QUISERA EU... (2)
por Manuel Maia*
Quisera eu ver as aves aos milhares,
esvoaçando em nuvens, nesses ares,
mal dia amanhecia, em frenesim.
Auroras, fontes luz de amanhecer,
ocasos quentes lindos de morrer,
nos dias de sossego de Fatim...
Fatim, das Quintas, Sábados, Segundas,
de peitos espetados, rijas bundas,
bajudas lavadeiras do quartel.
Fatim das noites longas, feitas jogo,
gargantas ressequidas pelo fogo
e fumo dos cigarros a granel...
Tainadas cabra, porco ou cabritinho,
regadas a cerveja ou melhor vinho,
que o "canforado" e militar ruim...
Por vezes, frita a gosto, a pardalada,
batata, pouca, mista era a salada,
no "Gourmet Michelin" lá de Fatim...
Quisera aquela terra ver de novo,
revisitar lugares,rever seu povo,
sentir o cheiro d`África profundo.
Quisera estar à sombra do mangueiro,
colher à mão o fruto ao cajueiro,
e ser parte integrante desse mundo...
Quisera ter a força da mudança
que trava o desespero e abre a esp`rança,
p`ra suspender tamanho desatino.
Guiné, hoje é central do ilegal,
da droga plataforma mundial,
em clara oposição ao seu destino...
P`ra esse antigo espaço lusitano,
traçado pelos deuses, há um plano,
de paraíso pleno para o homem.
Turismo pode ser caminho certo,
se usado bem, e sê-lo-á, decerto,
urgente é pois que a paz, cedo retomem...
Quisera eu ver milícias de Bissum,
acaso a vida preservasse algum,
tão monstruoso crime ali se fez...
Fuzilamento foi a arma usada,
contra a milícia e mesmo a garotada
ante um silêncio/nojo, português...
Quisera um dia eu voltar ali,
sentir e recordar onde vivi,
por terras de Bissum e de Fatim.
Descer até ao sul p`ro Cantanhez,
mirar Cafal, Cafine, um`outra vez,
`inda`ntes de chegar meu tempo ao fim...
__________
Notas de CV:
(*) Manuel Maia foi Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74.
Vd. primeiro poste da série de 14 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6737: Blogpoesia (74): Saudades daquele tempo, ou Quisera eu... (1) (Manuel Maia)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
Camarigo Manuel Maia
Quedo-me mudo, calado perante a força da tua rima.
Outro livro, outro livro, é o grito que lanço à Tabanca.
Um abraço forte e camarigo
Caro Manuel Maia ( o trovador guineense)
Comungo da ideia do camarigo Mexia Alves outro livro cá para fora!!!
Abraço Fraterno
Luís Borrega
MANUEL MAIA
Só me posso repetir, continuo a gostar. Quisera eu que continuasses a escrever assim.
Recebe um grande abraço
César Dias
Caro M. Maia
Para além da qualidade habitual dos teus poemas, este, em particular, contém uma força que é quase um autêntico manifesto.
É um grito de esperança, é um grito de revolta, é uma manifestação de saudade e também de determinação.
Um Manuel Maia no seu melhor!
Um abraço
Hélder S.
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