Sexagésimo primeiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.
Dizem que é o “Novo Mundo”, não sei de onde veio esta
expressão, mas a presença de europeus andou por aqui,
como andou pela África, pela Oceânia e por outras
paragens, pois as aldeias, vilas ou cidades, em qualquer
“virar de esquina” por onde passamos, mostram-nos
“Europa”.
Muitas vezes, mesmo na estrada, guiando, olhamos a
paisagem e lá está, a casa “europeia”, a cerca em volta
do quintal, o cão preso a uma corrente, as vacas
pastando, um pequeno quintal em redor da casa, um poço
com uma “roldana”, em geral as casas foram construídas
próximo de um ribeiro, ou de um local onde existe água,
às vezes são locais isolados, mas lá estão as árvores em
seu redor, algumas já velhas, da idade da casa.
Existem zonas, por onde passamos, que são autênticas
“savanas de África”, mas quando surge uma casa, é
“europeia”, onde há cultivo, é quase igual ao modelo que
se vê na Europa, não, como eu via em Mansoa, em
Bissorã ou no Olossato, portanto lá na África,
aqui, no que dizem ser o “Novo Mundo”, o modelo
europeu está sempre presente, sempre se vê ao “dobrar
de esquina”, como é costume dizer-se, embora os
europeus também tivessem levado alguns costumes lá
para África.
Nós, ainda era madrugada, abandonámos a estrada
número 24, que nos levou de leste para oeste e de sul
para norte, entrando por poucas milhas na estrada
número 57, tudo isto no estado de Illinois e, lá está, sem
nos apercebermos, estávamos a fazer o mesmo
percurso que os missionários franceses fizeram muitos
anos atrás, quando desembarcaram, talvez nos portos de
New Orleans, Savannah, Charleston, Philadelphia, ou
Boston, pois foram eles os primeiros europeus a
explorarem a região do actual Illinois, quando em 1763
fazia parte da Nova França, altura em que passou ao
domínio britânico, mas em 1783, após o fim da
Revolução Americana de 1776, passa a fazer parte dos
Estados Unidos e em 1818, tornou-se o 21.° estado
americano.
Estávamos na parte sul do estado, onde a agricultura é
uma importante fonte de renda e onde geograficamente,
o Illinois se caracteriza por o seu terreno ser pouco
acidentado e também pelo seu clima altamente instável,
mas não nos afectava muito esta particular observação,
pois passadas umas horas já circulávamos na estrada 64,
com alguma chuva e um pouco de vento, mas não
ciclónico, pois o Jeep e a Caravana ia segura, sempre
sem dificuldade, com suficiente visibilidade e alguma
segurança, indo a caminho da cidade de St. Louis, já no
estado Missouri, que também foi fundada pelos franceses
no ano de 1763, estando localizada na confluência do rio
Mississippi e do rio Missouri, funcionando na altura como
entreposto comercial. Esta cidade, devido à sua
localização, foi motivo de guerras entre franceses e
ameríndios, passou para as mãos espanholas e mais
tarde, juntamente com o resto do território da Louisiana,
foi devolvida à França, tendo a cidade sendo adquirida posteriormente adquirida a este país, pelos Estados Unidos, com a “Compra da
Louisiana”.
A cidade de St. Louis, mais tarde, converteu-se em ponto
de partida de exploradores do Oeste Americano e
colonizadores que emigraram para Oeste e hoje quem se
aproxime da cidade, mesmo a muitas milhas de distância,
pode avistar o “Gateway Arch”, que dizem que é o mais
alto monumento em solo norte americano.
Nesta cidade, que já pertence ao estado do Missouri, que
também foi adquirido pelos Estados Unidos na célebre
“Compra da Louisiana”, no ano de 1803, cujo cognome é
Mother of the West (Mãe do Oeste), é uma das
primeiras regiões do novo território a ser povoada por
colonos norte americanos. À medida que o país passou a
expandir-se em direção ao oeste, o Missouri passou a ser
uma das principais escalas dos emigrantes, tendo-se
tornado no 24.° estado norte americano em 1821. Dizem
que a indústria agropecuária do Missouri fazia grande uso
do “trabalho escravo”.
Deixando um pouco a história para trás, seguimos na
estrada 70, com longas zonas desertas, quintas, algumas
abandonadas, plantações de milho ou trigo, algumas
manadas de vacas, áreas transformadas em zonas de
caça, poços de petróleo trabalhando, geradores de energia
movidos a vento, até à cidade de Kansas City, ainda no
estado do Missouri, pois existem duas cidades com o
nome Kansas City, uma no estado de Missouri, outra no
estado de Kansas, onde depois de atravessar a cidade
entrámos em Kansas City, Kansas, regressando de novo
Kansas City, Missouri, rumo ao norte pela estrada 29,
entrando no estado de Iowa, parando na cidade de
Council Bluffs, no estado de Iowa, para ver o encontro de
futebol, a contar para o campeonato do mundo, entre os
USA e Portugal, com um resultado que não nos deu nem
alegria nem tristeza, aqui fomos dormir.
Neste dia, percorremos 668 milhas, com o preço da
gasolina variando entre $3.38 e $3.70 o galão, que são
mais ou menos 4 litros.
Tony Borie, Julho de 2014.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 9 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13478: Bom ou mau tempo na bolanha (60): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (1) (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Amigo e camarada Tony Borié
Mais um texto que li com agrado. Está recheado de elementos que povoaram o meu imaginário de jovem, nas minhas origens rurais.
Penso que me teria sentido realizado se tivesse emigrado para os USA e tivesse vivido nesses ambientes e realidades de que nos falas.
Mas quis o destino que assim não fosse e agora é só imaginar o que poderia ter sido. São assim os sonhos que ficam para trás.
Abraço
JLFernandes
Olá Tony!
Apesar de não ter 'produzido' comentários aos teus últimos relatos isso não significa que não os tenha acompanhado.
E, também como já disse, sempre vou aproveitando para 'ver' através dos teus olhos, do teu olhar, dos teus relatos, uma América possível.
Neste caso de hoje é interessante verificar como nos dás o apontamento de haver (quase) sempre algo 'europeu' nos sítios por onde vais passando. E também o olhar não te escapa ao passado do trabalho forçado....
Abraço
Hélder S.
Enviar um comentário