sábado, 28 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16998: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (5): O I Congresso do PAIGC em fevereiro de 1964, em Cassacá, a sul de Cacine, e a importância social da saúde e da instrução literária, analisada na base central do Morés em março de 1964 - Parte II







O nosso colaborador assíduo do blogue, Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494. Xime e Mansambo, 1971/74): tem já mais de 110 referência no nosso blogue; ainda está no ativo, é professor universitário, doutorado em ciências do desporto. Este texto, a publicar em duas partes, foi submetido ao blogue em 4 de janeiro de 2017]



O I CONGRESSO DO PAIGC EM FEVEREIRO DE 1964 NO SUL E A IMPORTÂNCIA SOCIAL DA SAÚDE E DA INSTRUÇÃO LITERÁRIA, ANALISADA NA BASE CENTRAL (MORÉS) EM MARÇO DE 1964


II (e última) Parte


Um mês após a conclusão do I Congresso de Cassacá, na Frente Sul, os responsáveis da Frente Norte, Ambrósio Djassi [nome de guerra de Osvaldo Vieira; 1938-1974] e Chico Té [nome de guerra de Francisco Mendes; 1939-1978] tomaram a iniciativa de convocar uma reunião para o dia 21 de março de 1964, sábado, a realizar na Base Central [Morés] entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários [políticos] com o objectivo de estudar e discutir as novas fases do desenvolvimento da luta, e ao mesmo tempo para pôr todos os camaradas ao corrente das resoluções aprovadas na reunião de Cassacá.

No final da reunião do Morés foi elaborado o respectivo relatório, que foi remetido ao Secretário-Geral, e por este recebido em 4 de abril de 1964, onde se fez referência aos temas tratados, ao conteúdo de cada intervenção e ao nome de todos os responsáveis que nela tomaram parte, num total de cinquenta e seis elementos.

Eis os dez pontos da Ordem do Dia [dos Trabalhos]:



1. - Mudança de Táctica

2. - Criação de novas bases
3. - Recrutamento e treinos
4. - Política
5. - Disciplina Militar
6. - Alimentação
7. - Saúde
8. - Instrução literária
9. - Segurança e controle
10. - Ligação.



Como ponto extra foi abordado o “ataque ao Enxalé” e analisada a sua necessidade.

Considerando a extensão do documento, constituído por doze páginas A4 manuscritas, iremos abordar neste texto somente os pontos 7 e 8, relacionados com os assuntos sociais – saúde e educação –, aliás em conformidade com o exposto na introdução.

Esta opção é justificada pelo facto de termos vindo a tratar o tema da saúde utilizando as memórias e experiências vividas por médicos cubanos no apoio à guerrilha, cujos relatos são posteriores a este evento (dois anos; com início em junho de 1966).

Já reproduzimos ao altop deste poste a folha de rosto, ou 1.ª página, onde consta o que acima foi referido.


Ponto 7 - SAÚDE


{Ambrósio] Djassi
– Tudo o que já fizemos e pensamos fazer é devido ao estado normal da nossa saúde. Passo a palavra ao nosso camarada Simão Mendes [enfermeiro] para nos apresentar o relatório elaborado em colaboração com os outros camaradas da saúde.


Simão Mendes
– Digo aos camaradas que vou relatar 10 pontos principais conforme o relatório que fizemos:

1 – Medicamentos: - os medicamentos passarão a ser requisitados trimestralmente, requisitando só os medicamentos de maior consumo na Guiné, dando uma regalia aos guerrilheiros como ao povo. Requisitar materiais de pequena cirurgia o mais breve possível.

2 – Doentes para a fronteira: - mandar urgente para a fronteira todos os feridos ocasionados por ferimento de balas uma vez que não há já recursos locais para a sua extracção. Formar um grupo de transporte de doentes ou feridos graves para a fronteira. Esse grupo será nomeado pelo responsável pela Zona Norte.





3 – Preparação de Ajudantes de enfermagem para outras bases: - serão escolhidas meninas e rapazes para receberem noções de socorros urgentes e de enfermagem.

4 – Escala de Serviço e sua conveniência: - far-se-á uma escala de serviço nomeando cada enfermeiro para a sua responsabilidade diária.

5 – Ginástica, sua necessidade e inconveniência: - a ginástica continuará a ser feita como dantes, isto é, todos os dias principalmente para os recém-chegados.

6 – Visitas guiadas às bases: - deslocação quinzenalmente às bases; nesta visita o enfermeiro escolhido procurará colaborar com o povo estudando assim as doenças de 1.ª instância. Serão construídas duas barracas para consultas.

7 – Noções ligeiras de primeiros socorros aos guerrilheiros: - fazendo parte da guerrilha é lícito que todos os guerrilheiros tenham noções de primeiros socorros. Oferecemos a nossa boa vontade neste momento.

8 – Higiene e sua conveniência: - fazendo parte da saúde, para evitar certas doenças, devem todos os guerrilheiros seguir os princípios da higiene do vestuário e limpeza de barracas.

9 – Escala de serviço e sua conveniência: - far-se-á uma escala de serviço, nomeando cada enfermeiro para a sua responsabilidade diária. (Este ponto é igual ao 4).

10 – Colaboração mútua em tudo que diga respeito ao nosso movimento com o povo e guerrilhas: - colaborar com a nossa população explicando a todos as inconveniências que o abuso excessivo dos medicamentos pode ocasionar. Paciência absoluta, dando ao povo explicações do emprego de medicamentos.




Resolução:


Todos os camaradas estiveram de acordo com as proposições dos camaradas da saúde e resolveram criar forças para garantir a execução do que está acima indicado.



Ponto 8 - INSTRUÇÃO LITERÁRIA



Djassi
– Depois de tudo devemos começar a pensar na instrução dos guerrilheiros e do povo. Hoje podemos dispor de alguns livros apanhados e que já empregamos para o mesmo fim. Os camaradas que vieram de Bissau vão ser distribuídos nas bases para começarem a instrução literária.

Chico Té
– Devemos fazer esforços para pôr isso em prática o mais breve possível apesar de poucos meios do que nos dispomos actualmente.


Luís Gomes – Neste ponto posso dizer que é muito importante para a nossa vida e o desenvolvimento da nossa terra. A instrução não é só para crianças mas sim também para adultos.






Resolução:


Todos os camaradas estiveram de acordo neste ponto, e os camaradas que vieram de Bissau vão ser distribuídos nas bases a fim de começar com a instrução literária. Devido à falta de material escolar solicitamos aos dirigentes superiores do Partido o envio de algum material neste campo.


Citação:
(1964), "Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários da Base Central", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40112 (2016-12-28)


Fonte (,com a devida vénia...):

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 04613.065.157
Título: Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários da Base Central.
Assunto: Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários da Base Central, assinado por Chico Té (Francisco Mendes) e Ambrósio Djassi (Osvaldo Vieira). Ordem do dia: mudança de táctica, criação de novas bases, recrutamento e treinos, política, disciplina militar, alimentação, saúde, instrução literária, segurança e controlo e ligação. Ataque de Enxalé.
Data: Sábado, 21 de Março de 1964.
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul e Leste).
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental: Documentos


Em função do exposto, e em jeito de conclusão, podemos dizer que a organização do PAIGC, passados quinze meses do início da sua luta armada, ainda era excessivamente precária, onde os adjectivos: instável, delicada, insegura, débil e pobre, enquanto sinónimos, completam o seu quadro mais global.

Mas poderia ser diferente para melhor? Não creio… pois tudo na vida é processo e projecto.

Obrigado pela atenção.
Um forte abraço de amizade e votos de boa saúde.
Jorge Araújo.
4jan2017.

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Nota do editor:

Último poste da série 26  de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16991: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (4): O I Congresso do PAIGC em fevereiro de 1964, em Cassacá, a sul de Cacine, e a importância social da saúde e da instrução literária, analisada na base central do Morés em março de 1964 - Parte I

4 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Poderemos tirar daqui a conclusão de que o PAIGC, após um ano de guerrilha estava a fazer um ponto de situação e a reorganizar-se. Quanto ao congresso de Cassacá estou surpreendido que não tenha ocorrido em Campeane, lugar que tínhamos abandonado e onde não teríamos grandes possibilidades de nos aguentarmos. A FAP não tinha grandes possibilidades de actuar em tempo útil sobre a reunião e era necessário que soubesse dela. Sei que os dois barcos do PAIGC foram destruídos pela FAP. Creio mesmo ter visto uma foto de um ataque ao porto de Camassó (de localização indefinida) em que se vê alguém a fugir. No "meu tempo" existia ali um rádio que emitia em fonia e em grafia, tinha 9 botões em linha e usava uma antena de "L" invertido.
Reparem na fotos "para mais tarde recordar" em que o leader segue pelo caminho bem desbravado na aproximação ao local do congresso.

Um Ab.
António J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

António J.P.Costa, evidentemente que cada país ou cada pátria tem que ter a sua história própria.
E se a Guiné-Bissau ficar com esta história, (PAIGC) bem gravada,da sua fundação e que ninguem venha a re-criar nenhuma outra, assim como Angola e Moçambique, com o MPLA e a FRELIMO, não é mau para uma "boa paz" desses países.
Porque se cada facção ou cada Movimento que existiam nesses países resolvem escrever a sua própria história...lá vai a paz!
Agora pensar na sinceridade daqueles dirigentes congressistas, "estudantes do império", para com os "africanos indígenas"...temos o resultado bem à vista, em quase toda a África.
Alguém pagará!


Anónimo disse...

Caro amigo Rosinha,

Claro que com uma unica historia contada pelo PAIGC nao tivemos muita "puxa-puxa" como aconteceu noutros paises, mas a bem dizer, tambem, nao satisfaz a todos porque esta historia convem so aos seguidores do PAIGC. E os outros? O Hino do PAIGC eh o nosso hino nacional, a bandeira...idem aspas.

De tanto aceitar a imposicao do PAIGC e suas idiotices o pais acabou sendo refem do mesmo e hoje ja querem que sejam os seus filhos a ocupar todos os postos de governacao no pais. Se hoje eh pacifico, amanha podera ser diferente.

Um abraco amigo,

Cherno AB

Samoel Mendes disse...

Prezado sr.Luís Graça, primeiramente gostaria de muito lhe agradecer por esta página que nos leva a muitas informações históricas e inclusive o conhecimento de figuras como Simão António Mendes (meu Avô paterno). Figura esta que, salvo a homenagem feita ao atribuir o seu nome ao principal hospital do país (Hospital Nacional Simão Mendes), é muito pouco falada e conhecida por muitos que acompanharam, estudam e pesquisam a história da libertação da Guiné-Bissau.

Obrigado.
Forte abraço.