segunda-feira, 7 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22262: Notas de leitura (1360): "Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James; Edições Saída de Emergência, 2018 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Agosto de 2018:

Queridos amigos,
Lawrence James está muito longe de ter agido corretamente connosco, o que diz sobre o Império Colonial Português em África é residual e deformante. Chega ao cúmulo de reduzir a luta armada ao que se passou em Angola e Moçambique. Detém uma visão bem ampla no estudo a que procedeu sobre a Grã-Bretanha e a França, é muito mais parcimonioso com a Alemanha e a Bélgica, truculento com a Espanha e trata acessoriamente, insiste-se, as colónias portuguesas, cinge-se às duas principais. Mas o documento produzido tem o mérito incontestável de abarcar os dois séculos determinantes da ocupação e retirada, e é por esse caráter divulgativo que consideramos que merece ser lido.

Um abraço do
Mário


“Impérios ao Sol, A Luta pelo Domínio de África”, por Lawrence James (4)

Beja Santos

“Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James, Edições Saída de Emergência, 2018, põe em imenso ecrã as ambiguidades deste conceito de progresso e de missão civilizadora e de ocupação que se forjou a partir de 1830, aproximadamente; desvela uma luta sem quartel para tomar posse de domínios por todo o continente, entre 1882 e 1918, no Egito e no Sudão, na África Austral, no Congo, em combate religioso; assistimos à ascensão dos nacionalismos, a presença de contingentes africanos em duas guerras mundiais para medir as consequências do que se seguiu, aproveitando a boleia da Guerra Fria; e de 1945 a 1990 o continente africano foi mudando de look, todos os povos se encaminharam para a independência; e assim chegamos aos últimos dias da África branca.

Lawrence James explica de uma forma cativante como a II Guerra Mundial marcou o início do fim dos impérios coloniais europeus. Tudo oscilou e mesmo muita coisa desapareceu. A Itália deixou de ser uma potência colonial. A Grã-Bretanha saiu bem da guerra mas não tinha ilusões de que a morte dos impérios europeus estava a caminho. Nas eleições gerais de julho de 1945 o Partido Trabalhista ganhou as eleições graças a um programa que também prometia a independência para a Índia, Birmânia e Ceilão e “previa progressos” para as colónias. A penetração económica dos EUA em África foi o prelúdio do seu envolvimento na política do continente. O facto de ter havido terríveis combates no Norte de África redefiniu os sentimentos destas populações, Argélia, Tunísia, Líbia, Somália e Eritreia, Etiópia, Marrocos, o facto de ter havido centenas de milhares de africanos a combater, tudo fez gerar um sentimento de mudança. Com diferentes matizes, emergiu um novo espírito, soldados que regressavam a Tanganica ou à Rodésia do Sul queriam empregos mais bem remunerados, casas melhores, tinham comparado os seus modelos de consumo com os norte-americanos e os europeus.

A URSS continuava predisposta a apoiar movimentos revolucionários em África, isto quando o nacionalismo africano começa a triunfar, logo na Costa do Ouro com Nkrumah. Recorde-se que o comunismo foi responsabilizado pela revolta dos mau-maus no Quénia, em outubro de 1952, não obstante as provas extremamente inconsistentes reunidas pelos Serviços de Informações. Em Londres, em 1954, havia já previsões para a concretização das independências da Federação Centro-Africana (Niassalândia e Rodésia do Norte e do Sul), Serra Leoa, Uganda e Tanganica. A França tinha igualmente o sentimento de que se impunham grandes mudanças na África Ocidental. O Congo será o barril de pólvora, mudará tudo na África Austral, começará por envolver Angola e iniciar a luta pela independência na mais próspera das colónias portuguesas.

No Norte de África, o Coronel Nasser torna-se numa figura influentíssima, uma dor de cabeça para os norte-americanos e um aliado de Moscovo, cria um Estado laico, trava brutalmente a influência da Liga Muçulmana. Em 1954, Kruchtchev decidiu que os soviéticos iriam concorrer com os EUA na corrida para colmatar o crescente vazio de poder deixado pela Grã-Bretanha e pela França, não só em África como na Ásia, aproveitar-se-á de insucessos como o fracasso do Suez. A URSS ajudou o Egito, forneceu-lhe imenso equipamento militar, mas que foi insuficiente para que o Egito não sofresse uma tremenda derrota na Guerra dos Seis Dias, 286 dos 340 aviões fornecidos pelos russos ficaram em sucata. O sucessor de Nasser, Sadat, trocou de alianças, afastou progressivamente os soviéticos e asfixiou a oposição comunista, financiada pelo KGB e pela Liga Muçulmana. Entrava-se num regime assente em homens-fortes que se prolongou até 2013.

A guerra da Argélia foi o acontecimento colonial mais traumático para a França e Lawrence James explica com detalhe tudo quanto aconteceu.

A Guerra Fria seguia o seu rumo, como o autor explica:
“Tanto os EUA como a URSS precisavam da cooperação obediente dos novos Estados africanos: os seus votos eram preciosos na ONU, representavam mercados de exportação em crescimento e, acima de tudo, eram uma fonte de matérias-primas estratégicas e vitais, como o cobalto e os diamantes. Nenhuma das duas potências desejava governar diretamente os territórios africanos, preferindo superintender os assuntos de Estados soberanos através da persuasão e de ofertas de ajuda aliciantes. Com vista a controlar África, ambas inundaram o continente com legiões de conselheiros políticos, económicos e militares, técnicos e especialistas nos frequentemente sinistros mistérios da ‘segurança’, que ajudavam a manter os tiranos africanos no poder. As artimanhas soviético-africanas eram acompanhadas por tentativas, em grande medida pouco convincentes, para garantir a superioridade moral. As duas potências denunciavam, publicamente, os antigos impérios coloniais europeus, no âmbito das suas campanhas de propaganda destinadas a controlar a mente dos africanos. O capitalismo e o comunismo eram promovidos como escolhas que, se fossem adotadas, trariam a prosperidade e o progresso às nações pobres.”

E o autor faz um outro comentário que deve ser tido em conta:
“Os Estados de partido único e os ditadores autocráticos da direita e da esquerda necessitavam ainda mais de agentes secretos do que os seus antecessores do tempo da Era Imperial, pois viviam sob a ameaça permanente de revoltas e golpes militares. Estas condições e o comportamento dos que com ela prosperavam explicam por que razão, na década de 1960, quando a Royal Shakespeare Company realizou uma digressão por África, Macbeth e Ricardo III foram as produções mais populares e mais apreciadas.”

Caminhando para o final da obra, Lawrence James disseca cuidadosamente tudo quanto se passou no Congo e na Rodésia, no primeiro caso o drama da fragmentação de um dos países mais ricos do mundo aparece como uma calamidade enquanto a Rodésia se tornou num compasso de espera que levou a prazo ao fim da supremacia branca. Foram necessários mais de 30 anos de guerras intermitentes para derrubar a supremacia branca na África Austral. Tudo começou em Angola e terminará em 1990 com a ascensão de Nelson Mandela. Comprovadamente, Lawrence James não estudou a fundo o Império Colonial Português nem as suas lutas de libertação, liga o que se passou em Angola e Moçambique como as duas e únicas peças da sua retirada, explicação manifestamente ignorante e grosseira, espero que o editor português lhe faça o reparo porque o mais grave de tudo teve outro nome: Guiné. Seja como for, o autor dá-nos uma boa lambuzadela sobre os conflitos angolano e moçambicano, o que se passou na Rodésia e depois na África do Sul.
E conclui assim:
“A transição para uma democracia multirracial iria exigir paciência e tolerância a todos os envolvidos. Os objetivos foram alcançados com sucesso, pois, como bem sabiam De Klerk e Mandela, a alternativa era uma guerra civil racial e a anarquia. Este medo dominava o espírito de todos e os africanos reagiram bem aos apelos à tolerância e ao perdão feitos por Mandela, assim como à sua visão de uma África do Sul unida, justa e próspera. Em 1994, o ANC venceu as eleições gerais e, desde então, o país tem vivido num equilíbrio frágil.
A luta pela supremacia na África Austral terminara; a partir de então, os africanos passaram a ser responsáveis por tudo o que lhes diz respeito. Resta saber se este foi, ou não, um final feliz.”

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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE MAIO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22242: Notas de leitura (1359): "Impérios ao Sol, a luta pelo domínio de África”, por Lawrence James; Edições Saída de Emergência, 2018 (3) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Estava com curiosidade em saber como este inglês terminava as suas ideias sobre o fim dos impérios em África.

Terminou com o último país a ser independente, a África do Sul de Mandela:

"A luta pela supremacia na África Austral terminara; a partir de então, os africanos passaram a ser responsáveis por tudo o que lhes diz respeito. Resta saber se este foi, ou não, um final feliz.”

Este inglês desiludiu-me ao ficar na dúvida quanto ao fim da África do Sul, se será ou não um final feliz.