Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CART 2339 (1968/69) > 1969 > Mansambo
Foto: © Carlos Marques Santos (2006)
1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 20 de Novembro de 2016:
Amigo Carlos
Antes de mais, faço votos para que te encontres de boa saúde assim com os que te são queridos.
Acabo de escrever e vou enviar-te um pequeno texto recordando aquele que foi o dia mais triste do meu tempo de Guiné.
Recebe um abraço
PEDAÇOS DE UM TEMPO
13 - O DIA MAIS TRISTE...
Quando “tropeçamos” no passado mesmo que tal tenha acontecido há já muito tempo, a mente leva-nos a viver situações que podem ser boas ou más, mas não há como fugir. Foi o que aconteceu comigo há dias ao ler um dos postes publicado sobre a construção das instalações de Mansambo.
Cheguei aquele local uns dias mais tarde que a minha companhia, e no dia que os “velhinhos” nos deixaram fiz o meu primeiro serviço, acompanhado pela G3 que era para mim quase desconhecida, fui um dos que foram fazer segurança ao pessoal que andava a transportar a água para as nossas instalações, chuveiros, cozinha e abrigos.
Éramos oito os homens da companhia incluindo o motorista do unimog e o ajudante, mais os picadores que eram três. A distância entre as nossas instalações e fonte era de poucas centenas de metros mas pela manhã o trajeto era sempre picado para que o unimog 411 e acompanhantes pudessem passar em segurança não fosse estar por lá alguma mina colocada durante a noite.
Quando lá chegámos fomo-nos distribuindo para junto de algumas das árvores que lá existiam, só regressámos às instalações próximo da hora de almoço. Foi à sombra de uma de maior porte que me “instalei”. Enquanto lá estivemos não me lembro de ter falado com algum dos camaradas ali em serviço mas sei que o cérebro não parou de pensar, em quase tudo, só que em nada de bom.
Ver os velhinhos partir com a alegria natural de quem conseguiu chegar ao fim da comissão e vai regressar a casa, e pensar no tempo que nos faltava para que também nós pudéssemos viver um dia assim… na altura, falava-se que seria vinte e dois meses depois foram quase vinte e sete.
Preparação para a guerra na Metrópole eu não tive, apenas tinha utilizado a arma duas vezes onde disparei cinco tiros de uma vez e vinte de outra.
A minha recruta e especialidade foram feitas em apenas três meses, no Trem Auto, dos quais três semanas foram passadas no hospital, HMDIC em Lisboa, depois oito meses no RAP3 Figueira da Foz com a especialidade de monitor auto. De guerra e armas nada conhecia, daí a minha falta de preparação, tive que me habituar à situação que todos vivemos, mas fui sempre um fraco guerreiro.
Era já perto de meio-dia quando regressámos da fonte, estava psicologicamente arrasado, foi então que antes do regresso me ocorreu uma frase que escrevi num papel que tinha comigo e que me acompanhou durante todo o tempo de comissão que simplesmente dizia: tem calma, ainda és jovem e o tempo há-de passar.
Foram várias as vezes que li essa frase assim como outras que entretanto fui escrevendo. Algumas vezes ajudou mesmo… Mas aquele dia foi de todos o mais triste… ainda hoje está presente na minha mente como se fosse ontem. Mais tarde em Cobumba passei por momentos bastante mais difíceis, mas aí, a tristeza não raramente passou a dar lugar à raiva…
António Eduardo Ferreira.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > 1996 > O Humberto Reis (ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1968/69), contemporâneo da CART 2339 (Mansambo, 1968/69). posando junto ao único memorial que ainda restava, de pé, o da CART 2714 (1970/72)... Dos fundadores, "Os Viriatos", a CART 2339, bem como do quartel que eles erigiram e inauguraram, restavam apenas alguns fragmentos e vestígios... Foto de Humberto Reis (2006)
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Nota do editor
Último poste da série de 29 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16773: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira) (12): Memórias que me acompanham
3 comentários:
Ferreira
É um prazer ver-te por aqui e as tuas recordações, que terão quase tanto tempo como as minhas pois chegamos lá com 8 dias dias diferença.
Essa tristeza que sentiste ao ver os camaradas "velhinhos" partir, penso ser comum a todos e eu também passei por isso. Na verdade foi um sentimento dividido, pois por um lado eles iam regressar para as suas terras e famílias e nós íamos ficar e quem sabia o que o futuro nos reservava?
Mas também fiquei contente por ter finalmente sítio num abrigo e uma cama. Enfim um lugar a que chamar " o meu canto". é que até ali, vivi numa tenda de campismo e dormia em cima de um pano de tenda.
Como vês nós portugueses somos muito estranhos. Só nós sentimos tristeza e alegria pelo mesmo acontecimento. É como o caso do tipo que partiu uma perna mas que teve muita sorte pois podia ter partido as duas.
Olha amigo faço votos para que estejas bem de saúde e continua a lembrar aqueles tempos pois, é sempre um prazer ler o que tu escreves.
Um abraço
Eduardo, bom ano, boa saúde para ti!... Espero que tenhas ultrapassado os problemas que enfrentaste com grande dignidade e coragem... Quanto a Mansambo...Conheci pelo menos 3 companhias lá, a começar pela CART 2339, que construiu o quartel de raiz...e que só na fonte embrulhou 3 vezes com consequências trágicas... Fiz operações com eles,os "Viriatos", mas ainda era "periquito" (seis meses) quando eles regressaram à metrópole...No teu tempo, Mansambo já não era um alvo prioritário do PAIGC...De Mansambo até ao Xitole, a estrada estava interdita, tivemos que fazer uma grande operação para a reabrir, quase um ano depois... O abastecimento de Xitole e Saltinho tinha que ser feito por Galomaro!...Era um pesadelo aquela estrada no tempo das chuvas, no 2º semestre de 1969...
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search?q=%22fonte+de+Mansambo%22
Luís
A estrada de Galomaro - Saltinho ainda a fiz até ao destino. Noutra altura os carros atascaram-se de tal maneira que voltamos para trás. Depois em 15 de Novembro de 72 tivemos um morto nessa mesma estrada e nunca mais a fizemos.
Era assim numa altura as zonas não ofereciam perigo de maior noutras eram uma chatice.
Mas passei umas três vezes a Mansambo e Xitole onde o pessoal andava de grandes barbas e cabelos compridos. Ia dando um treco ao tenente coronel quando se deparou com a malta "camuflada" das cabeças aos pés
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