segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19127: 'Então, e depois? Os filhos dos ricos também vão pra fora!'... Todos éramos iguais, mas uns mais do que outros... Crónicas de uma mobilização anunciada (8) :A minha cunha era tão frágil., que não rachava um pau de Gamão ou Abrótea (José Colaço)

1. Mensaegm, com data de 21 do corrente, do José [Botelho] Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65):


Assunti : A minha cunha era tão frágil que não rachava um pau de Gamão ou Abrótea.

Começo por dizer que tive no comando das minhas companhias homens com H grande de humano, excepção na especialidade em Mafra, no  curso do STM:  aí o comandante de companhia tenente Lopes Pinto só falava directamente para os seus instruendos para os mandar para o barrbeirro (era assim que ele falava). No pelotão só não foi 100% de carecadas porque o cabo miliciano se enganou ou fez de propósito ao tirar os números, eu não sei porquê fui um dos contemplados,  pelo menos  o meu número não fazia parte da lista. Motivo desta falta: tínhamos o cinto da farda a segurar as calças por baixo dos arreios o que não era permitido.

Agora vamos à minha cunha:  passou-se na recruta, sendo o comandante de companhia o tenente Mesquita. Soube já depois de regressar da Guiné, também ele devido à sua rebeldia,  tinha sido vitima da hierarquia castrense.

Recruta no RI3 em Beja,  como eu morava em Castro Verde , aproveitava os fins de semana para desactivar,  com o mínimo de prejuízo,  a actividade de pequeno agricultor pois eu era o único elemento masculino da famííia em actividade, o meu pai tinha falecido,  o meu irmão vítima de acidente de moto do qual ficou paraplégico, estava internado no ex-hospital do Rego., hoje Curry Cabral.

A viagem para Castro Verde era feita de motorizada. Acontece que nesse dia choveu como Deus a mandava,  foram 60 km debaixo de água, ainda consegui fazer alguma coisa no Sábado mas no Domingo uma febre a quase 40º e de seguida o vírus da papeira. De cama,  faltei à chamada no quartel, na sexta feira seguinte aparece na minha casa o meu conterrâneo e amigo 2º sargento  Reinaldo, a dizer que eu, morto ou vivo,  tinha que me apresentar no quartel pois estava dado como refractário.

Com muito custo lá apanhei a camioneta no Sábado para Beja e na Segunda Feira fui fazer a apresentação ao Tenente Mesquita. Oviu-me com muita atenção e parece-me que acreditou nas verdades que lhe estava dizer, mas tinha que ser castigado: próximo fim de semana cortado...

Com muito custo da minha parte pois encontrava-me bastante debilitado, lá fui aguentando o treino militar durante a semana, para não dar baixa ao hospital,  o que me faria quase de certeza perder a recruta.

Sexta feira à tarde sozinho, a falar com os meus botões,  tomei a seguinte decisão: Ir falar com o tenente Mesquita pois ele estava de oficial de dia à unidade, cheguei ao gabinete, pedi licença,  bati a minha palada o melhor que sabia e recontei-lhe a minha história novamente.

- Está bem vai lá de fim de semana.

Mas eu ainda indaguei:
- Meu tenente,  mas eu estou na escala de serviço de faxina à cozinha.

Resposta final:
- Está bem,  manda f...isso, mas na Segunda Feira, à uma da manhã aparece-me cá, senão dou-te uma que te desapego a cabeça do corpo.

Na Segunda feira à uma hora da manhã, quando me apresentei no quartel quem nos estava a receber era um primeiro cabo chico, o "Bimbo". Diz-me ele;
- ó Doje doje [1212]  estavas de xerviço,  e foste embora... Dei o número  ao nocho  tenente, mas o nocho tenente deve ter enviado a participação para xesto dos papeis, porque ninguém me chamou.

Na guerra da Guiné tive a sorte de encontrar aquele então capitão com H grande de humano que dá pelo nome de João Luís da Costa Martins Ares (hoje coronel reformado).


5 comentários:

Hélder Valério disse...

Amigo Colaço

Dá-me a impressão que ficaste "vacinado" com o tratamento que tiveste que ter....
Realmente a prepotência sempre foi o forte dos fracos. E tu tiveste que sofrer a bom sofrer.
Mas estás aí, rijo que nem um pero, e para as "curvas".

Abraço
Hélder Sousa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mesmo numa relação assimétrica de poder. é possível "negociar" a nossa margem de liberdade... Foi o que o Zé Colaço fez... Não confundir "negociação" com "cunha"...

José Botelho Colaço disse...

Nota: Luís esqueci-me de mencionar na minha narrativa que eu na apresentação ao Sr. Tenente Mesquita que além da minha palavra por mais verdadeira que fosse em termos militares nada valia, ia munido de uma arma de defesa pessoal, um atestado médico civil com relatório ao pormenor do estado do paciente e as temperaturas em relação à febre detectadas durante a semana, passado pelo médico de Castro Verde Dr. Manuel de Brito Camacho, familiar (creio que primo em 2º ou 3º grau do então seu homónimo e famoso político Dr Manuel de Brito Camacho médico de Aljustrel. Um abraço.

Dados pessoais
Nascimento 12 de fevereiro de 1862
Monte das Mesas, Rio de Moinhos, Aljustrel, Portugal
Morte 19 de setembro de 1934 (72 anos)
Lisboa, Portugal
Ocupação Médico militar, escritor, publicista, político
Manuel de Brito Camacho ComSE (Aljustrel, Rio de Moinhos, Monte das Mesas, 12 de fevereiro de 1862 — Lisboa, 19 de setembro de 1934) foi um médico militar, escritor, publicista e político que, entre outros cargos de relevo, exerceu as funções de Ministro do Fomento (1910-1911) e de Alto Comissário da República em Moçambique (1921 a 1923). Fundou e liderou o Partido Unionista. Foi fundador e director do jornal "A Luta", órgão oficioso do Partido Unionista.

Anónimo disse...

José Colaço
23 out 2019 22h51

"Recruta no RI3 em Beja, como eu morava em Castro Verde , aproveitava os fins de semana para desactivar "retomar", com o mínimo de prejuízo, a actividade de pequeno agricultor pois eu era o único elemento masculino da família em actividade, o meu pai tinha falecido, o meu irmão vítima de acidente de moto do qual ficou paraplégico, estava internado no ex-hospital do Rego., hoje Curry Cabral.!

Caríssimo Luís, desculpa não consigo perceber a alteração da palavra desactivar para retomar, eu quando escrevi desactivar o que eu queria dizer resumindo é que tinha que aproveitar aqueles dias para vender,negociar, dar, eliminar ou arrendar os campos com o mínimo de prejuízo, pois aquela vida ia acabar, porque eram coisas em grande parte com vida. que na sua génese não se podiam guardar num armazém e a vida militar eram no mínimo dois a três anos de ausência, com a quase certeza da ida para a guerra colonial e aí também algumas hipóteses do próprio escrivão nem no caixão ter direito ao regresso.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

desactivar | v. tr.

de·sac·ti·var |àt| - Conjugar
(des- + activar)
verbo transitivo
Suprir a actividade.

Confrontar: descativar.

• Grafia alterada pelo Acordo Ortográfico de 1990: desativar.

"desactivar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/desactivar [consultado em 24-10-2018].