sexta-feira, 7 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24207: Fotos à procura de... uma legenda (173): O Ramadão de 1971 na tabanca de Saliquinhedim (K3) (José Carvalho, ex-Alf Mil Inf)

1. Mensagem do nosso camarada José Carvalho, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753 (Brá, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim e Mansabá, 1970/72), com data de 20 de Fevereiro de 2023:

Caríssimos Luís Graça e Carlos Vinhal

Formulo votos de boa saúde.

Decorrendo o Ramadão, lembrei-me que no meu baú das memórias da nossa Guiné, existiam diapositivos sobre este período, celebrado pelos povos muçulmanos.

Estas fotos foram tiradas em Saliquinhedim (K3) no ano de 1971.

Na altura e mesmo agora os meus conhecimentos sobre o Ramadão são muito escassos, pelo que a sequência das fotos é perfeitamente intuitiva.

Assim, envio-vos estas fotos para se entenderem que se revela interessante a sua publicação, até com eventuais acréscimos de comentários de entendidos no assunto, fica à vossa consideração.

Desejo-vos uma Boa Páscoa.

Abraço,
José Carvalho


Foto 1
Foto 2
Foto 3
Foto 4
Foto 5
Foto 6
Foto 7
Foto 8
Foto 8A

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Comentário do editor:

Talvez o nosso amigo Cherno Baldé, especialista em assuntos étnico-linguísticos da Guiné-Bissau, nos possa legendar as fotos quanto aos momentos de oração aqui retratados, especialmente o momento da foto 8A.

Fotos: © José Carvalho, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753

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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24185: Fotos à procura de...uma legenda (172): Ainda a tragédia do Quirafo, de 17 de abril de 1972: comparando as fotos da GMC destruída, de 2005 (Paulo / João Santiago) e de 2010 (Rogério Paupério / José António Sousa)

3 comentários:

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

A sequência das fotos deve ser a seguinte:

1_A imagem da foto 2_Chegada e antes do início da reza que se inicia com a chegada do Imame acompanhado dos seus discíplos. O grupo deve posiciar-se de acordo com as regras da tradição islámica, os mais doutos, com maior idade e experiência ficam a frente, junto do Imame. A lógica é simples, nenhum humano é perfeito e infalível, em caso de evidentes falhas ou impossibilidade, deve-se substituir o Imame sem interromper o ritual da reza. A seguir vêm o grupo dos mais novos, mulheres e crianças.

2_Foto 1_Após a chegada do Imame, dá-se início a reza com a leitura, pelo Imame, de alguns Surats do sagrado Corão, como recomenda a Sunna (prática) do Profeta do Islão, em fileiras unidas e bem compactas, fazendo lembrar o período conturbado do início do Islão no meio de rivalidades, guerras, traições e assassinatos, sobretudo no período que se seguiu a morte do Profeta em Medina.

3_Foto 4_Após a leitura dos Surats, os participantes inclinam-se pra a sua frente, imitando o Imame, em sinal de submissão e devoção à Alláh, o todo poderoso e misericordioso.

4_Foto 3_A seguir a inclinação, o grupo levanta-se ao mesmo tempo para de seguida se prosterna e com a testa no chão numa postura de total sunmissão e devoção a Alláh e ao seu Profeta.

5_Fotos seguintes_Na parte final da reza tem lugar o que chamam de "Cutuba" ou Sermão com a participação de um grupo seleto de discíplos e pessoas dedicadas a causa da religião na comunidade, todos do sexo masculino, durante o qual é revisitada a longa história do Islão dos primórdios a actualidade, incluindo partes do periodo Judaico e dos textos do antigo testamento do Cristianismo com particular destaque as peripécias do antes, durante e após a fuga dos Hebreus do Egipto e a épica ou mitológica travessia do mar vermelho com o Profeta Moísés (Mussa para os Árabes) a frente da nação rumo ao deserto do Sinaí e que culmina com a vida e obra do Profeta Muahammad. Esta parte, é a mais importante, mas também é a mais monótona e menos interessante para a rapaziada que já está com os sentidos voltados para as comidinhas que, entretanto, estariam a preparar em casa de maneiras que, não raras vezes, só ficam os mais velhos a acompanhar esta longa narrativa prenhe de recomendações dogmáticas sobre a religião, a vida em comum e a necessidade e fundamentos da preservação dos ensinamentos e da tradição islámicas, a bem da comunidade.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé




Valdemar Silva disse...

Fim do Ramadão.
Em 1970, o fim do Ramadão foi no início do mês de Fevereiro.
Assisti a essas festividades em Canquelifá, quando dois pelotões da minha CART11, incluindo o Cap. Analido Pinto, se deslocaram de Nova Lamego para reforçar aquela tabanca que tinha sido brutalmente atacada.
Recordo-me das orações conforme a imagens e a explicação de Cherno Baldé e depois as festividades com batucada e luta livre com o nosso lutador Arfan Jau, soldado do meu pelotão, vencedor de todos combates.
As imagens desses tempos estão publicadas no P12839.
Não me recordo de nenhuma particularidade com o cumprimento do jejum do mês do Ramadão por parte dos nossos soldados fulas.

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Caro Valdemar,

É verdade, naturalmente que, nas circunstâncias concretas em que viviam, sendo jovens soldados, longe da sua comunidade de origem e no rigor do cumprimento das suas obrigações como militares, não se viam na obrigação de cumprirem com os rituais da religião. Não obstante serão depois fanáticos seguidores na fase do pós-independência, como se costuma dizer, as dificuldades e o medo aprofundam a fé.

Conheci um ex-Alferes CMD, creio que da primeira companhia, que quase se transformou num eremita, o seu nome era Mamadú Baldé de Saré Jamarã, um veterano e bravo Comando, já falecido, que finalmente, acabaria por viajar para Portugal com a ajuda de amigos e antigos companheiros de armas, vivia em Lisboa (Zona da Damaia). Nunca tinha visto um ex- militar tão zeloso nos assuntos da religião, devia ser uma forma de refúgio e de segurança na ausência quase total de qualquer proteção diante das atrocidades que aconteciam aos ex-combatentes, abandonados e sem possibilidades de se defenderem. Nesses casos, Deus é a única fortaleza.

Abraços,

Cherno AB