Colocado com alf mil de secretaria num CAOP1 (Mansoa), o António Graça de Abreu estava relativamente bem colocado para ir sabendo das novas da guerra... Muito melhor colocado do que qualquer um de nós, que fomos operacionais mas atuámos sobretudo a nível de setor ou subsetor, com uma visão necessariamente fragmentada e parcelar da situação operacional e político-militar...
Este documento diarístico vale também, para a historiografia da guerra colonial na Guiné, por nos dar uma outra visão, e aliás bastante interessante, a do estado de espírito ou do moral das nossas NT... Neste caso há referência explícita a tropas especiais, uma companhia do BCP 12 que regressa de Guidaje, e a 38ª CCmds (adida ao CAOP1) que parte para Guidaje...
Amigos e camaradas, leitores do nosso blogue: O "inferno de Guidaje" começou justamente a 8 de maio de 1973, faz agora 39 anos... Dizem os historiógrafos militares Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes que a operação de auxílio a Guidaje, reabastecimento e contra-ofensiva durou um mês (de 8 de maio a 8 de junho de 1973), e envolveu mais de mil homens das NT (na sua maioria, tropas especiais, comandos, fuzileiros e paraquedistas). Nunca é de mais evocarmos, nestas efemérides, o pesado sacrifício que foi pago pelos combatentes, de um lado e de outro, envolvidos nesta e noutras batalhas sangrentas da Guiné, ligadas a topónimos estranhamente começados por G (Guidaje, Guileje, Gadamael, Gandembel)...
Este documento diarístico vale também, para a historiografia da guerra colonial na Guiné, por nos dar uma outra visão, e aliás bastante interessante, a do estado de espírito ou do moral das nossas NT... Neste caso há referência explícita a tropas especiais, uma companhia do BCP 12 que regressa de Guidaje, e a 38ª CCmds (adida ao CAOP1) que parte para Guidaje...
Amigos e camaradas, leitores do nosso blogue: O "inferno de Guidaje" começou justamente a 8 de maio de 1973, faz agora 39 anos... Dizem os historiógrafos militares Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes que a operação de auxílio a Guidaje, reabastecimento e contra-ofensiva durou um mês (de 8 de maio a 8 de junho de 1973), e envolveu mais de mil homens das NT (na sua maioria, tropas especiais, comandos, fuzileiros e paraquedistas). Nunca é de mais evocarmos, nestas efemérides, o pesado sacrifício que foi pago pelos combatentes, de um lado e de outro, envolvidos nesta e noutras batalhas sangrentas da Guiné, ligadas a topónimos estranhamente começados por G (Guidaje, Guileje, Gadamael, Gandembel)...
Recorde-se, mais uma vez, para os eventuais leitores interessados, que há uma edição comercial do livro do AGA. Referência completa: António Graça de Abreu - Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp. (*) (LG)
Mansoa, 26 de Maio de 1973
A Guiné ferve, até de boatos. Tenho a vantagem de estar razoavelmente bem informado sobre o que vai acontecendo.
O PAIGC, confiante e moralizado, passou à ofensiva. Começaram há quinze dias atrás por se concentrar em Guidaje (**), na fronteira norte e agora sobre Guileje, na fronteira sul, as duas povoações trissilábicas, ambas começadas por “Gui”, sinónimo de desespero e morte.
Um alferes pára-quedista meu amigo que passou agora por aqui com os seus homens vindos de Guidaje a caminho de Bissau, rotos, sujos, barbas de dias, os olhos afundados no nada, disse-me: “Lá para cima é só ferro, não se pode ir.”
Guidaje, embora flagelada continuamente há mais de duas semanas, tem-se aguentado. Não se pode ir para lá, mas ontem quase toda a 38ª. Companhia de Comandos partiu para Guidaje. Os quarenta homens que lá haviam estado, com o nosso David Viegas que aí morreu, permaneceram em Mansoa. Já tinham tido um morto e o soldado Tavares sem um pé. Foi triste ver partir os restantes. Formaram a Companhia, saudaram toda a gente.
Antes houve bebedeiras, risadas secas a tentar afugentar o medo, a incerteza de voltarem vivos. A zona de Guidaje está cheia de guerrilheiros, a terra fica a quinhentos metros do Senegal – dizem-me que a pista de aviação entra por dentro do território do Senegal, – e, do outro lado, em Cumbamori no país do Senghor, os combatentes do PAIGC têm uma grande base militar.
A partir de Bissau, lançou-se uma operação com o batalhão dos Comandos Africanos, cerca de 500 homens, sobre Cumbamori. Saiu um comunicado especial das Forças Armadas onde se refere a destruição do quartel de Cumbamori, só não se diz que este quartel fica no Senegal, tudo mais está mais ou menos correcto. O número de elementos IN abatidos, cento e sessenta e sete no total, é que pode criar algumas confusões porque engloba civis, às vezes mulheres e crianças, tudo o que aparece à frente e é suspeito de estar com os guerrilheiros, é frequentemente abatido. Na retirada, os Comandos Africanos foram atacados por blindados senegaleses e sofreram vinte e tal mortos.
O pessoal anda amedrontado. Ontem na messe, ao jantar, quase todos saltaram das cadeiras, ouviu-se um rebentamento. Afinal era a porta do frigorífico.
O pessoal anda amedrontado. Ontem na messe, ao jantar, quase todos saltaram das cadeiras, ouviu-se um rebentamento. Afinal era a porta do frigorífico.
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Nota do editor:
(*) Último poste desta série > 6 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9859: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (15): Contam-se histórias tenebrosas sobre Gadamael...
(**) Sobre Guidaje temos mais de 140 referências no nosso blogue. Sobre a intervenção da CCP 12/BCP 12 bem como da 38ª CCmds ver aqui os seguintes postes de camaradas nossos:
Victor Tavares (CCP 121/BCP 12) [, foto à direita]:
9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida
26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1316: A participação dos paraquedistas na Operação Ametista Real: assalto à base de Kumbamory, Senegal (Victor Tavares, CCP 121)
Amílcar Mendes (38ª CCmds) [, foto à esquerda]
27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)
23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)
27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)
23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)
23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)
23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje
23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje
24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...
21 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1198: Antologia (53): Guidaje, Maio de 1973: o inferno (Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes)
(...) "Para cercar Guidaje, o PAIGC começou por cortar o itinerário de Binta e instalar sistemas antiaéreos com mísseis Strela. O isolamento aéreo de Guidaje iniciou-se com o abate de um avião T-6 e de dois DO-27 e o terrestre acentuou-se em 8 de Maio, quando uma coluna que partira de Farim, escoltada por forças do Batalhão de Caçadores 4512, accionou uma mina anticarro e foi emboscada, sofrendo 12 feridos.
Aniceto Afonso [, foto à esquerda,] e Carlos Matos Gomes, [, foto à direita,] historiógrafos militares [, tendo o segundo participado na Op Amestista Real, como oficial do BCA]
21 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1198: Antologia (53): Guidaje, Maio de 1973: o inferno (Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes)
(...) "Para cercar Guidaje, o PAIGC começou por cortar o itinerário de Binta e instalar sistemas antiaéreos com mísseis Strela. O isolamento aéreo de Guidaje iniciou-se com o abate de um avião T-6 e de dois DO-27 e o terrestre acentuou-se em 8 de Maio, quando uma coluna que partira de Farim, escoltada por forças do Batalhão de Caçadores 4512, accionou uma mina anticarro e foi emboscada, sofrendo 12 feridos.
"Em 9 de Maio, a mesma força foi de novo emboscada, mantendo-se o contacto durante quatro horas.
"A coluna portuguesa sofreu mais quatro mortos, oito feridos graves, dez feridos ligeiros e quatro viaturas destruídas, deslocando-se então para Binta, em vez de subir para Guidaje" (...).
(...) "Em 23 de Maio, saiu uma coluna de Binta para Guidaje protegida por uma companhia de pára-quedistas [, a CCP121]. A coluna regressou ao ponto de partida, porque a picada estava minada em profundidade, e a companhia de pára-quedistas, apesar de ter sofrido violenta emboscada feita por um grupo de cerca de 70 elementos, que lhe causou quatro mortos, chegou a Guidaje " (...).
"A coluna portuguesa sofreu mais quatro mortos, oito feridos graves, dez feridos ligeiros e quatro viaturas destruídas, deslocando-se então para Binta, em vez de subir para Guidaje" (...).
(...) "Em 23 de Maio, saiu uma coluna de Binta para Guidaje protegida por uma companhia de pára-quedistas [, a CCP121]. A coluna regressou ao ponto de partida, porque a picada estava minada em profundidade, e a companhia de pára-quedistas, apesar de ter sofrido violenta emboscada feita por um grupo de cerca de 70 elementos, que lhe causou quatro mortos, chegou a Guidaje " (...).
(...) "Em 29 de Maio, foi organizada uma grande operação para reabastecer Guidaje. Constituíram-se quatro agrupamentos com efectivos de companhia em Binta e dois agrupamentos em Guidaje, estes para apoiar a progressão na parte final do itinerário. A coluna alcançou Guidaje nesse dia, tendo sofrido dois mortos e vários feridos" (...).
(...) "Em 12 de Junho, considerou-se terminada a operação de cerco a Guidaje. Uma coluna partiu desta guarnição para Binta, trazendo o tenente-coronel Correia de Campos, que comandara o COP3 durante este difícil período.
"Baixas das colunas de e para Guidaje, entre 8 de Maio e 8 de Junho de 1973: Mortos: 22; Feridos: 70; Viaturas destruídas: 6.
"Em suma, o primeiro objectivo do PAIGC foi isolar Guidaje, o segundo foi flagelar a posição e destruir o espírito de resistência das forças portuguesas e o último seria conquistar a povoação.
(...) "Em 12 de Junho, considerou-se terminada a operação de cerco a Guidaje. Uma coluna partiu desta guarnição para Binta, trazendo o tenente-coronel Correia de Campos, que comandara o COP3 durante este difícil período.
"Baixas das colunas de e para Guidaje, entre 8 de Maio e 8 de Junho de 1973: Mortos: 22; Feridos: 70; Viaturas destruídas: 6.
"Em suma, o primeiro objectivo do PAIGC foi isolar Guidaje, o segundo foi flagelar a posição e destruir o espírito de resistência das forças portuguesas e o último seria conquistar a povoação.
"Guidaje sofreu, entre o dia 8 e o dia 29 de Junho, 43 flagelações com artilharia, foguetões e morteiros. Logo no dia 8 esteve debaixo de fogo por cinco vezes, num total de duas horas, em 9 sofreu quatro ataques, em 10 três, e até ao final todos os dias foi atacada. No total dos 43 ataques, a guarnição de Guidaje sofreu sete mortos, 30 feridos militares e 15 entre a população civil. Foram causados estragos em todos os edifícios do quartel" (...).
Sobre Op Ametista Real, ver ainda:
3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCVI: Salgueiro Maia e os seus bravos da CCAV 3420 (Guidage, Maio/Junho de 1973) (José Afonso)