quinta-feira, 15 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6741: Notas de leitura (130): Seminário 25 de Abril 10 Anos Depois (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Julho de 2010:

Queridos amigos,
Foi pena o coronel Carlos Fabião não nos ter deixado o acervo das suas memórias, ele que fez quatro comissões na Guiné, conhecia a região em todas as direcções, estava lá aquando do massacre do Pidjiquiti, participou na africanização da guerra, nas negociações com Senghor, foi o último governador da Guiné.
Deixou alguns documentos, sobressai esta comunicação que proferiu dez anos depois do 25 de Abril.

Um abraço do
Mário



A descolonização na Guiné-Bissau
Spínola: a figura marcante da guerra na Guiné


por Beja Santos

O Seminário “25 de Abril, 10 Anos Depois”, promovido pela Associação 25 de Abril na Fundação Calouste Gulbenkian, e que se realizou de 2 a 4 de Maio de 1984, possibilitou uma panorâmica sobre os 3D (Democratizar, Desenvolver e Descolonizar) a que se propusera o MFA. 

Em torno destes 3D participaram figuras prestigiadas como Piteira Santos, Boaventura de Sousa Santos, Hélder Macedo, João Ferreira do Amaral, Manuela Silva, Luís Moita, Carlos Fabião, Manuel Braga da Cruz, Medeiros Ferreira e Maria de Lurdes Pintasilgo. Com significado de inventário para o nosso blogue tem certamente a comunicação do coronel Carlos Fabião intitulada “A Descolonização da Guiné-Bissau”. Carlos Fabião (1930 – 2006) fez quatro comissões na Guiné (1955 – 1961, 1965 – 1967, 1968 – 1970 e 1971 – 1973), terá sido o militar com maiores conhecimentos dos diferentes teatros de operações. Foi membro da equipa de Spínola que negociou com Senghor no Cabo Skiring (1972), foi o último Governador da Guiné e Chefe do Estado-Maior do Exército (1974 – 1975).

Na sua comunicação, Carlos Fabião considerou Spínola a figura central da guerra da Guiné, observando que fora o único Chefe Civil e Militar que apresentara um conjunto de respostas capazes de se oporem ao bem estruturado plano de acção concebido e posto em prática por Amílcar Cabral. E escreve:

 “Spínola divide e define três períodos bem distintos da guerra na Guiné. Logo nos primeiros tempos das hostilidades, Portugal perdeu o controlo do Sul e do Centro – Oeste da colónia. Conservou o domínio da região Leste graças ao facto da etnia fula se ter mantido fiel à soberania portuguesa; do “chão manjaco” não se ter afirmado por nenhuma das partes em confronto e da ilha de Bissau. Todas as tentativas sérias, levadas a efeito ao longo dos anos de 1964 até 1967, para recuperar o controlo do Sul da colónia, resultaram em derrotas, quando não em desastres militares, como aconteceu no Como, no Cantanhez, no Quitafine; no estrangulamento do corredor de Guileje a partir da ocupação de Mejo, Guileje e Gandembel e em tantas outras acções e operações de certo vulto”. 

Um conjunto de áreas críticas ficou sobre o controlo dos guerrilheiros: Morés, Sará-Sarauol, Boé, Cantanhez, Quitafine, entre outros. Em conclusão: “Não se queriam desastres, nem insucessos, a guerra era para se ir fazendo a horários e percentagens. Quando António Spínola chegou à Guiné a situação militar na colónia era bastante crítica.

Spínola é um chefe militar que tem a plena consciência de que uma guerra subversiva não é susceptível de ser vencida militarmente. A sua estratégia consistiu numa acelerada promoção socioeconómica e cultural, introduziu eventos de participação do povo guineense (os Congressos do Povo da Guiné) para travar a ofensiva militar do PAIGC deu prioridade ao chão manjaco, procedeu à concentração das populações, promoveu a regionalização de quadros e africanizou a guerra da Guiné. Tentou uma vitória militar e política com a operação “Mar Verde” e procurou estabelecer o diálogo com o opositor através do Presidente Senghor do Senegal, a quem apresentou um plano de paz em três etapas: cessar-fogo, período de autonomia interna na Guiné e independência a ser concedida numa perspectiva de uma comunidade luso-africana.

Como é do domínio público, Marcelo Caetano proibiu a Spínola a continuação dos contactos e negociações com o argumento de que na Guiné se aceitava um desastre militar mas nunca a negociação. A proclamação unilateral de independência da Guiné (24 de Setembro de 1973) debilitou em definitivo a política externa portuguesa: num curto prazo de tempo, 86 países, mais do que aqueles com quem Portugal mantinha, na época, relações diplomáticas, reconheceram o novo Estado. O PAIGC, a partir de 1973, passa a estar iniludivelmente melhor equipado que as tropas portuguesas. A resposta política foi a de aguentar (“resistir até à exaustão dos meios”), encontrou-se um mecanismo de recuo, prevendo o abandono de um conjunto de posições que seriam doravante insustentáveis face ao armamento bissau-guineense. Spínola entretanto demite-se e é substituído. O novo Comandante-Chefe não traz nenhum projecto além de resistir. Escreve Carlos Fabião: “Só o 25 de Abril conseguiu evitar um completo desastre militar”.

Neste mesmo painel sobre a descolonização interveio Jorge Sales Golias sobre o MFA na Guiné-Bissau, tendo logo declarado que a história do MFA na Guiné se confunde com a criação do próprio MFA. Referiu a chegada do Tenente-Coronel Banazol em Dezembro de 1973 que se passou a reunir com os oficiais revoltosos. Deve-se a Banazol a ideia, em Fevereiro de 1974, de tomar o poder na Guiné prendendo o Comandante-Chefe na Amura, ideia que não recebeu os suficientes apoios. Banazol tentou depois lançar o Movimento de Resistência das Forças Armadas através de um panfleto que fez circular no teatro de operações. Nesse panfleto marcava um prazo de três meses para o governo entrar em negociações com o PAIGC, e caso houvesse negativa todas as tropas deviam concentrar-se à volta de Bissau em 1 de Junho. Na madrugada de 26 de Abril os militares revoltosos passaram à acção e no dia 27 na cidade de Bissau já havia manifestações vitoriando o MFA, a Junta de Salvação Nacional e o PAIGC. Jorge Sales Golias descreve a institucionalização do MFA-Guiné e as actividades que levou a cabo, considerando que foi na Guiné que o MFA ensaiou as suas formas estruturais e os seus próprios órgãos de informação.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6727: Bibliografia de uma guerra (57): Estranha Noiva de Guerra, de Armor Pires Mota, a publicar em Setembro de 2010 (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 11 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6715: Notas de leitura (129): Sobre a Unidade no Pensamento de Amílcar Cabral, de Sérgio Ribeiro (Mário Beja Santos)

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