1. Há dias (6 de Julho corrente) escrevi a seguinte mensagem ao nosso Virgínio Briote:
Virgínio: Ando seriamente a pensar em arranjar mais um co-editor para o blogue… Que me dizes sobre uma eventual colaboração tua ? Serias sempre a minha primeira escolha, pelo teu CV (humano, operacional, profissional…), pela maturidade da tua escrita, o teu talento, a tua sensibilidade, a tua serenidade (!), a tua capacidade de análise critica e… a tua experiência bloguística. É apenas um contacto exploratório… Isto está a crescer em demasia… Não precisas de responder logo, logo… Luís
2. O V.B. respondeu-me no dia seguinte:
Caro Luís,
Pois, que é que eu devo dizer? Que a obra é tua e, como Comandante, tens todo o direito de nomear quem penses que ajude a destapar esta enorme cortina de anos e anos de silêncio e vergonha que envolveu a nossa geração, por terem remado contra os ventos da história, como diziam os nossos antigos governantes.
Hoje, o foranada ultrapassou há muito as fronteiras da guerra da Guiné. Acontecimentos ocorridos em Angola e Moçambique, amores, perdas, buscas de paradeiros desconhecidos, de tudo tem passado pelo foranada. De coisas que nos unem. E que eu não posso dar ás-de-vila-Diogo. É um dever, uma obrigação que me honra e que espero cumprir.
Para o que for necessário, e que esteja dentro das minhas possibilidades, conta comigo.
Um abraço,
vb
3. O que é que eu poderia dizer-lhe na resposta ? Foi só isto, laconicamente:
Virgínio: Fico encantado, desvanecido, mil vezes obrigado...Assim poderemos cumprir a missão, com homens como tu! ... Depois receberás instruções, incluindo a password para entrares na nossa conta do Google... Por hoje, poupo-te... Para já preciso de um curto CV (e de uma foto mais recente) para pôr na montra... Como queres ser apresentado, em meia dúzia de linhas, na coluna do lado esquerdo do blogue, no sítio reservado aos editores ?
4. Aqui temos o CV abreviado do novo co-editor:
(i) Virgínio António Briote, 63 anos, nascido em Cascais.
(ii) Asp mil em Set de 1964, no BII17, Angra do Heroísmo, Terceira.
(iii) Mobilizado para Cabo Verde, dois dias depois para a Guiné. Engano, disse-lhe o Comandante do BII17.
(iv) Em rendição individual, foi para Cuntima, onde permaneceu de Janeiro até Maio de 1965 na CCAV 489, do BCAV 490.
(v) No final da comissão do Batalhão, esteve nos Comandos, onde fez o 2º curso de Instrução.
(vi) Comandante do Grupo Diabólicos, de Setembro de 1965 até Junho de 1966.
(vii) Extinta a CCmds da Guiné nessa data, foi destacado com o remanescente dos grupos para reforço do sector de Mansoa, onde se manteve até Set do mesmo ano.
(viii) Até à data de embarque em finais de Janeiro de 1967, prestou serviço na CCS do QG em Bissau.
(ix) Na vida civil, ingressou na Indústria Farmacêutica, tendo trabalhado em várias multinacionais, como responsável pelos departamentos comerciais.
(x) Motivos de saúde obrigaram-no a reformar-se aos 60 anos. Dá colaboração a empresas farmacêuticas, em colaboração com empresas de recursos humanos.
5. Blogue do Virgínio Briote > Guiné, Ir e Voltar - Tantas Vidas> Guiné. Ir e voltar. 1965 e 1967. Histórias baseadas em factos reais, mas vistas por um certo olhar. Outras vistas por esse olhar e que mais ninguém viu . (Fevereiro de 2006 / Fevereiro de 2007).
Alguns excertos dos posts (que merecima a publicação em livro) (selecção de L.G.):
(...) 2. Cuntima: A festa não era para ele, aquela gente toda na pista de aterragem festejava era a chegada da avioneta. Nem demorou muito tempo a perceber aquele ar de agitação e da romaria em volta do piloto e da meia dúzia de caixas com uísque, cerveja e tabaco espalhados pelo chão. E os sacos do correio, todos à volta, a pressa de um daqueles militares, a fúria em tirar para fora dos sacos maços e maços de cartas, algumas pelo chão, outros a apanhá-las. Carlos Correia, Manuel Revés, ó Tomé, as mãos estendidas, pronto, meu furriel! (...)
(...) Brá, SPM 0418
´
11. Já que tem que ser: Mais um dia infernal na mata em frente a Brá. O sol queimava ainda não eram 9 da manhã. Quicos à legionário pelo pescoço abaixo, 30 e tal tipos a desaparecerem pelo chão. A cento e tal metros, Manilha, Mirandela, Moita, Rosa Dias e outros, estrategicamente colocados, vigiam-lhes os movimentos. (...).
(...) 24. Neuras: Estou fodido, pá, perdi o tesão, assim, de chofre! Não sei o que tenho, pá!Ia-lhe sair uma asneira mas ao olhar para o Vidraças, ficou sério, à espera. Arrumou o Lartéguy de lado, e sem saber o que dizer, espreguiçou-se na cama, e ficou à espera, olhos no tecto, mãos debaixo da nuca. É o que te digo, porra! A Mariana, pá, fez tudo, mas tudo ouviste, para a levantar, qual caralho, nada! Essa coisa de vez em quando hiberna, isso passa, Vidraças. Esquece! Andas a metê-la em todo o lado, faz dieta uns tempos, ficas rijo que nem um pêro, vais ver! (...).
(...) 33. Só Guerra: 6 de Março, domingo. Manhã quente.Carregador fora da G3, balas extraídas, um pano macio nelas. Uma a uma dentro outra vez. Os outros três carregadores cheios em cima da cama, para o cinturão. 100 cartuchos ao todo, como de costume. Encostou a arma aos pés da cama. Granadas de mão, duas ofensivas, uma defensiva e uma incendiária para o cinturão, mais uma, de fumos laranja para o bolso de cima do casaco. Em cima da cama o camuflado e as meias. Botas de borracha junto à mesa da cabeceira. Tudo conferido outra vez. Duche. À civil, meteu-se no 14-04, com o Alegre ao volante, em direcção a Bissau (...).
(...) 35. Cuntima, outrz vez. Aeroporto Militar de Bissalanca, Bissau, 05h45, céu limpo, 21 graus. 30 comandos, 15 do Duque e 15 do Gil, recebem ordem de embarque nos 6 Allouettes 3, motores a trabalhar, formados em linha. Ganham altura, rumam a Norte, fumos aqui e além a subirem das matas, água por todo o lado. À 06h30 desviam-se para Leste, baixam a altitude e, alguns minutos depois, rapam as copas das árvores. Frente a uma larga bolanha abrandam e aproximam-se em linha da orla da mata. Pelos auscultadores a informação de preparar para saltar. Aos pares, um por cada porta, saem rapidamente. Com água pela cintura internam-se na mata, enquanto os helis, graciosos, viram à esquerda, recuperam altitude, de regresso a Bissau (...)
(...) 36. Conversas em Brá: A razão desta guerra é que a façamos bem, que os matemos e que nós não nos deixemos matar, só isso, esta é a única razão que importa! O resto, fica por conta da política, não é da nossa lavra, reafirmava, convicto, o capitão do serviço de informações. Um dos alferes é que parecia ter outras ideias. Que o meu capitão não está a falar da razão desta guerra, que foi o princípio desta nossa conversa. O que o senhor está a falar é de desejos, não de razões. (...).
(...) 58. Ponto final ? Estás mesmo tramado, todo enrodilhado, e agora, como é que te vais livrar deste sarilho? Não tem outro nome, sarilho só, com letras grandes. Se tivesses procedido com ela como tens feito com outros conhecimentos, não estavas agora aqui a matutar, a cabeça ainda por cima a doer-te. Tens pouca corda na mão, é o que é, deste-lhe demais e a ti também. Problema chamado Teresa, não? Como te vais sair dele, quando te resolves?
(...) A Teresa já não é só Teresa como se apresentou da primeira vez, agora tem um nome mais comprido, Teresa Problema, proporções com que nunca sonhaste. Os olhos, o sorriso, a figura, o andar dela, só isso? Ou terão a ver mais com outras coisas de que não estavas à espera e muito menos aqui? O gosto pela leitura, de assuntos em que nem tu próprio estavas sensibilizado, nem ainda estás, a solidariedade, o interesse pelo povo guineense. A cultura geral, invulgar para a idade dela. E a disposição para te afrontar, para lutar contra ti, contigo, puxar por ti, lutar pelos ideais dela, do povo dela! Para te dizer na cara, com aqueles olhos magníficos, aquilo que ela achava no seu direito de dizer. Os teus olhos a fugirem, os ouvidos que não queriam ouvir, tu a disfarçares, com a mão nela, como quem diz, vamos mas é ao que interessa! Um merdas, um Rasas, nem sempre com cheiro a uísque azedo, mas um Rasas na mesma! A aproveitares-te da sensibilidade dela, a fazeres-te caro, de um momento para o outro, a invadi-la com as tuas mãos, ela a acreditar em ti! Miserável, Rasas de merda! (...).
(...) Anexos IV. Do Diário. Alguns apontamentos do diário:
“O que tiver de ser, vai ser! E se chegar a tua hora, podes estar seguro que vais lerpar”. Conversas de Brá”.
“Odeio a guerra, esta ou qualquer outra. Aliás, não há dia nenhum que não combata contra a minha própria guerra. E não quero morrer, nem quero que os outros morram. Mas, por mim, não vamos perdê-la”.
“Por mais anos que viva, estes dois anos passados aqui chegaram-me. Dou a vida por cumprida. O que vier a mais não passará de um anexo”.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 11 de julho de 2007
Guiné 63/74 - P1942: Susana, chão Felupe (Luiz Fonseca, ex-Fur Mil TRMS da CCAV 3366)
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Varela > Iale > 2004 > Festa da saída da Cerimónia de Circuncisão (fanado, em crioulo) da etnia Felupe em Iale.
Foto: © Guiné-Bissau, portal da AD - Acção para o Desenvolvimento (2007) (Com a devida vénia...).
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > "Uma coisa é verdade, pelas fotos (1) se verifica que, embora abandonadas, as instalações não foram destruídas, incluindo a espada felupe estilizada, onde se encontrava o mastro da bandeira" (LF).
Foto: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007)
1. Mensagem do Luiz Fonseca
As minhas melhores saudações:
Uma vez mais, como quase todos os dias, visitei o sítio e verifiquei que algo me tocava.
Pertenci à penúltima Companhia sediada em Susana (CCAV 3366, Maio de 1971 / Maio de 1973) e foi com um misto de tristeza e melancolia que olhei para aquelas fotografias do Pepito (1).
Embora as notícias do noroeste da Guiné Bissau sejam escassas, tenho tentado
acompanhar com interesse o que por ali se passa e verifico que passados quase três dezenas e meia de anos se mantêm algumas (muitas) reservas para com os Felupes. Eu aprendi com eles uma série de conceitos que o passar dos anos levou a recortar e a confirmar.
Uma coisa é verdade, pelas fotos se verifica que, embora abandonadas as instalações não foram destruídas, incluindo a espada felupe estilizada, onde se encontrava o mastro da bandeira.
Pode ser que seja desta [vez] que me reuna ao pessoal da Tabanca Grande.
Luiz Fonseca
ex-Fur Mil Trms
CCAV 3366
(Susana, 1971/73)
2. Meu caro Luiz Fonseca:
Estás à vontade, a Tabanca é Grande, logo, plural: nela cabemos todos (ou quase todos), dos felupes aos fulas, dos balantas aos mandingas, dos cavaleiros aos artilheiros, da tropa-macaca à elite da tropa, dos novos velhos inimigos aos novos amigos... Portanto, entra e põe-te à vontade.
Infelizmente, temos falado pouco ou quase nada sobre o chão felupe, que tanto quanto me recordo é (era) uma região que engloba(va) Susana, São Domingos e Varela (Podes consultar qualquer um das respectivas cartas no nosso blogue). E que veio mais recentemente à baila por más razões, por causa da interferência do governo da Guiné-Bissau no conflito entre os rebeldes de Casamança e as autoridades do Senegal (2).
Vejo que conviveste com (e ganhaste respeito por) os felupes de Susana. Em contrapartida, a maior de nós que andou pelo sul ou pelo leste da Guiné, só tem na cabeça estereótipos, preconceitos e ideias erradas sobre os misterioros felupes (tipo, caçadores de caçadores, necrófagos, resistentes tanto às NT como ao PAIGC, etc.). O único felupe que eu conheci, em Fá Mandinga, sede da 1ª Companhia de Comanbdos Africanos, foi o Furriel Uloma, de triste memória (3).
Portanto, ficas incumbido de salvar a honra dos felupes e partilhares, connosco, o teu conhecimento (e paixão) pelo chão felupe.
Quem tem escritos sobre os felupes é o nosso camarada Carlos Fortunato, da CCAÇ 13 (1969/71)(4).
_______________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 10 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1939: Susana, região de Cacheu: fantasmas do passado (Pepito)
(2) Vd. post de 24 Março 2006
Guiné 63/74 - DCL: Preocupação com a situação humanitária em Susana e Varela (região do Cacheu) (Luís Graça)
(3) Vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)
(4) Vd. a excelente página do Carlos Fortunato, que lidou com balantas e felupes > Guiné - Os Leões Negros > CCAÇ 13 > Bolama > Felupes
(...) "Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura e grande robustez física. São referidos como praticantes do canibalismo no passado, são coleccionadores de cabeças dos seus inimigos que guardam ou entregam ao feiticeiro, e usam com extraordinária perícia arcos com setas envenenadas.
"Embora se assegure que o canibalismo pertence ao passado, não era essa a opinião das restantes etnias, as quais referem igualmente que estes fazem os seus funerais à meia noite, pendurando caveiras nas copas das arvores, e dançando debaixo delas. O felupe é conhecido como pouco hospitaleiro para com as restantes etnias, pelo que existe da parte destas um misto de animosidade e desconhecimento.
"Os felupes são igualmente grandes lutadores, fazendo da luta a sua paixão. Este desporto tão vulgarizado nesta etnia, prende-o, empolga-o, constituindo o mais desejado espectáculo" (...).
Foto: © Guiné-Bissau, portal da AD - Acção para o Desenvolvimento (2007) (Com a devida vénia...).
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > "Uma coisa é verdade, pelas fotos (1) se verifica que, embora abandonadas, as instalações não foram destruídas, incluindo a espada felupe estilizada, onde se encontrava o mastro da bandeira" (LF).
Foto: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007)
1. Mensagem do Luiz Fonseca
As minhas melhores saudações:
Uma vez mais, como quase todos os dias, visitei o sítio e verifiquei que algo me tocava.
Pertenci à penúltima Companhia sediada em Susana (CCAV 3366, Maio de 1971 / Maio de 1973) e foi com um misto de tristeza e melancolia que olhei para aquelas fotografias do Pepito (1).
Embora as notícias do noroeste da Guiné Bissau sejam escassas, tenho tentado
acompanhar com interesse o que por ali se passa e verifico que passados quase três dezenas e meia de anos se mantêm algumas (muitas) reservas para com os Felupes. Eu aprendi com eles uma série de conceitos que o passar dos anos levou a recortar e a confirmar.
Uma coisa é verdade, pelas fotos se verifica que, embora abandonadas as instalações não foram destruídas, incluindo a espada felupe estilizada, onde se encontrava o mastro da bandeira.
Pode ser que seja desta [vez] que me reuna ao pessoal da Tabanca Grande.
Luiz Fonseca
ex-Fur Mil Trms
CCAV 3366
(Susana, 1971/73)
2. Meu caro Luiz Fonseca:
Estás à vontade, a Tabanca é Grande, logo, plural: nela cabemos todos (ou quase todos), dos felupes aos fulas, dos balantas aos mandingas, dos cavaleiros aos artilheiros, da tropa-macaca à elite da tropa, dos novos velhos inimigos aos novos amigos... Portanto, entra e põe-te à vontade.
Infelizmente, temos falado pouco ou quase nada sobre o chão felupe, que tanto quanto me recordo é (era) uma região que engloba(va) Susana, São Domingos e Varela (Podes consultar qualquer um das respectivas cartas no nosso blogue). E que veio mais recentemente à baila por más razões, por causa da interferência do governo da Guiné-Bissau no conflito entre os rebeldes de Casamança e as autoridades do Senegal (2).
Vejo que conviveste com (e ganhaste respeito por) os felupes de Susana. Em contrapartida, a maior de nós que andou pelo sul ou pelo leste da Guiné, só tem na cabeça estereótipos, preconceitos e ideias erradas sobre os misterioros felupes (tipo, caçadores de caçadores, necrófagos, resistentes tanto às NT como ao PAIGC, etc.). O único felupe que eu conheci, em Fá Mandinga, sede da 1ª Companhia de Comanbdos Africanos, foi o Furriel Uloma, de triste memória (3).
Portanto, ficas incumbido de salvar a honra dos felupes e partilhares, connosco, o teu conhecimento (e paixão) pelo chão felupe.
Quem tem escritos sobre os felupes é o nosso camarada Carlos Fortunato, da CCAÇ 13 (1969/71)(4).
_______________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 10 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1939: Susana, região de Cacheu: fantasmas do passado (Pepito)
(2) Vd. post de 24 Março 2006
Guiné 63/74 - DCL: Preocupação com a situação humanitária em Susana e Varela (região do Cacheu) (Luís Graça)
(3) Vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)
(4) Vd. a excelente página do Carlos Fortunato, que lidou com balantas e felupes > Guiné - Os Leões Negros > CCAÇ 13 > Bolama > Felupes
(...) "Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura e grande robustez física. São referidos como praticantes do canibalismo no passado, são coleccionadores de cabeças dos seus inimigos que guardam ou entregam ao feiticeiro, e usam com extraordinária perícia arcos com setas envenenadas.
"Embora se assegure que o canibalismo pertence ao passado, não era essa a opinião das restantes etnias, as quais referem igualmente que estes fazem os seus funerais à meia noite, pendurando caveiras nas copas das arvores, e dançando debaixo delas. O felupe é conhecido como pouco hospitaleiro para com as restantes etnias, pelo que existe da parte destas um misto de animosidade e desconhecimento.
"Os felupes são igualmente grandes lutadores, fazendo da luta a sua paixão. Este desporto tão vulgarizado nesta etnia, prende-o, empolga-o, constituindo o mais desejado espectáculo" (...).
terça-feira, 10 de julho de 2007
Guiné 63/74 - P1941: Estórias (nem sempre) vistas do ar (Nuno Almeida, ex-1º Cabo Mecânico de Heli, FAP)
1. Mensagem do nosso camarada Nuno Almeida, ex-1.º Cabo Especialista MMA, com data de 2 de Julho
Camaradas Luís Graça e Carlos Vinhal:
Um forte abraço e um sincero obrigado pelo excelente blogue do qual só recentemente tomei conhecimento.
Embarquei para a Guiné (BA12 - Bissalanca) em 27-01-1972 e fui ferido na mata de Choquemone - Bula , ao proceder a uma evacuação de dois feridos, debaixo de intenso fogo de metralhadoras e morteiros, em 25-11-1972.
Fui evacuado para o Hospital Militar de Bissau, onde fui sujeito a 5 intervenções cirúrgicas, no espaço de 25 dias, e evacuado para Lisboa em 27-01-1973 (para vir morrer ao pé da família!!!).
Li algumas estórias de camaradas que viveram a guerra no terreno (no sentido lato da palavra) e pensei que, como elemento dos helicópteros (Alouette III) e tendo realizado inúmeras missões, no ano de 1972, de resgate de tropas aquando de ataques do IN, ou no transporte para locais de iminente conflito bélico, poderia dar algum contributo para a História, relatando alguns episódios passados nessas operações e vistas nessa perspectiva aérea.
Mais tarde, quando fui ferido e estive internado no Hospital de Bissau, melhor me apercebi das privações e sobressaltos que, a todo o momento, uma geração de jovens, na casa dos 20 anos, foi obrigada a suportar, adquirindo mazelas físicas e, principalmente, psicológicas, que ainda hoje perduram, e que muitos teimam em não aceitar que existem e estão latentes no nosso dia-a-dia.
Junto uma foto de parte da grande equipa que mantinha os helis a voar, para dar apoio aos que no chão, por vezes, necessitavam da nossa presença.
Guine > Bissalanca > 10 de Junho de 1972 > Pessoal da linha da frente da Esquadra 122 > Os Canibais
Um até breve com mais uns relatos lá de cima
Nuno Almeida (O Poeta)
2. Mensagem do co-editor Carlos Vinhal, enviada em 7 de Julho, para o Camarada Nuno Almeida
Caro Nuno Almeida:
Acho que és o elo que faltava no nosso Blogue. A nossa Caserna (também Tabanca Grande) já é composta por elementos do Exército, Força Aérea e Marinha. Mas faltava alguém que, andando normalmente no ar, tivesse da nossa guerra uma visão mais abrangente.
Assim teríamos muito gosto em que fizesses parte da nossa Caserna Virtual, se para tal quisesses manifestar a tua vontade. Basta que nos envies uma foto tua dos teus gloriosos tempos das Máquinas Voadoras e uma actual.
Diz-nos onde moras, o que fazes e o que achares conveniente para que te possamos ficar a conhecer melhor.
Já cá temos uma estória tua, publicada no Post P1912 (1), que esperamos seja a primeira de muitas que tenhas para nos contar.
Por agora recebe um abraço meu e do Luís Graça
O camarada
Carlos Vinhal
___________
Nota do C.V.:
(1) Vd. post de 2 de Julho de 2007> Guiné 63/74 - P1912: Um buraco chamado Mato Cão (Nuno Almeida, ex-mecânico de heli/Joaquim Mexia Alves, ex-Alf.Mil. Pel Caç Nat 52)
Guiné 63/74 - P1940: O dia de S. Martinho que jamais esquecerei... (Júlio César, CCAÇ 2659, 1970/71)
1. Mensagem do nosso camarada Júlio César, ex-1.º Cabo da CCAÇ 2659/BCAÇ 2905, Cacheu, 1970/71, de 4 de Julho, ao editor do blogue:
Escrevi este artigo, relatando uma situação vivida na Guiné, no dia 11 de Novembro de 1970 e que foi publicada em tempos (não sei a data) no Notícias Magazine e que postei no meu blog http://www.cacheu.blogspot.com/
Não sei se serve para alguma coisa.
Deixo isso ao critério meu amigo e permita-me que lhe enderece os meus parabéns pelo excelente trabalho que está a fazer ao escrever a história da Guerra Colonial, na Guiné.
Os meus dados:
Júlio César da Cunha Ferreira
Rua João Pereira Magalhães, 1077
4815-400 Vizela
Ex-1º Cabo 112175/69
Cacheu - Guiné
CCAÇ 2659 - BCAÇ 2905
2. Comentário do co-editor Carlos Vinhal:
No Blogue do nosso camarada Júlio César pode-se tomar conhecimento da história do BCAÇ 2905 com as suas Companhias CCAÇ 2658, 2659, 2660 e CCS.
A CCAÇ 2658 passou por Teixeira Pinto, Bachile, Binar, Paiama, Paúnca e Pirada;
A CCAÇ 2659 por sua vez esteve colocada no Cacheu;
A CCAÇ 2660, assim como a CCS, estiveram sediadas em Teixeira Pinto.
No Blogue há ainda a notícia da deslocação de um grupo de ex-militares deste Batalhão à Guiné-Bissau em Maio de 1996.
Os meus dados:
Júlio César da Cunha Ferreira
Rua João Pereira Magalhães, 1077
4815-400 Vizela
Ex-1º Cabo 112175/69
Cacheu - Guiné
CCAÇ 2659 - BCAÇ 2905
2. Comentário do co-editor Carlos Vinhal:
No Blogue do nosso camarada Júlio César pode-se tomar conhecimento da história do BCAÇ 2905 com as suas Companhias CCAÇ 2658, 2659, 2660 e CCS.
A CCAÇ 2658 passou por Teixeira Pinto, Bachile, Binar, Paiama, Paúnca e Pirada;
A CCAÇ 2659 por sua vez esteve colocada no Cacheu;
A CCAÇ 2660, assim como a CCS, estiveram sediadas em Teixeira Pinto.
No Blogue há ainda a notícia da deslocação de um grupo de ex-militares deste Batalhão à Guiné-Bissau em Maio de 1996.
Podemos ainda encontrar notícias sobre os convívios das Companhias e dos aniversários de companheiros de luta que o tempo não separou.
Como diz o Júlio, alguns já partiram e outros não dão notícias. Quem se encontra periodicamente, fá-lo com alegria.
Guiné-Bissau > Caheu > Maio de 1996 - Regresso ao passado: Todos juntinhos para a fotografia (Em 1996, um grupo de ex-combatentes do BCAÇ 2905, visitaram a Guiné: Júlio, Costa e Silva e Magalhães, da CCAÇ 2659; Virgílio, Mourão e Barbosa, da CCAÇ 2660; Aristoteles, Albuquerque e Acácio, da CCS).
Convívio do pesoal do BCAÇ 2905 > Corte do tradicional e indispensável bolo comemorativo de um dos encontros
De entre as publicações que se podem encontrar no Blogue do nosso camarada, salientamos uma que tem o título No dia de S.Martinho que o nosso Blogue dá a conhecer à Tabanca Grande, com a devida vénia ao seu autor.
De entre as publicações que se podem encontrar no Blogue do nosso camarada, salientamos uma que tem o título No dia de S.Martinho que o nosso Blogue dá a conhecer à Tabanca Grande, com a devida vénia ao seu autor.
CV
3. No dia de S. Martinho, por Júlio César
A Operação
Saíram já depois da meia-noite. Na tentativa de ludibriar o IN que, sabíamos, espiava os nossos movimentos, o Primeiro e Terceiro Grupos de Combate da Companhia de Caçadores 2659, que estava sediada em Cacheu (Guiné) - pertencente ao BCAÇ 2905, este com a sua sede em Teixeira Pinto, hoje Canchungo - saíram em direcção a Mata e Bianga, duas tabancas normalmente inofensivas e amigas, inflectindo, já no meio da bolanha, para Pjangali, principal objectivo da Operação.
Conhecia perfeitamente a zona para onde iam e sabia também o perigo que corriam. Já tinha passado por lá muitas vezes e... sabia que ali havia sempre porrada. A marcha tinha de ser lenta e silenciosa pelo meio do capim a ficar seco, cobrindo as nossas cabeças, com as formigas enormes como baratas a entrarem pelo tronco, pescoço e pernas, por todo o lado por onde pudessem penetrar, dando ferroadas de morte, de modo que, muitas vezes, quando sacudidas de forma enérgica, puxando por elas, ficava a cabeça cravada nos nossos braços e pernas.
A bolanha, ainda não muito seca, era outro obstáculo a ultrapassar. A cada passo as pernas enterravam-se no lodo negro e malcheiroso, com a arma e munições numa rodilha à cabeça, preservando a sua funcionalidade. A ração de combate, único alimento para aquele dia, já tinha ficado nos primeiros metros da bolanha, perdida no lodo por entre milhares de minúsculos caranguejos e outros pequenos bichinhos, repugnantes e viscosos, que subiam por todo o corpo.
A manhã despontava, naquele dia 11 de Novembro de 1970, dia de S. Martinho. Era hora de descansar um pouco, retemperar forças antes de seguir para o objectivo.
Pouco passaria do meio-dia, quando chegaram à clareira que defendia as tabancas de Pjangali.
Rastejando como cobras por entre pequenos tufos de erva, os rapazes do Primeiro e Terceiro Grupos de Combate aproximaram-se lentamente das tabancas. De uma delas, bem no centro da aldeia, saía fumo e umas quantas galinhas debicavam aqui e ali, certeza que ali se encontrava alguém. As ordens tinham sido muito claras e cada um sabia o que tinha a fazer.
3. No dia de S. Martinho, por Júlio César
A Operação
Saíram já depois da meia-noite. Na tentativa de ludibriar o IN que, sabíamos, espiava os nossos movimentos, o Primeiro e Terceiro Grupos de Combate da Companhia de Caçadores 2659, que estava sediada em Cacheu (Guiné) - pertencente ao BCAÇ 2905, este com a sua sede em Teixeira Pinto, hoje Canchungo - saíram em direcção a Mata e Bianga, duas tabancas normalmente inofensivas e amigas, inflectindo, já no meio da bolanha, para Pjangali, principal objectivo da Operação.
Conhecia perfeitamente a zona para onde iam e sabia também o perigo que corriam. Já tinha passado por lá muitas vezes e... sabia que ali havia sempre porrada. A marcha tinha de ser lenta e silenciosa pelo meio do capim a ficar seco, cobrindo as nossas cabeças, com as formigas enormes como baratas a entrarem pelo tronco, pescoço e pernas, por todo o lado por onde pudessem penetrar, dando ferroadas de morte, de modo que, muitas vezes, quando sacudidas de forma enérgica, puxando por elas, ficava a cabeça cravada nos nossos braços e pernas.
A bolanha, ainda não muito seca, era outro obstáculo a ultrapassar. A cada passo as pernas enterravam-se no lodo negro e malcheiroso, com a arma e munições numa rodilha à cabeça, preservando a sua funcionalidade. A ração de combate, único alimento para aquele dia, já tinha ficado nos primeiros metros da bolanha, perdida no lodo por entre milhares de minúsculos caranguejos e outros pequenos bichinhos, repugnantes e viscosos, que subiam por todo o corpo.
A manhã despontava, naquele dia 11 de Novembro de 1970, dia de S. Martinho. Era hora de descansar um pouco, retemperar forças antes de seguir para o objectivo.
Pouco passaria do meio-dia, quando chegaram à clareira que defendia as tabancas de Pjangali.
Rastejando como cobras por entre pequenos tufos de erva, os rapazes do Primeiro e Terceiro Grupos de Combate aproximaram-se lentamente das tabancas. De uma delas, bem no centro da aldeia, saía fumo e umas quantas galinhas debicavam aqui e ali, certeza que ali se encontrava alguém. As ordens tinham sido muito claras e cada um sabia o que tinha a fazer.
Completaram o envolvimento e entraram na aldeia sem que se ouvisse um único tiro. Cautelosamente, abrigados, com um grupo de homens protegendo a rectaguarda, avançaram até à primeira tabanca e entraram de rompante. Lá dentro, com um ar um tanto surpreendido, um homem grande olhava-os com o medo estampado no olhar.
Vendo que não havia perigo, os homens da Companhia avançaram. A princípio, cautelosamente, para logo depois descomprimirem. O alvoroço de galinhas e porcos obrigou a aparecer crianças, homens e mulheres, estes já velhos, sinal inequívoco que os mais jovens andariam em sortidas com os guerrilheiros.
Vendo que não havia perigo, os homens da Companhia avançaram. A princípio, cautelosamente, para logo depois descomprimirem. O alvoroço de galinhas e porcos obrigou a aparecer crianças, homens e mulheres, estes já velhos, sinal inequívoco que os mais jovens andariam em sortidas com os guerrilheiros.
Apareciam de todos os lados, garantia que, apesar de todas as cautelas tomadas, tinham sido previamente detectados. Foram interrogados pelo Comandante da Operação e, valendo-se de um dos guias, numa mistura de crioulo, manjaco e balanta, foram sabendo que já há vários dias que ali não aparecia ninguém e que eram só aqueles os habitantes da tabanca. Abivacaram mesmo ali e as rações de combate que alguns deles, felizmente, ainda traziam, foram repartidas pelos nativos, enquanto o cabo enfermeiro curava algumas feridas e distribuía mezinha entre eles.
O regresso
Eram horas de regressar e após contacto com a base receberam instruções para seguirem por Mata e Bianga.
Seriam cerca das seis horas da tarde quando os camaradas que ficaram no aquartelamento, os viram a atravessar a pista de aterragem. Pouco depois entravam pela porta que dava para o cemitério da povoação nativa por entre gritos de júbilo e de boas vindas dos que ficaram e que queriam saber como decorrera a Operação. Vinham todos... cansados, mas sorridentes. E, não era para menos. Não era a primeira vez que se ia para aquela zona e todos sabiam que ali era costume embrulhar. Além disso, era dia de S. Martinho e tudo estava preparado para uma grande festa, como era da praxe, em dias marcantes do nosso calendário!
A tragédia
Fiquei por ali um pouco, trocando impressões com o comandante da operação, sabendo como decorrera, quando uma forte explosão nos atirou por terra.
O regresso
Eram horas de regressar e após contacto com a base receberam instruções para seguirem por Mata e Bianga.
Seriam cerca das seis horas da tarde quando os camaradas que ficaram no aquartelamento, os viram a atravessar a pista de aterragem. Pouco depois entravam pela porta que dava para o cemitério da povoação nativa por entre gritos de júbilo e de boas vindas dos que ficaram e que queriam saber como decorrera a Operação. Vinham todos... cansados, mas sorridentes. E, não era para menos. Não era a primeira vez que se ia para aquela zona e todos sabiam que ali era costume embrulhar. Além disso, era dia de S. Martinho e tudo estava preparado para uma grande festa, como era da praxe, em dias marcantes do nosso calendário!
A tragédia
Fiquei por ali um pouco, trocando impressões com o comandante da operação, sabendo como decorrera, quando uma forte explosão nos atirou por terra.
Pensámos que era um ataque ao aquartelamento que, afinal era costume, ao final da tarde, quando gritos lancinantes e uma núvem de poeira e estilhaços varreram toda a parada. Apercebi-me logo que algo de muito grave tinha acontecido e corri para o abrigo do Primeiro Grupo de Combate.
Por entre a poeira, correrias em pânico e muitos gritos (que ainda oiço muitas vezes) vi muitos dos nossos camaradas contorcendo-se por entre gritos de dor, tentando estancar o sangue que lhes saía de várias feridas espalhadas pelo corpo. Num rápido olhar avaliei a situação e vi um deles – o cabo Malheiro – que era o que estava mais perto da entrada, muito ferido. Peguei nele e vi, horrorizado, que as duas pernas, do joelho para baixo, tinham desaparecido. O sangue saía aos borbotões daqueles cotos, com a pele em fiapos, com músculos, veias e artérias como se tivessem sido cortados com uma serra velha. Sangue e mais sangue!!!
Tentei manter a serenidade e, com outros camaradas, corremos, gritando para afugentar o pânico, transportando-o, em cadeirinha até à enfermaria, onde os enfermeiros se afadigavam, tentando por todos os meios estancar o sangue que se esvaía das feridas abertas. As compressas e ligaduras depressa ficaram ensopadas em sangue, até que se esgotaram.
Peguei nele e vi, horrorizado, que as duas pernas, do joelho para baixo, tinham desaparecido
Pouco depois descobrimos outro ferido grave. Estava num local mais afastado do abrigo. Segurava a barriga com um esgar de medo e dor. Um buraco enorme, onde cabiam dois punhos cerrados, deixava ver parte das suas entranhas. Era horrível!
Entretanto caía a noite no Cacheu (na Guiné, depois das 18 horas é já noite). Os homens do Posto de Rádio afadigavam-se pedindo por socorro e o Capitão gritava para Bissau chamando a evacuação de dois feridos graves.
Tentei manter a serenidade e, com outros camaradas, corremos, gritando para afugentar o pânico, transportando-o, em cadeirinha até à enfermaria, onde os enfermeiros se afadigavam, tentando por todos os meios estancar o sangue que se esvaía das feridas abertas. As compressas e ligaduras depressa ficaram ensopadas em sangue, até que se esgotaram.
Peguei nele e vi, horrorizado, que as duas pernas, do joelho para baixo, tinham desaparecido
Pouco depois descobrimos outro ferido grave. Estava num local mais afastado do abrigo. Segurava a barriga com um esgar de medo e dor. Um buraco enorme, onde cabiam dois punhos cerrados, deixava ver parte das suas entranhas. Era horrível!
Entretanto caía a noite no Cacheu (na Guiné, depois das 18 horas é já noite). Os homens do Posto de Rádio afadigavam-se pedindo por socorro e o Capitão gritava para Bissau chamando a evacuação de dois feridos graves.
Às desculpas de que, de noite, não podia levantar qualquer avião ou helicóptero, por falta de visibilidade, o nosso Capitão respondia que iluminava a pista com todas as viaturas do quartel e, assim se fez, mesmo sem se ter a certeza da chegada de socorros.
Naquela guerra era proibido morrer ou ser ferido durante a noite... Cerca das oito horas da noite, o Primeiro-Cabo Malheiro morria, esvaído em sangue por falta de assistência (porque os aviões de socorro não podem voar de noite...) não obstante todos os esforços para o manter vivo.
Naquela guerra era proibido morrer ou ser ferido durante a noite... Cerca das oito horas da noite, o Primeiro-Cabo Malheiro morria, esvaído em sangue por falta de assistência (porque os aviões de socorro não podem voar de noite...) não obstante todos os esforços para o manter vivo.
Uma onda de raiva e impotência varreu toda a CCAÇ 2659. Chorava-se pelos cantos e vociferava-se contra os senhores de Bissau que, no conforto do ar condicionado, se estavam marimbando para os camaradas que morriam no mato. O Capitão, no Posto de Rádio, desalentado, horrorizado pela falta de socorro, gritava com Bissau, dizendo para trazerem, não um, mas vários caixões.
Eram 10 horas da noite quando as viaturas que estavam na pista, com todos os faróis acesos, pondo a pista como se fosse dia, receberam ordens para regressar.
Tinha falecido o outro ferido grave – o soldado Marques – que, por malvadez do destino, se encontrava no local errado. Ele que, embora pertencesse ao Primeiro Grupo de Combate, tinha sido dispensado daquela operação. Ele que deveria regressar à Metrópole dentro de dias. A doença que lhe fora detectada, tinha-o dispensado do serviço. Ele, que já tinha escrito à família, dizendo que se ia embora... Ele, que até já tinha feito o espólio e trajava já à civil!!!
Ninguém dormiu nessa noite. A dor e a raiva eram demasiadas.
Naquela guerra era proibido morrer ou ser ferido durante a noite...
De manhã cedo, a DO começou a sobrevoar o aquartelamento e o Valente, de Vilar de Mouros, com os olhos ainda cheios de lágrimas de raiva, correu para a Breda e disparou vários tiros de desespero contra a avioneta. Eram balas de dor, de raiva, de impotência, de desespero. Chamado à razão, corremos para a pista e, quando a DO aterrou, foi difícil conter a ira de muitos de nós e o piloto foi cuspido, insultado e pontapeado. Felizmente, alguns mais serenos, conseguiram ouvir a voz do nosso Capitão, chamando-os à razão. O piloto de nada sabia. Tinha entrado de serviço naquela manhã.
Mais tarde, já durante o dia, enquanto deambulávamos por ali, soubemos o que se tinha passado.
O Cabo Malheiro – o primeiro a morrer – que era portador da Bazooka, ao entrar no abrigo, colocou-a de encontro à parede com a saída para baixo. A mola que, normalmente, segura a granada estava avariada (como quase tudo naquela guerra...) e a granada caiu no chão, explodindo de seguida. Dos outros feridos graves, só o Mendes, de Riba d’ Ave, é que teve de ser evacuado.
Encontramo-nos uma ou duas vezes por ano. Não tem problemas de maior, depois de andar vários anos à espera que os estilhaços (não sei se já lhe saíram???) lhe saíssem todos. Nunca falamos do que aconteceu. É duro demais para relembrar...
PS - Alterei os nomes dos dois camaradas mortos. O respeito pelo sofrimento das famílias assim o impõe.
(Publicado no Notícias Magazine n.º 331 de 27 de Setembro de 1998> "Experiências de Guerra”)
Júlio César
Eram 10 horas da noite quando as viaturas que estavam na pista, com todos os faróis acesos, pondo a pista como se fosse dia, receberam ordens para regressar.
Tinha falecido o outro ferido grave – o soldado Marques – que, por malvadez do destino, se encontrava no local errado. Ele que, embora pertencesse ao Primeiro Grupo de Combate, tinha sido dispensado daquela operação. Ele que deveria regressar à Metrópole dentro de dias. A doença que lhe fora detectada, tinha-o dispensado do serviço. Ele, que já tinha escrito à família, dizendo que se ia embora... Ele, que até já tinha feito o espólio e trajava já à civil!!!
Ninguém dormiu nessa noite. A dor e a raiva eram demasiadas.
Naquela guerra era proibido morrer ou ser ferido durante a noite...
De manhã cedo, a DO começou a sobrevoar o aquartelamento e o Valente, de Vilar de Mouros, com os olhos ainda cheios de lágrimas de raiva, correu para a Breda e disparou vários tiros de desespero contra a avioneta. Eram balas de dor, de raiva, de impotência, de desespero. Chamado à razão, corremos para a pista e, quando a DO aterrou, foi difícil conter a ira de muitos de nós e o piloto foi cuspido, insultado e pontapeado. Felizmente, alguns mais serenos, conseguiram ouvir a voz do nosso Capitão, chamando-os à razão. O piloto de nada sabia. Tinha entrado de serviço naquela manhã.
Mais tarde, já durante o dia, enquanto deambulávamos por ali, soubemos o que se tinha passado.
O Cabo Malheiro – o primeiro a morrer – que era portador da Bazooka, ao entrar no abrigo, colocou-a de encontro à parede com a saída para baixo. A mola que, normalmente, segura a granada estava avariada (como quase tudo naquela guerra...) e a granada caiu no chão, explodindo de seguida. Dos outros feridos graves, só o Mendes, de Riba d’ Ave, é que teve de ser evacuado.
Encontramo-nos uma ou duas vezes por ano. Não tem problemas de maior, depois de andar vários anos à espera que os estilhaços (não sei se já lhe saíram???) lhe saíssem todos. Nunca falamos do que aconteceu. É duro demais para relembrar...
PS - Alterei os nomes dos dois camaradas mortos. O respeito pelo sofrimento das famílias assim o impõe.
(Publicado no Notícias Magazine n.º 331 de 27 de Setembro de 1998> "Experiências de Guerra”)
Júlio César
Observ - Subtítulos da responsabilidade do co-editor CV.
Guiné 63/74 - P1939: Susana, região de Cacheu: fantasmas do passado (Pepito)
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > Marco e pau da bandeira (?).
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > Antigo celeiro ou armazém.
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > Antiga central eléctrica
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > Caserna em ruínas.
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > Outro aspecto da mesma caserna.
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > Outra casernba em ruínas
Fotos e legendas: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007)
1. Imagens de Susana que o nosso querido amigo Pepito nos mandou, de propósito. Não são as imagens que gostaríamos de ver porque nos deixam tristes: são os fantasmas de um aquartelamento das NT, são os nossos próprios fantasmas que por ali andam; ali parece que a vida parou, que a história parou... Mas são também a imagem da incúria e do abandtono, são também o espelho de uma Guiné-Bissau, independente há trinta e tantos anos, que ainda não soube preservar e valorizar algum do pouco património colonial que lá ficou, podendo alimentar com isso uma fileira de turismo com algum impacto económico e social... sobretudo para as populações do interior que teimam em não fugir para a capital...
Esperemos, ao menos, que elas sirvam de algum consolo para os irmãos do malogrado Cap Cav Rei Vilar, comandante da CCAV 2538, que aqui esteve, entre 1969/70 (1). Segundo nos confidenciou o irmão Manuel, ele conta visitar a Guiné-Bissau em 2008 e com os os outros irmãos "fazer uma romagem a Susana". Obrigado, Pepito, pela tua sensibilidade e amizade.
Luís: De facto, como tu dizes, pouco se fala de Suzana. Apenas recentemente foi levantada a questão da morte do Capitão de Cavalaria Luis Filipe Rei Vilar (1).
Porque estou a chegar de lá hoje [8 de Junho], envio-te umas fotos do que resta do antigo quartel, para matar saudades aos que por lá passaram
abraços
pepito
__________
Nota dos editores:
(1) Vd. posts de:
30 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1902: Manuel Rei Vilar, França: Quem conheceu o meu irmão, Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, morto em Susana, em Fevereiro de 1970 ?
30 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1903: Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, comandante da CCAV 2538, morto numa emboscada (Afonso M.F. Sousa)
1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1908: Capitão de Cavalaria Rei Vilar, comandante da CCAV 2538, morto no campo da honra, em incursão no Senegal (Afonso M.F. Sousa)
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > Antigo celeiro ou armazém.
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > Antiga central eléctrica
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > Caserna em ruínas.
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > Outro aspecto da mesma caserna.
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > Outra casernba em ruínas
Fotos e legendas: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007)
1. Imagens de Susana que o nosso querido amigo Pepito nos mandou, de propósito. Não são as imagens que gostaríamos de ver porque nos deixam tristes: são os fantasmas de um aquartelamento das NT, são os nossos próprios fantasmas que por ali andam; ali parece que a vida parou, que a história parou... Mas são também a imagem da incúria e do abandtono, são também o espelho de uma Guiné-Bissau, independente há trinta e tantos anos, que ainda não soube preservar e valorizar algum do pouco património colonial que lá ficou, podendo alimentar com isso uma fileira de turismo com algum impacto económico e social... sobretudo para as populações do interior que teimam em não fugir para a capital...
Esperemos, ao menos, que elas sirvam de algum consolo para os irmãos do malogrado Cap Cav Rei Vilar, comandante da CCAV 2538, que aqui esteve, entre 1969/70 (1). Segundo nos confidenciou o irmão Manuel, ele conta visitar a Guiné-Bissau em 2008 e com os os outros irmãos "fazer uma romagem a Susana". Obrigado, Pepito, pela tua sensibilidade e amizade.
Luís: De facto, como tu dizes, pouco se fala de Suzana. Apenas recentemente foi levantada a questão da morte do Capitão de Cavalaria Luis Filipe Rei Vilar (1).
Porque estou a chegar de lá hoje [8 de Junho], envio-te umas fotos do que resta do antigo quartel, para matar saudades aos que por lá passaram
abraços
pepito
__________
Nota dos editores:
(1) Vd. posts de:
30 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1902: Manuel Rei Vilar, França: Quem conheceu o meu irmão, Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, morto em Susana, em Fevereiro de 1970 ?
30 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1903: Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, comandante da CCAV 2538, morto numa emboscada (Afonso M.F. Sousa)
1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1908: Capitão de Cavalaria Rei Vilar, comandante da CCAV 2538, morto no campo da honra, em incursão no Senegal (Afonso M.F. Sousa)
segunda-feira, 9 de julho de 2007
Guiné 63/74 - P1938: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (4): Catunco
Guiné > PAIGC > Catunco. In: O Nosso Primeiro Livro de Leitura, p. 51. Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC > 1966
Foto: © A. Marques Lopes / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.
Katungo ou Catunco ? Parece evidentemente tratar-se de grosseira gralha tipográfica: o que não admira, o livro terá sido impresso na Suécia (1). A sul da Catió, temos as Ilhas de Catunco, Como e Caiar.
Na ilha de Catunco (vd. carta da Ilha de Caiar) há pelo menos duas povoações, Catunco Papel e Catunco Balanta, que ficam na margem esquerda do Rio Catunco. A Ilha de Catunco fica, por sua vez, na margem direita do Rio Cumbijã. OU melhor, e como diz o Mário Dias, a chamada Ilha do Como é, na realidade, constituída por 3 ilhas: Caiar, Como e Catunco (" na prática formam na prática um todo, já que a separação entre elas é feita por canais relativamente estreitos e apenas na maré-cheia essa separação é notória").
No nosso blogue, há duas ou três várias referências a Catunco, embora numa delas apareça, também certamente por gralha, Catungo (também é possível que o João Parreira tenha sido atraiçoado pela memória) (2).
Confronte-se entretanto o texto do manual escolar do PAIGC, acima inserido, com a descrição que o nosso camarada Mário Dias fez da actuação das NT durante a Op Tridente (Ilha do Como, Jan-Mar. 1964). Tudo indica que o manual escolar do PAIGC faça referência ao que se passou nessa operação de grande envergadura, cujo desfecho não teve a mesma leitura, quer da parte dos portugueses, quer da parte do PAIGC. O Como tornou-se, para Amílcar Cabral e o seu movimento, um ícone da luta de libertação.
(...) As vacas e o arroz
Um agrupamento constituído pelo grupo de comandos, 8º Dest Fuz, e um grupo de combate da CCAV 489, iniciaram, por volta das 8 da manhã de 12 de Março [de 1964], uma acção sobre Catunco Papel e Catunco Balanta a fim de cercar e bater todas a zona destruindo tudo quanto possa constituir abrigo ou abastecimento para o IN e que não seja possível recuperar pelas NT.
Cercada a tabanca de Catunco Papel e de seguida Catunco Balanta, foram as casas revistadas e destruídas, tarefa que demorou quase 5 horas. Foram recuperadas 5 toneladas de arroz; capturado um elemento IN e apreendidas 2 granadas de mão, livros escolares em português, cadernos, fotografias, facturas, recibos de imposto indígena, e um envelope endereçado a BIAQUE DEHETHÉ, sendo remetente MUSSA SAMBU de Conakry.
Terminamos este dia com a acção que mais me custou durante toda a permanência no Como. Têm que ser abatidas cerca de uma centena de vacas que por ali andavam na bolanha bucolicamente pastando. Não havia forma de podermos transportá-las connosco. Começado o tiro ao alvo, iam caindo sem remédio. Pobres bichos. E que desperdício. Enquanto fazia pontaria ia ironicamente pensando naquela carne que por ali ia ficar para os jagudis enquanto nós tínhamos andado 23 dias a ração de combate.
- Que desperdício!... - E pensava:
- Olha aquele lombo como ficava bom num espeto a rodar, bem temperado com sal, limão e malagueta!...(pum) e aquela, que belo fígado deve ter para uma saborosas iscas !...pum… e pum… e mais pum até chorar de raiva.
Coisas da guerra... sempre impiedosa.
Concluída a mortandade, ainda alguns esquartejaram pernas e extraíram lombos para uma refeição extra. Deve ter sido fruto desta acção, a oferta pelos fuzileiros de carne de vaca à CCAV 489 a que se refere o Joaquim Ganhão na sua ”Cónica do soldado 328”. (...) (3)
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1899: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (1): O português...na luta de libertação
1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1907: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (2): A libertação da Ilha do Como (A. Marques Lopes / António Pimentel)
4 de Julho de 2007Guiné 63/74 - P1920: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (3): O mítico Morés
(2) Vd. posts de:
15 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P961: No dia em que fui ferido pelos homens de Pansau Na Ina (João Parreira, Gr Cmds Fantasmas, Catungo, Maio de 1965)
13 de Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXV: Brá, SPM 0418 (3): memórias de um comando (Virgínio Briote)
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)
23 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLV: Virgínio Briote, ex-comando da 1ª geração (1965/66)
(3) Vd. post de 17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)
Guiné 63/74 - P1937: Homenagem aos Comandos fuzilados a seguir à independência (José Martins / João Parreira)
Caros Generais:
Estive hoje na Amadora, no Regimento de Comandos, onde foram homenageados os Comandos que tombaram na Guiné, após a independência.
Junto fotos do local onde estão inscritos os comandos tombados durante a guerra, assim como da placa alusiva. As placas que foram descerradas ainda estavam cobertas com a bandeira dos Comandos.
Um abraço. José Martins
Amadora > Regimento de Comandos > 29 de Junho de 2007 > Placa de homenagem das Forças Armadas Portuguesas, com data de 29 de Junho de 1978.
Amadora > Regimento de Comandos > 29 de Junho de 2007 > Vista geral das placas com os nomes dos comandos mortos
Fotos: © José Martins (2007). Direitos reservados.
3. Quem também lá esteve, da malta da nossa tertúlia, também foi o João Parreira, ex-comando:
Caros Luís Graça e Carlos Vinhal,
Foi esta manhã, 29 de Junho de 2007 finalmente prestada homenagam na Amadora ao Comandos Africanos fuzilados na Guiné pelo PAIGC. Cinquenta e três no total, conforme ouvi mencionar. Na lápide constavam os nomes de alguns que acompanhei nos anos de 1965/66 (2).
Um abraço para ambos.
João Parreira
_________
Notas do co-editor C.V.:
(1) A 29 de Junho comemora-se o Dia do Comando. Houve cerimónias em Mafra, e na Amadora onde se procedeu à homenagem a que os nossos camaradas fazem referência.
(2) Vd. Reportagem fotográfica da cerimónia na Página da Associação de Comandos
(3) Nomes de comandos e outros militares africanos fuzilados a seguir à independência, vd. posts de:
11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLV: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)
12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)
18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXII: Dos comandos de Brá ao pelotão de fuzilamento (Virgínio Briote)
23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)
27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)
31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira)
19 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P886: Terceiro e último grupo de ex-combatentes fuzilados (João Parreira)
Guiné 63/74 - P1936: PAIGC: Cartaz de propaganda (Nuno Rubim)
Lisboa > Arquivo Histórico Militar > Panfleto do PAIGC.
Foto: © Nuno Rubim (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem de 11 de Junho de 2007, enviada pelo nosso amigo e camarada Nuno Rubim:
Por hoje envio-te um panfleto do PAIGC, que encontrei no AHM que, se assim o achares, podes reproduzir no blogue.
Irá para o núcleo museológico de Guiledje.
Um abraço
Nuno Rubim
domingo, 8 de julho de 2007
Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968
A deslocalização de um permanente efectivo de pára-quedistas foi fundamental para o surgimento de uma fase de muita maior tranquilidade, que resultou numa acentuada diminuição belicista por parte do PAIGC.
Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Agosto/Dezembro de 1968
Foto 406 > "A maior quantidade de armamento capturado num patrulhamento dos paraquedistas [, em 7 de Setembro de 1968]"
Foto > 407 > "O resultado de um outro patrulhamento"
Foto 408 > "Mais outro resultado de uma deambulação pára-quedista".
Um aquartelamento finalizado, que acaba por ser abandonado com pouco mais de 10 meses de construção. E no seu último período, foi possível propiciar alguns momentos de lazer, mercê de alguns melhoramentos complementares.
Foto 401 >" Uma visão exterior do aquartelamento"
Foto > 402 > "Outra panorâmica externa de Gandembel"
Foto 403 > "Um dos melhoramentos de interior: a messe dos oficiais".
Foto 404 > "Alguns recantos para confraternização" .
Foto 405 > "Uma gazela morta numa das armadilhas, oferecerá um belo ágape"
Assunto: Uma longa vida em Gandembel suspensa da decisão do Comandante-Chefe. E ante tantas adversidades, num ápice tudo se esfuma da forma mais indigna: o abandono. Gandembel/Ponte Balana, de 4 de Agosto às vesperas do Natal de 1968.
Caros Luís e demais companheiros Tertulianos:
A catástrofe de 4 de Agosto foi demasiado punitiva e voraz, criando um profundo sentimento de perda. E, atendendo às circunstâncias com que nos deparávamos no quotidiano, reconheci na pungente dor do luto, que a Companhia perdia temperamento e vivacidade, com as vontades a fenecerem.
Fotos e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.
VIII Parte da história da CCAÇ 2317, contada pelo ex-Alf Mil Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1). Texto enviado em 28 de Fevereiro de 200. Continuação (1).
20 de Agosto de 1968: reforço de 2 Gr Comb de Páras (2)
Este desalento, talvez mesmo dilaceração, que parecia propender para a resignação em alguns de nós, não era de bom auspício nesta melindrosa fase em que o PAIGC nos fustigava insidiosa e desmesuradamente.
E porque não se antevia que esta torrente de casos dramáticos pudesse ser sustida, a situação parecia atingir proporções já no limite da sustentabilidade. Sentíamo-nos cada vez mais sós, e enfraquecidos, éramos homens pendentes da incerteza do destino.
Tornava-se urgente inverter esta prostração lânguida e taciturna, que só o Comandante-Chefe, soube ou quis ousar confrontar. António de Spínola, que considero ter sido um dos maiores estrategos da guerra colonial, mas apenas na vertente meramente militar, era um homem fortemente obstinado, e ainda que, com insuficiência no reconhecimento dos díspares contrastes que o chão da Província continha, não conhecedor do poder bélico que o PAIGC detinha e até da situação global das suas próprias forças armadas, faz jogar a última cartada que tinha ao seu alcance.
Incumbe os Pára-quedistas para virem actuar nesta zona, permitindo-lhes que tomassem todas as iniciativas que entendessem como as mais adequadas. E, logo no dia a seguir ao doloroso 4 de Agosto, aterra o seu Comandante de Batalhão [, Ten Cor Pára-Quedista Fausto Pereira Marques (2] ]para se inteirar do que os seus homens viriam a encontrar no interior do aquartelamento de Gandembel.
E, nesse mesmo dia, os subalternos são informados que muito em breve, teríamos ao nosso lado e de forma permanente, 2 grupos de pára-quedistas. E o seu aparecimento surge a 20 de Agosto.
De todo o modo, até à sua vinda definitiva, a Companhia Pára-quedista procurou reconhecer a zona, tomar-lhe o pulso, muito em especial a faixa mais nevrálgica, limitada entre a fronteira e a estrada de Aldeia Formosa para Guileje, fazendo-se deslocar de Bissau em helicópteros, com poisos nas imediações de Gandembel ou Aldeia. Fez mediar um tempo que considerou suficiente para conceber os melhores planos estratégicos a adoptar.
E a partir desse 20 de Agosto, como resultou a participação dos pára-quedistas?
No que nos respeita, creio muito convictamente que a sua acção foi de uma extraordinária valia, revelou-se fundamental para o futuro dos homens da minha Companhia, muito em especial no aspecto anímico, e inclusive conseguiu também criar um clima de muita maior segurança para as demais tropas fixas e móveis, que estavam de algum modo envolvidas com Gandembel.
Indubitavelmente, foi capaz de incutir uma outra serenidade a estes desalentados homens, renovar estados de espírito abalados, sobrepujar contrariedades inúmeras, remoçar réstias de esperança, que se revelaram cruciais no aumento da auto-estima. E esta extraordinária proeza, este feito inigualável, ninguém lhe consegue dar a devida dimensão, tão-só o peso e o testemunho da gratidão dos que o sentiram.
Os pára-quedistas eram, inquestionavelmente, a tropa de elite melhor preparada para este tipo de guerra de guerrilhas, na busca perseverante ao agressor. Os seus elementos eram criteriosamente escolhidos, e após uma cuidada preparação, eram integrados em cada grupo de combate de um modo muito específico, pelo que cada grupo era formado por homens com graus de experiência distintos, e assim um recém-chegado tinha uma fácil inserção na disciplina e no empenho táctico-militares que enformava o grupo.
A presença dos 2 grupos de combate, que se revezavam periodicamente e com uma cadência de ordem mais ou menos quinzenal, e que conviveram connosco mais de 3 meses, também foi fundamental no refortalecimento de uma maior estabilidade, no interior do próprio aquartelamento.
Para além de estarmos mais acompanhados, brotou uma empatia especial entre o pessoal, e recriou-se um outro estádio de segurança. O apoio logístico melhorou de forma bastante substantiva, e começámos a ter mais e melhores víveres, dando azo a que aparecesse um outro tipo de alimentação completamente distinta da de outrora, até complementada por bebidas onde inclusive o afamado vinho canforado quase não faltava.
Foi um período de transcendental importância para a Companhia, sem qualquer margem para dúvidas. E muitos sentimentos agrilhoados foram esconjurados.
Contudo, não se julgue, que Gandembel e Ponte Balana ficaram livres dos ataques e flagelações. Os guerrilheiros do PAIGC continuavam apostados em quererem demonstrar que continuavam presentes, pela sua vontade indómita, a sua persuasão agressiva, a sua garra belicista. Mas, pressentiu-se de uma forma deveras vincada, que o seu comportamento táctico se alterou, com as suas acções a serem bem mais calculadas e cuidadosas, produto de circunstâncias bem adversas, deixando de deambular à vontade, e que lhe refrearam em muito o desmesuramento das suas ambições.
30 de Agosto de 1968: 1 bigrupo destroçado pelos pára-quedistas
O mês trágico de Agosto aproximava-se do fim, com a vinda de Spínola no dia 30. Fá-lo muito provavelmente para registar um acontecimento de grandíloqua façanha, num franco gesto de testemunho, do que se passara na antevéspera.
Os pára-quedistas, logo pela madrugada desse dia de chuva, saem de Gandembel em direcção à fronteira, e mesmo junto desta, detectam a presença de um bigrupo numa situação de inactividade. Circundam-no e desferem-lhe um forte ataque, que o destroça quase por inteiro, e apanham-lhe quase todo o armamento.
E logo, retrocedem a caminho de Gandembel. No entanto, outros grupos de guerrilheiros que estavam do outro lado da fronteira, vêm ao seu encalço, e perseguem acirradamente os pára-quedistas, montando-lhes emboscadas após emboscadas. Estes, com um efectivo diminuto para as circunstâncias que se lhes deparavam a cada momento, ripostaram conforme podiam, causando-lhes mais baixas, mas 2 dos seus briosos militares perdem a vida.
Numa mera operação de patrulhamento, e ante tão-só com apenas 2 grupos de combate em acção, o PAIGC sofre em termos de perda de efectivos, talvez a mais humilhante e significativa derrota desde sempre.
E ao recordar esse dia, vejo um grupo de militares bastante pesarosos, a entrarem em Gandembel, alquebrados pelo peso dos companheiros que tiveram que ser transportados e do armamento capturado. E reconheci mais uma vez, que a guerra que se travava naqueles sítios, desaguava na brutalidade da ingratidão, à custa de vontades indómitas, de porfiados esforços, de abnegações acrisoladas.
7 de Setembro de 1968: a estreia do temível morteiro 120
O mês de Setembro surge entretanto, e na sua 1ª quinzena, o aquartelamento de Gandembel foi sujeito a 2 fortes ataques.
Antes do alvorecer do dia 7, o PAIGC fez-se aproximar, mas a uma distância já relativamente mais afastada (para além da estrada), fortemente armado e empreende uma acção de duplo efeito, primeiramente na base de armamento ligeiro, para fazer incidir depois vários RPG-7 e morteiros 82.
Pela primeira vez, surge um outro tipo de estampido mais forte, proveniente de morteiros, quer na saída após percussão, quer na deflagração em contacto com o solo. Mais tarde, chegaríamos à conclusão que mais uma outra arma se apresentava no arsenal bélico inimigo, chamado morteiro 120.
Uns dias mais tarde, a 11 de Setembro e a partir das 18 horas, o inimigo lança mais um outro ataque, com base essencialmente em lança-rockets. Já em plena noite e próximo ao alvorecer, faz incidir um outro ataque similar ao perpetrado no dia 7, com um maior efectivo e ainda mais incisivo, e com o maior lançamento de sempre de granadas de morteiro 120.
Estes 2 ataques e o forte poder bélico posto em jogo, contêm um nítido sinal de vingança, que felizmente não representaram qualquer dano para os efectivos sitiados. De referir, que o PAIGC se podia certificar facilmente do grau de sucesso que um ataque podia causar, pelo número de helicópteros que vinham a aterrar a fim de procederem às evacuações. E do resultado destas 2 refregas, nenhuma destas aeronaves aterrou. E até este aspecto, beliscava no comportamento e nos objectivos que o PAIGC urdira para esta zona.
Entretanto, já há algum tempo, a partir dos inícios de Agosto, em ataques de curta duração de morteiros 82, vínhamos reconhecendo que as granadas deflagravam cada vez mais próximo das casernas, ou seja, tudo indiciava que a bateria de morteiros parecia ter assestado de vez, a sua pontaria. Nesses 2 fortes ataques, há 3 granadas que caem dentro do aquartelamento, uma das quais em cima de uma caserna-abrigo, sem provocarem quaisquer consequências.
E assim mais 2 novos factos se revelavam, e que causavam um forte motivo de preocupação: a utilização dos morteiros 120 e a incontestada aproximação das granadas do 82. Para quem teve a possibilidade de ver os efeitos desta granada 120, direi que a grande diferença que a distava das 82, é que, para além da sua óbvia potência de deflagração, tinha um poder de penetração enorme e com efeito retardatário. A granada penetrava no solo profundamente, e só então deflagrava, remexendo todo o solo num círculo de um raio de cerca de 3 a 4 metros. Ainda que 2 destas das granadas caíssem dentro do aquartelamento, felizmente sem consequências, julgo que as casernas-abrigo não apresentavam um grau de compactação bastante, para aguentar com este tipo de munições.
PAIGC: pontaria cada vez mais certeira, utilizando postos avançados com rádio
Quanto à aproximação das granadas de calibre 82, viria a ser encontrada a razão para tal, em resultado de mais um patrulhamento dos pára-quedistas, e que teve lugar no dia 15 de Setembro. Um fio condutor, com uma das pontas muito próximo a Gandembel, foi encontrado, e foi sendo enovelado mesmo até à fronteira; foi trazido em 2 grandes rolos. Este fio, servia tão-só para que um elemento avançado que se postava sobre uma árvore de grande porte e que claramente possibilitava uma boa visão do aquartelamento, prestasse informações via rádio-telefone, aos apontadores da bateria de morteiros que estava posicionada em plena Guiné-Conacri, a poucos metros da fronteira.
A argúcia e a sageza do inimigo, comprovavam-se também nestas ciladas ardilosas. Mas o desfeito deste sofisticado propósito, continha em si, mais uma forte ceifada nas suas desmedidas ambições. E o PAIGC, ante todas estas afrontas e ao fazer uso desses ataques de grande envergadura, reconhecendo que as NT não são atingidas, sente que a sua hegemonia vem sofrendo fortes reveses, e começa a denotar medo de a perder, e resguarda-se cada vez mais. Talvez mesmo, retire efectivos para outras frentes, deixando obviamente um contingente para quaisquer eventualidades que pudessem bem surtir.
O nosso destino nas mãos de um homem obstinado, Spínola
E Spínola parecia viver em sincronia com o pulsar das vivências de Gandembel, pois que neste mesmo dia se digna mais uma vez nos visitar. E este posicionamento do Comandante-Chefe causa-me alguma perplexidade. Se, associo os acontecimentos de 4 de Agosto, a uma tomada de posição pelo abandono, será que passados 40 dias, propende para uma outra de cariz bem diferente?
Julgo hoje, que o dossiê Gandembel/Ponte Balana, o agarrou a mão firme, e qualquer destino a reservar, estava suspenso de uma única decisão: a sua.
E a vida em Gandembel continuava muito mais calma e tranquila, com a Companhia na manutenção dos 2 postos e a prestar-lhes todo o apoio logístico; também fazia as suas deambulações, vigiando o Balana e o Changue-Iaia.
Por sua vez, os pára-quedistas continuavam a assumir os seus patrulhamentos, com muita assiduidade, procurando sempre ir ao encontro de eventuais alojamentos do inimigo. E mais algumas vezes se deparou com alguns grupos, causando-lhes acentuadas baixas, capturando-lhe muito e diverso tipo de armamento. Eram militares com objectivos bem claros e precisos, jamais se furtando à luta, firme e persistentemente.
E o PAIGC, suspicazmente, tomou consciência plena desta forma de actuação, e a sua movimentação cada vez mais se coibia. Para além desse enorme ronco de fins de Agosto, outros se sucederam com grande sucesso. A sua presença nesta zona, de um valor militar insuperável, não permitiu facilitismos ao PAIGC, pois rara era a vez que não tinha contactos com o inimigo, sempre em sua perseguição.
8 de Novembro de 1968: o 8º morto da companhia, o Joaquim Alves
Alguém que ouse escrever esta epopeia da presença dos pára-quedistas em Gandembel, porventura das maiores que a guerra colonial conheceu, e julgo que também omitida. Aos seus principais fautores, que foram homens que por completo lhes perdi o rasto, ainda que hoje ouço soar os seus nomes, como elementos da maior referência nas Forças Armadas, como o Bação Lemos, o Avelar de Sousa, o Almeida Martins, o Terras Marques e outros, só para lhes transmitir que a memória dos meus homens permanece acesa.
De todo o modo, o PAIGC queria demonstrar que estava na liça, e de quando em vez, enviava algumas morteiradas, entre as quais algumas de 120 para nos causar maior susto.
Entretanto, chega o dia 8 de Novembro em que falece o 8º elemento da Companhia, o soldado Joaquim Alves, também da freguesia de Seroa, concelho de Paços de Ferreira. O PAIGC desencadeia fortes ataques aos 2 postos fixos, em simultâneo. Gandembel, sofre 4 ataques nesse dia, todos com grande potencial de fogo, onde se salientou um massivo lançamento de morteiros 120.
O Joaquim Alves, que tentava ajudar a retirar um camarada da exígua parada, é surpreendido pela deflagração de uma morteirada 82, e um minúsculo estilhaço penetra-lhe o coração. O outro companheiro, sofre ferimentos ligeiros. E este foi o último grande ataque sofrido no aquartelamento de Gandembel.
E, passaram-se cerca de 2 semanas, sem qualquer flagelação. E neste clima de maior serenidade, os pára-quedistas abandonam a sua permanência efectiva, não deixando contudo de virem desde Bissau, em desempenho de missões por terrenos que tão bem conheciam. Para nós, era fundamental dar continuidade a estas surtidas, pois que nos sentíamos mais amparados.
E o PAIGC, parecia deixar transparecer que Gandembel deixava de ser um dos seus objectivos principais. E ficávamos inquietos e ansiosos, quando deixava passar alguns dias, sem mostrar a sua presença, pois para nós era prenúncio que talvez andassem a gizar uma outra aventura de maior gabarito.
A época das chuvas a chegar ao fim
Na verdade não foi assim. A época das chuvas terminava, e apenas me recordo que no princípio de Dezembro, fomos num espaço de tempo da ordem de 2 dias consecutivos (mais de 48 horas), prendados com inúmeras detonações de morteiros 82, de um modo muito especial, porquanto eram bastantes espaçadas, com despoletamentos intervalados da ordem dos 10 minutos. E até a bateria de morteiros também denotava que o grau de precisão se tinha adulterado.
(Continua)
Até breve. Um cordial abraço do Idálio Reis.
___________
Notas de L.G.:
(1) Mais uma vez chamo a atenção dos nossos amigos e camaradas de Guiné para a importância excepcional deste documento (inédito) que temos vindo a publicar, da autoria do Idálio Reis. Noutro país, já teria sido publicado em livro e seria seguramente um best-seller, e guião de um filme.
O Idálio Reis e os esquecidos mas heróicos sobreviventes de Gandembel/Balana merecem esta homenagem (pública) de Portugal e dos portugueses. Do lado dos guineenses, deve também prestar-se homenagem à persistência, à determinação, ao génio organizativo, à vontade de vencer e à coragem dos combatentes do PAIGC que pagaram um alto preço pela conquista de Gandembel/Balana, posição abandonada pelos portugueses em Janeiro de 1969.
Gandembel/Balana (1968/69) terá sido a mais silenciosa, prolongada e feroz batalha de toda a guerra, preparando o caminho para a fulgurante ofensiva do PAIGC em Maio/Junho de 1973, contra Guidaje, Guileje e Gadamael... O Idálio contou os ataques e flagelações neste curto tempo (para eles, um eternidade!) em que os homens-toupeira da CCAÇ 2317 construiram Gandembel/Balana, de raíz, com pás e picas, e defenderam-na, com unhas e dentes: mais de três centenas e meia!...
O nosso blogue faz o que pode e deve para dar a conhecer este documento (ou melhor: podia e devia fazer mais pela divulgação deste documento que tem aparecido com alguma descontinuidade ou irregukaridade). Trata-se de um texto memorialístico, extenso, de grande riqueza humana, sociológica e historiográfica, escrito por uma homem dotado de excepcional capacidade de observação e de análise, mas também de serenidade e humanidade (que não mistura a razão e coração), o nosso camarada Idálio Reis, e que é acompanhado de surpreendentes imagens que falam por si. Julgo que a escrita e a fotografia ajudaram o Idálio a sobreviver, fisica e mentalmente, ao pesadelo quotidiano de Gandembel/Balana.
Um dia quando formos à Guiné-Bissau, camaradas, temos a obrigação de lá pôr um ramo de flores, em Gandembel e em Balana, aí onde tantos homens, de um lado e de outro, sofreram e morreram (Do lado do português, pode perguntar-se: Why? Porquê ? Para quê ?).
Se não pudermos lá ir, iremos no mínimo pedir ao Pepito que o faça por nós, e que lá deixe numa árvore esta mensagem... E que não se esqueça de Gandembel/Balana, integrando-as no seu/nosso Projecto Guiledje.
Um forte e comovido abraço para o Idálio Reis e para os demais homens-touopeira, os homens de nervos de aço, da CCAÇ 2317, onde quer que eles estejam.
Vd. posts anteriores:
16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá
9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo
12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel
2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras
9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel
23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço
21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28
(2) Batalhão de Caçadores Pára-quedistas nº 12 > Vd. respectiva página na Net e a sua actuação na Guiné:
(...) "A partir de meados de 1968 e com o General António Spínola como novo Comandante-Chefe na Guiné, o modo de emprego dos Pára-quedistas foi alterado.
"As Companhias do BCP passaram a integrar os então criados Comandos Operacionais (COP) com outras forças militares, sob o comando de um oficial superior. Muitas vezes oficiais Pára-quedistas desempenharam essas funções. As forças eram então empenhadas, durante largos períodos, conjuntamente com as Unidades de quadrícula do Exército. As companhias do BCP 12 foram assim muitas vezes atribuídas de reforço às unidades instaladas junto às fronteiras com o Senegal e a Guiné-Conakry.
"Foram inúmeras as operações desencadeadas neste período: a operação JUPITER, com 4 períodos no corredor de Guileje, no âmbito do COP 2, a operação TITÃO com o COP 6, a operação AQUILES I, com o CAOP 1, a operação TALIÃO, com o COP 7, entre tantas outras, com bons resultados.
"Merece particular destaque a operação JOVE, realizada em Novembro de 1969 com forças das CCP 121 e 122. No dia 18 de Novembro a CCP 122 capturou o Capitão Pedro Rodriguez Peralta, do Exército Cubano, comprovando a ingerência de forças militares estrangeiras na guerra na Guiné.
"Apesar das CCP continuarem a ser atribuídas aos COP que se iam activando consoante as necessidades, o Comando do BCP esforçou-se por continuar a levar a cabo algumas operações independentes, actuando como força de intervenção em exploração de informações obtidas e seria neste tipo de operações que se obtiveram alguns dos melhores resultados do Batalhão.
"Apesar dos esforços a situação na Guiné continua a degradar-se. A pressão que os guerrilheiros vinham exercendo sobre os aquartelamentos no Sul do território começou a dar resultados. Em Maio de 1973 os guerrilheiros desencadeiam fortes ataques a Guileje obrigando mesmo ao abandono do aquartelamento dos militares do Exército. Nas proximidades, Gadamael Porto fica em posição delicada com flagelações frequentes de armas pesadas. A 2 de Junho as CCP 122 e CCP 123 são enviadas para Gadamael, seguindo-se no dia 13 a CCP 121. O próprio comandante do BCP 12, Tenente-Coronel Araújo e Sá tinha assumido o comando das forças que com a guarnição do Exército constituiram o COP 5. A posição de Gadamael Porto é organizada defensivamente com abrigos, trincheiras e espaldões, simultaneamente são desencadeadas acções ofensivas sobre os guerrilheiros. A resistência e a determinação das Tropas Pára-quedistas acabaram por surtir efeito e o ímpeto inimigo foi quebrado - Gadamael Porto não caiu. A 7 de Julho as CCP 121 e 122 regressam a Bissau e a 17 é a vez da CCP 123, a operação DINOSSAURO PRETO tinha terminado" .(...).
Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Agosto/Dezembro de 1968
Foto 406 > "A maior quantidade de armamento capturado num patrulhamento dos paraquedistas [, em 7 de Setembro de 1968]"
Foto > 407 > "O resultado de um outro patrulhamento"
Foto 408 > "Mais outro resultado de uma deambulação pára-quedista".
Um aquartelamento finalizado, que acaba por ser abandonado com pouco mais de 10 meses de construção. E no seu último período, foi possível propiciar alguns momentos de lazer, mercê de alguns melhoramentos complementares.
Foto 401 >" Uma visão exterior do aquartelamento"
Foto > 402 > "Outra panorâmica externa de Gandembel"
Foto 403 > "Um dos melhoramentos de interior: a messe dos oficiais".
Foto 404 > "Alguns recantos para confraternização" .
Foto 405 > "Uma gazela morta numa das armadilhas, oferecerá um belo ágape"
Assunto: Uma longa vida em Gandembel suspensa da decisão do Comandante-Chefe. E ante tantas adversidades, num ápice tudo se esfuma da forma mais indigna: o abandono. Gandembel/Ponte Balana, de 4 de Agosto às vesperas do Natal de 1968.
Caros Luís e demais companheiros Tertulianos:
A catástrofe de 4 de Agosto foi demasiado punitiva e voraz, criando um profundo sentimento de perda. E, atendendo às circunstâncias com que nos deparávamos no quotidiano, reconheci na pungente dor do luto, que a Companhia perdia temperamento e vivacidade, com as vontades a fenecerem.
Fotos e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.
VIII Parte da história da CCAÇ 2317, contada pelo ex-Alf Mil Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1). Texto enviado em 28 de Fevereiro de 200. Continuação (1).
20 de Agosto de 1968: reforço de 2 Gr Comb de Páras (2)
Este desalento, talvez mesmo dilaceração, que parecia propender para a resignação em alguns de nós, não era de bom auspício nesta melindrosa fase em que o PAIGC nos fustigava insidiosa e desmesuradamente.
E porque não se antevia que esta torrente de casos dramáticos pudesse ser sustida, a situação parecia atingir proporções já no limite da sustentabilidade. Sentíamo-nos cada vez mais sós, e enfraquecidos, éramos homens pendentes da incerteza do destino.
Tornava-se urgente inverter esta prostração lânguida e taciturna, que só o Comandante-Chefe, soube ou quis ousar confrontar. António de Spínola, que considero ter sido um dos maiores estrategos da guerra colonial, mas apenas na vertente meramente militar, era um homem fortemente obstinado, e ainda que, com insuficiência no reconhecimento dos díspares contrastes que o chão da Província continha, não conhecedor do poder bélico que o PAIGC detinha e até da situação global das suas próprias forças armadas, faz jogar a última cartada que tinha ao seu alcance.
Incumbe os Pára-quedistas para virem actuar nesta zona, permitindo-lhes que tomassem todas as iniciativas que entendessem como as mais adequadas. E, logo no dia a seguir ao doloroso 4 de Agosto, aterra o seu Comandante de Batalhão [, Ten Cor Pára-Quedista Fausto Pereira Marques (2] ]para se inteirar do que os seus homens viriam a encontrar no interior do aquartelamento de Gandembel.
E, nesse mesmo dia, os subalternos são informados que muito em breve, teríamos ao nosso lado e de forma permanente, 2 grupos de pára-quedistas. E o seu aparecimento surge a 20 de Agosto.
De todo o modo, até à sua vinda definitiva, a Companhia Pára-quedista procurou reconhecer a zona, tomar-lhe o pulso, muito em especial a faixa mais nevrálgica, limitada entre a fronteira e a estrada de Aldeia Formosa para Guileje, fazendo-se deslocar de Bissau em helicópteros, com poisos nas imediações de Gandembel ou Aldeia. Fez mediar um tempo que considerou suficiente para conceber os melhores planos estratégicos a adoptar.
E a partir desse 20 de Agosto, como resultou a participação dos pára-quedistas?
No que nos respeita, creio muito convictamente que a sua acção foi de uma extraordinária valia, revelou-se fundamental para o futuro dos homens da minha Companhia, muito em especial no aspecto anímico, e inclusive conseguiu também criar um clima de muita maior segurança para as demais tropas fixas e móveis, que estavam de algum modo envolvidas com Gandembel.
Indubitavelmente, foi capaz de incutir uma outra serenidade a estes desalentados homens, renovar estados de espírito abalados, sobrepujar contrariedades inúmeras, remoçar réstias de esperança, que se revelaram cruciais no aumento da auto-estima. E esta extraordinária proeza, este feito inigualável, ninguém lhe consegue dar a devida dimensão, tão-só o peso e o testemunho da gratidão dos que o sentiram.
Os pára-quedistas eram, inquestionavelmente, a tropa de elite melhor preparada para este tipo de guerra de guerrilhas, na busca perseverante ao agressor. Os seus elementos eram criteriosamente escolhidos, e após uma cuidada preparação, eram integrados em cada grupo de combate de um modo muito específico, pelo que cada grupo era formado por homens com graus de experiência distintos, e assim um recém-chegado tinha uma fácil inserção na disciplina e no empenho táctico-militares que enformava o grupo.
A presença dos 2 grupos de combate, que se revezavam periodicamente e com uma cadência de ordem mais ou menos quinzenal, e que conviveram connosco mais de 3 meses, também foi fundamental no refortalecimento de uma maior estabilidade, no interior do próprio aquartelamento.
Para além de estarmos mais acompanhados, brotou uma empatia especial entre o pessoal, e recriou-se um outro estádio de segurança. O apoio logístico melhorou de forma bastante substantiva, e começámos a ter mais e melhores víveres, dando azo a que aparecesse um outro tipo de alimentação completamente distinta da de outrora, até complementada por bebidas onde inclusive o afamado vinho canforado quase não faltava.
Foi um período de transcendental importância para a Companhia, sem qualquer margem para dúvidas. E muitos sentimentos agrilhoados foram esconjurados.
Contudo, não se julgue, que Gandembel e Ponte Balana ficaram livres dos ataques e flagelações. Os guerrilheiros do PAIGC continuavam apostados em quererem demonstrar que continuavam presentes, pela sua vontade indómita, a sua persuasão agressiva, a sua garra belicista. Mas, pressentiu-se de uma forma deveras vincada, que o seu comportamento táctico se alterou, com as suas acções a serem bem mais calculadas e cuidadosas, produto de circunstâncias bem adversas, deixando de deambular à vontade, e que lhe refrearam em muito o desmesuramento das suas ambições.
30 de Agosto de 1968: 1 bigrupo destroçado pelos pára-quedistas
O mês trágico de Agosto aproximava-se do fim, com a vinda de Spínola no dia 30. Fá-lo muito provavelmente para registar um acontecimento de grandíloqua façanha, num franco gesto de testemunho, do que se passara na antevéspera.
Os pára-quedistas, logo pela madrugada desse dia de chuva, saem de Gandembel em direcção à fronteira, e mesmo junto desta, detectam a presença de um bigrupo numa situação de inactividade. Circundam-no e desferem-lhe um forte ataque, que o destroça quase por inteiro, e apanham-lhe quase todo o armamento.
E logo, retrocedem a caminho de Gandembel. No entanto, outros grupos de guerrilheiros que estavam do outro lado da fronteira, vêm ao seu encalço, e perseguem acirradamente os pára-quedistas, montando-lhes emboscadas após emboscadas. Estes, com um efectivo diminuto para as circunstâncias que se lhes deparavam a cada momento, ripostaram conforme podiam, causando-lhes mais baixas, mas 2 dos seus briosos militares perdem a vida.
Numa mera operação de patrulhamento, e ante tão-só com apenas 2 grupos de combate em acção, o PAIGC sofre em termos de perda de efectivos, talvez a mais humilhante e significativa derrota desde sempre.
E ao recordar esse dia, vejo um grupo de militares bastante pesarosos, a entrarem em Gandembel, alquebrados pelo peso dos companheiros que tiveram que ser transportados e do armamento capturado. E reconheci mais uma vez, que a guerra que se travava naqueles sítios, desaguava na brutalidade da ingratidão, à custa de vontades indómitas, de porfiados esforços, de abnegações acrisoladas.
7 de Setembro de 1968: a estreia do temível morteiro 120
O mês de Setembro surge entretanto, e na sua 1ª quinzena, o aquartelamento de Gandembel foi sujeito a 2 fortes ataques.
Antes do alvorecer do dia 7, o PAIGC fez-se aproximar, mas a uma distância já relativamente mais afastada (para além da estrada), fortemente armado e empreende uma acção de duplo efeito, primeiramente na base de armamento ligeiro, para fazer incidir depois vários RPG-7 e morteiros 82.
Pela primeira vez, surge um outro tipo de estampido mais forte, proveniente de morteiros, quer na saída após percussão, quer na deflagração em contacto com o solo. Mais tarde, chegaríamos à conclusão que mais uma outra arma se apresentava no arsenal bélico inimigo, chamado morteiro 120.
Uns dias mais tarde, a 11 de Setembro e a partir das 18 horas, o inimigo lança mais um outro ataque, com base essencialmente em lança-rockets. Já em plena noite e próximo ao alvorecer, faz incidir um outro ataque similar ao perpetrado no dia 7, com um maior efectivo e ainda mais incisivo, e com o maior lançamento de sempre de granadas de morteiro 120.
Estes 2 ataques e o forte poder bélico posto em jogo, contêm um nítido sinal de vingança, que felizmente não representaram qualquer dano para os efectivos sitiados. De referir, que o PAIGC se podia certificar facilmente do grau de sucesso que um ataque podia causar, pelo número de helicópteros que vinham a aterrar a fim de procederem às evacuações. E do resultado destas 2 refregas, nenhuma destas aeronaves aterrou. E até este aspecto, beliscava no comportamento e nos objectivos que o PAIGC urdira para esta zona.
Entretanto, já há algum tempo, a partir dos inícios de Agosto, em ataques de curta duração de morteiros 82, vínhamos reconhecendo que as granadas deflagravam cada vez mais próximo das casernas, ou seja, tudo indiciava que a bateria de morteiros parecia ter assestado de vez, a sua pontaria. Nesses 2 fortes ataques, há 3 granadas que caem dentro do aquartelamento, uma das quais em cima de uma caserna-abrigo, sem provocarem quaisquer consequências.
E assim mais 2 novos factos se revelavam, e que causavam um forte motivo de preocupação: a utilização dos morteiros 120 e a incontestada aproximação das granadas do 82. Para quem teve a possibilidade de ver os efeitos desta granada 120, direi que a grande diferença que a distava das 82, é que, para além da sua óbvia potência de deflagração, tinha um poder de penetração enorme e com efeito retardatário. A granada penetrava no solo profundamente, e só então deflagrava, remexendo todo o solo num círculo de um raio de cerca de 3 a 4 metros. Ainda que 2 destas das granadas caíssem dentro do aquartelamento, felizmente sem consequências, julgo que as casernas-abrigo não apresentavam um grau de compactação bastante, para aguentar com este tipo de munições.
PAIGC: pontaria cada vez mais certeira, utilizando postos avançados com rádio
Quanto à aproximação das granadas de calibre 82, viria a ser encontrada a razão para tal, em resultado de mais um patrulhamento dos pára-quedistas, e que teve lugar no dia 15 de Setembro. Um fio condutor, com uma das pontas muito próximo a Gandembel, foi encontrado, e foi sendo enovelado mesmo até à fronteira; foi trazido em 2 grandes rolos. Este fio, servia tão-só para que um elemento avançado que se postava sobre uma árvore de grande porte e que claramente possibilitava uma boa visão do aquartelamento, prestasse informações via rádio-telefone, aos apontadores da bateria de morteiros que estava posicionada em plena Guiné-Conacri, a poucos metros da fronteira.
A argúcia e a sageza do inimigo, comprovavam-se também nestas ciladas ardilosas. Mas o desfeito deste sofisticado propósito, continha em si, mais uma forte ceifada nas suas desmedidas ambições. E o PAIGC, ante todas estas afrontas e ao fazer uso desses ataques de grande envergadura, reconhecendo que as NT não são atingidas, sente que a sua hegemonia vem sofrendo fortes reveses, e começa a denotar medo de a perder, e resguarda-se cada vez mais. Talvez mesmo, retire efectivos para outras frentes, deixando obviamente um contingente para quaisquer eventualidades que pudessem bem surtir.
O nosso destino nas mãos de um homem obstinado, Spínola
E Spínola parecia viver em sincronia com o pulsar das vivências de Gandembel, pois que neste mesmo dia se digna mais uma vez nos visitar. E este posicionamento do Comandante-Chefe causa-me alguma perplexidade. Se, associo os acontecimentos de 4 de Agosto, a uma tomada de posição pelo abandono, será que passados 40 dias, propende para uma outra de cariz bem diferente?
Julgo hoje, que o dossiê Gandembel/Ponte Balana, o agarrou a mão firme, e qualquer destino a reservar, estava suspenso de uma única decisão: a sua.
E a vida em Gandembel continuava muito mais calma e tranquila, com a Companhia na manutenção dos 2 postos e a prestar-lhes todo o apoio logístico; também fazia as suas deambulações, vigiando o Balana e o Changue-Iaia.
Por sua vez, os pára-quedistas continuavam a assumir os seus patrulhamentos, com muita assiduidade, procurando sempre ir ao encontro de eventuais alojamentos do inimigo. E mais algumas vezes se deparou com alguns grupos, causando-lhes acentuadas baixas, capturando-lhe muito e diverso tipo de armamento. Eram militares com objectivos bem claros e precisos, jamais se furtando à luta, firme e persistentemente.
E o PAIGC, suspicazmente, tomou consciência plena desta forma de actuação, e a sua movimentação cada vez mais se coibia. Para além desse enorme ronco de fins de Agosto, outros se sucederam com grande sucesso. A sua presença nesta zona, de um valor militar insuperável, não permitiu facilitismos ao PAIGC, pois rara era a vez que não tinha contactos com o inimigo, sempre em sua perseguição.
8 de Novembro de 1968: o 8º morto da companhia, o Joaquim Alves
Alguém que ouse escrever esta epopeia da presença dos pára-quedistas em Gandembel, porventura das maiores que a guerra colonial conheceu, e julgo que também omitida. Aos seus principais fautores, que foram homens que por completo lhes perdi o rasto, ainda que hoje ouço soar os seus nomes, como elementos da maior referência nas Forças Armadas, como o Bação Lemos, o Avelar de Sousa, o Almeida Martins, o Terras Marques e outros, só para lhes transmitir que a memória dos meus homens permanece acesa.
De todo o modo, o PAIGC queria demonstrar que estava na liça, e de quando em vez, enviava algumas morteiradas, entre as quais algumas de 120 para nos causar maior susto.
Entretanto, chega o dia 8 de Novembro em que falece o 8º elemento da Companhia, o soldado Joaquim Alves, também da freguesia de Seroa, concelho de Paços de Ferreira. O PAIGC desencadeia fortes ataques aos 2 postos fixos, em simultâneo. Gandembel, sofre 4 ataques nesse dia, todos com grande potencial de fogo, onde se salientou um massivo lançamento de morteiros 120.
O Joaquim Alves, que tentava ajudar a retirar um camarada da exígua parada, é surpreendido pela deflagração de uma morteirada 82, e um minúsculo estilhaço penetra-lhe o coração. O outro companheiro, sofre ferimentos ligeiros. E este foi o último grande ataque sofrido no aquartelamento de Gandembel.
E, passaram-se cerca de 2 semanas, sem qualquer flagelação. E neste clima de maior serenidade, os pára-quedistas abandonam a sua permanência efectiva, não deixando contudo de virem desde Bissau, em desempenho de missões por terrenos que tão bem conheciam. Para nós, era fundamental dar continuidade a estas surtidas, pois que nos sentíamos mais amparados.
E o PAIGC, parecia deixar transparecer que Gandembel deixava de ser um dos seus objectivos principais. E ficávamos inquietos e ansiosos, quando deixava passar alguns dias, sem mostrar a sua presença, pois para nós era prenúncio que talvez andassem a gizar uma outra aventura de maior gabarito.
A época das chuvas a chegar ao fim
Na verdade não foi assim. A época das chuvas terminava, e apenas me recordo que no princípio de Dezembro, fomos num espaço de tempo da ordem de 2 dias consecutivos (mais de 48 horas), prendados com inúmeras detonações de morteiros 82, de um modo muito especial, porquanto eram bastantes espaçadas, com despoletamentos intervalados da ordem dos 10 minutos. E até a bateria de morteiros também denotava que o grau de precisão se tinha adulterado.
(Continua)
Até breve. Um cordial abraço do Idálio Reis.
___________
Notas de L.G.:
(1) Mais uma vez chamo a atenção dos nossos amigos e camaradas de Guiné para a importância excepcional deste documento (inédito) que temos vindo a publicar, da autoria do Idálio Reis. Noutro país, já teria sido publicado em livro e seria seguramente um best-seller, e guião de um filme.
O Idálio Reis e os esquecidos mas heróicos sobreviventes de Gandembel/Balana merecem esta homenagem (pública) de Portugal e dos portugueses. Do lado dos guineenses, deve também prestar-se homenagem à persistência, à determinação, ao génio organizativo, à vontade de vencer e à coragem dos combatentes do PAIGC que pagaram um alto preço pela conquista de Gandembel/Balana, posição abandonada pelos portugueses em Janeiro de 1969.
Gandembel/Balana (1968/69) terá sido a mais silenciosa, prolongada e feroz batalha de toda a guerra, preparando o caminho para a fulgurante ofensiva do PAIGC em Maio/Junho de 1973, contra Guidaje, Guileje e Gadamael... O Idálio contou os ataques e flagelações neste curto tempo (para eles, um eternidade!) em que os homens-toupeira da CCAÇ 2317 construiram Gandembel/Balana, de raíz, com pás e picas, e defenderam-na, com unhas e dentes: mais de três centenas e meia!...
O nosso blogue faz o que pode e deve para dar a conhecer este documento (ou melhor: podia e devia fazer mais pela divulgação deste documento que tem aparecido com alguma descontinuidade ou irregukaridade). Trata-se de um texto memorialístico, extenso, de grande riqueza humana, sociológica e historiográfica, escrito por uma homem dotado de excepcional capacidade de observação e de análise, mas também de serenidade e humanidade (que não mistura a razão e coração), o nosso camarada Idálio Reis, e que é acompanhado de surpreendentes imagens que falam por si. Julgo que a escrita e a fotografia ajudaram o Idálio a sobreviver, fisica e mentalmente, ao pesadelo quotidiano de Gandembel/Balana.
Um dia quando formos à Guiné-Bissau, camaradas, temos a obrigação de lá pôr um ramo de flores, em Gandembel e em Balana, aí onde tantos homens, de um lado e de outro, sofreram e morreram (Do lado do português, pode perguntar-se: Why? Porquê ? Para quê ?).
Se não pudermos lá ir, iremos no mínimo pedir ao Pepito que o faça por nós, e que lá deixe numa árvore esta mensagem... E que não se esqueça de Gandembel/Balana, integrando-as no seu/nosso Projecto Guiledje.
Um forte e comovido abraço para o Idálio Reis e para os demais homens-touopeira, os homens de nervos de aço, da CCAÇ 2317, onde quer que eles estejam.
Vd. posts anteriores:
16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá
9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo
12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel
2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras
9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel
23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço
21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28
(2) Batalhão de Caçadores Pára-quedistas nº 12 > Vd. respectiva página na Net e a sua actuação na Guiné:
(...) "A partir de meados de 1968 e com o General António Spínola como novo Comandante-Chefe na Guiné, o modo de emprego dos Pára-quedistas foi alterado.
"As Companhias do BCP passaram a integrar os então criados Comandos Operacionais (COP) com outras forças militares, sob o comando de um oficial superior. Muitas vezes oficiais Pára-quedistas desempenharam essas funções. As forças eram então empenhadas, durante largos períodos, conjuntamente com as Unidades de quadrícula do Exército. As companhias do BCP 12 foram assim muitas vezes atribuídas de reforço às unidades instaladas junto às fronteiras com o Senegal e a Guiné-Conakry.
"Foram inúmeras as operações desencadeadas neste período: a operação JUPITER, com 4 períodos no corredor de Guileje, no âmbito do COP 2, a operação TITÃO com o COP 6, a operação AQUILES I, com o CAOP 1, a operação TALIÃO, com o COP 7, entre tantas outras, com bons resultados.
"Merece particular destaque a operação JOVE, realizada em Novembro de 1969 com forças das CCP 121 e 122. No dia 18 de Novembro a CCP 122 capturou o Capitão Pedro Rodriguez Peralta, do Exército Cubano, comprovando a ingerência de forças militares estrangeiras na guerra na Guiné.
"Apesar das CCP continuarem a ser atribuídas aos COP que se iam activando consoante as necessidades, o Comando do BCP esforçou-se por continuar a levar a cabo algumas operações independentes, actuando como força de intervenção em exploração de informações obtidas e seria neste tipo de operações que se obtiveram alguns dos melhores resultados do Batalhão.
"Apesar dos esforços a situação na Guiné continua a degradar-se. A pressão que os guerrilheiros vinham exercendo sobre os aquartelamentos no Sul do território começou a dar resultados. Em Maio de 1973 os guerrilheiros desencadeiam fortes ataques a Guileje obrigando mesmo ao abandono do aquartelamento dos militares do Exército. Nas proximidades, Gadamael Porto fica em posição delicada com flagelações frequentes de armas pesadas. A 2 de Junho as CCP 122 e CCP 123 são enviadas para Gadamael, seguindo-se no dia 13 a CCP 121. O próprio comandante do BCP 12, Tenente-Coronel Araújo e Sá tinha assumido o comando das forças que com a guarnição do Exército constituiram o COP 5. A posição de Gadamael Porto é organizada defensivamente com abrigos, trincheiras e espaldões, simultaneamente são desencadeadas acções ofensivas sobre os guerrilheiros. A resistência e a determinação das Tropas Pára-quedistas acabaram por surtir efeito e o ímpeto inimigo foi quebrado - Gadamael Porto não caiu. A 7 de Julho as CCP 121 e 122 regressam a Bissau e a 17 é a vez da CCP 123, a operação DINOSSAURO PRETO tinha terminado" .(...).
Guiné 63/74 - P1934: Mansoa era uma vila lindíssima, um jardim (Germano Santos)
Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1968 > Um periquito do coração da Guiné, o Alf Mil Raposo, da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 (1968/70).
Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados.
1. Texto do Germano Santos , nosso novo tertuliano (1)....
Luís:
Obrigado pelo teu e-mail e pela possibilidade que me concedes de poder integrar a tertúlia da nossa aventura africana.
Através do meu contacto contigo já recebi notícias do camarada César Dias, do Concelho de Torres Novas.
Nunca fui a Bambadinca, o mais perto que estive foi na estrada que liga o Jugudul a Bambadinca.
Mansoa era uma vila lindíssima nos anos 70, chamávamos-lhe o jardim da Guiné, tal era a quantidade de flores e árvores que ali existiam. Não tínhamos abrigos, ali era pressuposto não haver guerra.
O Spínola levava lá constantemente jornalistas estrangeiros para verificarem in loco que a Guiné não estava ocupada e que ali se vivia bem. Estas visitas eram feitas durante o dia; à noite, de vez em quando, lá estávamos nós a embrulhar, sem a presença dos jornalistas.
Tínhamos um cinema que passava constantemente filmes para a tropa e para a população; tínhamos um razoável (naquele lugar diria excelente) restaurante, propriedade de um Snr. Simões, antigo soldado que por lá ficou e montou esse negócia com a mulher.
Enfim, não estávamos mal de todo, havia bem pior, mas bem pior na Guiné. É certo que tínhamos também perto de nós um potencial perigo, a mata de Morés, onde a nossa tropa dificilmente entrava e onde as bombas largadas pela nossa aviação ficavam nas copas das árvores. Aqui o PAIGC vivia com alguma tranquilidade, os seus elementos ali possuíam, segundo me era relatado, escolas e hospitais subterrâneos (2).
Era dali, do Morés, que quase sempre partiam os ataques a Mansoa, nomeadamente com os mísseis 122.
Este é um primeiro contacto. Posteriormente darei mais noticias e enviarei fotos.
Já divulguei o blogue por alguns camaradas meus do BCAÇ 3832, espero que eles também comecem a participar.
Um grande abraço e prometo voltar com outras histórias e com uma análise de como encontrei a Guiné em 1998.
Germano Santos
2. Comentário de L.G.: Germano: Dou-me conta, consultando os nosso arquivos, que temos poucas fotos de Mansoa do teu/nosso tempo, muito embora vários camaradas da nossa tertúlia tenham lá passado ou estado em diferentes épocas... Tens algumas fotografias dessa simpática vila do tempo colonial ? Fico a aguardar. Fala-nos também do quotidiano, da vida das pessoas em Mansoa. Se a memória te ajudar...
_______________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1814: Tabanca Grande (8): Apresenta-se o Operador Cripto da CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832 (Mansoa, 1970/73) , Germano Santos
11 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1835: Tabanca Grande (10): Germano Santos, ex-1º Cabo Op Cripto, CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73
12 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1840: A trágica história dos sapadores Alho e Fernandes da CCS do BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73 (César Dias / Gerrmano Santos)
(2) Vd. post de 4 de Julho de 2007
Guiné 63/74 - P1920: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (3): O mítico Morés
Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados.
1. Texto do Germano Santos , nosso novo tertuliano (1)....
Luís:
Obrigado pelo teu e-mail e pela possibilidade que me concedes de poder integrar a tertúlia da nossa aventura africana.
Através do meu contacto contigo já recebi notícias do camarada César Dias, do Concelho de Torres Novas.
Nunca fui a Bambadinca, o mais perto que estive foi na estrada que liga o Jugudul a Bambadinca.
Mansoa era uma vila lindíssima nos anos 70, chamávamos-lhe o jardim da Guiné, tal era a quantidade de flores e árvores que ali existiam. Não tínhamos abrigos, ali era pressuposto não haver guerra.
O Spínola levava lá constantemente jornalistas estrangeiros para verificarem in loco que a Guiné não estava ocupada e que ali se vivia bem. Estas visitas eram feitas durante o dia; à noite, de vez em quando, lá estávamos nós a embrulhar, sem a presença dos jornalistas.
Tínhamos um cinema que passava constantemente filmes para a tropa e para a população; tínhamos um razoável (naquele lugar diria excelente) restaurante, propriedade de um Snr. Simões, antigo soldado que por lá ficou e montou esse negócia com a mulher.
Enfim, não estávamos mal de todo, havia bem pior, mas bem pior na Guiné. É certo que tínhamos também perto de nós um potencial perigo, a mata de Morés, onde a nossa tropa dificilmente entrava e onde as bombas largadas pela nossa aviação ficavam nas copas das árvores. Aqui o PAIGC vivia com alguma tranquilidade, os seus elementos ali possuíam, segundo me era relatado, escolas e hospitais subterrâneos (2).
Era dali, do Morés, que quase sempre partiam os ataques a Mansoa, nomeadamente com os mísseis 122.
Este é um primeiro contacto. Posteriormente darei mais noticias e enviarei fotos.
Já divulguei o blogue por alguns camaradas meus do BCAÇ 3832, espero que eles também comecem a participar.
Um grande abraço e prometo voltar com outras histórias e com uma análise de como encontrei a Guiné em 1998.
Germano Santos
2. Comentário de L.G.: Germano: Dou-me conta, consultando os nosso arquivos, que temos poucas fotos de Mansoa do teu/nosso tempo, muito embora vários camaradas da nossa tertúlia tenham lá passado ou estado em diferentes épocas... Tens algumas fotografias dessa simpática vila do tempo colonial ? Fico a aguardar. Fala-nos também do quotidiano, da vida das pessoas em Mansoa. Se a memória te ajudar...
_______________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1814: Tabanca Grande (8): Apresenta-se o Operador Cripto da CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832 (Mansoa, 1970/73) , Germano Santos
11 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1835: Tabanca Grande (10): Germano Santos, ex-1º Cabo Op Cripto, CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73
12 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1840: A trágica história dos sapadores Alho e Fernandes da CCS do BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73 (César Dias / Gerrmano Santos)
(2) Vd. post de 4 de Julho de 2007
Guiné 63/74 - P1920: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (3): O mítico Morés
sábado, 7 de julho de 2007
Guiné 63/74 - P1933: Questões politicamente (in)correctas (30): os cordeiros e os lobos de Mueda ou a adrenalina da guerra (Luís Graça)
1. Mensagem do Luís Graça que raramente tem tempo e vagar para escrever as suas coisas pessoais neste blogue colectivo de que é editor. Hoje invoca outro estatuto, fazendo publicar um comentário, pessoalíssimo, sobre o conteúdo de um post do Tino Neves (1).
Quem terá sido o grafiteiro (avant la lettre...) que escreveu em 1968/70: "Em Mueda, os cordeiros que chegam, são lobos que saem" ? (1)
É um pensamento que é válido para todas as situações de guerra. Os jovens, quase imberbes, os meninos de sua mãe (como escreveu o grande Pessoa) (2), que chegam à frente de batalha, ainda são cordeiros, inocentes, virgens, imaculados... O horror, a violência da guerra, o matadouro, irão transformá-los em lobos, em duros, em violentos, em conspurcados... Não necessariamente predadores, assassinos, criminosos... (que é o estereótipo que o ser humano ainda guarda do pobre do lobo mau... do Capuchinho Vermelho!).
Mas há, seguramente, uma perda de inocência: nenhum de nós foi para a Guiné e veio de lá impunemente, igual... Os nossos amigos e familiares deram conta disso: já não éramos os mesmos, nunca mais fomos os mesmos...
Acho que é isto que o inspirado autor do mural quis dizer. É claro que há também aqui a dose habitual de bravata e de fanfarronice: é uma frase para intimidar os checas, os piras, os maçaricos, os novatos...
Também os militares, profissão de risco, têm a sua ideologia defensiva, as suas crenças, os seus talismãs, os seus mesinhos (usavam-nos os guerrilheiros na Guiné, em Angola, em Moçambique, não obstante a sua formação racionalista, marxista-leninista, dita revolucionária)... A bravata e a fanfarronice, além das praxes e do álcool, ajudavam-nos, a todos nós, a lidar com o medo, as situações-limite, a morte, o sofrimento, físico e moral, a impotência, o desespero…
Não há, nunca houve, super-homens, super-heróis: há apenas deuses, que inventámos, à nossa imagem e semelhança, e para quem transferimos qualidades e defeitos humanos... Que, aliás, inventamos todos os dias (no cinema, na internet, na televisão, nos jogos de vídeo) … Precisamos dos mitos, das lendas, da efabulação, do pensamento mágico, mesmo sob a roupagem (enganadora, falsamente securizante) da ciência e da tecnologia.
Daniel Roxo (1) deve funcionar, para os nostálgicos do paraíso perdido do apartheid (Moçambique, Rodésia, África do Sul...), como o Che Guevara que (ainda) funciona como um ícone, tanto para os jovens sem ideologia de hoje, como para os cotas, os seus pais e tios, os velhos revolucionários românticos que queriam, nos anos 60 e 70, incendiar o mundo, criando um, dois, três, muitos Vietnames!...
Há homens que são incapazes de deixar de combater...Mesmo, no limiar da decadência física, a adrenalina da guerra é mais forte que a razão... É um pulsão fortíssima. O que terá levado este e outros compatriotas nossos a alistar-se nas forças especiais do regime racista da África do Sul e a morrer em Angola por uma pátria que não era a sua ? Poderei perguntar o mesmo em relação aos cubanos que morreram, longe de casa, em Angola (mas também na Guiné).
Dir-me-ão que lutavam por um mundo em que acreditavam, por uma bandeira, por uma causa que era a sua razão de vida... Outros dirão ainda que eram simples mercenários... Sou céptico: o ser humano é motivacionalmente muito complexo e manipulável... Creio que a guerra também pode ser viciante, havendo homens que nela entram e dela nunca mais saem... A guerra pode até ser uma forma (heróica) de suicídio. E há estóorias de homens que, escapando vivos da guerra, não sobrevivem à paz...
__________
Nota de L.G.:
(1) Vds. post de 6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1928: Estórias de vida (3): Sérgio Neves, meu irmão: em Moçambique, o Mercenário, amigo do lendário Daniel Roxo (Tino Neves)
(2) É, de facto, um dos mais belos poemas da poesia universal de todos os tempos:
O Menino da sua Mãe
por Fernando Pessoa (126)
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado-,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue,
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho unico, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
O menino de sua mãe.
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve
Dera-lhe a mãe. Está inteira,
É boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
Que volte cedo, e bem!
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino de sua mãe.
Guiné 63/74 - P1932: Relembrando o 1º cabo Pires, morto em Missirá (1967), e o Alf Mil Luís Zagalo, herói e ferrabrás do Enxalé (Beja Santos)
Mensagem de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), comentando, por sua vez, o Henrique Matos, que foi o 1º Cmdt do 52
Meu querido 1º Comandante, obrigado pela tua epístola (1). O comboio de afectos está em andamento. Convém que não te esqueças de nada, todos ganharemos com a tua memória avivada e a riqueza de pormenores. Por exemplo, falares da composição do Pel Caç Nat 52 e da Companhia de Polícia Móvel.
A seu tempo entrarás em contacto com o Queta e o Cherno (são hoje portugueses, temos gente falecida, desaparecida, perderam-se endereços, com o tempo o blogue operará milagres). Duas informações por ora:
A primeira, relaciona-se com o 1º Cabo Pires, que morreu numa emboscada, creio em 1967, à saída de Missirá, perto de Mato Madeira. No monumento que dedicámos aos nossos mortos, o seu nome constava, prestamos-lhe essa homenagem;
A segunda, refere-se ao temível Luis Zagalo Matos. Mantive com ele correspondência enquanto estive em Missirá (2), onde o seu nome era adorado como herói e ferrabrás.
É hoje actor de teatro (3), quando veio da Guiné trabalhou com a família num armazém ali para a zona de Santos, creio que não chegou a acabar o seu curso de Letras. Ele estava ligado, como sabes, à Companhia do Enxalé que precedeu a chegada do 52 a Missirá. Temos obrigação de trazer o Zagalo para dentro do blogue.
Sem mais por ora, recebe um abraço do Mário.
_____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 30 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1901: O Pel Caç Nat 52 que eu comandei em 1966 (Bolama, Enxalé, Porto Gole) (Henrique Matos)
(2) Vd. posts de:
30 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1637: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (40): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (2)
Carta para Luís Zagalo Matos
(...) "Estimado Luís Zagalo:
"Obrigado pela sua carta. Li-a aos homens de Missirá, riam e batiam as palmas de contentamento por saber que não esqueceu este povo. Vou tirar fotografias e mandar-lhe. Tenho aqui um soldado que insistiu em contar-me as suas façanhas, ele estava de sentinela e durante horas ouvi falar de si, arrumando ideias sobre o princípio da guerra e o seu desenvolvimento até hoje.
"Os meus soldados estavam em Enxalé ao tempo em que aqui havia uma companhia, a que V. pertencia. O pelotão 54 estava em Porto Gole, o 52 acabava de chegar a Enxalé. V. estava destacado em Missirá e fazia frequentemente o percurso com dois Unimogs e um jipe, reabastecia-se no Enxalé. Até ao dia em que uma mina anticarro mudou tudo, na curva de Canturé em ligação com a estrada ao pé de Gambana.
"Este meu soldado, de nome Queta, contou-me que um furriel ficou tão despedaçado que foram buscar as pernas a uma árvore. Para este povo V. é um herói porque conhecia toda esta região, era destemido e amigo de ajudar. O Queta não é para intrigas, baixou a voz e disse-me "Nosso alfero, Zagalo ia a toda a parte mas tinha medo de ir ao Gambiel, pois naquela altura as tropas portuguesas abandonaram os quartéis em Mansomine e Joladu, só ficou Geba". Como não lhe quero tirar os méritos, estou inteiramente à sua disposição para o levar ao Gambiel, se este episódio for importante para que o seu nome se torne numa lenda.
"Por aqui, chegou a minha vez de ter o quartel incendiado e de estar a viver as maiores dificuldades. Mas não vou incomodá-lo mais com esta guerra, fico feliz por saber que V. foi colega da Cristina. Como não irei a Portugal tão cedo, e se for possível ajudar-me peço-lhe que lhe telefone e lhe fale desta guerra, desdramatizando o que é possível desdramatizar.
"Prometo mandar-lhe as fotografias em breve, não espero ir ao Enxalé mas vou mandar fotografias do Geba e dos palmeirais à hora do pôr do Sol. Se lhe for possível, na resposta mande-em uma fotografia sua para eu entregar ao régulo. Só fiquei triste em saber que V. nunca mais teve um sono completo e que tem pesadelos quando se lembra dos momentos trágicos que passou. Desejo que recupere e peço-lhe por tudo que me dê companhia, pois os amigos de Missirá meus amigos são. Até breve" (...).
(3) Não sei se é o mesmo que, numa feita na Net, através do Google, aparece associado a produções teatrais do Tozé Martinho (n. 1947). Segundo a Wikipédia, Luís Zagalo é um actor português com uma carreira no teatro, na televisão e no cinema. Em 1993 participou na telenovela "A Banqueira do Povo", em 2001 em "Olhos de Água", em 2003 em "Morangos com Açúcar" e em 2006 em "Floribella". Também fez parte do elenco das peças de teatro cómicas: "Pijama para 6" e "Uma cama para 7".
Meu querido 1º Comandante, obrigado pela tua epístola (1). O comboio de afectos está em andamento. Convém que não te esqueças de nada, todos ganharemos com a tua memória avivada e a riqueza de pormenores. Por exemplo, falares da composição do Pel Caç Nat 52 e da Companhia de Polícia Móvel.
A seu tempo entrarás em contacto com o Queta e o Cherno (são hoje portugueses, temos gente falecida, desaparecida, perderam-se endereços, com o tempo o blogue operará milagres). Duas informações por ora:
A primeira, relaciona-se com o 1º Cabo Pires, que morreu numa emboscada, creio em 1967, à saída de Missirá, perto de Mato Madeira. No monumento que dedicámos aos nossos mortos, o seu nome constava, prestamos-lhe essa homenagem;
A segunda, refere-se ao temível Luis Zagalo Matos. Mantive com ele correspondência enquanto estive em Missirá (2), onde o seu nome era adorado como herói e ferrabrás.
É hoje actor de teatro (3), quando veio da Guiné trabalhou com a família num armazém ali para a zona de Santos, creio que não chegou a acabar o seu curso de Letras. Ele estava ligado, como sabes, à Companhia do Enxalé que precedeu a chegada do 52 a Missirá. Temos obrigação de trazer o Zagalo para dentro do blogue.
Sem mais por ora, recebe um abraço do Mário.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 30 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1901: O Pel Caç Nat 52 que eu comandei em 1966 (Bolama, Enxalé, Porto Gole) (Henrique Matos)
(2) Vd. posts de:
30 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1637: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (40): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (2)
Carta para Luís Zagalo Matos
(...) "Estimado Luís Zagalo:
"Obrigado pela sua carta. Li-a aos homens de Missirá, riam e batiam as palmas de contentamento por saber que não esqueceu este povo. Vou tirar fotografias e mandar-lhe. Tenho aqui um soldado que insistiu em contar-me as suas façanhas, ele estava de sentinela e durante horas ouvi falar de si, arrumando ideias sobre o princípio da guerra e o seu desenvolvimento até hoje.
"Os meus soldados estavam em Enxalé ao tempo em que aqui havia uma companhia, a que V. pertencia. O pelotão 54 estava em Porto Gole, o 52 acabava de chegar a Enxalé. V. estava destacado em Missirá e fazia frequentemente o percurso com dois Unimogs e um jipe, reabastecia-se no Enxalé. Até ao dia em que uma mina anticarro mudou tudo, na curva de Canturé em ligação com a estrada ao pé de Gambana.
"Este meu soldado, de nome Queta, contou-me que um furriel ficou tão despedaçado que foram buscar as pernas a uma árvore. Para este povo V. é um herói porque conhecia toda esta região, era destemido e amigo de ajudar. O Queta não é para intrigas, baixou a voz e disse-me "Nosso alfero, Zagalo ia a toda a parte mas tinha medo de ir ao Gambiel, pois naquela altura as tropas portuguesas abandonaram os quartéis em Mansomine e Joladu, só ficou Geba". Como não lhe quero tirar os méritos, estou inteiramente à sua disposição para o levar ao Gambiel, se este episódio for importante para que o seu nome se torne numa lenda.
"Por aqui, chegou a minha vez de ter o quartel incendiado e de estar a viver as maiores dificuldades. Mas não vou incomodá-lo mais com esta guerra, fico feliz por saber que V. foi colega da Cristina. Como não irei a Portugal tão cedo, e se for possível ajudar-me peço-lhe que lhe telefone e lhe fale desta guerra, desdramatizando o que é possível desdramatizar.
"Prometo mandar-lhe as fotografias em breve, não espero ir ao Enxalé mas vou mandar fotografias do Geba e dos palmeirais à hora do pôr do Sol. Se lhe for possível, na resposta mande-em uma fotografia sua para eu entregar ao régulo. Só fiquei triste em saber que V. nunca mais teve um sono completo e que tem pesadelos quando se lembra dos momentos trágicos que passou. Desejo que recupere e peço-lhe por tudo que me dê companhia, pois os amigos de Missirá meus amigos são. Até breve" (...).
(3) Não sei se é o mesmo que, numa feita na Net, através do Google, aparece associado a produções teatrais do Tozé Martinho (n. 1947). Segundo a Wikipédia, Luís Zagalo é um actor português com uma carreira no teatro, na televisão e no cinema. Em 1993 participou na telenovela "A Banqueira do Povo", em 2001 em "Olhos de Água", em 2003 em "Morangos com Açúcar" e em 2006 em "Floribella". Também fez parte do elenco das peças de teatro cómicas: "Pijama para 6" e "Uma cama para 7".
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