Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Guiné 63/74 - P9026: História da CCAÇ 2679 (44): Uma coluna reforçada a Copá (Jose Manuel Matos Dinis)
1. Mensagem José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 10 de Novembro de 2011:
Hoje envio um novo pedacinho da história da minha Companhia, que não foi boa, nem má, nem assim-assim... foi peculiar.
Abraços fraternos para o Tabancal.
JD
Uma coluna reforçada a Copá
Chamaram-me à presença do capitão, já o sol ia alto e preparava-me para não fazer nada. Atrevessei a parada mal ataviado como de costume, e entrei na secretaria, local onde não nutria grandes amizades, mas dei os bons-dias em voz alta, e bem disposto.
Passei ao gabinete do "chefe" e encontrei-o à secretária. Disse-me logo para preparar o pessoal para ir a Copá. Já não era cedo para uma viagem depois de um ataque àquele destacamento, pois mandava o bom-senso fazer uma picagem cautelosa. Mas ainda não era excessivamente tarde. Pensei com os meus botões que durante a noite o comandante do pelotão ali estacionado teria enviado alguma mensagem a referir necessidades. Provavelmente as do costume: munições que se gastavam em barda nos ambientes de festins bélicos, e que ao outro dia deixavam todos muito apreensivos com receio de novas visitas. Basicamente era disso que se tratava.
Estava quase a transpor a porta, quando chegou um rádio oriundo da PIDE em Pirada a avisar que o Nino estaria emboscado naquele percurso. Ouvi a informação e, imediatamente, imaginei o grande trinta-e-um em que me ia meter. Dirigi-me ao capitão e reagi à notícia dizendo-lhe que naquela circunstância não ia.
Felizmente que o nosso capitão Trapinhos era uma pessoa sensata, de constante e judiciosa ponderação, pelo que me inquiriu em resposta à minha atitude:
- Porquê? Está armado em maricas?
Mantive-me calmo e retorqui que não senhor, que se o capitão fizesse a viagem eu teria todo o gosto em escoltá-lo. Se isto não corresponde ipsis-verbis ao diálogo, será por diferença mínima. A esta minha reacção retorquiu o capitão com uma afirmação e uma ameaça: que não se justificava a sua deslocação a Copá, e que se eu me recusasse a ir, dava-me uma "porrada", que na gíria correspondia a uma sanção disciplinar.
- À vontade - disse-lhe, e virei as costas regressando ao meu quarto.
O capitão deve ter ficado a pensar o que fazer comigo, e eu pus-me a pensar que estava metido num molho de bróculos, mas de corpinho bem feito ao encontro do Nino é que não ia. Pensei também na malta que ficava em ânsias com a falta das munições, e de alguns géneros que também eram pedidos. E fez-se-me uma luz. Ia passar a bola ao capitão.
Voltei ao gabinete e disse-lhe que sim senhor, eu ia a Copá, mas precisava de seis viaturas. O Trapinhos espantou-se:
- Para que raio você quer as seis viaturas se não chegam a vinte homens? Além disso você sabe que só temos duas viaturas a andar.
Aqui enchi o peito vitorioso e respondi: pois é, diz-me que só tem duas viaturas a andar, mas o parque automóvel é de quatro vezes mais, e se eu tenho que fazer essa viagem, eu é que decido as condições em que vou. O capitão ficou meio atordoado, nem sei se terá pensado que os mapas para Bissau mencionavam aquele material todo a circular com os correspondentes gastos em gasolina que a Companhia pagava na Casa Gouveia. Balbuciou qualquer coisa e eu atalhei, que ficasse seguro de que eu só ia a Copá com seis viaturas, e pelo avançar da manhã, dava-lhe meia-hora para que elas ali estivessem, ou ia e só regressaria no dia seguinte.
- Nem pense - respondeu-me - não pode lá ficar. Mas como quer que arranje as seis viaturas?
Referi:
- Peça a Pirada e mencione que só tem a tal meia-hora. Se não quizer assim, pode dar-me a "porrada", que eu sei como retribuir.
Neste parágrafo a conversa reproduzida foi neste tom, embora, admito, não tenha a mesma correspondência.
E pisguei-me, tranquilo, a gozar a cena. Entretanto pedi a uns quantos que ali andavan para que o pessoal se aprontasse e reunisse em vinte minutos. Ali chegados fui à tabanca das Transmissões e pedi os "bananas" lá pendurados. Disse-me o Marino que eu estava maluco, e que os aparelhos não funcionavam.
- Não preciso que funcionem, vai tudo! - respondi.
Espantosamente chegaram as viaturas de Pirada, provavelmente o Major Comandante do COT-1 viu mais longe, ou terá imaginado que ia sair uma força mais substantiva. Carregou-se a pouca mercadoria, e abalámos com o sol lá no alto. Passámos a pista e andámos um pouco na picada, quando mandei parar.
Convoquei toda a gente, ou pelo menos os operacionais, a quem chamei a atenção para a eventualidade de acontecer uma bronca (omiti a informação da PIDE), que ia dividir o Pelotão em três grupos, mas que todos deveriam ter muita atenção às ordens que desse. Na divisão do pessoal coloquei o Transmissões e o Enfermeiro a meio da coluna com três ou quatro atiradores; na frente seguiam quatro picadores, eu, o Pauleiro e o Ribeira Brava. Os restantes elementos seguiam na retaguarda. Avisei a todos que em caso de surpresa, a primeira reacção seria a de protecção, e que em seguida deviam identificar as posições do IN e fazer tiro de pontaria para elas. E que deviam ser muito criteriosos para lançar granadas e dilagramas. No entanto, se a bronca fosse atrás, que tivessem especial cuidado, porque eu e aqueles dois faríamos uma tentativa de envolvimento, a não queríamos levar da nossa tropa. Nas viaturas seguiam apenas os condutores, que deviam manter uma distância razoável entre elas.
Todos compreenderam e, curiosamente, há dois anos no Funchal, o Valentim lembrava-se do episódio.
Picámos a quase totalidade de metade do percurso, porque de Copá, de manhã cedo, saíra uma força a picar o restante trajecto. Ao longo da caminhada, de doze a quinze quilómetros, volta-e-meia olhava para trás e não conseguia visualizar a totalidade das viaturas, dado o recorte curvilínio da picada, o mato e as copas das árvores que marginavam quase sempre. Fiquei até com a sensação de que seríamos menos do que éramos na realidade. Perfeito. Fomos e votámos a Bajocunda sem notícias do Nino. Se ele lá estava, fiquei sem o saber, e comprova o velho adágio de que quem tem cú, tem medo, pois a ideia que lhe queria impingir, era que ele estaria denunciado e o pessoal, supostamente uma força muito maior, estaria a envolvê-lo, deixando-nos na estrada como isco. Os bananas sempre vísiveis e em profusão, deixá-lo-iam sob ameaça do apoio aéreo.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 2 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8728: História da CCAÇ 2679 (43): Aquele hôme (José Manuel Matos Dinis)
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10 comentários:
Amigo José M Dinis
Tu e o Trapinhos não haja duvida morriam de amores!
Quanto à estratégia de risco que usaste,baseada no " quem tem cú tem medo",bem foi melhor que ficasses sem saber se resultou ou não e terem cumprido a missão sem problemas.
Um abraço
Luis Faria
Caro Zé Dinis
Que não restem dúvidas entre o cú e o medo.
Em táctica militar e em provocar ilusões ao IN...ainda bem que eles e mais ele não estava lá...
Aquele Abraço do T.
Caro José Manuel Matos Dinis!
Gostei muito desta sua história da coluna entre Bajocunda e Copá.
Conheci bastante bem aquele percurso, porque fui condutor e estive destacado em Copá com o último grupo de combate que lá esteve nos ultimos meses de guerra, entre Novembro de 73 e Fevereiro de 74.
A minha Companhia, 1ª. BCAV 8323 sediada em Bajocunda, durante os meses de Janeiro e Fevereiro de 74 sofreu nesse percurso várias emboscadas, onde morreram 3 camaradas meus, para além dos mortos de outras forças que nelas participaram.Durante os últimos meses da guerra, Copá e Canquelifá sofreram um autentico inferno, nós fomos os últimos a deixar Copá.
Um Abraço
António Rodrigues
BCAV 8323 / 1ª. BCAV 8323 Pirada Bajocunda e Copá.
1973 - 1974
Camarada José Dinis
Parece que para a pide o Nino era deus...estava em todo lado.
Gostei da "chantagem" com o "Trapinhos" e mais ainda da táctica.
Já agora informo que o Nino era comandante da denominada "frente sul".
Quem tem cu tem medo e cag..perdão defeca..ou será quem tem medo tem cu, mas não se "borra".
C.Martins
Caro Camarada António Rodrigues
Lembras-te do José Reis Silva.
Estava em Copá e é meu conterrâneo.
C.Martins
PS
É João e não José
C.Martins
Táctica brilhante.
Nunca me ocorreu o truque dos bananas sempre vísiveis e em profusão para sugerir ao IN a ameaça do apoio aéreo.
José Marques
Caro C. Martins!
Nem calculas a alegria que acabas de me dar ao dares-me a notícia de que o meu camarada de sofrimento em Copá o Ex Sold.nº.01703075 João Reis Silva acabou por sobreviver ao grave acidente com arma em Bajocunda no dia 30 - 4 - 1974 pelas 20.00 horas e foi evacuado de Helicopetero logo na manhã seguinte e nunca mais até hoje soube notícias dele.Eu estava dentro do meu abrigo a cerca de 15 metros dele e por isso escapei ileso e fui o primeiro a chegar junto dele.Um dos acidentados morreu.Já agora, se for possível, gostava de saber em que terra é que ele vive e em que estado ele ficou devido aos ferimentos.Eu sou fácil de identificar, basta dizeres-lhe que eu era o condutor que esteve com ele em Copá.Os restantes camaradas vão gostar de saber notícias dele quando os encontrar no próximo almoço convívio. Daqui do Porto o saúdo e lhe envio um muito forte abraço porque, depois de tudo o que ele sofreu merece ter sobrevivido.Fico a aguardar mais notícias.Um Abraço e obrigado pela informação.
António Rodrigues
1ª. BCAV 8323 Pirada Bajocunda e Copá Guiné 1973-1974
Caro António Rodrigues
O João Reis está bem e recomenda-se.
É empreiteiro da construção civil.
Para mais informações, o meu contacto é telm. 964396059.
Um abraço
C.Martins
Olá. Sou o Soares e era o cozinheiro da companhia 2679. Gostava de entrar em contacto com os meus ex-colegas, Alferes Leite, Lopes, Dinis, Ramalho, Veloso... Eu moro na maia e já tentei o contacto de alguns camaradas dessa guerra. Fico a aguardar alguma noticia. Um grande abraço
Manuel Soares
936063483
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