terça-feira, 23 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19131: Efemérides (292): Há exactamente 50 anos que embarquei para a Guiné - 23.10.68-23.10.18 (Carlos Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS Op MSG - STM/QG/CTIG)

1. Mensagem de hoje, 23 de Outubro de 2018, do nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), a propósito da data em que se perfazem 50 anos do seu embarque para a Guiné:

Há exactamente 50 anos que embarquei para a Guiné 
23.10.68 – 23.10.18

Tudo começou muito antes

A Inspecção Militar a que todos os mancebos eram sujeitos, era o princípio da vida militar e era feita na sede do concelho de residência dos referidos, no ano em que se faziam vinte anos. Eu, porque tinha nascido e morado sempre em Alcanena, foi na minha terra que fui inspeccionado juntamente com os outros quarenta e nove. Logo de manhã fomos para o Salão Nobre do edifício da Câmara Municipal, portas fechadas e janelas corridas, mandaram-nos despir e deram-nos um papel onde um soldado apontou o nosso peso e a nossa altura. Todos nus, com um papel na mão.

No Gabinete do Presidente da Câmara estavam os médicos militares que nos inspeccionavam, um a um, muito à pressa e lá nos davam a notícia que estávamos “apurados” para todo o serviço militar. É certo que um ficou “esperado”, porque era baixo e gordo e outros dois ficaram “livres” sem se saber porquê.

Quando nos íamos vestindo o tal soldado que nos tinha pesado e medido vendia-nos uma fita verde e vermelha, com um alfinete, para colocarmos na lapela do casaco, a dizer que estávamos apurados. Os que ficavam livres, tinham direito a uma fita branca.

Nesse dia, apesar de tudo foi dia de festa. Houve jantarada do grupo e depois baile até de madrugada. Era assim.

Depois foi só aguardar que os editais nos chamassem para a vida militar. A minha sorte mandou-me para a Escola Prática de Cavalaria em Santarém, no dia 10 de Outubro de 1967. Era uma segunda-feira e tudo era novo para aqueles trezentos e sessenta recrutas do Curso de Sargentos Milicianos. A maioria, onde eu estava incluído, só entrou depois do almoço e depois de ter sido dado mais um toque no cabelo, e lá entrámos. Logo de seguida fomos receber o fardamento, deram-nos um número – eu era o 2060/67 – indicaram-nos a caserna e o nosso número lá estava numa cama. Nada de enganar.

Aprendemos, assim-assim, a formar para o jantar. O refeitório era do outro lado da parada, no primeiro andar. E lá jantámos tendo-nos sido dito que às nove horas tínhamos uma palestra no mesmo refeitório para aprendermos o que era a tropa. Claro que ninguém faltou. Todos presentes para aprender onde estávamos metidos. O porta-voz foi o Comandante do meu Esquadrão, o Tenente Sentieiro que em palavras simples nos elucidou perfeitamente onde estávamos e o que o futuro nos reservava. Dessa palestra há passagens que ficaram na memória e que hoje aqui merecem ser recordadas. Por exemplo: “Essa coisa onde estão a deitar a cinza dos cigarros e as beatas, agora é um cinzeiro, mas amanhã de manhã é uma chávena de vista alegre para beberem o café com leite e à hora do almoço é um copo de cristal por onde vão beber o vinho ou a água”. Afinal aquilo era só um púcaro de alumínio… Outra dessa noite com alguma piada, mas sem graça nenhuma, foi quando o orador nos disse que só poderíamos sair para a rua quando soubéssemos todos os postos da hierarquia militar e bem assim os que mereciam ser cumprimentados militarmente – com continência – para evitar que fossemos bater pala ao porteiro do Hotel Abidis que tinha uma farda que parecia um marechal. E assim foi.

No outro dia foi o princípio. Aprendemos a marchar, aprendemos a rebolar nas barreiras, a saltar ao galho, a fazer a ponte interrompida, saltar a vala, rastejar, subir ao pórtico e lá fazermos alguma manobras, saltar das camionetas a não sei quantos à hora, devidamente enrolados, e sempre a marchar.

As barreiras, antes da recruta acabar, foram proibidas. Não por causa de alguns braços partidos e outros pequenos ferimentos, mas porque as fardas estavam a desfazer-se.

O tiro era treinado, de dia e de noite, na Carreira de Tiro fora do quartel com todo o tipo de arma desde a pistola até às várias metralhadoras pesadas.

As instruções nocturnas eram normalmente às terças e quintas-feiras e duravam até depois da uma da manhã, quando não era até mais tarde. Íamos para as Ómnias, lá para as margens do Tejo, para o Monte do Zé Morto, para o caminho de Rio Maior e na semana de campo fomos para lá da Chamusca, sempre a pé e com a carga toda às costas, incluindo a Mauser e o Capacete na cabeça. Nessa semana nem uma tenda pôde ser montada, apesar de irmos carregados com todos os apetrechos. Parece que o “inimigo” estaria ali por perto. Ordens são ordens. Esta semana de campo foi depois da tragédia das cheias, inundações e morte de centenas de pessoas na zona de Vila Franca, Alenquer, Loures e Odivelas. Só para nos centrarmos no tempo.

Depois de tudo isto, lá chegou o dia do Juramento de Bandeira e logo a seguir ficámos a saber que a maioria do pessoal, daqueles dois Esquadrões de Instrução, tinha chumbado e passado para o Contingente Geral. Dos trezentos e sessenta, foram só duzentos e um que chumbaram. E mais tarde, já na Guiné, é que vim a saber de fonte segura a razão de tanto chumbo. Foi o Comandante daquele Grupo de Esquadrões de Santarém, que também estava na Guiné e, infelizmente, lá morreu no acidente do helicóptero que caiu e onde iam também alguns Deputados da Assembleia Nacional que estavam de visita à Guiné que morreram também, que me disse que tinha havido um erro na classificação das pautas de tiro, que dependiam da Direcção da Arma de Infantaria a quem podiam pedir a revisão das mesmas. Mas como éramos de Cavalaria, ficou assim.

Não vale a pena continuar a falar, agora da especialidade, nem do resto do tempo até ao embarque. Mas passei pelo RTM no Porto onde tirei a especialidade, fui depois para o BT, na Graça, em Lisboa, a seguir para o QG em Tomar, depois de mobilizado voltei ao BT, e logo de seguida fui para o 15 em Tomar, que foi a minha Unidade Mobilizadora e na véspera do embarque fui passar a noite aquele hotel estrelado que era o Depósito Geral de Adidos.

É verdade. Parece que foi ontem e já lá vão CINQUENTA anos desde o dia do embarque para a Guiné, mas está tudo bem guardado na memória.

Depois de uma noite muito mal dormida nos Adidos, na Calçada da Ajuda, logo de manhã lá estava ataviado a preceito para embarcar para a guerra.

Dois dias antes, ainda no RI 15 em Tomar, a minha Unidade Mobilizadora, soube que ia para o BCaç 1911 que nunca vi e que parece que veio no barco onde fui, apanhei uma boleia com um senhor da minha terra que lá foi buscar o filho, para também embarcar para a guerra, salvo erro era para Angola. Lá fomos os três no Volkswagen 1300 do senhor, a caminho dos Adidos em Lisboa. Almoçámos, já não me lembro onde, e lá chegámos à capital do Império e aos Adidos.

Entrámos os dois pela porta de armas, cada um foi para o seu sítio, mas no dia seguinte deixei de o ver. Afinal ficou cá. Não chegou a embarcar. Tinha as suas mazelas certamente.

No dia do embarque, no dia 23 de Outubro de 1968, como disse, logo de manhã lá estava fardado como deve ser, de saco às costas com os meus pertences. Foi só esperar que as camionetas começassem a chegar para levar toda aquela malta de rendição individual para o cais de Alcântara. Éramos cerca de sessenta, tudo de cabeça baixa, sem saber para onde ia.·

Quando chegamos ao Cais, o grosso dos expedicionários já estava devidamente formado; era o Batalhão de Caçadores 2856, também do RI 15 de Tomar, constituído por quatro Companhias, mais um Pelotão de Polícia Militar que ia para Cabo Verde e ainda outras Unidade mais pequenas, género Pelotões de Canhão Sem Recuo, Pelotões de Apoio Directo, etc.·

Nós ficámos livres da formatura e, certamente por isso, fomos dos primeiros a embarcar. Ao cimo das escadas lá estavam as senhoras do MNF – Movimento Nacional Feminino a darem um maço de cigarros "Porto", um isqueiro e uns aerogramas a cada um. Também por lá se viam uns senhores de chapéu e de sobretudo, que alguns mais vividos diziam serem da PIDE.

O Uíge atracado à espera, com a tropa formada, depois de um General ter passado revista às forças ao som de uma Banda Militar, depois dos discursos da ordem, lá começaram a embarcar, sempre com a Banda a tocar marchas militares.

Os nossos familiares estavam do outro lado das barreiras e muitos nas varandas da Gare, com os lenços brancos nas mãos e as lágrimas nos olhos.

Os lenços brancos a acenar eram mais do que muitos. Da minha parte lá estavam os meus pais e os meus tios que moravam em Lisboa. Sabia mais ou menos onde eles estavam posicionados porque tínhamos combinado antecipadamente. A amurada do barco do lado do Cais estava repleta de militares o que provocava um relativo adornar do navio.

Entretanto, cerca do meio-dia, as máquinas do navio começam a fazer mais barulho e a silvar. Vêem-se já os rebocadores que o há-de ajudar a largar e a ganhar o rumo da Barra do Tejo. Foram momentos difíceis de descrever. Adivinhávamos facilmente que os familiares no Cais choravam. Alguns até gritavam e ouvia-se bem apesar da distância ser cada vez maior. Mas ouvia-se.

Navio Uíge em Bissau
Foto: Torcato Mendonça

A bordo também havia lágrimas em muitos olhos. O barco ganha rumo, a ponte "Salazar", era assim que se chamava a que hoje se chama "25 de Abril", começa a ficar cada vez mais perto, até que passámos por baixo dela. Dali até à Barra e depois ao mar alto parece que foi um momento.·

Mal ou bem lá fomos encaminhados para os nossos aposentos, para largarmos o nosso saco e para tomarmos conhecimento dos nossos beliches. A esmagadora maioria, onde eu estava incluído, viajou nos porões que noutras viagens transportavam tudo e mais alguma coisa. O cheiro era horroroso. As camas eram mesmo tipo beliche, mas em madeira de pinho, com colchões de palha e uma manta da tropa em cima. A estrutura das mesmas, porque em madeira, estava já cheia de dedicatórias de toda a ordem que se possa imaginar, fruto de outras viagens de idas e de regressos.

Já no mar alto fomos para a primeira refeição, o almoço, numa sala grande, a sala de jantar do barco, e a comida era aquela que nos quiseram dar, porque os orçamentos naquela altura já eram apertados, mas ninguém se queixou.

Depois foram cinco dias a ver-se só mar e céu, tudo azul, e de vez em quando uns peixes voadores a acompanhar o Uíge e por vezes até golfinhos como que a desejarem-nos boa viagem. Raras vezes avistámos outros barcos, mas sempre ao longe. Passámos relativamente perto das Canárias. Disseram-nos que, como aquilo era um Transporte de Tropas, estávamos a ser a ser acompanhados por um submarino. Já era a psicossocial a funcionar.

No convés havia uma espécie de um bar onde se vendia cerveja e Coca-Cola, sendo esta uma novidade autêntica uma vez que na Metrópole a mesma ainda era proibida. A cerveja era holandesa. Eram garrafas de meio litro, verdes, que nós nunca tínhamos visto. Claro que com estes estimulantes a viagem e o tempo parece que custavam muito menos a passar.

Nos porões, logo no primeiro dia, foram montadas bancas para a batota, neste caso a lerpa, e os profissionais dessa jogatina lá assentaram arraiais e foram depenando os mais desprevenidos, que era a esmagadora maioria.

E assim chegámos a Bissau no dia 28, ao final do dia, tendo o barco ficado ao largo e o pessoal desembarcado para barcaças que de imediato tinham rodeado o navio por todos os lados.

A todos os companheiros, camaradas e amigos que vão sobrevivendo e que há 50 anos viajaram comigo no Uíge, um grande abraço e votos de muita saúde.

Carlos Pinheiro
23 de Outubro de 2018
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19093: Efemérides (291): Faz hoje 51 anos: 12 de outubro de 1967, o dia em que eu morri....Por outro lado, sou o "único culpado" do suicídio do ex-alf mil, madeirense, Gouveia (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

10 comentários:

Valdemar Silva disse...

Carlos Pinheiro.
É extraordinário.
Três meses antes, no dia 10 de Julho de 1967, o mesmo aconteceu comigo.
Exatamente o mesmo Ten. Sentieiro, a mesma palestra no Refeitório, com a diferença que a seguir tivemos que descascar 'laranjas'.
Tudo o contas até ao Juramento de Bandeira foi, também, quase tudo igual: as Ómnias, as Barreiras, o ser de Cavalaria.
Mas, o mais extraordinário também se passou o mesmo com o resultado das Provas de Tiro. Não me lembro se houve muitos chumbos, mas eu tive quase, quase a chumbar. O meu Alferes, era 'baixote' e não me lembro do nome, é que me safou por eu ser dos melhores em todas as outras provas, alegando que as armas é que estavam mal calibradas. E lá me apresentei na Especialidade do CSM em Vendas Novas.
Também a partida para a Guiné, a viagem e a chegada a Bissau foi igual à como descreves... afinal eram todas iguais.
E já passaram 50 anos.

Um abraço
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Carlos:

É um texto de antologia, uma espanto a tua memória: estão lá os detalhes todos, não falta nada e, como diz o Valdemar, todos passámos por isso, parece um filme ao "ralenti", um pesadelo:

(i) "todos nus, com um papel na mão";

(ii) "quando nos íamos vestindo o tal soldado que nos tinha pesado e medido vendia-nos uma fita verde e vermelha, com um alfinete, para colocarmos na lapela do casaco, a dizer que estávamos apurados";

(iii) "só poderíamos sair para a rua quando soubéssemos todos os postos da hierarquia militar e bem assim os que mereciam ser cumprimentados militarmente – com continência – para evitar que fossemos bater pala ao porteiro do Hotel Abidis que tinha uma farda que parecia um marechal";

(iv) "ao cimo das escadas lá estavam as senhoras do MNF – Movimento Nacional Feminino a darem um maço de cigarros 'Porto', um isqueiro e uns aerogramas a cada um";

(v) "também por lá se viam uns senhores de chapéu e de sobretudo, que alguns mais vividos diziam serem da PIDE";

(vi) "a bordo também havia lágrimas em muitos olhos";

(vii) "disseram-nos que, como aquilo era um Transporte de Tropas, estávamos a ser a ser acompanhados por um submarino";

(viii) etc., etc.

Carlos, adorei ler o teu texto. Recuei 50 anos... Oxalá essas cenas nunca se voltem a repetir no tempo dos nossos filhos, netos, bisnetos, trisnetos, tretanetos... Nenhum de nós tinha a exata consciência de que estávamos a ser atores de um ciclo histórico de 500 anos,e íamos "representar" as últimas cenas do último ato da peça "O fim do Império"...

Foi o "papel" que nos calhou na rifa da História. Nem pior nem melhor do que tantos outros... Dou-te os parabéna por teresa voltado e ainda estares, vivo e lúcido, para contar tudo tintim por tintim...

Um alfabravo fraterno, Luís Graça


PS - O Sentieiro, hoje cor cav ref, é da tua terra, não ? Pelo menos vive lá. Foi um dos protagonistas da Op Ostra Amarga.

Anónimo disse...

Grande relato desta efeméride, Carlos Pinheiro.
Eu pensava, mal claro, que sabia muita coisa e tinha uma memória de 'disco' de um grande computador. Infelizmente não é assim, da maneira que contas os pormenores, eu não me lembro da maioria deles, tenho muita coisa armazenada, mas não tanta. Também nunca escrevi nada como se fosse um diário, apenas as cartas que escrevia à namorada, que depois foram todas queimadas, e assim se perderam muitas memórias.
Não conheço, já o disse, essa 'coisa' das despedidas, comigo não foi assim, fui mesmo à frente do Batalhão, num avião DC6 e passadas 24 horas já conhecia os horrores do clima da Guiné. Também não tive ninguém a despedir-se de mim, e são estas coisas que marcam, e muito, mas já perdoei a todos, não adianta rancores.
Foi pena teres chumbado no CSM, eu estive por um fio para chumbar no COM, mas o que me valeu a mim, ao contrário do teu caso, é que eu era um ás no tiro, além de toda a aplicação militar, e foram essas notas que somadas às teóricas, com coeficientes talvez diferentes, deu para passar e ficar nos últimos, e assim ser dos primeiros a embarcar, poupei tempo de tropa.
Agora deixa que te diga, a inspecção foi das cenas mais caricatas que se pode imaginar num mundo civilizado. Na minha inspecção nas Taipas, no Porto, não conhecia ninguém, e também fui daqueles que na primeira não passou, os meus 43 kgs de então não davam margem, voltei no ano seguinte com o mesmo peso e lá fiquei, não havia outra forma. Talvez com uma 'cunhazita' tivesse ficado 'isento' mas não foi assim.
Mas o que mais me chocou e arrepiou, foi em 3 de janeiro de 67, em Mafra, de manhã cedo, tudo gelado, e um gajo é novamente submetido à tortura da inspecção, todo nu, com o papelinho na mão, que por pudor colocávamos na frente, ou pelo frio.
O resto foi mais ou menos como dizes, não foi tudo igual, mas aceita-se.
Quanto a choros não vi ninguém a chorar por mim, talvez a minha namorada no dia anterior, pois ela não se despediu de mim no dia em que 'zarpei' de casa, tinha de ir trabalhar, era a vida.

Gostei muito, chegaste à Guiné um ano depois de mim, mais ou menos.

Tudo de bom, e saúde é o que nós todos agora precisamos.
Abraço, Virgilio Teixeira

Anónimo disse...

Para complementar, talvez ficou por dizer, eu pertencia a uma família de militares profissionais.
O meu pai embarcou para a India em 1955, acho que ele não se despediu de ninguém.
Depois o meu irmão mais velho um ano, embarcou para a India também em 1960, ainda fui com ele até Lisboa, Cais da Rocha de Conde de Óbidos, era noite quando o barco zarpou, não houve nada de grandes lamechices, a restante família ficou por casa.
Depois de vir da India após 5 meses de cativeiro, voltou para Angola, em 1964, não houve despedidas nenhumas, nós já estávamos habituados a isto tudo, e já sabíamos o filme todo, era o nosso mundo, o nosso destino, o meu pai teria o maior desgosto do mundo se algum filho não fizesse a tropa nem fosse para o Ultramar.
E depois continuaram as mobilizações, para Moçambique, Angola, Guiné etc.
Ainda hoje não sinto qualquer tipo de ressaca por ter ido e feito o que fiz no serviço militar e na Guiné. Porque estou vivo, com certeza. Aquilo hoje era um bom 'treino' para muita gente deste país que nada faz. Mas são outros temas, não vamos por aí.

Abraço, Virgilio

Valdemar Silva disse...

'Todos nus com um papel na mão'
Que excelente imagem, para capa de um livro.
Venham os escritores.

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Mas na capa do livro, forçosamente o papel tem de estar no sitio certo, tal como no paraíso de Adão e Eva, para não chocar sensibilidades... e o mancebo, tem de estar cabisbaixo, cheio de pudor no meio de centenas de novos militares.

O Luís tem aqui material para desenvolver, mas fotos 'cá tem!'

Virgilio Teixeira


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Concordo que era uma grande capa para o tal livro... O mancebo, todo nu, com a papeleta a tapar o sexo, tal como a parra do Adão, acabrunhado, ao lado da Eva, quando os dois foram expulsos do Paraíso...(Aliás, foi por causa do maldito "pecado" que tudo começou, a ambição, a luxúria, o roubo, a violência,a guerra...). Ainda estávamos todos no Paraíso, com o Amílcar Cabral, o 'Nino' Vieira e a 'Maria Turra", ao nosso lado, todos inocentes cordeironhos... De que cor seríamos ? No Paraíso, não havia brancos, pretos e mulatos...

Anónimo disse...

Quem sabe o que é o Paraíso?
O que se vê nessas imagens, o Adão e Eva são brancos!
Isto nos nossos livros, não sei nos outros continentes a imagem que fazem do Paraíso, e a cor do Adão e Eva?.
Parece que ninguém puxa mais um pouco pelo tema, vamos lá malta, digam da vossa experiência macabra - nu de papel a tapar o sexo. Isto é um trauma.
Nos EUA não havia destas cenas, a passarada ia às inspecções em cuecas.
Hoje sabe-se que a ideia dos nossos médicos militares, para nos porem todos nus a passar pelas mesas todas, seria 'para verificar se o futuro mancebo tinha os dois testículos, ou só um'. Quem confirma? E qual seria a diferença para a Guerra?
Abraço, Virgilio

Hélder Valério disse...

Meu caro Carlos Pinheiro

Está aqui um "relato e peras"!
Concordo que tem muitas informações interessante e até frases fortes, de que aquela que já foi aqui referida de "todos nus com um papel na mão" (só faltou saber se iam, ou não, em "bicha pirilau".
E tem tantos aspectos que me atrevo a dizer-te que sendo interessante ler tudo de um fôlego talvez não fosse de menor interesse dividires as partes: a inspecção, a instrução, a viagem e por aí fora. Bem vistas as coisas todos e cada um desses relatos acabariam por se enquadrar em temas já existentes, por exemplo "o cruzeiro das nossas vidas", relatando a viagem, "a terra que mais gostei ou odiei", relatando a incorporação e a instrução.

Olha, estou a escrever no final de 25. Amanhã, 26 de Outubro, é a data em que 'oficialmente' embarquei para a Guiné, fará 48 anos... mas essa viagem e as peripécias antecedentes já a relatei no primeiro artigo que enviei ou num dos seguintes.
A minha incorporação também foi em Santarém, em Julho de 1969, portanto na 3ª de 69.
A "inspecção" não foi muito diferente da tua mas foi em Santarém que eu e mais uns quantos da minha aldeia e das terras vizinhas fomos "às sortes".

Mas seja como for, a verdade é que está aqui um texto para figurar na "tal" colectânea que "um dia" se há-de fazer para construir um livro com estes relatos/legados para as futuras gerações.

Um abraço
Hélder Sousa

Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro disse...

Respondendo ao Luis Graça no seu comentário de 24 de Outubro, de facto o Cor. de Cavalaria, Reformado, José Maria Mendes Sentieiro mora aqui em Torres Novas e também é natural de Torres Novas onde, para além da vida militar, consta-me que sempre viveu. No tempo da minha comissão também esteve na Guiné a comandar o Esquadrão de Reconhecimento de Panhards de Bula. Encontramo-nos com alguma frequência e aproveitamos sempre para falar da tropa e, claro, da Guiné. É um bom amigo. Um abraço Luis e obrigado pelas tuas palavras.