem, também não usei nem tive conhecimento dela. Desembarquei em Bissau em 24/12/1971 e regressei à Metrópole em 21/01/1974.
Possivelmente, acharam que não valia a pena identificar a "carne para canhão".
Um abraço para todos os ex-camaradas combatentes
José Pires Vermelho
-Ex-Furriel Milº CCAÇ 3520 -Cacine/Cameconde
-CCAÇ 6 - Bedanda
-CIM - Bolama
Vermelho! Estives-te em Bolama em 1974? Eu estive até Maio, Com O Borbinha Pires, O Pate Embalo, O Testa de Ferro, o Arroja, o Carola 2º sarg. Tenho umas fotos, da passagem de ano de 73 para 74 no clube que havia na rua principal, ali ao lado do cinema. Somos um bando a festejar. Hoje ao pesquisar CIM encontrei algumas coisas tuas até a piçada do chefe de tabanca e recordei-me que o teu nome me diz alguma coisa. Eu cheguei ao CIM para ai em julho de 73 e vinha da 12 e fiquei até maio de 74. Parti a loiça toda no nosso bar e o sargento-mor ameaçou dar-me uma porrada se não limpa-se aquilo tudo, como não limpei, o Borbinha, para me safar, limpou. O Borbinha, de que não li por aqui nada, era o nosso relações públicas com o chefe da classe. Eu era da companhia do Noás. Se recordas alguma coisa do que escrevi talvez te recordes de mim. Tinha, para além de dar a recruta, o depósito de fardamento a meu cargo.
joao silva ex- furriel
Jpscandeias ( João silva) creio que o Borbinha Pires a que se refere é o meu pai. Pode deixar-me o seu email pff, para que o contacte. Ana Borbinha Pires
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