domingo, 2 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24186: (In)citações (235): "Reflexão sobre as palavras" (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

"REFLEXÃO SOBRE AS PALAVRAS"

ADÃO CRUZ

Tenho muito respeito pelas palavras e pela verdade nuclear que as constitui. Tenho muito medo de poder esvaziá-las ou atraiçoá-las.

As palavras, elas mesmas, têm necessidade de serem ditas por inteiro, de outra forma não passam de palavras mudas, e eu tenho necessidade de as saber dizer, senão não passo de mero dizente. Por outro lado, se as palavras têm um sentido para aquele que as diz ou escreve, podem não o ter, ou ter um sentido diferente para aquele que as ouve ou as lê. O conceito de sentido é fundamental na comunicação. E o sentido está dentro de cada um de nós e resulta da forma como respondemos interiormente às nossas experiências, que não é a mesma de cada um daqueles que nos lêem ou nos ouvem. O sentido é fruto de um processo complexo em constante movimento, e ao transmiti-lo, nunca devemos esperar uma colagem pura e simples, que de nada serve, mas sim a procura de uma integração consciente nos mecanismos construtivistas do sentido dos outros.

Vem isto a propósito de um artigo em que falei das duas naturezas do ser humano, a natureza antropológica e antropocêntrica e a natureza centrífuga da sua dimensão universal, as quais, na realidade, são apenas uma.

O hipotético Big-Bang, inimaginável explosão do pequeno desequilíbrio entre a matéria e a antimatéria, fez com que o Universo entrasse em expansão arrastando com ele esta risível partícula de poeira chamada Terra e este micróbio chamado Homem. No confronto entre a resistência da condição humana e o movimento de fuga para fora dessa condição, tendente a dilatar o homem no infinito, residiria, a meu ver, a mente, ou interface onde a verdadeira vida se processa.

Não querendo abusar das palavras, mas valendo-me delas com o máximo respeito que merecem, eu diria que, sem perder a sua dimensão universal, o Homem, dentro da sua natureza terrena, pode desenvolver uma luta racional e científica que o projecte para fora da sua pequenez, guiado pelo amadurecimento de uma consciência social que o ajude a combater a indignidade e a perversão, os grandes males do mundo. Apesar de não ser o centro de nada, ele detém a força do equilíbrio ou do desequilíbrio da humanidade. E tem um enorme potencial de conhecimento acumulado, que pode permitir alcançar o equilíbrio ou aprofundar o desequilíbrio entre os homens. O Homem é um ser vivo com actividade própria em permanente interacção adaptativa com o meio. Possui uma força intelectiva e emocional, que o torna capaz de entender as realidades e transformá-las, transformando-se, ele próprio, dentro da sua sensibilidade intrínseca. Assim como o seu fenótipo e o seu saber resultam de uma interacção, de uma evolução e de um diálogo permanente entre o genótipo, o meio ambiente e a admirável neuroplasticidade cerebral, ele, ontologicamente parte integrante do Universo, não pode fugir a esta sua dimensão. Por isso o homem não é um simples quantitativo nem uma estática soma, antes se constitui por um infindável crescendo de saltos qualitativos que o levam a reconhecer que o todo é sempre muito maior do que as partes, tanto no que se refere às relações com ele próprio e com os outros, como no que diz respeito à consciência da sua relação com o infinito.

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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24147: (In)citações (234): A (nossa) Cédula Pessoal (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)

1 comentário:

JB disse...

”…….infindável crescendo de saltos qualitativos……”


Uma maneira optimista de observar a evolução humana passível de interessante debate quanto aos muitos “humanismos regressivos” ou mesmo…cíclicos!

Leitura atenta ao ponto de vista do Vaticano quanto aos”crescendos saltos qualitativos”,tendo em conta de onde parte e quem a subscreve a posição da hierarquia católica surpreende pelo pessimismo.

Um abraço do JBelo