sexta-feira, 16 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6751: (In)citações (1): O tocador de harmónica de Guileje (Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento)

 



Vídeo (''52):  Tocador de Harmónica. Antigo milícia, ao tempo do abandono do aquartelamento pelo Exército Português, em 22 de Maio de 1973. Museu de Guileje (em construção), finais da época das chuvas, 2009. Também podes visualizar aqui.

 

Vídeo (''47): Tocador de Harmónica. Antigo milícia, ao tempo do abandono do aquartelamento pelo Exército Português, em 22 de Maio de 1973. Museu de Guileje (em construção), finais da época das chuvas, 2009. Também podes visualizar aqui.


Vídeos alojados em You Tube > Nhabijoes (2010): © AD - Acção para o Desenvolvimento  (2009) / Blogue Luís Graça  & Camaradas da Guiné (2010). Direitos reservados



1. O Pepito deixou-me há uns meses atrás um CD com seis vídeos, quatro dos quais com actuações de um tocador de harmónica (ou gaita-de-beiços) que executa de cor músicas portuguesas, ouvidas no tempo da guerra colonial. Não tenho o seu nome, ou melhor, tenho-o registado algures. Era mílicia ao tempo da CCAV 8350 (Piratas de Guileje, 1972/73).  A gravação foi feita frente ao Museu de Guileje,  em Guileje, em finais da estação das chuvas de 2009, se não me engano.

Dois outros vídeos mostram uma lavadeira desse tempo a cantar uma música dos tugas (5º vídeo), e um par a dançar, frente ao museu (6º vídeo). Por razões técnicas, só consegui até agora carregar os dois primeiros vídeos na nossa conta (Nhabijoes) no You Tube.  Espero que os nossos leitores apreciem e comentem. Os nossos agradecimentos ao Pepito, com o pedido expresso de, um dia destes, transmitir ao artista o nosso apreço e a nossa admiração pela sua espantosa memória musical.  E, já agora, Pepito, na volta do correio (que é como quem diz, quando visualizares os vídeos), diz-nos o nome do tocador e confirma ou não as informações aqui prestadas...

É natural que haja imprecisões, na minha legenda e nos meu comentário, mas o que me apraz registar é este momento, único, surpreendente e até tocante, em que um amigo guineense desconhecido nos presta,  a todos nós, uma pequena homenagem... Claro que isto é um fenómeno de aculturação (antecipando-me à lição de sapiência dos doutos...),  resultado de um convívio estreito, de largos anos, entre homens que estiveram juntos na mesma guerra, embora (é bom nunca esquecê-lo) étnica, linguística, mental, social e culturalmente separados por muita coisa... A música tem um tremendo poder encantatório e até identitário...

Damos aqui lugar a uma nova série, (In)citações, que é uma espécie de contraponto às (Ex)citações... Espero poder publicar nesta nova série vídeos e outros materiais dos nossos amigos e camaradas guineenses...

Já recuperámos, aqui, a letra desta canção popular portuguesa, minhota, que as nossas avós, tias e mães cantarolavam:

Letra: Popular

(Refrão)

Todos me querem,
eu quero só um,
quero o meu amor,
não quero mais nenhum.

Todos me querem,
eu quero alguém,
quero o meu amor,
não quero mais ninguém.

Quero, eu quero,
eu quero, eu quero,
Amanhã vou me casar,
Já passei a roupa a ferro.

Já passei a roupa a ferro,
já passei o meu vestido,
Amanhã vou-me casar
e o Manel é meu marido

(Refrão)

Todos me querem,
eu quero só um,
quero o meu amor,
não quero mais nenhum.

Todos me querem,
eu quero alguém,
quero o meu amor,
ñão quero mais ninguém.

O Manel é meu marido,
O Manel é quem me adora,
O Manel é que me leva
da minha casa p'ra fora.

(Refrão) (...)


Da minha casa p'ra fora,
da minha casa p'ra dentro,
O Manel é quem me leva
no dia do casamento.

(Refrão) (...)

Digo adeus à Serra d'Arga,
Digo adeus a S. Lourenço,
Não te digo adeus a ti,
Porque sabes o que penso.

Refrão (...)

3 comentários:

Anónimo disse...

Impressionante! Fiquei comovido.
40 anos depois...
Alberto Branquinho

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Sem dúvida que aqui está uma demonstração plena de como as pessoas se podem entender e de como a música é um poderoso veículo para tal.

Como comentou o A. Branquinho, é impressionante e comovente.

Podemos pensar que isto se revela no interior profundo, longe da capital e dos seus problemas mas não deixa de ser verdade que é onde as coisas e as pessoas são mais genuínas.

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Estimados Camaradas

Para o meu sentir é emocionante ouvir, esta melodia popular portuguesa ao som do “realejo”, por duas razões:

Ser tocada com sensibilidade por um nativo da Guiné, que a sentiu e captou outrora no seio das nossas tropas e que passados estes anos todos a toca com carga nostálgica.

Transporta-me à minha meninice, à primeira vez que a ouvi tocar, com 10 ou 11 anos de idade, tal como agora ao som da gaita-de-beiços, por um dos grupos de trabalhadores da minha aldeia, que a ensaiou, como novidade, ao regressar da apanha da azeitona nas propriedades em Espanha, onde alguns naturais da minha terra tinham oliveiras, como tinha o meu avô. Era comum, nestes grupos de trabalhadores, isolados um grupo do outro, cada um na sua propriedade, formados por homens e mulheres, na sua maioria jovens, que viviam cerca dum mês fora da aldeia, enquanto durava a apanha da azeitona. Durante os serões, das longas noites de Inverno, ensaiavam melodias, acompanhadas ao som do “realejo” ou concertina, para apresentar ao povo quando regressassem da faina e competir, um grupo com o outro, para aferir, qual o que cativava e entusiasmava mais o povo.
Lembro desses tempos, em que não havia televisão e escasseavam os aparelhos de rádio, melodias tais como: “ Oliveirinha da serra”, “A saia da Carolina”, “Era ainda eu pequenino”, “Já passei a roupa a ferro”, “Ó Rosa arredonda a saia” … e tantas outras. Outras vezes faziam-se adaptações por curiosos anónimos do Povo.

Parabéns e muita saúde para o Guinéu que proporcionou este momento grato.

José Corceiro