sábado, 18 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22818: Os nossos seres, saberes e lazeres (482): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (29): As surpresas que o Museu de Lisboa nos reserva (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
Aqui se conclui a viagem pelo piso térreo do Museu da Cidade, foram bem felizes as benfeitorias produzidas, logo entra a Pré-História e a Lisboa Quinhentista e o novo semblante que tem a cozinha e a Lisboa dos ofícios. Penso que há tudo a ganhar em uma visita-guiada, ainda não há um documento completo sobre o Museu de Lisboa, a despeito das duas boas brochuras entregues na receção sobre uma súmula histórica do que nos reserva o Museu, uma, e sobre a maquete de Lisboa anterior ao Terramoto de 1755, outra. A museografia é cativante, formula-se com mais discernimento a comunicação dos objetos com a história da cidade e quem como eu tenho a felicidade de o visitar desde a primeira hora posso dizer que se tem vindo a aprimorar a partir do sonho idealizado por uma eminente olisipógrafa e investigadora que felizmente não está esquecida, a dinâmica Irisalva Moita, a quem os museus da cidade ficaram com uma dívida impagável. Mas ainda há muito mais para ver, haverá circunstância para continuarmos este passeio por esta Lisboa de outras eras.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (29):
As surpresas que o Museu de Lisboa nos reserva


Mário Beja Santos

Sobre o histórico do Palácio Pimenta, quem por aqui viveu e inclusivamente deixou memórias nas Artes Plásticas (caso do pintor Manuel Amado que nos legou obras soberbas das suas recordações de infância) já se fez menção no texto anterior, como igualmente se exaltou o papel determinante de Irisalva Moita, que logo com responsabilidades ligadas à conservação dos museus municipais elaborou um programa do então chamado Museu Municipal de Lisboa, concebeu uma exposição sobre a História de Lisboa, no fundo já estava a esboçar o programa museológico que veio dar lugar ao museu que abriu as suas portas ao público em 1979. O museu irá conheceu um programa de alargamento concluído em 1985, quando o museu ganhou três novos núcleos expositivos. O denominado Pavilhão Preto do Museu da Cidade foi inaugurado em 1994 com uma exposição intitulada Lisboa em Movimento, 1850-1920, organizada no contexto da programação de Lisboa Capital da Cultura 1994. Irisalva Moita envolveu-se igualmente na reformulação dos restantes museus municipais de então, o Museu Antoniano e o Museu Rafael Bordalo Pinheiro. Num livro de consagração que recentemente o Museu de Lisboa dedicou a Irisalva Moita, vê-se como esta arqueóloga, olisipógrafa e museóloga utilizava as exposições temporárias como meio para complementar a exposição de longa duração em qualquer dos museus municipais. No caso do Museu da Cidade, terão sido as exposições Lisboa e o Marquês de Pombal (1982) e Lisboa Quinhentista (1983), os dois pontos altos da sua atividade.
Como o leitor recordará, estamos a percorrer o piso térreo do Palácio Pimenta, já andámos bastante da Pré-História até à Cidade Medieval Cristã, percorreu-se um pouco a Cidade Quinhentista, muda-se de edifício depois de visitar os objetos que pertenceram ao Hospital de Todos-Os-Santos, aguarda-nos a maqueta de Lisboa anterior ao Terramoto de 1755.
Antes, porém, somos confrontados com um conjunto ímpar de azulejos onde podemos ver como era o Terreiro do Paço, os quadros impressionantes da Lisboa até Setecentos, incluindo o mercado que se situava o Campo das Cebolas, podemos ver a Casa dos Bicos como existiu até ao Terramoto de 1755, caiu o primeiro andar, tudo foi reedificado no tempo de uma exposição que deu brado, a XVII Exposição Europeia de Arte Ciência e Cultura, de 1983, de que aqui se reproduz a imagem do edifício reedificado.


Reedificação da Casa dos Bicos, 1983

Que importância podemos atribuir a esta maquete de Lisboa, idealizada pelo historiador Gustavo de Matos Sequeira? À distância de mais de meio século, a maqueta é ainda uma representação fidedigna de Lisboa nas vésperas do terramoto de 1 de novembro de 1755, apresentando a cidade como entidade urbana ribeirinha, entre Alcântara e Santa Apolónia, e desenvolvendo-se para norte até ao Rato e à Senhora do Monte.
Em 2009, associaram-se à exposição da maquete conteúdos multimédia interativos, com o intuito de facilitar a comunicação com o público. A par do modelo tridimensional da Lisboa representada da maquete, apresentam-se modelos 3D rigorosos de 22 edifícios civis e religiosos, ruas e praças da Lisboa barroca e três percursos que permitem conhecer o centro urbano nas vésperas do terramoto. Graças a estes dois quiosques multimédia, cada visitante tem a possibilidade de explorar a cidade antes do terramoto, consoante os seus próprios interesses. A brochura que é oferecida ao visitante recorda-nos cinco lugares icónicos desta Lisboa antes do terramoto: o Terreiro do Paço, centro político, cívico e social e símbolo do poder régio, uma praça de aparato; o Rossio como palco de vida intensa, ali estava o Hospital Real de Todos-os-Santos que se estendia para o que é hoje a Praça da Figueira, o hospital sobreviveu ao terramoto mas foi logo desativado; a Casa dos Bicos, edifício prestigiante e original na Lisboa Quinhentista, mandado construir por Brás de Albuquerque, 1º Presidente do Senado da Câmara de Lisboa; a Rua Nova dos Ferros, a mais importante rua da cidade, estendia-se desde a Praça do Pelourinho Velho até ao Largo da Patriarcal; o Colégio de Santo Antão, grandioso edifício jesuíta fundado em 1573 que depois de remodelado passou ao que é hoje o Hospital de São José; e a Praça da Patriarcal, destruída pelo terramoto e nunca reconstruída, dava acesso à Capela Real mandada construir por D. João IV e engrandecida por D. João V.


Um belo azulejo evocativo de Santo António, o Museu da Cidade alberga outras peças afins como o Registo da Nossa Senhora da Penha de França, datado de 1756

Um dos espaços que mais deslumbram o visitante é a cozinha, detentora de conjuntos azulejares de invulgar qualidade e beleza, parece que está pronta a servir, é um dos pontos fortes das visitas guiadas, ajuda a criançada a entender os motivos desta azulejaria, a conhecer os utensílios de cozinha, desde os tachos e panelas aos almofarizes e tabuleiros.


Saímos da cozinha e temos nova surpresa, a cidade dos ofícios, uma produção cerâmica que muitos ignoram, há um quadro que menciona os locais de fabrico e o visitante tem à sua mercê peças de valor excecional que saíram da Fábrica do Rato. Vale a pena determo-nos a compreender esta cidade de ofícios e uma cerâmica que teve tantos continuadores, como a Viúva Lamego, a Fábrica de Santana ou a Fábrica de Cerâmica Constância, podemos ver o painel de azulejos da autoria de João Abel Manta que está na Avenida Calouste Gulbenkian, como que envolvendo o bairro da Calçada dos Mestres.

As Belas-Artes testemunham como grandes artistas viram Lisboa, logo Carlos Botelho com este magnífico quadro onde cabe Lisboa antiga supostamente vista de uma janela com um supostamente emaranhado montanhoso a beijar um Tejo de um tom turquesa desmaiado. Outros mestres aqui têm destaque, pense-se em Eduardo Viana e muitos outros.

Deixamos para o fim um quadro singular de azulejos com motivos orientais e mais bela cerâmica, isto com a preocupação de alertar o visitante para a riqueza azulejar desta casa, está tudo muito beneficiado com as recentes obras de remodelação, um dia destes subimos ao andar superior, onde outras belezas espetaculares nos aguardam, dessa Lisboa de outras eras.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22799: Os nossos seres, saberes e lazeres (481): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (21): As surpresas que o Museu de Lisboa nos reserva (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Fernando Ribeiro disse...

Foi de propósito que na reconstrução da Casa dos Bicos não se procurou reproduzir exatamente o aspeto que a fachada apresenta no painel de azulejos. Às janelas dos andares superiores foi dado um toque de modernidade (talvez exagerado), para que as pessoas não julguem que elas são as janelas originais.

Nas reconstruções de edifícios históricos, é frequente introduzir um anacronismo (habitualmente discreto) que contenha algum elemento identificador da época da reconstrução. Dizem que numa das "ameias" do beiral da fachada do Convento da Madre de Deus (como é que se chama aquilo, balaustrada ou quê?) está representada uma locomotiva a vapor! A ala do Mosteiro dos Jerónimos onde estão alojados os museus de Marinha e Nacional de Arqueologia também apresenta anacronismos, para que não se pense que ela fazia parte do mosteiro original.