1. Décimo segundo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 24 de Janeiro de 2011:
NA KONTRA
KA KONTRA
12º EPISÓDIO
Quando já eram horas de retomar os trabalhos, o Alferes Magalhães vai ao encontro do seu pessoal. Logo o Dionildo se lhe dirige:
- F… meu Alferes, sabe que dia é hoje?
- Sei lá, não ando a contar os dias.
- O dia da semana?
- Ah, isso sei, é sexta-feira.
- Sabe que a mulher que estava para parir já teve uma menina?
- Já me constou.
- F… sabe que nome lhe puseram?
- Não, não sei que nome lhe puseram, diz lá.
- Sextafeira. Podia ao menos ter nascido num domingo ou até num sábado e sempre lhe punham um nome mais decente.
- Queres então saber mais? Não deve ter sido só por ter nascido numa sexta-feira que lhe puseram esse nome. Não sabes, mas eu digo-te. As sextas-feiras são dias sagrados para os muçulmanos como para nós, católicos, os domingos. Os pais da bebé são com certeza muçulmanos.
Ao jantar, de imediato, o Dionildo informou o Alferes:
- F… o meu Alferes tinha toda a razão, a tal família é realmente muçulmana.
A comida, desta vez, foi mais uma variante de atum porque quando se abre uma lata tem que se comer em duas ou três refeições. Caso contrário pode estragar-se. O “legionário”, na sua grande frigideira, tinha sempre a arte de confeccionar pratos diferentes, mesmo sem variar os ingredientes.
Embora o Alferes não tocasse no pão às refeições principais, o resto do pessoal estava habituado a comê-lo em quantidade. O que tinham trazido de Galomaro há muito que tinha acabado. Andavam agora a comer umas bolachas grossas que nas rações de combate pretendem substituir o pão. Nos primeiros dias foi-se aguentando, mas estava a chegar-se a uma situação insustentável. Como não podia deixar de ser, o Dionildo abre as hostilidades.
- C… F… a merda destas bolachas já me está a entupir o goto. Ainda fico engasgado e tenho que ser evacuado. Para comer metade é preciso, pelo menos, uma cerveja.
Os outros camaradas foram-se manifestando de forma idêntica e o nosso Alferes não deixou de pensar que ao pequeno-almoço muita falta lhe fazia um pouco de pão. Depois de continuarem a comer num silêncio algo significativo, este é quebrado pelo Alferes Magalhães:
- Camaradas, o mais tardar daqui a dois dias vão ter pão.
Todos deixaram cair ruidosamente os garfos no prato e levantaram a cabeça na direcção do Alferes.
- O meu Alferes deve estar a brincar.
- Já sei, vamos ser reabastecidos.
- Isso não, pois não recebemos nenhuma mensagem nesse sentido. Diz o radiotelegrafista.
- Neste fim de mundo onde o meu Alferes vai arranjar pão?
- Farinha temos… Diz outro.
E quando todos se apressavam a molhar os bocados de bolacha no delicioso molho feito pelo “legionário”, o Alferes abre o seu jogo:
- Rapazes, embora eu não coma pão às refeições, também tenho sentido a sua falta, mas mais por vós, resolvi que vai haver pão. Hoje mesmo vou falar com o João Sanhá sobre isso.
- F… meu Alferes, como é que o João vai arranjar pão?
- Calma, muita calma, Dionildo. Vou pedir-lhe que me arranje barro. Nas palhotas é sempre aplicado muito barro e portanto deve haver muito por aí.
- F… pão, barro, o João, o meu Alferes deve estar a ficar apanhado pelo clima, e muito…
Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7664: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (47): Na Kontra Ka Kontra: 11.º episódio
2 comentários:
Esta estória sugere-me um nome:
MARIA SÁBADO.
Lavadeira da zona de Mansambo.
CART 2339. 1968/69.
CMS
Carlos
A Maria Sábado era de Fá Mandinga e morreu atropelada em Bafatá.
Tenho foto dela por aí.
Triste destino.
Um abraço T
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