sábado, 16 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13503: Bom ou mau tempo na bolanha (62): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (2) (Tony Borié)

Sexagésimo primeiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Dizem que é o “Novo Mundo”, não sei de onde veio esta expressão, mas a presença de europeus andou por aqui, como andou pela África, pela Oceânia e por outras paragens, pois as aldeias, vilas ou cidades, em qualquer “virar de esquina” por onde passamos, mostram-nos “Europa”.

Muitas vezes, mesmo na estrada, guiando, olhamos a paisagem e lá está, a casa “europeia”, a cerca em volta do quintal, o cão preso a uma corrente, as vacas pastando, um pequeno quintal em redor da casa, um poço com uma “roldana”, em geral as casas foram construídas próximo de um ribeiro, ou de um local onde existe água, às vezes são locais isolados, mas lá estão as árvores em seu redor, algumas já velhas, da idade da casa.

Existem zonas, por onde passamos, que são autênticas “savanas de África”, mas quando surge uma casa, é “europeia”, onde há cultivo, é quase igual ao modelo que se vê na Europa, não, como eu via em Mansoa, em Bissorã ou no Olossato, portanto lá na África, aqui, no que dizem ser o “Novo Mundo”, o modelo europeu está sempre presente, sempre se vê ao “dobrar de esquina”, como é costume dizer-se, embora os europeus também tivessem levado alguns costumes lá para África.

Nós, ainda era madrugada, abandonámos a estrada número 24, que nos levou de leste para oeste e de sul para norte, entrando por poucas milhas na estrada número 57, tudo isto no estado de Illinois e, lá está, sem nos apercebermos, estávamos a fazer o mesmo percurso que os missionários franceses fizeram muitos anos atrás, quando desembarcaram, talvez nos portos de New Orleans, Savannah, Charleston, Philadelphia, ou Boston, pois foram eles os primeiros europeus a explorarem a região do actual Illinois, quando em 1763 fazia parte da Nova França, altura em que passou ao domínio britânico, mas em 1783, após o fim da Revolução Americana de 1776, passa a fazer parte dos Estados Unidos e em 1818, tornou-se o 21.° estado americano.

Estávamos na parte sul do estado, onde a agricultura é uma importante fonte de renda e onde geograficamente, o Illinois se caracteriza por o seu terreno ser pouco acidentado e também pelo seu clima altamente instável, mas não nos afectava muito esta particular observação, pois passadas umas horas já circulávamos na estrada 64, com alguma chuva e um pouco de vento, mas não ciclónico, pois o Jeep e a Caravana ia segura, sempre sem dificuldade, com suficiente visibilidade e alguma segurança, indo a caminho da cidade de St. Louis, já no estado Missouri, que também foi fundada pelos franceses no ano de 1763, estando localizada na confluência do rio Mississippi e do rio Missouri, funcionando na altura como entreposto comercial. Esta cidade, devido à sua localização, foi motivo de guerras entre franceses e ameríndios, passou para as mãos espanholas e mais tarde, juntamente com o resto do território da Louisiana, foi devolvida à França, tendo a cidade sendo adquirida posteriormente adquirida a este país, pelos Estados Unidos, com a “Compra da Louisiana”.

A cidade de St. Louis, mais tarde, converteu-se em ponto de partida de exploradores do Oeste Americano e colonizadores que emigraram para Oeste e hoje quem se aproxime da cidade, mesmo a muitas milhas de distância, pode avistar o “Gateway Arch”, que dizem que é o mais alto monumento em solo norte americano.

Nesta cidade, que já pertence ao estado do Missouri, que também foi adquirido pelos Estados Unidos na célebre “Compra da Louisiana”, no ano de 1803, cujo cognome é Mother of the West (Mãe do Oeste), é uma das primeiras regiões do novo território a ser povoada por colonos norte americanos. À medida que o país passou a expandir-se em direção ao oeste, o Missouri passou a ser uma das principais escalas dos emigrantes, tendo-se tornado no 24.° estado norte americano em 1821. Dizem que a indústria agropecuária do Missouri fazia grande uso do “trabalho escravo”.

Deixando um pouco a história para trás, seguimos na estrada 70, com longas zonas desertas, quintas, algumas abandonadas, plantações de milho ou trigo, algumas manadas de vacas, áreas transformadas em zonas de caça, poços de petróleo trabalhando, geradores de energia movidos a vento, até à cidade de Kansas City, ainda no estado do Missouri, pois existem duas cidades com o nome Kansas City, uma no estado de Missouri, outra no estado de Kansas, onde depois de atravessar a cidade entrámos em Kansas City, Kansas, regressando de novo Kansas City, Missouri, rumo ao norte pela estrada 29, entrando no estado de Iowa, parando na cidade de Council Bluffs, no estado de Iowa, para ver o encontro de futebol, a contar para o campeonato do mundo, entre os USA e Portugal, com um resultado que não nos deu nem alegria nem tristeza, aqui fomos dormir.

Neste dia, percorremos 668 milhas, com o preço da gasolina variando entre $3.38 e $3.70 o galão, que são mais ou menos 4 litros.

Tony Borie, Julho de 2014.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13478: Bom ou mau tempo na bolanha (60): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (1) (Tony Borié)

2 comentários:

Joaquim Luís Fernandes disse...

Amigo e camarada Tony Borié

Mais um texto que li com agrado. Está recheado de elementos que povoaram o meu imaginário de jovem, nas minhas origens rurais.
Penso que me teria sentido realizado se tivesse emigrado para os USA e tivesse vivido nesses ambientes e realidades de que nos falas.
Mas quis o destino que assim não fosse e agora é só imaginar o que poderia ter sido. São assim os sonhos que ficam para trás.

Abraço
JLFernandes

Hélder Valério disse...

Olá Tony!

Apesar de não ter 'produzido' comentários aos teus últimos relatos isso não significa que não os tenha acompanhado.

E, também como já disse, sempre vou aproveitando para 'ver' através dos teus olhos, do teu olhar, dos teus relatos, uma América possível.
Neste caso de hoje é interessante verificar como nos dás o apontamento de haver (quase) sempre algo 'europeu' nos sítios por onde vais passando. E também o olhar não te escapa ao passado do trabalho forçado....

Abraço
Hélder S.