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segunda-feira, 26 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26849: Notas de leitura (1801): "A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa", por António Duarte Silva; Afrontamento, 1997 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
É extensíssima a bibliografia que António Duarte Silva incorpora neste seu primeiro volume, quando o escreveu não era propriamente um recém-chegado ao mundo da investigação, possuía também tarimba universitária, fora assistente do ISCTE e da Faculdade de Direito de Lisboa, assistente da Escola de Direito e assessor científico da Faculdade de Direito de Bissau, possuía escritos sobre Direito Constitucional, Direito Colonial e Descolonização. 

Estruturado de uma forma singular, este seu primeiro livro faz desenvolver uma narrativa que se prende com o gérmen nacionalista até à fundação do PAIGC, como Amílcar Cabral foi o dínamo da estratégia, da formação, da abertura à comunidade internacional para a sensibilizar quanto às razões que assistiam às lutas do PAIGC, sempre entremeando o direito, a política e a luta militar, esta obra de referência levar-nos-á até ao contexto que foi reconhecida a Guiné-Bissau e a sua admissão nas Nações Unidas. O autor estava assim a preparar a maturação de uma tese sobre o pensamento e a ação de Cabral que agora está traduzida numa nova obra de referência e que se intitula Amílcar Cabral e o FIm do Império.

Um abraço do
Mário



A independência da Guiné-Bissau e a descolonização portuguesa (1)

Mário Beja Santos

António Duarte Silva [na foto à direita] é indiscutivelmente o investigador com mais créditos no estudo no pensamento e ação de Amílcar Cabral, no direito e política, abrangendo o seu centro de investigação, a independência da Guiné-Bissau e o processo jurídico-político da descolonização da Guiné-Bissau, toda a sua obra maneja com alta perícia estes domínios. 

O seu primeiro livro é exatamente o que vamos analisar, A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, Afrontamento, 1997, um trabalho de longo fôlego, assente em quatro partes: 

  • colonialismo e nacionalismo na Guiné; 
  • o ato inédito no direito internacional da declaração unilateral de independência; 
  • como se processou a descolonização portuguesa; 
  • e, igualmente, como teve lugar a formação do Estado.

Como é obrigatório, o autor apresenta a pequena parcela da Costa da Guiné explorada pelos portugueses a partir do século XV, como se foi modelando, à escala universal, o sentimento de mudança (de colonização para descolonização), assistiu-se à quebra das amarras das potências coloniais e dos povos tutelados; como se deu o despertar do nacionalismo em terras da Guiné, apareceu o Partido Socialista da Guiné, que pouco fez e pouco durou, irrompe a figura de Amílcar Cabral, a importância dos contactos que ele estabeleceu em Lisboa com outros estudantes africanos de colónias portuguesas, a sua presença como engenheiro na Guiné, onde, um ano depois de ele ter regressado a Lisboa, se tentou se criar um Movimento para a Independência Nacional da Guiné (MING), que Rafael Barbosa, que será figura fundamental do PAIGC até 1962, comentará que não passou de um campo de experiência.

Tudo irá mudar em 1959, mas no ano anterior um conjunto de nacionalistas decidiu formar um Movimento de Libertação da Guiné. A 3 de agosto de 1959, dão-se os trágicos acontecimentos do Pidjiquiti, haverá mortos de número indeterminado, tem lugar a 19 de setembro de 1959 uma reunião em Bissau, em que está presente Amílcar Cabral, em que se tomam importante decisões: deslocar a ação para o campo, mobilizando os camponeses, preparar-se para a luta armada e transferir parte da direção para o exterior. 

Ainda hoje não está historicamente aclarado a formação do PAI, dada como ocorrida em 1956. Entretanto, tem lugar a formação pelos movimentos nacionalistas da criação de organizações unitárias contra o colonialismo português, o autor dá-nos o quadro de toda esta construção, e assim chegamos à Conferência de Túnis em que em declaração pública Cabral fala da motivação da luta de libertação nacional; estamos em 1960, o líder do PAIGC passa a viver em Conacri, Rafael Barbosa é o condutor da mobilização de jovens guineenses que são encaminhados para a República da Guiné; em janeiro de 1961 partem dez militantes do PAIGC com destino à Academia Militar de Nanquim, China, irão tornar-se os principais comandantes de guerrilha, caso de Osvaldo Vieira, João Bernardo Vieira, Constantino Teixeira, Domingos Ramos ou Francisco Mendes.

Nos primeiros dias de outubro de 1960, o ainda PAI realizará em Dacar uma reunião de dirigentes, é nesse evento que foi adotada definitivamente a sigla PAIGC, aprovados os programas dos partidos, que tinham sido elaborados por Cabral, escolhida a bandeira do PAIGC, também por sugestão de Cabral; enviada uma vez mais ao Governo português a proposta de abertura de negociações, e a não haver deferência por parte do Estado português, teria início a luta armada. 

O quadro ideológico em que se irá mover Cabral irá diferir do proposto por outros intelectuais, líderes políticos ou líderes revolucionários. Embora sensível a paradigmas internacionais, Cabral irá cimentar o seu pensamento, no dizer de Mário de Andrade, pela convergência quanto à identidade cultural, ao nacionalismo, à identidade nacional, à guerra popular de longa duração, a uma nova ordem social, à natureza e ao controlo do futuro Estado independente.

Desde muito cedo que o líder do PAIGC busca apoios nesta altura fundamentalmente em África, URSS e países não alinhados. No início, Moscovo temia que o PAIGC estivesse dominado por tendências para os chineses. Conacri gera facilidades e dá ajuda concreta. 1962 é o ano em que Rafael Barbosa é preso na Guiné, é desmantelada a organização do PAIGC em Bissau e desencadeada a sublevação nas regiões do Sul. 

A luta armada propriamente dita inicia-se em janeiro do ano seguinte. O Ministro da Defesa, general Gomes de Araújo, numa entrevista a um jornal em julho de 1963 refere a preponderância do PAIGC no Sul, dizendo que tinham penetrado numa zona correspondente a 15% da superfície da província. 

Em meados desse ano, a guerra atingiu as florestas do Oio, tudo se vai complicar na zona Centro-Norte, é uma comoção demográfica impressionante com populações fugidas, tabancas abandonadas e destruídas, a vida administrativa e a atividade comercial profundamente afetadas.

 Nesta fase da luta, o PAIGC ainda tem um concorrente, a FLING, irá diluir-se a partir de 1965. O autor explica como Cabral procurou defender a sigla da unidade Guiné-Cabo Verde.

O período de 1964 a 1968 corresponde à unificação do poder civil e militar, Arnaldo Schulz é simultaneamente Governador e Comandante-Chefe, vai seguir e intensificar uma manobra de disposição de destacamentos e povoações em autodefesa, foi uma tentativa de agrupar a população que não quis expressamente ficar na órbita da guerrilha, se bem que no decurso de toda a guerra tenha vindo a avultar a problemática do duplo controlo. 

Neste período, consolida-se a posição do PAIGC no Sul, na região do Morés, os grupos do PAIGC atuavam praticamente no Sul abaixo do Geba e a Oeste do Corubal; Schulz e os seus comandos militares pronunciavam-se a favor do recurso às tropas de elite, ao reforço do poder aéreo e naval, foi favorável à africanização da guerra constituindo pelotões de caçadores nativos e pelotões de milícias, mais tarde companhias de caçadores , os efetivos militares metropolitanos foram crescendo, isto enquanto o PAIGC ia ganhando uma certa superioridade no armamento, na capacidade de flagelação, minagem das estradas e de muitos trilhos, obtendo um certo êxito na paralisação da atividade económica em certas regiões.

Nos cinco anos do Governo seguinte, tendo à testa Spínola, este pretendeu alterar significativamente a estratégia portuguesa, despachou para a metrópole um bom punhado de quantos militares, remodelou o dispositivo fazendo retirar a presença portuguesa sobretudo em áreas do Sul e na região Leste, no Boé. 

Pretendeu desde a primeira hora que se fizesse um esforço de contra penetração nas zonas fronteiriças, numa extensa ação psicológica fez lançar empreendimentos a que se deu o nome de reordenamentos populacionais, abriu caminho para os chamados Congressos do Povo, uma hábil forma de auscultação e uma simulação de democracia direta, iremos ver proximamente em que contexto dominante se foi montando uma estratégia conducente que levasse à independência, as iniciativas de Spínola para se chegar a um entendimento de autodeterminação, como se chegou à operação de declarar unilateralmente a independência e o apoio internacional imediato ao que se passou algures no leste da Guiné em 24 de setembro de 1973.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 26 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26847: Notas de leitura (1800): "Gil Eanes: o anjo do mar", de João David Batel Marques (Viana do Castelo: Fundação Gil Eanes, 2019, il, 131pp.) - Parte I: A história do navio-hospital da frota bacalhoeira (Luís Graça)

9 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mário, os nossos leitores gostariam porventura de conhecer melhor a fundamentação político-ideológica, geoestratégica, demográfica e histórica do Amílcar Cabral em relação à defesa, "à outrance", da "sigla da unidade Guiné-Cabo Verde"... Tem-se a ideia (de senso comum, é verdade...) que essa terá sido uma tábua do seu caixão que ele próprio pregou...

O que pensa o nosso estimado e ponderado António Duarte Silva desta "aliança" aparentemente contra-natura ?...Será que a Guiné era uma subcolónia de Cabo Verde ?...
Como explicar o anti-caboverdianismo de largos setores (guineenses) do PAIGC (Inociêncio Cani, Nino Vieira, Osvaldo Vieira, etc)., que terão estado na base no complô contra o "pai da Pátria", não falando já dos que foram fuzilados (e cujos nomes a História nunca irá conhecer), depois da morte de Amílcar Cabral, num processo em tudo (ou em muito( semelhante ao que se tinha passado com a Guiné-Conacri, de Sekou Touré, a seguir à Op Mar Verde, de 22 de novembro de 1970 ?... Prisões arbitrárias, julgamentos sumários, fuzilamentos imediatos, destruição de provas, etc. Kafkiano, trágico, indefensável, do ponto de vista civilizacional!...

Não é preciso lembrar que, já depois da independência da Guiné-Bissau, o Nino Vieira "tirou a máscara" ao liderar o golpe de Estado de 1980, depondo assim o meio-irmão de Amílcar Cabral (de resto, um mau sucessor deste e um fraco líder), e enterrando definitivamente o "mito" da unidade entre Guiné-Bissau e Cabo Verde... Ainda hoje, infelizmente, essas feridas estão por curar entre os dois povos.

.O fracasso de Amílcar Cabral seria também o de, na prática, não ter conseguido subordinar o poder dos senhores da guerra ao poder político, apesar do "terror" de Cassacá (1964)... Ironicamente, o alegado início da guerra, em Tite, em 23 de janeiro de 1963, foi dirigido por dois "djubis", "tribalistas", biafadas (um de 17, o Arafan Mané, e outro de 15 anos, o Malan Sanhá), completamente à revelia da direção política do Partido... (De resto, quem era a direção política ? Não sei se poderá dizer que neste caso "le parti c'est moi", o partido era ele, Amílcar Cabral, um partido revolucionário que praticava, como normal na época, o "centralismo democrático"...)

Amílcar Cabral fica, pelo menos mal na fotografia nestas duas questões, pese embora a hagiografia e o "culto da personalidade" que chegou até aos nossos dias...(mas mais esbatido, com o tempo e com o conhecimento histórico).

Antº Rosinha disse...

E será que havia algum caboverdeano que chegou a acreditar algum dia em qualquer tipo de Unidade Guiné-Caboverde? ou seja , acreditar nas políticas de Amílcar?

Embora todos os caboverdeanos o admiravam e até sentiam orgulho na projecção internacional do seu hermon.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Que eu saiba morreram dois cabo-verdianos na "luta de libertação"... Morreram mais cubanos numa guerra que, afinal, não era deles ..

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Balanta podia ser "nharro" (sem ofensa...) mas tinha dois olhos para ver...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Afinal, o Amílcar Cabral cometeu um erro vulgar, o etnocentrismo.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Erro que todos cometemos.

Antº Rosinha disse...

Talvez Amílcar tivesse sobrevivido até morrer de bem velho, se tivesse posto ao volante um Balanta, e no banco ao lado um Biafada, e ele guiasse sentado no banco de traz.

Quem procedeu assim em Angola e morreu de velhinho, foi Lúcio Lara que era padrinho de Agostinho Neto.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Gosto das tuas observações irónicas, mas sempre baseados num "conhecimento empírico", num "saber-ser, saber-estar e saber-fazer" muito caraterístico dos velhos africanistas... Homens como tu são sempre preciosos em qualquer grupo, e nomeadamente num grupo de cegos conduzidos por outro cego... É importante que haja sempre alguém, por perto, que ainda veja qualquer coisa, e que grite: "Cuidado, amigos, olhem o precipício"... Mas, não, os "grupos de cegos" não têm confiança nos amblíopes...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Amílcar Cabral: tem um lugar na história... Tal como Spínola... Já não direi o mesmo dos seus "2ª linhas"... Isso não nos impede de falar, franca e criticamente, do melhor e do pior do seu desempenho político-militar... A distância afetiva e temporal ajuda...