sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15768: (In)citações (85): Opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes das Forças Armadas da Guiné - 2 (Coutinho e Lima, Cor Art Ref)

1. Em mensagem do dia 5 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), enviou-nos um trabalho com a sua opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes da Guiné, durante a sua permanência naquela Província: Arnaldo Schulz, António de Spínola e Bettencourt Rodrigues. 
Segunda parte.

Aceitando o repto do Tabanqueiro-mor Luís Graça, entendi apresentar algumas considerações sobre o tema.
Por ter cumprido 3 Comissões, por imposição, na Guiné (tenho a convicção que não haverá muitos militares nestas condições), eis a minha opinião resultante, fundamentalmente, das funções que desempenhei em cada um dessas comissões.

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Opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes das Forças Armadas da Guiné - 2

4. GUERRA DOS 3 G´s (Guidage, Guileje e Gadamael) 

4.1. Introdução – Mísseis terra-ar STRELA, do IN 

Em DEZ72, a DGS/Guiné tinha recolhido a informação que o PAIGC havia recebido novas armas antiaéreas. Mais tarde, Luís Cabral, disse que os mísseis só chegaram, depois da morte de seu irmão, Amílcar Cabral, ocorrida em 20JAN73.

Em 25MAR73, um Avião FIAT G 91, pilotado pelo Sr. Ten. Pil. Av. Miguel Pessoa, foi abatido por um desses mísseis, na região de Guileje, após ter sido chamado a prestar apoio aéreo, na sequência de uma flagelação ao aquartelamento, em pleno dia (14H30); este procedimento do IN foi propositado, pois era conhecido que, nessa situação, a nossa Força Aérea sempre marcava sua presença. O Piloto, verificando que o seu avião fora atingido, conseguiu ejectar-se, mas como o fez a baixa altitude, o pára-quedas não abriu totalmente, tendo caído no arvoredo intenso, sofrendo a fractura de uma perna; conseguiu assinalar a sua presença, mas devido ao adiantado da hora, só foi recuperado na manhã seguinte.

Nas semanas seguintes, foram abatidas mais 4 aeronaves, uma das quais pilotada pelo Sr. Ten. Cor. Pil. Av. Almeida e Brito, Comandante do Grupo Operacional da Base Aérea 12; este abate verificou-se na região do Boé.

Com a introdução dos mísseis terra-ar, a guerra entrava numa nova fase, decididamente bem pior para as forças terrestres, que até então pudera contar com o apoio aéreo, nas suas diversas vertentes: apoio de fogo, acompanhamento de colunas de reabastecimentos, transportes gerais, reconhecimentos aéreos, regulação aérea dos fogos de Artilharia e evacuações, estas efectuadas mesmo em zonas de combate.

Para fazer face à nova ameaça, a FA adoptou as medidas consideradas necessárias, que se traduziram em grandes restrições ao Apoio Aéreo. Nestas condições, a Repartição de Operações do Comando Chefe, enviou, em 27ABR73, uma mensagem, a todos os Comandos, determinando:

. cancelados, temporariamente, as evacuações, por avião ligeiro DO 27, a partir de Guileje, Gadamael,…

. cancelados, temporariamente, os transportes gerais, por DO 27 (o chamado avião do Sector), em todos os Comandos.

. os acompanhamentos por DO 27, passavam a fazer-se a altitudes superiores a 6000 pés.

. os ataques ao solo, por aviões FIAT G 91, seriam feitos só com bombas, a altitudes acima de 6000 pés.

. as evacuações, por helicóptero, passavam a ser objecto de estudo prévio do Comando de Operações Aero-Tácticas (COAT), da FA.

No que se refere a Guileje, as colunas de reabastecimentos (Gadamael/Guileje), até 06ABR73, eram acompanhadas por um avião DO 27, armado, sobrevoando o itinerário; após essa data, deixaram de ter qualquer apoio aéreo, tendo sido determinado que, no caso de haver contacto com o IN, deveria ser pedido apoio imediato.

Com todas estas restrições, nenhum meio aéreo aterrou em Guileje e também em Gadamael (até 22MAI73), com uma única excepção: uma visita a Guileje, em 11MAI73, do Sr. Comandante-Chefe, Sr. General Spínola. As evacuações passaram a ser feitas, por estrada (nas colunas) até Gadamael, daqui por barco para Cacine, onde a FA as fazia para Bissau, de helicóptero.


4.2. GUIDAGE - situado na fronteira Norte, com a Rep. do Senegal 

Dotado de uma nova arma - o míssil STRELA, que condicionou de um forma muito significativa a nossa FA, o IN modificou, radicalmente, a sua maneira de actuação que, até então se caracterizava, fundamentalmente, por montar emboscadas e implantar engenhos explosivos nos itinerários, flagelar os aquartelamentos das NT e as populações, especialmente de noite e passou a uma outra fase, concentrando grandes efectivos, apoiados por bases de fogos com consideráveis quantidades de armamento pesado, sem qualquer restrinção de munições, tendo em vista objectivos específicos das NT.

Assim, em 08MAI73, começou por montar uma emboscada a uma coluna de reabastecimento Farim – Guidage, impedindo a sua realização; de seguida, iniciou as flagelações ao aquartelamento de Guidage, que se iriam manter durante bastante tempo. O Comando Chefe resolveu reforçar de imediato, o COP 3 (Comando Operacional nº. 3), com sede em Bigene, do qual dependia Guidage.

O Sr. Chefe de Repartição de Operações do CEM (Corpo de Estado-Maior) Pinto de Almeida, interrogado sobre o assunto, (no âmbito do processo que me foi instaurado, como consequência da retirada de Guileje), declarou:

“. As flagelações a Guidage tiveram início em 08MAI73 e prolongaram-se até 01JUN73 (não tendo havido flagelações em 20, 24 26, 30 e 31MAI).

. Relativamente a colunas de reabastecimento, a primeira chegou a Guidage em 10MAI, a segunda no dia 12MAI, a terceira em 15MAI. 

. Quanto ao balanceamento de meios do COP 3, para reforçar Guidage, a esta guarnição chegaram em 08MAI, 2 GC (Grupo de Combate) da CCAÇ 3 (Companhia de Caçadores 3 – do recrutamento da Província); em 12MAI, mais 1 GC da CCAÇ 3 e os Destacamentos de Fuzileiros Especiais 1 e 4.

. Relativamente aos reforços atribuídos a Guidage: na coluna de 12 MAI, 5 GC do BCAÇ 4512 (Batalhão de Caçadores de Farim), 1 Bigrupo da 38ª. CCMD (Companhia de Comandos), 1 Secção do Pel Mort 4274 (Pelotão de Morteiros); este reforço manteve-se até à manhã de 13MAI. Na coluna que atingiu Guidage em 15 MAI, chegaram 2 GC do Comando de Bissau, 1 GC da Companhia Eventual Africana e o Grupo de Milícia de Jumbembem; este reforço manteve-se até à manhã de 19MAI. 

. Guidage foi ainda reforçado com a CCP 121 (Companhia de Caçadores Paraquedistas), desde 23MAI até 30MAI. Após o dia 29MAI, foi reforçado por outras unidades, não discriminadas.

. No dia 08MAI73, a guarnição de Guidage era constituída pela CCAÇ 19 (recrutamento da Província) e 24º. Pel Artª. (Pelotão de Artilharia), de 10,5 cm.” 

De 17 a 21MAI73, o Batalhão de Comandos Africanos, realizou a Operação Ametista Real, cuja Missão consistia em aniquilar ou, no mínimo, desarticular a base inimiga de Cumbamory (Rep. do Senegal). Os resultados foram os seguintes: causados 67 Mortos ao IN, bem como bastantes baixas prováveis, provocadas pelos bombardeamentos da FA; destruição de uma enorme quantidade de material e capturado diverso armamento. As N T tiveram 10 Mortos, 22 Feridos graves e 3 Desaparecidos.

Nas várias colunas de reabastecimento (foram iniciadas 7 e 5 destas atingiram Guidage), as NT sofreram 26 Mortos e 100 Feridos; foram destruídas ou danificadas 6 viaturas. O In sofreu, na coluna do dia 08MAI, 13 Mortos e elevado número de Feridos.

Não tenho elementos que indiquem se o Comando Chefe tinha algum conhecimento prévio das intenções do IN sobre Guidage.

Relativamente à sua actuação, após o IN ter desencadeado os acontecimentos, considero-a OPORTUNA, EFICAZ e ADEQUADA.

Desta forma, foi possível manter o aquartelamento das NT em Guidage.


4.3. GUILEJE 

No que diz respeito a Guileje, o Sr. Comandante-Chefe conhecia as intenções do PAIGC, com antecedência, pelo menos desde 27DEZ72.

No seguimento de um requerimento que fiz, para serem juntos ao auto de corpo de delito que me foi instaurado, todos os documentos relativos ao COP 5, o Sr. CEM (Chefe de Estado-Maior) do Comando-Chefe Sr. Coronel do CEM Hugo Rodrigues da Silva, fez entrega, ao Sr. Oficial da PJM (Polícia Judiciária Militar), Sr. Brigadeiro Leitão Marques, de uma relação de 124 documentos, em 08AGO73; todos estes documentos foram apensos ao processo. O documento nº. 105 daquela lista de 124 (que passou a constituir a folha nº. 608 do auto), é o seguinte:

“EXTRACTO DO RELATÓRIO DE INTERROGATÓRIO – 27DEZ72”

Este relatório foi elaborado em 271800DEC72 e relata o interrogatório do nativo Mário Mamadu Baldé, de 25 anos, natural de Cacine. Nele declarou:

[...]

“INTENÇÕES DO IN 

2. NA FRONTEIRA: Refere que o In pretende fazer um ataque com bastante força a GUILEJE, porque pretende obter uma maior liberdade de movimentos logísticos e de pessoal no Corredor de GUILEJE. Para isso, ficaram em KANDIAFARA alguns elementos que vieram recentemente dum estágio de Artª. na Rússia, para fazerem reconhecimentos na área de GUILEJE e preparar esta acção.


MODOS DE ACTUAÇÃO

Os chefes sabem que as flagelações aos aquartelamentos não têm obtido resultados compensadores e por isso resolveram mandar vários elementos ao estrangeiro receber uma instrução mais adiantada de Artilharia. 

Esses elementos ficam a saber trabalhar com cartas topográficas, para poderem determinar com precisão as distâncias de tiro. Aprendem também a trabalhar com goniómetros-bússolas e outros aparelhos, assim como ficam a saber através da regra do milésimo converter as correcções métricas em direcção em correcções angulares. Estes elementos ficarão normalmente em observadores avançados durante as flagelações, ligados por telefone às bases de fogos, dirigindo a acção e regulando o tiro.”

Importa salientar que, incompreensivelmente, tal relatório de interrogatório não me foi dado a conhecer, quando fui nomeado Comandante do COP 5; se tivesse sabido o que nele constava, teria confrontado o Sr. Comandante-Chefe da impossibilidade de, apenas com os meios de que iria dispor e que já estavam no terreno, fazer face à ameaça muito precisa e que, em consequência, necessitava que o COP 5 fosse reforçado convenientemente. Mesmo que não me tivesse sido dado nenhum reforço, não deixaria de, com as poucas possibilidades que tinha, ter na devida atenção aquela ameaça.

O conteúdo do documento em questão, por não ter suscitado nenhuma reacção do Comando-Chefe e do seu Estado-Maior, é, em minha opinião, altamente comprometedor para aquelas entidades. Após dele ter conhecimento, a Repartição de Informações (REP/INFO) deveria ter tomado todas as diligências, no sentido de confirmar ou não o que nele constava. Não há nenhum indício de que tenha sido esse o procedimento da REP/INFO.

Estou convicto que, nem o CEM do Comando-Chefe – Sr. Coronel do CEM, Hugo Rodrigues da Silva, nem o Sr. Oficial da PJM – Sr. Brigadeiro Leitão Marques, dedicaram a este documento qualquer importância, pois que, se o tivessem lido com atenção, seguramente seria excluído da lista e nunca teria sido incluído no processo.

Num artigo publicado no jornal Público, em 26JUL2004, o Sr. Osvaldo Lopes da Silva (OLS), antigo Comandante de Artilharia do PAIGC, (págs. 358 a 361 do livro “A Retirada de Guileje”), relata a maneira como foi encarregado por Amílcar Cabral, em Agosto ou Setembro de 1972, de preparar as condições para destruir Guileje. Amílcar afirmara: “Se o quartel de Guiledge cair, cai tudo à volta”. Com um grupo de cerca de 30 homens, postos à sua disposição, OLS fez, durante alguns meses, os reconhecimentos e as acções, na zona de Guileje, que permitiram ao PAIGC desencadear uma acção em força sobre Guileje, com início em 18MAI73. Confirmava-se, totalmente, o que o nativo Mário Mamadu Baldé declarara, no interrogatório que lhe foi feito em 27DEZ72.

Em meados de Abril de 73, como as obras em Guileje estavam muito atrasadas e a época das chuvas estava próxima, enviei à REP/OPER do Comando Chefe uma mensagem, solicitando autorização para que a actividade da CCAV 8350 (Guileje) fosse reduzida ao mínimo, para poder intensificar o ritmo das obras; a autorização foi concedida, mas devendo continuar os reconhecimentos na área de Mejo, anteriormente determinados, tendo em vista a reocupação dessa localidade.

Esta reocupação fazia todo o sentido, porque serviria, também, para apoiar Guileje e as NT no Cantanhez. Como verifiquei nos reconhecimentos que foram feitos, nessa altura, o local mais adequado, para o futuro aquartelamento, era junto a um dos braços de rio, porque, além de garantir o abastecimento de água, permitiria ainda utilizar a via fluvial, para evacuações e até talvez para os reabastecimentos; neste caso, seria uma alternativa para o reabastecimento de Guileje, que estava totalmente dependente da ligação terrestre a Gadamael. Na sequência desses reconhecimentos, foi possível fazer por via fluvial, a evacuação do Morto e dos Feridos resultantes da emboscada ocorrida no dia 18MAI73. Se a evacuação, nestas condições, não tivesse sido possível, era muito provável que o militar Morto tivesse sido sepultado em Guileje, como sucedera em Guidage, em situações análogas.

Recorda-se que Mejo tinha sido abandonada por ordem do Sr. General Spínola, quando no início do seu Comando, determinara a remodelação do dispositivo; desta forma, mudou de opinião. A localidade de Mejo não foi reocupada.

Quando tive acesso ao processo que me foi instaurado, esperava encontrar respostas às dúvidas que tinha, relativamente à actuação do Comando Chefe e do seu Estado-Maior, acerca do que sucedeu em Guileje, no período de 18/22MAI73. As minhas expectativas foram goradas, em grande parte.

Uma das minhas interrogações era a forma como o Sr. Comandante-Chefe pensava resolver o problema de Guileje, alvo de um ataque em força do PAIGC, desde 18MAI73. A única resposta foi a proporcionada pelas declarações do Sr. Coronel Paraquedista Rafael Durão, quando foi ouvido com testemunha, no processo que me foi instaurado (pág. 117 do livro “A Retirada de Guileje”):

“No dia 21 recebi directamente de Sua Excelência o General Comandante-Chefe ordem para manter a todo o custo o destacamento de GUILEJE, naquele local, para o que devia verificar as necessidades em meios para lá colocar os abastecimentos de toda a ordem, mais de 200 toneladas, que se encontravam ainda em GADAMAEL, CACINE e muitos ainda a chegar de BISSAU….” 

O Sr. General Spínola, ao nomear o Sr. Coronel Rafael Durão Comandante do COP 5, substituindo-me nessa função, entendeu alterara missão para “defesa a todo o custo”, que não constava na missão que eu tinha recebido. A defesa a todo o custo é a mais exigente de todas, implicando resistir até ao último homem. Não obstante o Sr. Coronel Durão ter toda a confiança do Sr. Comandante- Chefe, este quis ter a certeza que, em qualquer circunstância, Guileje seria defendido até ao fim.

O Sr. General Spínola, que me tinha negado o reforço, bem modesto, de uma Companhia de tropa especial, atribuiria ao Sr. Coronel Durão os meios que este considerasse necessários; e estes só seriam apresentados quando o novo Comandante do COP 5 chegasse a Guileje e aqui fizesse o estudo da situação, o que, na melhor das hipóteses, aconteceria em 22MAI; seguir-se-ia o accionamento da ida dos reforços, que só chegariam ao seu destino (Guileje) passados uns dias.

Interessava também saber o que pensava, sobre este assunto, o Sr. Chefe da REP/INFO do Comando Chefe, Sr. Ten. Cor. de Infª. Baptista Beirão. Para isso, volto a recorrer ao processo e às declarações que nele fez (folhas 749 a 751):

“3. Sendo perguntado… 

e. No entanto e embora me pareça que estas flagelações foram mais violentas, devo acrescentar que quase não provocaram baixas na guarnição (apenas 1 morto)…” 

Esta declaração do Sr. Chefe da REP/INFO “apenas 1 morto” é lamentável, pelo desrespeito evidente pela vida humana, mesmo só uma. Parece que é lícito concluir que se as baixas tivessem sido maiores, a sua declaração teria sido diferente.

“7. Sendo perguntado se havia notícias que referissem a acção sobe Guileje e se essas notícias aumentaram nos princípios do mês de Maio disse: 

a. Sempre houve notícias de ataque a Guileje até de ataques em força. No entanto essas notícias esbatiam-se sempre em flagelações mais ou menos violentas, sem consequências graves.

b. Em princípios de Maio começaram a aparecer mais notícias, parecendo assim que aumentavam as probabilidades do ataque. A flagelação de cerca de uma hora, em 10 ou 11 de Maio, chegou a fazer supor que seria a acção que essas notícias anunciavam, o que, depois, veio a verificar-se não corresponder à verdade, com uma série de acções desencadeadas a partir de 18 MAI….”

Verificou-se que o Sr. Chefe da REP/INFO “esqueceu-se” de referir o documento, referido atrás – Extracto do Relatório de Interrogatório – 27 DEZ 72. Este esquecimento demonstra, com evidência, que não prestou nenhuma atenção ao conteúdo de tal documento, o que, do meu ponto de vista, é INACEITÁVEL.

A minha maior expectativa, que estava nas declarações do Sr. Chefe da REP/OPER, Sr. Ten. Cor. do CEM, Pinto de Almeida, foi totalmente frustrada. E o caso não é para menos, pois que, tratando-se de um auto do corpo de delito, sobre a retirada de Guileje, o Sr. Brigadeiro Leitão Marques, nomeado pelo Sr. Comandante-Chefe para dirigir as averiguações, teve o descaramento de NÃO TER FEITO UMA ÚNICA PERGUNTA, sobre Guileje, ao Sr. Chefe da REP/OPER.

Não tenho a mínima dúvida que tal actuação foi concertada entre os dois intervenientes, pois que o segundo respondeu, com todo o pormenor, sobre todas as perguntas relativas a GUIDAGE!!!, com excepção da que inquiria quais as baixas que tinham incidido sobre a CCAÇ 19 (Guidage), ao que a resposta foi “…ignorando qual percentagem sobre a Companhia de Caçadores dezanove…”. Seguramente que tal pormenor não fora objecto de prévio acerto mútuo.

Sendo o objectivo primário da fase de inquirição do processo, o esclarecimento da verdade dos factos, o modo como o Sr. Oficial da Polícia Judiciária Militar, Sr. Brigadeiro Leitão Marques, conduziu as averiguações, relativamente à inquirição do Sr. Chefe da REP/OPER do Comando Chefe, foi INACREDITÁVEL.


4.4. GADAMAEL

Após a retirada de Guileje, todo o pessoal que daqui viera, incluindo a população, ficou em Gadamael; nessa manhã de 22MAI73, tinha chegado o novo Comandante do COP 5, Sr. Coronel Paraquedista Rafael Durão.

Num documento elaborado pela REP/OPER do Comando Chefe, sobre a situação em Gadamael, no período 22/30MAI, não é referida a actividade das NT; segundo a informação de diversos militares que lá se encontravam, fiquei a saber que foram realizados, com frequência, vários patrulhamentos e emboscadas, tendo-se verificado a presença de alguns grupos inimigos, que não se empenhavam, indiciando que se tratava de missões de reconhecimento. No PERINTREP nº. 21/73 (PERÍODO de 20 a 27MAI73, a REP/INFO referia:

 “…De assinalar, ainda, os reconhecimentos efectuados ultimamente na área de GADAMAEL, constituindo possível indício duma acção em força.”

Não obstante tudo isto, aparentemente não se tiraram nenhuns ensinamentos do que se tinha passado em Guileje; o IN, após entrar neste em 25MAI e, porque, eventualmente, não foi sujeito a forte pressão da Força Aérea durante o período 22/25MAI, como deveria ter acontecido, rapidamente deslocou o seu dispositivo para a região de Gadamael.

Nem o Comando-Chefe e o seu Estado-Maior, em Bissau, nem o novo Comandante do COP 5, em Gadamael (Sr. Coronel Durão), consideraram que o efectivo das NT, profundamente desgastado, física, moral e psicologicamente, era manifestamente insuficiente para fazer face a uma acção em força do IN; acresce o facto, do conhecimento de todos, que o aquartelamento de Gadamael não dispunha de abrigos semelhantes aos de Guileje.

Salienta-se a presença de carros de combate do IN na fronteira (mensagem da CCAÇ 3566 – Empada, de 16MAI73), possivelmente para actuar sobre Gadamael, onde a configuração do terreno, mais aberto, era propícia à sua actuação.

O Sr. Coronel Durão, ciente de que o IN não actuaria sobre Gadamael, conforme disse a um Sr. Oficial da Companhia que tinha vindo de Guileje, foi para Cufar em 30MAI, tendo sido substituído, em Gadamael, pelo Sr. Capitão Comando Ferreira da Silva, que chegara no helicóptero que levou o Sr. Coronel Durão.

Em 31MAI, pelas 14H00, teve início uma forte flagelação inimiga, sobre Gadamael; no período de 31MAI (14H00) a 02JUN (18H00), caíram no aquartelamento cerca de 700 granadas. As NT tiveram 5 Mortos e 14 Feridos. Foram provocados avultados danos materiais.

Só então foi accionado o reforço da guarnição, inicialmente com 2 Companhias de Paraquedistas, que se encontravam em Cufar (Sector do COP 4). A partir de 12JUN73, o Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12 (3 Companhias), esteve a reforçar Gadamael (com períodos de recuperação de uma Companhia em Cacine). Apesar deste considerável reforço, esteve prevista a retirada de Gadamael, para onde foi enviado o Sr. Major Leal de Almeida, para preparar o seu abandono, que não se verificou.

Nestas condições, parece lícito perguntar: se a guarnição de Gadamael tivesse sido reforçada, após a retirada de Guileje – 22MAI73, teriam sido tão graves os efeitos da acção inimiga sobre as NT? Arrisco-me a afirmar que, se os paraquedistas tivessem chegado mais cedo, seguramente que o IN teria tido muita dificuldade em montar o seu dispositivo de ataque.

A actuação do Comando-Chefe e do seu Estado-Maior, bem como do Sr. Comandante do COP 5, em Gadamael, no período 22/30MAI73, foi INCOMPETENTE, por não terem tido a capacidade de prever o que, com grande probabilidade, iria ser a iniciativa do IN.

A partir do início do ataque inimigo, o Comando Chefe accionou o reforço ADEQUADO, que no entanto pecou por tardio.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 17 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15759: (In)citações (84): Opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes das Forças Armadas da Guiné - 1 (Coutinho e Lima, Cor Art Ref)

9 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Neste post o Cor. Coutinho e Lima equaciona uma sequência de acontecimentos que ditaram o fim da guerra na Guiné. O aparecimento dos Strella e a consequente redução no apoio aéreo disponível. Fui apoiado com os aviões a 6.000 pés numa emboscada à coluna Bissau-Farim. Não sei qual era, naquele tempo, a eficácia desse tipo de apoio, mas que não era convincente, lá isso era verdade...
No que respeita à questão de Guidage, só posso falar do que alguns dos participantes que passaram pela minha companhia me disseram. Testemunhei o voo, a baixíssima altitude e sempre sobre o traçado da estrada, de um Nord Atlas a Farim para o reabastecimento de munições, tripulado pelo Cor Moura Pinto e mais alguns, claro.
Considero que o abandono da fronteira Sul - podendo ter sido uma opção táctica - se revelou muito mau. Participei no abandono programado de Sangonhá e Cacoca e no isolamento a que Guileje ficou votado quando ficou sem alternativas para comunicar, nomeadamente no que às funções logísticas diz respeito, ao contrário de Cacine e Gadamael que sempre tiveram alternativa. No caso de Cacine, mesmo o reabastecimento pesado poderia ser feito.
Quando a capacidade da artilharia de Guileje se tornou residual e muito inferior à do In que conseguia disparar permanentemente e de fora da fronteira, com um apoio aéreo limitado a situação tornou-se "muito delicada".
Além disso, a realização simultânea de duas acções ofensivas sem que as NT dispusessem de reservas que pudessem repor a frente, em ambos os sectores, criou uma situação insustentável. Relembro que a Artilharia Portuguesa era completamente cega e surda e disparava e ainda disparou por muitos anos sempre às cegas. Não foi feito qualquer esforço significativo para que assim não fosse.
Gadamael de que apenas também ouvi falar resistiu graças a um melhor apoio de fogo e de pessoal.
As situações descritas pelo Cor. Coutinho e Lima configuram o fim da guerra ou, no mínimo, cimentam a afirmação de que agora não havia possibilidade de reverter a situação, nem sequer em parte.
O ComChefe que sucedeu ao Gen. Spínola pode ter-se esmerado e fê-lo com certeza, mas estou convicto de que não tinha qualquer hipótese de melhorar a situação que se vivia e, portanto, relembrando que "o tempo trabalha a favor da subversão" estava numa situação absolutamente a caminho de um fracasso com consequências mais do que dramáticas.
Já fiz o paralelo entre a derrota na Índia contra um exército regular e de formação britânica e onde o racismo não era nota dominante e uma situação idêntica na Guiné...
E depois haveria o "efeito dominó" que não demoraria muito, certamente menos que o que medeou entre 1961 e 1973.
Um Ab.
António J. P. Costa

Unknown disse...

À falta de uma explicação mais clara, não me incluo nessa "...Artilharia... completamente cega e surda e (que) disparava... sempre às cegas".
Forte abraço
VP

antonio graça de abreu disse...

Sempre a mesma conversa neste pobre blogue. Os Strela, deixámos de ter apoio aéreo,( é verdade,houve restrições durante menos de dois meses,ninguém é suicida, e passou a voar-se com outros cuidados). Falam-nos nos desgraçados Fiat a bombardear a 6.000 pés,(será que os Fiat não picavam sobre os objectivos para largar bombas?)mais o efeito dominó, caía Guilege (não caiu, foi abandonada!)caíam os aquartelamentos todos de fronteira, retraía-se o dispositivo
militar, era a derrota anunciada e a debandada, 3 a 4000 mil guerrilheiros, maioritariamente instalados fora do território que queriam libertar conseguiram vencer umas Forças Armadas de 40.000 que controlavam praticamente toda a Guiné. Foi a derrota que ninguém viu até 25 de Abril de 1974, eu estive em Cufar de Junho de 1973 a Abril de 1974, todos os dias tínhamos aviões, hélis, fazíamos o reabastecimento de frescos, comida e munições, com os hélis, a todos os aquartelamentos do sul da Guiné, Cobumba, Chugué, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cameconde, Cacine, os Fiats bombardeavam como nunca, tínhamos os fuzos no Cumbijá, enfim, era só vitórias do PAIGC.Mas claro que era guerra.
Infelizmente neste pobre blogue há pessoas que passam a vida a falsificar dados e a denegrir a nossa História.Já não tenho paciência para ler a esclarecida opinião de tantas sumidades.

Abraço,

António Graça de Abreu

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

O Camarada AGA continua um livro aberto!...
Kum karago, aquilo ék é saber! Pôuça, istou aterrado!
Se o blog é pobre, como diria o Rei Juan Carlos ao Chavez... (não posso dizer mais nada).
Que é que fazes aqui? Há blogs para cultos e sabedores. Frequenta-os e faz alarde do teu saber. Não gastes cera com ruins defuntos. Mas deixa-me ser inculto à vontade. Tenho esse direito democrático. Ou não?

Sou um profissional e o Exército Português é o "meu" Exército com todos os defeitos que bem conheço e as qualidades que nem sonhas. Por isso, é bom que os amadores me ouçam. E se não quiserem tomar como verdadeiro aquilo que digo, ficam na sua.

A artilharia portuguesa era efectivamente cega e surda não por culpa sua ou dos seus serventes. O pessoal de que dispúnhamos era bom, cumpria as suas tarefas e não estava mal instruído. Faltava-nos, todavia, uma série de equipamentos de referenciação pela luz, som e radar que tinham começado a ser desenvolvidos durante a II GM e que os exércitos europeus do tempo já usavam. Nesta conformidade os fogos de contra-bateria ou contra-morteiro eram executados por"aproximação", o que, a juntar-se ao facto de as nossas posições serem bem referenciáveis especialmente de noite, concedia ao In uma boa vantagem que ele não terá aproveitado sempre. Graças a Deus, para quem for crente.
A quase impossibilidade de realizar regulação de tiro com observação terrestre e a nem sempre disponível regulação de tiro com observação aérea, no momento da detecção do alvo, faziam com que os tiros feitos surgissem normalmente sob a forma de tiros pré-preparados, às vezes "programas de tiro (ZLIA)" sobre localizações prováveis do In. O tiro a pedido era difícil de fazer e quem foi apoiado no terreno com artilharia, sabe do que falo. Como sabem, a regulação do tiro feito a pedido (normalmente em situação delicada) é difícil, especialmente se o observador não é de artilharia ou está a regular "de ouvido". Isto a juntar às dificuldade de transmissões que também são conhecidas limita grandemente a eficácia da artilharia.
E, mesmo contra a opinião mais corrente da Infantaria, a Artilharia acerta no objectivo, sempre que pode...

Um Ab. para todos e mais outro especial só para o "Vencedor"
António J. P. Costa

Unknown disse...

Exposição clara do Ilustre Oficial Superior de Artilharia A. J. Pereira da Costa. Parabéns. Obrigado.
Durante quase dois anos na fronteira Sul, senti essa precariedade de condições, e também, a tensão (angústia?) ao apoiar tropa em movimento, por vezes debaixo de fogo IN. Já falei dessas dificuldades, por várias vezes neste Blog.
Forte abraço.
VP

Antº Rosinha disse...

Agora vou-me meter nos tiros o que não é minha especialidade, em cada 5 tiros na gazela, acertava o último na pata do animal e já não era mau.

Mas quando a guerra começou em Angola em 1961, toda a gente de artilharia ou morteiros ou canhão anticarro, pegou em Mauser ou FBP ou metrelhadora Madsen.

Dizia-se que os artilheiros ficaram sem emprego porque os canhões não acertavam nos turras em movimento.

Dizia-se isto na brincadeira, mas no princípio ninguém se entendia.

Até que os flechas e comandos africanos e régulos se mobilizaram e lado a lado, levámos a melhor em Angola...limpinho,limpinho!

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Volto à antena para contar que regulei tiro de 8,8 cm feito de Cameconde sobre o quartel de Cacoca que deixámos inteiro, mas que era o melhor alvo para o efeito e, portanto, "lá teve de ser"...
Subi para uma árvore no desvio da estrada paralela à fronteira. Foi difícil até obter um tiro observável, puxando o plano de tiro para a leste (mais ou menos), mas ao terceiro tiro estava lá, o que atesta a categoria, a classe e, porque não dizê-lo(?) o prestígio deste OAv. Como se dizia naquele tempo: "é muito!".

Ao Rosinha direi que de facto quando a guerra começou, em Angola em 1961, toda a gente de artilharia ou morteiros ou canhão anticarro, pegou em Mauser (pika-chouriços) ou FBP (óptima, que até disparava quando caía ao chão e batia com a coronha) ou metralhadora Madsen (que ainda apanhei em Cacine e que disparava em segurança (tiro a tiro) um carregador de 20 tiros como a G-3). Por isso estava no abrigo para ser usada se...

No início era realmente uma barafunda e ninguém se entendia. Nunca ninguém supôs que a "aquilo" acontecesse, como já está demonstrado.
Contudo, as coisas endureceram e os artilheiros passaram a ter emprego porque os canhões, embora não não acertassem nos turras em movimento, batiam zonas onde eles andavam à vontade e donde nos davam cabo das boinas...
Nesse tempo até se usava o "reconhecimento pelo fogo" discutia-se se se devia ou não "entrar no mato".
Entretanto o insidioso, maldoso, ardiloso, perigoso e mauzinho In evoluiu técnica tacticamente e as coisas mudaram muito. Depois... o resto já sabemos.

Um Ab. para os dois
António J. P. Costa


Até que os flechas e comandos africanos e régulos se mobilizaram e lado a lado, levámos a melhor em Angola...limpinho,limpinho!

Anónimo disse...

Ora bem..como se fala aqui de artilharia..
também quero "botar faladura"

Caro camarada A.J.P.Costa..estou completamente de acordo ..em como a artilharia era cega ...mas se previamente se tivesse feito regulação de tiro por artilheiro ..a coisa mudava de figura..desde que os infantes soubessem onde estavam e comunicassem as coordenadas correctamente podendo inclusivé rectificar o tiro..o que nem sempre era fácil dadas as circunstâncias ...
Quanto a fazer contra-bateria..aí era muito mais difícil...mas que tinha efeito psicológico...tinha.

Senti um certo orgulho ao ouvir de vários elementos do IN durante os encontros pós 25A..."canhões de Gadamael..schiii...manga di pirigo".

Um alfa bravo

C.Martins

António J. P. Costa disse...

Olá camarada
A regulação prévia por artilheiro (que pratiquei) só pode ser feita daquelas duas maneiras.
Depois guardavam-se as correcções e às vezes a coisa até mudava de figura.
Numa situação de "à rasca" os infantes tinham dificuldade em dizer com precisão onde estavam e em comunicar as coordenadas correctamente. É fácil imaginar porquê.
Quanto à regulação do tiro... estamos de acordo: nem sempre era fácil dadas as circunstâncias...
Fazer contra-bateria para efeito psicológico é curto. O insidioso e ardiloso In cedo se apercebeu disso e perdeu o respeito ao "psicológico".
Além disso, o que se pretendia era responder eficazmente aos fogos do tal insidioso... e isso podia ter sido obtido com muito mais manga di pirigo".
Um Ab. e um bom domingo
António J. P. Costa