quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22808: Fotos à procura de... uma legenda (157): Os quatro membros da comitiva guineense (a saber Sene Sané, Sampulo Embaló, Duarte Embaló e Alagé Baldé, amigos do meu pai, Manuel Joaquim dos Prazeres,) às Comemorações do V Centenário da morte do Infante D. Henrique, agosto de 1960 (Lucinda Aranha, escritora) - II ( e última) Parte


Foto nº 8 > Guiné > Região de Gabu > Canquelifá > O poderoso régulo Sene Sané, tenente de 2ª linha, aliado dos portugueses, inimigo mortal do PAIGC...Vogal do Conselho Legislativo da província. Morreu em 1969.



Foto nº 9 > Guiné > Região de Gabu > Canquelifá >  s/d > O régulo Sene Sané, tenente de 2ª linha,  com um das filhas, e um militar português.



Foto nº 10 > Guiné > Região de Gabu > Canquelifá >  s/d > Um dos cavalos brancos do régulo Sene Sané, tenente de 2ª linha, e o seu tratador.



Foto nº 11 > Guiné > Região de Gabu > Canquelifá >  s/d > Verso da foto nº 10, em português corretísismo, ecom uma boa caligrafia: "Oferta para (as) meninas: Esta fotografia é do meu cavalo e o seu tratador. Tem prsentemente 7 anos e custou 11.000$00. É uma oferta aliada ao interesse que os metropoliatanos tem ao gado 'cavalar' africano. Do amigo Sene Sané, régulo e tenente."


Fotos (e legendas): © Lucinda Aranha (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da mensagem anterior de Lucinda Aranha (*)



Lucinda Aranha, foto à esquerda: (i) escritora, filha do Manuel Joaquim dos Prazeres, o homem do cinema ambulante no nosso tempo, na Guiné, (ii) professora de história, nio ensino secundário, reformada; (iii( autora de uma biografia ficcionada do pai, a que chamou "romance": "O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim", Alcochete, Alfarroba, 2018, 165 pp.; (iv) autora também dos livros "Melhor do que Cão é ser Cavaleiro" (Colibri, 2009) e "No Reino das Orelhas de Burro" (Colilibri, 2012), este último recheado de histórias e memórias dos tempos em que o seu pai viveu, em Cabo Verde e na Guiné, desde os anos 30 até 1972; (v) tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue; (vi) é membro da nossa Tabanca Grande desde 15/4/2014; (vii) tem página no Facebook, Lucinda Aranha - Andanças na Escrita; e (viii) vive em Santa Cruz, Torres Vedras.


(...) Devo dizer que foi com imenso espanto e agrado que, tardiamente, vim a saber que com as minhas irmãs fui coproprietária de um cavalo oferecido por Sené Sané. 

Foi-me confirmado por Helena Sané que o sogro só possuía cavalos brancos e que a oferta foi genuína, apesar de o meu pai nunca nos ter falado no assunto. Como traria ele o cavalo e o que faríamos nós com o dito? Está bem de ver...

Quanto aos outros três membros da comitiva guineense cujos nomes já referi (*), sei apenas que eram de Piche, pequena cidade da região do Gabú, onde o meu pai dava cinema a caminho de Kankelefá. Lembro-me de um deles ter dito que era padre e das abluções antes dos almoços. Segundo me explicaram, e penso que correctamente, usavam cinto de alferes e um deles uma "medalha" que o identica como religioso.

Nota final - Quero agradecer a Vital Sauane, amigo da família de Sané, as informações que me prestou, além de me ter posto em contacto com Helena Sané e família . Agradeço também a Carlos Freitas


2. Comentário do editor LG, em mensagem de 8/12/2021, 21:18 


Lucinda, fico muito sensibilizado com o teu gesto, ao quereres partilhar com a Tabanca Grande estas "recordações de família"... Já sabíamos, mas esta "história" vem confirmar quanto o teu pai era estimado, acarinhado e amado pelas gentes da Guiné. Claro, ele era também um homem generoso e um "africanista" de coração... Estas fotos (e legendas) vão enriquecer o nosso património memorialístico...  

Já agora ficas a saber que o cavalinho branco, oferecido às meninas (adquirido em 1953 por 11 contos) valeria, a preços de hoje, mais de 5300 euros (segundo o conversor do INE, Atualização de Valores com Base no IPC - Índice de Preços ao Consumidor, entre anos: 1953-2020)...

(...) Passei há dias por Santa Cruz, lembrei-me de vocês, mas ia com amigos do Norte...

Vamos partindo mantenhas natalícias... Um chicoração, Luís 

3. Nova mensagem da Lucinda Aranha, 11/12/201, 10h55

Bom dia Luís. Recordei-me de um facto "anedótico " mas que podes aproveitar se o entenderes. Além de comovente , mostra bem como as memórias são relativas,  dependendo muitas vezes de um acaso.

Enviei à Helena Sané as fotografias do genro. Numa delas ele está junto a uma cadeirinha com uma menina a falar com um militar (Foto nº 9). Essa menina era uma das suas filhas. A Helena enviou-a a uma sobrinha que desconhecia esta fotografia da mãe entretanto falecida. Ficou extremamente comovida ao ver a mãe ainda bebé.

Agora é de vez, Lucinda

PS- Vou-me encontrar com o Tony Tcheka que me disse ter novidades. Há um lote de fotos completamente diferente que penso será muito interessante se conseguir contextualizá-las. Logo se verá.

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2 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É uma foto rara, Lucinda, o "teu" cavalinho troc-troc (, diria a minha neta...).

Citando a "Geografia económica de Portugal : Guiné", coordenado por Dragomir Knapic (Lisboa : Instituto Comercial de Lisboa, 1966, 44 pp., brochura policopiada), em 1961 havia apenas 64 (!) cavalos (, contra 3858 asininos).

Escreveu o geógrafo: "Os cavalos foram largamente utilizados noutros tempos pelas populações do interior, em especial pelos Fulas. Em 1919 já só haviam na Guiné 1512 cavalos, em 1943 apenas 43! Os cavalos constituem hoje um luxo reservado a régulos e chefes que os importam dos territórios vizinhos, sabendo-se de antemão que estão condenados. A causa principal é o caliá, uma tripanossomíase" (pág. 29/30).

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

A acentuaçao em alguns nomes nao esta correcta, assim escreve-se Sene e nao Sené (nome proprio das etnias mandinga e fula); escreve-se também Alage e nao Alagé (titulo honorifico de quem fez a peregrinaçao a cidade "santa" de Meca, transfigurado para nome proprio nos grupos muçulmanos).

O caso da familia dos Sané, régulos de Paquisse com capital em Canquelifa e descendentes directos de Djanké Waly, o ultimo rei de Gabu ou Kaabu, ilustra o facto de que, na realidade, nunca houve uma guerra entre fulas e mandingas, como sempre se propalou durante o regime colonial, pois se isso fosse o caso os Sané de Paquisse (Canquelifa) nao seriam régulos apos a derrota dos mandingas. A historia da Africa Ocidental esta repleta de casos de guerras pelo poder em que os derrotados eram sempre obrigados a se submeter ao grupo maoritario de entre os vencedores e o surgimento de novas alianças estratégicas, facto que muitas vezes levava a mudanças radicais entre os vencidos, inclusive o abandono da sua lingua e parte de praticas culturais e adopçao de uma outra lingua, usos e costumes.

Neste caso concreto, os Sané de Canquelifa, para continuarem a fazer parte do poder foram obrigados a se converter a favor da lingua fula, grupo maioritario e mais forte dentro do grupo que conquistou o poder, de tal maneira que as ultimas geraçoes, vivendo no meio de uma maioria fula, ja nao falavam a lingua mandinga e muitos nem se consideravam mandingas. Quem diz mandingas, diz também padjadincas, saracolés, landumas, bajaras, jacancas etc; da mesma forma que os fulas durante todo o periodo de mais de 6 séculos que estiveram sob o dominio mandinga de Mali, primeiro e Gabu, mais tarde, foram obrigados a falar a lingua do dominador, apesar da resistencia passiva em curso.

Era esta a realidade no terreno e em espaços humanos ainda em construçao e em constantes mutaçoes socio-politicas e territoriais. Todavia, os novos acontecimentos no territorio apos a independencia (1974) tiveram o efeito e a tendencia inversa ao curso dos anos anteriores, obrigando a novas situaçoes e novos posicionamentos de adaptaçao ao novo contexto politico e social.

Com um abraço amigo,

Cherno b aldé