Despedida no Cais de Alcântara
RECORDAÇÕES
Olhando para os longínquos 22 de Julho de 1967, recordo o cais, a imponência do navio Timor, imponência sim, já que alguns soldados nunca tinham visto um navio, que os levaria para terra africanas, mais precisamente para a Guiné.
Recordo que chagados ao cais de embarque de Alcântara, seriam 10 horas da manhã, uma multidão nos esperava gritando, gesticulando e choramingando, braços estendidos em diracção dos seus entes queridos, meninos e moços feitos soldados à pressa.
Eu não tinha qualquer familiar presente para se despedir, já o tinha feito uma semana antes. Foi arrepiante o que presenciei nesse dia, ver mães, pais, esposas, algumas já com filhos, num grito lancinante, com a voz embargada e rouca de tanto chamar pelo seu familiar, e acenando os lenços brancos da despedida até o navio desaparecer no horizonte.
Cerca das 12 horas entrou no cais a banda do Exército, sinal de que estavam prestes a começar as cerimónias de despedida das tropas em parada e o consequente embarque naquele monstro flutuante que nos esperava, não sem antes ser tocado o Hino Nacional.
Cerca das 12 horas entrou no cais a banda do Exército, sinal de que estavam prestes a começar as cerimónias de despedida das tropas em parada e o consequente embarque naquele monstro flutuante que nos esperava, não sem antes ser tocado o Hino Nacional.
N/M Timor
Às tantas o Timor, depois das escadas e amarras recolhidas, começa a navegar rio abaixo rumando em direcção ao oceano, aquele que para muitos era a primeira vez que viam, levando no seu bojo aqueles jovens rapazes já soldados.
Abel Santos a bordo do Timor
A viagem foi um suplício para a maioria, não foi o meu caso, o pessoal foi distribuído pelos porões, colocado em beliches num navio sem condições para transportar pessoas, a tal carne para canhão. Em relação à alimentação estamos conversados, e como sempre, as chefias tiveram outro tratamento. Ao fim de poucas horas de viagem, já havia camaradas com problemas de enjoo, o que foi provocando um cheiro nauseabundo e pestilento, embora a lavagem dos porões fosse feita em dias alternados.
Naquelas condições, ao fim de sete dias de viagem, pisámos terra firme da Guiné, depois de os batelões nos terem largado no cais onde o Timor não podia atracar.
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Nota do editor
Último poste da série de 24 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21576: O cruzeiro das nossas vidas (28): A Síndrome dos Embarques (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)
2 comentários:
Caro Abel Santos.
Obrigado por este teu extraordinário testemunho. Era exatamente assim.
Também no "Timor", faz para a semana 52 anos (18-02-1969), até coincidiu no Carnaval como este ano, aconteceu exatamente a mesma situação como a que tu agora descreves.
Com uma diferença de ser um dia de inverno, numa manhã fria e chuvosa, do resto tudo exatamente como igual, penosamente igual.
Dos choros iniciais, aumentando para gritos lancinantes que nos atravessava o corpo e culminando com um adeus de milhares de lenços com o afastar do navio ao som do Hino Nacional, foi uma imagem que ficará para sempre na minha memória, e julgo que na de todos nós que fomos para a guerra da Guiné.
Com os enjoos habituais, felizmente sem ter de suportar as péssimas condições dos soldados, a viagem fez-se passando primeiro pelo Funchal até chegar ao calor, palmeiras, terra vermelha e atracar mesmo encostado ao cais de Bissau.
Com os pés em terra, os djubis 'miste guarda-costa', camisa suada, tropa e viaturas militares por todo o lado, eis-nos chegados à Guiné. A guerra estava mesmo há nossa frente.
Agora, temos que nos cuidar com esta guerra covid e quanto a situações de necessário confinamento já não estranhamos.
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz
Amigo e companheiro Abel Santos.
Nunca foi tao bem narrada uma viagem para a Guine nesses anos 60 e 70. Eu Arlindo M Silva sold. Cond. Aut. Rod. Fiz precisamente a mesma viagem no Navio Timor em 27 de Set.de 1967 a 2 de Out. Data de desmbarque directo para uma LDG com destino a Nova Lamego onde encontrei a comp, 1742 no chamado quartel de baixo. no mesmo navio viajou comigo o cabo escritorario o cantor Marco Paulo e o Conjunto Joao Paulo que cuja missao era ir animar as nossas tropas.
Quanto a viagem de facto era uma miseria o que se via nos poroes e nos conves, e alguns dos nossos tiveram que ser internados na emfermaria do PAQUETE. CCS do BAT. Caç 1933,
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