domingo, 5 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14837: Libertando-me (Tony Borié) (24): Glória, a quem chamavam Lola e às vezes Ruça (5)

Vigésimo quarto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.



Glória, Lola, a Ruça (5)

Hoje fomos à praia só para caminhar na areia, dizem que faz massagens nos pés, o que na nossa idade é muito bom para a saúde, não vimos a Glória, mas vamos continuar com a sua história.
Cá vai.

A Glória e o Jorge, já com algum dinheiro economizado, decidiram comprar uma oficina de gradeamentos em ferro, que estava à venda, portanto, acertaram o preço e compraram.

Passado um tempo, a Glória encarregava-se do trabalho de fora, o Jorge, da contabilidade, contacto com os clientes e da oficina, às vezes ajudava e orientava a Glória, que entretanto frequentou uma escola de vocação, onde aprendeu a usar o maçarico a gás de cortar ferro, a soldar com diferentes máquinas e diversos materiais, com alguma segurança, carregava com os portões e gradeamentos, com a ajuda de alguém que entretanto contratara, instalava esses portões e gradeamentos. Os clientes gostavam, era uma coisa nova, portões e gradeamentos em ferro forjado, com feitios lindos. O negócio, num abrir e fechar de olhos, estava a progredir, era uma região de muitas casas grandes, tipo mansões.


Entretanto a Glória fica grávida e nasce um rapaz. Só tirou tempo fora do trabalho, praticamente para ir ao hospital por altura do parto, continuava com a mesma vontade no trabalho, o bebé cresceu, começou a andar e a falar na oficina, primeiro num berço, num compartimento ao lado, a que chamavam escritório, depois por tudo o que era espaço, acompanhando o pai e a mãe. Fica grávida de novo, segue o mesmo regime do primeiro, nasce uma menina, que tal como o menino é criada praticamente no trabalho.

Todo o trabalho que executavam na oficina era apreciado, pois era uma novidade, as pessoas para quem executavam esse trabalho, foram falando, algumas eram importantes e com alguma influência, cada vez tinham mais encomendas. Foram crescendoe o espaço tornou-se pequeno, nos arrabaldes de outra cidade, mais para norte, nuns terrenos que lhe foram cedidos com um contrato de 99 anos, onde se comprometeram a não modificar o ambiente, respeitando os cursos de água e algumas árvores, fizeram uma grande oficina, com parque para estaleiro de materiais, onde os camiões podiam carregar e descarregar.

Os filhos foram estudar. O rapaz, engenheiro, com a experiência que adquiriu ao longo dos anos, principalmente com a mãe, começou a trabalhar lá fora, dirigindo pessoal, fazendo projectos, na instalação dos portões e gradeamentos. A filha, contabilista, trabalha com o pai na oficina. Todas as novas urbanizações, que se faziam nas cidades próximas, já obedeciam à nova configuração dos seus portões e gradeamentos, que entretanto tinham formas representando figuras de palmeiras, animais ou outros motivos, alguns importados do México. Estavam na moda. O negócio continuava a crescer, já tinham encomendas de fora do estado, tinham algumas dezenas de colaboradores, os dois brasileiros, companheiros de viagem, eram encarregados na nova oficina. E ela dizia:
- Isto também é vosso, bendita a hora em que nos encontrámos!

O Jorge faleceu antes dos cinquenta anos de vida, teve uma doença que na época não tinha cura. A Glória ficou viúva, dedicou-se aos filhos que entretanto tomaram conta do negócio. Casaram, o filho deu-lhe dois netos e a filha deu-lhe um.

Como em criança, não teve oportunidade de brincar, agora cuida e brinca com os netos, na sua casa na praia, próximo de onde vivemos. Os filhos, sabendo a mãe que têm, confiam-lhe as crianças por bastante tempo e a Glória, a “Lola”, a que alguns chamavam “Ruça”, anda feliz pela praia com o mais novo ao colo, os outros pela mão um do outro e, sempre que passa um cão, ou algo de estranho, vêm a fugir, esconder-se e encostarem-se às pernas da avó, tal como faziam os seus irmãos quando vivia na aldeia em Portugal.

Que viva por longos anos.

Tony Borie, Julho de 2015. 
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Nota do editor

Postes anteriores de:

7 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14710: Libertando-me (Tony Borié) (20): Glória, a quem chamavam Lola e às vezes Ruça (1)

14 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14744: Libertando-me (Tony Borié) (21): Glória, a quem chamavam Lola e às vezes Ruça (2)

21 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14776: Libertando-me (Tony Borié) (22): Glória, a quem chamavam Lola e às vezes Ruça (3)
e
28 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14804: Libertando-me (Tony Borié) (23): Glória, a quem chamavam Lola e às vezes Ruça (4)

3 comentários:

Juvenal Amado disse...

Tony

Li este relato em episódios, que retratam as vicissitudes de quem tenta ter uma vida melhor e tenta num país diferente, porque no seu não teve oportunidade.
É uma história de vida que retrata a vida de milhares de emigrantes, que labutaram e labutam todos por um El Dourados. Nem todos têm sorte, nem todos conseguem alcançar o bem estar e dar um futuro aos filhos.

O presidente Obama disse, que a América foi construída pelos emigrantes como resposta às leis, que os seus opositores políticos pretendiam implementar e consequente expulsão de milhares de cidadãos que embora trabalhem há muitos anos nos USA, são considerados clandestinos. No entanto os clandestinos que tentem estabelecer-se, têm cada vez mais dificuldade.
Também cá Europa o problema transformou-se em tragédia, com milhares de fugitivos das guerras e da repressão, que assolam os seus países de origem. Milhares de homens, mulheres e crianças, estão em constante marcha por uma vida melhor, milhares morreram e muitos vão morrer, sem que os países ricos que afinal são os beneficiários da exploração das riquezas dos seus países, encontrem uma solução que faça parar de vez a miséria humana, que existe às nossas portas.
Nós sabemos que parte desta tragédia, faz parte de um plano para manterem as coisas sobre controlo, que aparentemente estão descontroladas, porque se assim não fosse já tinham resolvido a situação. Fazem um todo dos vários poderes, das influencias e de uma forma perigosa empurram-se uns aos outros.

Gostei de ler e a estas minhas considerações em nada querem ofuscar a coragem e qualidade de milhares de emigrantes, que ajudaram e ajudam a construir os países que os acolhem na esperança de que também eles tenham direito a bocadinho do paraíso terrestre.

Um abraço

Bispo1419 disse...

Olá, meu caro Tony.
Não tem havido, da minha parte, "feedback" aos teus escritos aqui publicados. Preciso agora de te dizer que a sua leitura me tem dado muito prazer. Foi o que aconteceu, mais uma vez, com esta "Glória, ...".
Um grande abraço
Manuel Joaquim

tony Borie disse...

Olá companheiros.
Obrigado pelos vossos simpáticos comentários.
Tanto ao Juvenal Amado como ao Manuel Joaquim, de quem aprecio e aprendo com os vossos escritos, fazem-me continuar e, não calculam a vontade que tenho em contar-vos tudo, antes que o tempo desapareça!.
Um abraço e bem hajam companheiros.
Tony Borie.