Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 1 de março de 2021
Guiné 61/74 - P21959: Notas de leitura (1344): “Um Mergulho no Muxito”, por Jorge Paulino; Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Junho de 2018:
Queridos amigos,
Não desmerecendo, é uma auspiciosa estreia literária de um médico nascido em 1958. Foi buscar o Complexo Turístico do Muxito, um crime ali ocorreu em 1966, logo a seguir à inauguração da Ponte Salazar, um engenheiro norte-americano a trabalhar para a Lisnave e a sua mulher apareceram mortos na vivenda 13. Em 2000, o filho, arquiteto cotado, vem fazer semestre sabático em Lisboa e quer desvendar o passado. E consegue, fala-se de Operações como a Tridente, outras que glorificaram Alpoim Calvão e a Mar Verde, descobre-se uma trama criminosa e haverá um final em efervescência com revelações de verdadeiro aturdimento. Jorge Paulino tanto procurou a perfeição que a certa altura se excedeu e há muita verbosidade que é companheira da enxúndia, o demasiado palavroso que seguramente em próximas obras ele deixará de lado.
Um abraço do
Mário
Um Mergulho no Muxito:
Crime e mistério, com muita Guiné à mistura
Beja Santos
“Um Mergulho no Muxito”, por Jorge Paulino, Chiado Editora, 2017, é uma auspiciosa estreia literária. O autor é doutorado pela Universidade Nova de Lisboa em Transplantação Hepática, professor convidado de Cirurgia na Faculdade de Ciências Médicas e trabalha no centro clínico da Fundação Champalimaud. Estamos em agosto de 1966, época da inauguração da Ponte de Salazar. Um engenheiro norte-americano a trabalhar para a Lisnave tem a sua mulher e filhos na “Estância Muxito”, ao tempo um empreendimento turístico que suscitava muita curiosidade. A Lisnave alugara um quarto a Jack Polk, ele trouxe a família, ficaram em bungalows muito próximos. Jack irá assistir no sábado 6 de agosto à inauguração da ponte, no dia seguinte a vida daquelas duas crianças, Joe e Kathie, fica virada do avesso, o engenheiro e a mulher tinham sido brutalmente assassinados na vivenda n.º 13. Em 25 de abril de 2000, Joe Polk, durante a visita ao navio-escola “Sagres”, no porto de Norfolk, é sacudido por várias recordações que tinham a ver com um botão que fora deixado por um dos assassinos, o botão tinha uma pequena inscrição “Tridente”. Em tumulto, Joe Polk, professor no Departamento de Arquitetura da Universidade de Yale, decide fazer semestre sabático na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, quer apurar exatamente as razões daquele crime, ele e a irmã jamais aceitaram a interpretação dada pela Polícia Judiciária de que os pais praticavam espionagem.
Jorge Paulino move-se com agilidade na organização da trama, primeiro o escritório de advogados a que recorre e a organização dos primeiros passos da investigação, a Dra. Isabel Santos será a desbravadora desses contatos. Joe Polk aluga habitação em Verdizela, perto do Muxito. Começa as suas atividades na Faculdade de Arquitetura, irá interessar-se vivamente pela obra de um grande inovador, Cassiano Branco, um visionário que projetara algo de revolucionário para a região da Costa da Caparica e até mesmo para Cascais. A Dra. Isabel vai até ao Instituto de Medicina Legal, Joe começa a frequentar as praias da Costa, tem um derriço com uma brasileira, a narrativa acelera, a história do Muxito é desvelada, o proprietário, a firma Lino & Zimbarra abrira falência em 1973, tendo o Complexo Turístico do Muxito fechado as portas nessa altura. Em 1975 converteu-se na Comuna Che Guevara, o recheio das habitações foi sistematicamente pilhado, o glamoroso Muxito converteu-se em ruínas. Joe irá visitar essas ruínas com a Dra. Isabel, ali serão molestados por marginais e drogados, saem dali com o coração na boca, uma fuga precipitada para não deixarem lá a pele.
Depois dos relatórios médicos seguem-se conversas com a Polícia Judiciária, Joe entretanto conhece o arquiteto do Muxito, Nuno Cordovil. A investigação anda agora à volta das provas balísticas, o engenheiro Polk fora abatido com uma arma de guerra, as investigações começam a encaminhar-se para a Marinha, há visitas à Escola Naval do Alfeite, assim se chega à referência da Operação Tridente, no romance tratada como a maior operação secreta da Marinha Portuguesa na guerra colonial (o que na verdade não aconteceu). Apura-se que o proprietário do botão de punho tinha sido um militar da Marinha miliciano. Descobre-se que há incompatibilidades nos relatórios da Marinha e da Polícia Judiciária, fala-se longamente sobre a Operação Tridente, o comandante Fragoso sugere novas diligências. Conclui-se que o engenheiro Folk ouvira na vivenda 13 conversas na vivenda 12, ali se dirigira e vira cenas da maior infâmia, práticas de pedofilia. Todas as investigações se centram nesse passado e as descobertas são explosivas, havia oficiais da Armada responsáveis pela compra de armamento que se tinham aproveitado para fazer negócios ilícitos, havia um armazém na Fonte da Telha e um oficial, responsável por essas operações, vivia na vivenda 12. Já estamos na Escola dos Fuzileiros Navais, em Vale de Zebro, já se sabe da existência da empresa Sezimbarra, Lda., e dos negócios que envolviam a Guiné em guerra. Num passeio no Tejo com o comandante Fragoso, vão-se esclarecendo mais coisas sobre essa Operação Tridente, romanceiam-se as conclusões, o comandante Fragoso entrega a Joe o número de 2010 da Revista da Armada, onde se conta a Operação Tridente, diz-lhe que a solução do problema está ali. A Dra. Isabel e Joe ainda visitam o comandante César Augusto Brito em Évora, este imprevistamente desata a fazer ensaios com armas e fala-lhe de um camarada que andou envolvido na Operação Mar Verde, ali teria sucumbido o assassino de Jack Folk. Entretanto, enquanto tudo parece acelerar-se para se apurar a trama que levou ao assassínio de dois inocentes, é noticiado que na Operação Mar Negro, a Polícia Judiciária desmantelara uma organização criminosa, fizera apreensões junto às praias da Costa da Caparica. A Judiciária já sabe quem é o criminoso do Muxito, fora militar-miliciano altamente condecorado, para além de destemido, envolvera-se em transações de armamento com potências estrangeiras, e depois fizera experiências no tráfico de seres humanos. Como num romance a tudo se perdoa, até se pode aceitar o que o Jorge Paulino diz: “Sempre se fazia acompanhar por um ou dois marinheiros guineenses, pertencentes ao Batalhão de Comandos Africanos por ele treinados e que acabaram todos massacrados em Bissorã em 1974, depois do final da guerra”. Enfim, pequenos dislates que a ficção sabe perdoar…
E ficamos por aqui porque tudo se encaminha para um final turbilhonante, haverá revelações de caixão à cova, quem se julgava morto nas operações de Conacri ressuscita e prepara o seu desaparecimento. Os afetos escaldantes entre a Dra. Isabel e Joe não terão seguimento. Esta fica atónita quando descobre que caíram milhões e milhões de euros na sua conta bancária. E tudo termina no passado, no Hospital Militar de Bissau, em 29 de junho de 1965, ficaremos a saber quem era um jovem tenente que patrulhava a foz do rio Cacine, que amava uma rapariga Fula, não resistiu aos ferimentos, nascera uma menina que o general Schulz entregara ao Movimento Nacional Feminino.
O romance de Jorge Paulino, insista-se, está bem urdido como romance de crime, mistério, aventura amorosa. Nota-se que houve exigência no apuramento dos perfis e dos lugares, mas o autor é por vezes excessivo e palavroso, quebra o leitor pelo cansaço no exato momento em que lhe devia exigir a compulsividade na leitura. É uma estreia, o novo romancista pode sentir-se compensado pela obra equilibrada, esperamos que da próxima vez faça poda e limpe a enxúndia, ganhará o romance e cativará o leitor. E obrigado por se ter lembrado da Guiné, ele que nasceu em abril de 1958 – é prenúncio que uma geração que não foi à guerra também não a quer esquecer.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 23 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21939: Notas de leitura (1343): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte II: os "mentideros' de Bissau (Biafra, 5ª Rep) e ainda e sempre a retirada de Madina do Boé (Luís Graça)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
É quase só enxúndia, segundo MBS, excrescências gordurosas, banha, unto do mal viver, do mal amar, do mal estar. Romances para entreter quem gosta de ler estes arruinados monumentos literários, parte obtusa da vida, mais próximos das fezes do quotidiano do que do respirar da maresia e da brisa nas florestas, aqui, no renovar da Primavera.
Mas aprendi que o fabuloso hotel/motel Muxito foi transformado, pós 25 de Abril, pelos revolucionários de ocasião, margem sul, na Comuna Che Guevara. Segundo Mário Beja Santos, na esteira do autor do romance, “Logo depois o recheio das habitações foi sistematicamente pilhado, o glamoroso Muxito converteu-se em ruínas. Joe irá visitar essas ruínas com a Dra. Isabel, ali serão molestados por marginais e drogados.”
Que Che Guevara tenha piedade!
Abraço,
António Graça de Abreu
AGA, subscrevo o s/comment.
(JCAS)
'..parece desejável que as crianças portuguesas sejam cultivadas, não como cidadãos do Mundo, em preparação, mas como crianças portuguesas que mais tarde já não serão crianças, mas continuarão a ser portugueses'. Direcção dos Serviços de Censura, vulgo "lápis azul" do salazarismo.
Uf! que medo. Ainda bem que todos nós já não somos crianças e com os nossos cultivados 70 anos possamos ler "Um Mergulho no Muxito", um romance com cenas da guerra da Guiné e outras cenas, sem ficarmos tolhidinhos com a leitura. O autor bem podia ter arranjado o pseudónimo "Paulizola" e assim os mais sensíveis liam sem comichões, dores de cabeça ou mal estar geral.
Valdemar Queiroz
Enviar um comentário