1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 16 de Abril de 2010:
Meus caros camarigos Luís, Carlos, Virgínio e Eduardo
Recomposto agora das dores de “crescimento” por força de ter feito 61 anos, venho colocar à vossa douta consideração uma “ideia” que me “relampejou” precisamente e por causa do meu agradecimento aos “inúmeros comentários/parabéns”, (é só para fazer inveja ao Eduardo e ao Carlos), e que é o seguinte.
Os versos que então enviei fazem parte de uma etapa da minha vida, que de maneira muito concreta se prendem com a minha “estadia” na Guiné.
Com efeito, passados 20 anos da minha ida para a Guiné, deparei-me, ou melhor tive de me confrontar com a vida que tinha vivido e vivia, e que não era de modo nenhum uma vida que tivesse sentido.
A ida e permanência na Guiné, desorganizaram-me por completo e não tendo conseguido uma reintegração normal na sociedade de Lisboa ao tempo do meu regresso, rumei a Luanda, julgando que voltando a África, conseguiria encontrar o equilíbrio que me faltava.
Se por um lado não me meti em “sarilhos de maior”, o ter levado com o 25 de Abril em África, e a vivência nessa terra cheia de excessos, em vez de me ajudarem a encontrar caminho, pelo contrário mantiveram-me num estado latente de nervosismo e insensatez que se vai revelar nos anos seguintes já em Portugal, até pelo menos por volta de fins de 1991, precisamente 20 anos depois do meu embarque para a Guiné.
Nessa altura, algo começa a mudar em mim e eu começo a questionar-me sobre a minha vida e o sentido da mesma.
Hoje quando olho para trás, acredito que terá sido um prenúncio do meu encontro com a Fé Cristã e Católica que vai mudar radicalmente a minha vida.
Tudo isto para dizer, que nesse período de fins de 1991 e inicio 1992, coloco em causa a minha própria vida, passada, presente e futura, e faço-o algumas vezes por escrito, de que é exemplo os versos que já foram publicados na Tabanca Grande.
Pois o que leva a todo este “arrazoado” de palavras que vos escrevo, é colocar à vossa consideração a publicação de alguns escritos desse tempo, como por exemplo uma série com um título do tipo:
“20 Anos depois da Guiné, à procura de mim!”
Agora, com toda a amizade e frontalidade que nos une, quero pedir-vos que sejam perfeitamente directos na vossa apreciação e me digam “preto no branco” se tem sentido e cabe na orientação “editorial” da Tabanca Grande a publicação de tais escritos.
Com a mesma amizade e alegria aceitarei a vossa decisão.
Anexo um primeiro texto, em prosa, que podereis publicar ou atirar para a “cesta secção”, conforme melhor entenderdes.
Um grande e camarigo abraço para todos do
Joaquim Mexia Alves
DEPOIS DA GUINÉ À PROCURA DE MIM
20 ANOS DEPOIS (1)
A Viagem
Estou sentado na areia da praia com as mãos apoiando o queixo e o olhar fixo no longe.
Na minha cabeça passam as imagens, (imaginadas), das caravelas a partir rumo ao desconhecido.
Uma ponta de inveja começa a crescer dentro de mim e em pouco tempo transforma-se numa exaltação que me enche por completo.
Partir para sítio nenhum, onde nada existe e onde tudo talvez nada se encontre!
Que aventura, que excitação, que desafio!
Vejo-me já a cruzar as águas dos oceanos, a minha imagem a rir de exaltação, reflectida no espelho prateado das ondas, as gaivotas a acompanharem-me no seu vôo perfeito, a incitarem-me com o seu grasnar ensurdecedor e aquela permanente sensação de estar quase a chegar a lado nenhum.
E se não há mais Terra? E se tudo acaba no espaço? E se não chego ao fim só porque não há fim nenhum?
É quase brutal a alegria de querer conhecer o desconhecido. Traz-me cânticos aos lábios, o meu cérebro trabalha a velocidades já mais atingidas, o meu corpo está dorido de tanta excitação inacabada.
Já lá vai tanto tempo e eu continuo a viagem com a mesma vontade com que a comecei.
De repente surge um ponto no horizonte que rapidamente ganha tamanho e importância.
É uma explosão de vida! Cheguei, consegui, descobri!!!
E é um paraíso, nada falta, tudo é bom, tudo é calmo. A sensação vai crescendo à medida da descoberta, cada vez é mais forte, mais completa.
Desta vez acertei!
Depois de tudo conhecido e explorado, passada a euforia da conquista, começo a reparar que afinal sempre deve haver melhor, sempre deve haver mais coisas, sempre deve haver mais calma, sempre deve haver mais ... tudo.
E recomeça a inquietação, o não poder estar parado, a falta de qualquer coisa para a qual devo estar fadado.
Aquela sensação dorida de que se tudo já está satisfeito, eu ainda tenho muita vida para descobrir, para viver, para criar.
Alguém precisa de mim, em algum sítio, em algum tempo, em algum espaço.
Nem que esse alguém, seja eu!
Preparo-me para a nova viagem, que no fundo é a mesma. E rio-me. Rio-me, porque os meus preparativos para a viagem, são partir!
Mais uma vez as sensações fortes e amigas tomam conta de mim: a boca ri, os olhos brilham, o corpo incha de excitação, a cabeça fervilha de ideias perfiladas, que nunca acabam, onde as outras não começam.
E parto mais uma vez com o coração ao alto, tendo como companheiro de viagem o meu próprio sentir.
E o que mais me espanta é que nada disto me cansa, porque nesta viagem tão longa, todos os dias há coisa nova, não há ondas que sejam iguais, nuvens que sejam parecidas, nem caminhos que se sobreponham.
Há um renovar constante, um renascer permanente. Até o caminho percorrido tem coisas para descobrir.
Mas o que é mais interessante, é saber que nunca vai acabar, que a viagem vai continuar e que se alguém me quiser acompanhar tem de ter a mais linda qualidade: é o nunca querer ficar!!!
Chegarei ao fim um dia?
Se chegar, meu Deus, não me faças acabar, enche-me todo de sentir e então faz-me ... explodir!!!
Escrito em 26.11.91
__________
Nota de CV:
(*) Vd. postes de:
23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6223: O 6º aniversário do nosso blogue (18): Ensinamento de vida (Joaquim Mexia Alves)
e
6 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6112: Parabéns a você (99): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil OP Esp (Os editores)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
Joaquim Mexia,
Que se passa?
Um homem de tanta fé e coragem, agora tem uma recaída?
Gosto de ler os seus textos, mas com mais convicção de vida.
Desculpe.
Filomena
Camarigo Mexia Alves:
Congratulo-me por teres encontrado uma motivação para que a tua vida faça sentido, o que nem sempre é muito fácil.
Imensas vezes andamos à deriva, sem rumo, ao sabor dos acontecimentos. Julgo que todos nós, em algum momento, atravessámos períodos da nossa vida como tu.
Readquirir o rumo certo torna-se então tarefa nem sempre fácil.
Parabéns pelo encontro contigo próprio, que acaba por ser o encontro com todos nós.
É sempre agradável ler aquilo que escreves e vejo este local como o mais indicado, desde que seja esse o teu desejo.
Um breve até amanhã, com um
grande abraço do Camarigo
Manuel Reis
Caro Joaquim
Independemente de concordar ou tantas vezes antes pelo contrário, com as tuas reflexões e/ou com o caminho a que te conduziram os teus tempos antecedentes - passado é somente aquilo que se esquece - quase invariavelmente gosto de como escreves(te) e do que escreves(te).
Porque me identifico ?
Porque recuso ?
Porque comungo ?
Porque contradigo ?
Sei lá !!!
Se calhar apenas pela pura e desinteressada empatia que suscitas.
Foi assim com o teu:
"O que é que estou aqui a fazer"
Foi assim com o teu espantoso
Poema aniversariante.
Foi(é)assim com o teu novo:
"Poema" (deixa-me chamar-lhe assim) de hoje.
Contrariamente ao que comenta a nossa amiga Filomena, não te vejo a recair de nada, até porque a nossa - apanho-te dentro de um mês - chamada "velhice" é, antes pelo contrario, uma nova e diferente fase.
O nosso, até agora, ligeiro que não vago contacto assegura-me que o Mexia Alves ainda tem muito para gostosamente (se/nos) surpreender.
Pus-me para aqui a teclar e agora como trivialmente lá tenho que rematar...
à boa (e incera) Portuguesa cá vai:
Um forte e fraterno abraço
Jorge Narciso
P.S.1 - Estende o abraço aos "encontrantes" de amanhã e mais ao cozido da minha "frustração" (um deste dias não me escapa)
P.S.2 - Darei o teu abraço ao Francisco Silva
JN
Só um abraço e poucas palavras. És um Homem de Fé, um homem que, se não me engano, através dela dás, em parte, sentido ou mais sentido a tua vida.
Poucas palavras minhas, de tantas a dizer. Para um dia.
Aí vai um abraço fraterno deste teu amigo.
T.
Amiga Filomena e meus camarigos
Obrigado pelas vossas palavras.
Filomena, este meu escrito é de 1991 e não de agora!
Naquele tempo sim, era um homem um pouco à deriva, hoje não, sou um homem de fé e com um sentido muito claro e preciso na vida.
Mas obrigado pela sua preocupação.
Por isso o título da série "20 anos depois da Guiné á procura de mim", ora eu já saí da Guiné há quase 37 anos!
Um grande e camarigo abraço para todos
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