Marco de Canaveses > União das Freguesias de Paredes de Viadores e Manhuncelos > Candoz > Quinta de Candoz / Tabanca de Candoz > 1 de setembro e 2018 > Alfaias agrícolas, coisas cada vez mais inúteis com a mecanização da agricultura, hoje uma arte e uma ciência...
Fotos (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Se tens galinha pedrês,
não a mates nem a dês
por Luís Graça
Como era simples a vida da camponesa
que ia ao monte buscar lenha,
por Luís Graça
Como era simples a vida da camponesa
que ia ao monte buscar lenha,
a moinha, as pinhas, as giestas.
No carro de bois, que chiava pelo estradão.
No carro de bois, que chiava pelo estradão.
Ou que, de saco à cabeça,
ia levar o grão de centeio
à azenha, lá longe, no Porto Antigo
onde abicavam os barcos rabelos...
Seguia,a pé, pela linha férrea do Douro,
mas não segura...
E que abria as pernas, depois,
ao seu homem e senhor, seu amo,
no meio do campo de milho.
Que quadro,
que pintura,
que beleza,
tardo-naturalística,
o desta humilde cena portuguesa,
desta gente
sem rosto,
sem nome,
sem registo,
sem trilho,
sem a mística nem a estética
do Movimento Nacional Feminino.
Porra e lenha,
é quanto a venha,
diz o meu home!
Como era simples e brutal
a vida da mulher do campo
no tempo em que ainda havia
a distinção socioantropológica
entre a cidade e o campo,
E que abria as pernas, depois,
ao seu homem e senhor, seu amo,
no meio do campo de milho.
Que quadro,
que pintura,
que beleza,
tardo-naturalística,
o desta humilde cena portuguesa,
desta gente
sem rosto,
sem nome,
sem registo,
sem trilho,
sem a mística nem a estética
do Movimento Nacional Feminino.
Porra e lenha,
é quanto a venha,
diz o meu home!
Como era simples e brutal
a vida da mulher do campo
no tempo em que ainda havia
a distinção socioantropológica
entre a cidade e o campo,
ou a diferenciação teológica
entre o céu, o purgatório e o inferno.
E havia o carro de bois,
e o penso para o tourinho,
e a maçã, biológica, do paraíso perdido,
e o império colonial,
E havia o carro de bois,
e o penso para o tourinho,
e a maçã, biológica, do paraíso perdido,
e o império colonial,
e as campanhas de pacificação,
e a costeleta de Adão
e as criadas de lavoura que eram violadas
em cima da meda da palha de centeio.
Enquanto os bois gemiam
e as rodas do carro chiavam,
e o varapau voltejava,
e o senhor abade praguejava:
feiras e frieiras
é coçá-las e deixá-las.
Como eram imutáveis as leis
que regiam as relações
entre a terra e o sol,
entre presas e predadores,
entre machos e fêmeas,
entre fidalgos e rendeiros,
entre donzelas e donzéis,
entre soldados e capitães,
entre operários e patrões,
entre ricos e pobres.
entre cabaneiros e os sem eira nem beira.
Se queres conhecer o vilão
mete-lhe o mando na mão.
e as criadas de lavoura que eram violadas
em cima da meda da palha de centeio.
Enquanto os bois gemiam
e as rodas do carro chiavam,
e o varapau voltejava,
e o senhor abade praguejava:
feiras e frieiras
é coçá-las e deixá-las.
Como eram imutáveis as leis
que regiam as relações
entre a terra e o sol,
entre presas e predadores,
entre machos e fêmeas,
entre fidalgos e rendeiros,
entre donzelas e donzéis,
entre soldados e capitães,
entre operários e patrões,
entre ricos e pobres.
entre cabaneiros e os sem eira nem beira.
Se queres conhecer o vilão
mete-lhe o mando na mão.
E cada um tomava o seu lugar
no desconcerto da nação
e no palco do teatro da vida e da morte.
E ela levava, com a sua licença, a vaca,
ao boi do povo para a emprenhar,
E, com a sua licença, o porco à feira
para, com sorte, no regresso trazer
uns vestidinhos de chita
para o dia da comunhão da filha da puta da canalha.
Como era estupidamente alegre e feliz
a infância, breve, dos rapazes e raparigas,
no tempo em que
e no palco do teatro da vida e da morte.
E ela levava, com a sua licença, a vaca,
ao boi do povo para a emprenhar,
E, com a sua licença, o porco à feira
para, com sorte, no regresso trazer
uns vestidinhos de chita
para o dia da comunhão da filha da puta da canalha.
Como era estupidamente alegre e feliz
a infância, breve, dos rapazes e raparigas,
no tempo em que
a sardinha era para três.
e sobrevivia o mais forte
e o pai era pai e patrão
e a mãe era mãe e pai,
quando o home partia para os brasis
ou outros eldorados que ficavam para além do mar,
ou simplesmente para lá das serras.
E o galo cantava
para a galinha pedrês.
e a vida fiava-se e tecia-se
linha a linha, em branco fio de linho,
no tear da dor e da solidão.
Como era curta a vida,
a esperança de vida,
e certa, tão certa, a velhice e a morte.
Muita saúde, pouca vida,
porque Deus não dava tudo,
lembrava o sino da igreja da aldeia,
quando morria algum cristão.
E quem não poupa lenha
não poupa nada que tenha,
acrescentava, misógino, o rifão.
Ou noutra variante,
quiçá feminista "avant la letre":
Se tens galinha pedrês,
não a mates nem a dês.
Quinta de Candoz,
e sobrevivia o mais forte
e o pai era pai e patrão
e a mãe era mãe e pai,
quando o home partia para os brasis
ou outros eldorados que ficavam para além do mar,
ou simplesmente para lá das serras.
E o galo cantava
para a galinha pedrês.
e a vida fiava-se e tecia-se
linha a linha, em branco fio de linho,
no tear da dor e da solidão.
Como era curta a vida,
a esperança de vida,
e certa, tão certa, a velhice e a morte.
Muita saúde, pouca vida,
porque Deus não dava tudo,
lembrava o sino da igreja da aldeia,
quando morria algum cristão.
E quem não poupa lenha
não poupa nada que tenha,
acrescentava, misógino, o rifão.
Ou noutra variante,
quiçá feminista "avant la letre":
Se tens galinha pedrês,
não a mates nem a dês.
Quinta de Candoz,
setembro de 2008, versão revista em 21/7/2023 (LG)
______________
Nota do edtor;
6 comentários:
Um poema de fim de férias, do carago, não posso escrever aqui, aquilo que queria.
Parabéns, por essa veia popular.
Ab, Virgilio
Para quando o ”Tal”...livro?
Como escreveu um outro poeta: E’ tempo!
Abraco do J.Belo
A galinha pedrês era boa para matar e comer, a minha mãe quando morava no Monte alentejano só tinha galinhas pedreses, porque tinham um peito redondo como as perdizes, enquanto as outras raças de galinhas tinham um peito em quilha e também dizia que os ovos eram melhores. Um abraço.
O Luís tem de publicar rapidamente o seu Livro de Poemas. Segundo me consta, recebeu uma ameaça da esposa (Alice). Se não o publicar antes dele morrer, que o 'mata'. !
Mas não pode, pois já estará morto, e não se morre duas vezes. Por isso ele não vai em ameaças. Vai com tempo.
É como o meu, há 10 anos a escrever, e nunca mais acabo a minha Biografia. Pois tem sempre novos casos para escrever, e também nunca vou publicar nada, é para os bisnetos.
Um abraço, Virgilio
Camaradas, Virgílio, J. Belo, Zé Colaço:
Obrigado pelos comentários... Ler poesia (mesmo poesia... "socioantropológica") exige um esforço mental... Mas, dizem, "faz bem al Alzheimer"... Mexe com ideias e emoções. Fico feliz pelo tempo (precioso) que me dedicaram... Há dias um escritor e editor diizia:
"Em Portugal, os livros de poesia, de poetas consagrados, tem 700 leitores. As obras científicas nem menos de metade. O que se vende é o romance cor de rosa... Os "best sellers" são para a LeYa"... O resto é para os pequenos editores que rapidamnente vâo à falência, num país qye eidta 16 ou 17 ou 18 mil título mas em que há poucos leitores... E de poesia é mais do que um livro que se edita por dia... A maior parte são "poubellications"... (Do francês, "poubelle", caixote do lixo).
Vou ter mesmo que satisfazer os pedidos que me vêm de "várias famílias" e de vocês, bons amigos e camaradas... O livro, ou os livrinhos, não estão esquecidos... Estou a mexer e a remexer no "material", é o que caso deste poema que já tinha dez anos... Escrevi-o em Candoz, em final de féias, setembro de 2008.,.
Acabo de fazer uma versão, "corrigida, aumentada e melhorada"... E descubro erros de palmatória: perdês em vez de pedrês...A galinha é (era) pedrês, no galinheiro fazia-se notar pela diferença...De qualquer modo todas as galinhas descendem, ao que parece, dos "dinossauros avianos"...
_______________
pedrês | adj. 2 g. | s. m.
pe·drês
adjectivo de dois géneros
1. Sarapintado de preto e branco.
2. Feito de pedras pretas e brancas.
substantivo masculino
3. [Portugal: Beira] Aldraba ou fecho da porta.
ferro pedrês
• Ferro fundido.
Plural: pedreses.
"pedrês", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/pedr%C3%AAs [consultado em 02-09-2018].
Viva a galinha pedrês! Viva a biodiversidade! E viva a diversidade cultural... a diferença de géneros (literários)... Poetas poucos pero locos!... Dizem que somos um país de poetas... É verdade ? Mesmo que não publiquemos, todos temos um pouco de poetas e de loucos... Nós, portugueses... A poesia e a loucura dão-nos "resiliência"...
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