1. Mais uma Nota Solta da 643, enviada ao Blogue pelo nosso camarada Rogério Cardoso* (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), no dia 24 de Fevereiro de 2010.
MEMORIAS DA VIAGEM NO NAVIO UIGE, DE 4 a 10 de Março de 1964
Um embarque naquelas condições, era uma cena que nem quero lembrar, a todos nós foi doloroso.
Deixar os nossos familiares, pais, mulher e filhos, em alguns casos, e amigos, num choro convulsivo, íamos para a guerra, pelo menos a maior parte de nós.
Passadas aquelas primeiras horas e depois da terra desaparecer, particularmente eu como sou de Cascais, foi o ultimo local a deixar de vêr, o que me custou umas lágrimas junto à proa do navio, pois o esquecimento embora momentâneo estava no meio de nós.
Os dias eram passados ora na sala de jantar, diga-se de passagem que pelo menos a Sargentada era bem tratada, ora no bar onde se jogavam umas cartadas até de manhã, a maior parte das vezes. Também eram projectados filmes no convés do navio com o ecrã num dos mastros, o que quando havia vaga lateral e com os olhos fixos no mastro, com as estrelas no fundo a andarem de um lado para o outro, provocava alguns enjôos,mas claro o mar estava ali mesmo ao lado.
No dia da chegada, todo o pessoal ficou a admirar a lenta entrada do Uige no Rio Geba até Bissau.
O navio não atracou no Pidjiguiti, e antesde sermos transportados no ferry, fomos visitados pelos nossos queridos camaradas do SPM que nos vieram dar as boas-vindas. Boas-vindas que se traduziam na venda de selos, postais e trocando as notas de Escudos Metropolitanos, por Escudos da Guiné, mais vulgarmente chamados de Pesos, claro Escudo por Escudo, e nós inocentemente lá fomos na onda dos nossos amigos, posso dizer que foram muitos milhares trocados, éramos um Batalhão mais uma Companhia independente, mais uma vez obrigado aos nossos amigos do SPM, pelo grande barrete que nos enfiaram até às orelhas, porque mal pusemos pés em terra, os civis que eram às dezenas, vinham propôr a troca a 15 e 20% de ganho.
Logo deu que pensar, se isto é para amigos, o que nos fará o inimigo.
Saudações a todos ex-combatentes do
Rogério Cardoso
Foto 1 > 5 de Março de 1964 > Na sala de jantar do Uíge > À esquerda: Furs Mil Dias, Magalhães e Amaral. À direita: Fur Mil Massano (falecido), 2.º Srgt Justiniano e Fur Mil Pereira Almeida.
Foto 2 > Uíge > Na sala de jantar, Furs Mil: Rogério, Cabeças, Águas, Inácio e Peixoto (já falecido)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 19 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5842: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (8): Momentos de lazer
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
Caro Rogério
Algumas pequenas observações..
O olhar melancólico para a linha de costa a desaparecer e o pensamento a martelar "será que vou voltar? e em que condições?". Olha amigo, não foste o único....
As despedidas no cais, os choros, os gritos, a angústia... ainda muito antes de me 'tocar a mim' assisti a várias partidas, de longe, do Miradouro de Santa Catarina e podes crer que o clamor que chegava lá acima era arrepiante.
A entrada lenta no Geba, para ambientar, já tem sido referida por muitos. Acho que é um 'clássico', que perdurará na nossa memória até ao fim.
E, para terminar, registo apenas que a vossa 'aprendizagem da vida' começou então bastante cedo, ainda antes de pisar terra! Bem vistas as coisas não se deviam queixar, foi 'sem dôr'....
Um abraço
Hélder S.
Eu também viagei no Uíge, mas para Angola em 67, mas como houve um acidente a bordo com um militar, entramos em direcção à Guiné e paramos ao largo junto a Caió, donde veio uma lancha dos fuzileiros para evacuar o acidentado, lembro-me que na areia, julgo que junto a um farol, estava um helicopetro para levar o militar a Bissa. No regresso em 69 o homem já vinha conosco agora no Niassa. Apanhei o melhor!!! que andava no transporte de tropas.
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